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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

POLÍTICAS PARA A DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ESPECIAL A PARTIR DOS ANOS 1990
Ana Paula Hamerski Romero-SEED/SEMED Cascavel-PR
Amélia Kimiko Noma –UEM


RESUMO

O objetivo desse texto é enfocar alguns desafios impostos na implantação das políticas públicas de educação especial a partir da década de 1990, especificamente no contexto de intensificação da proposição de assegurar aos indivíduos as condições igualitárias de acesso educacional universalizado e com qualidade. Entende-se que o processo de efetivação das políticas educacionais para essa modalidade de educação escolar não ocorreu sem desafios e sem limitações. Para dar conta do que se pretende, considera-se a necessidade de compreensão do discurso que preconiza a igualdade de oportunidades e a ampliação do acesso educacional para todos os indivíduos, buscando-se, para este propósito, analisar parte das proposições presentes nas recomendações advindas das agências internacionais. Em específico, destacam-se as prerrogativas que enfatizam o favorecimento das oportunidades educativas a todos e do respeito à diversidade como elementos-chave para a consolidação de sociedade norteada pela justiça e igualdade.
Palavras-chave: Educação Pública, Políticas Públicas, Diversidade, Educação Especial

Introdução
O presente texto, incluindo-se no debate sobre as políticas públicas para a diversidade, focaliza as destinadas à educação especial a partir da década de 1990. Ao proceder a esse recorte tem-se presente a amplitude da relação entre diversidade e inclusão educacional que, no Brasil, abriga a educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena e diversidade étnico-racial. Entende-se que discutir a questão da diversidade implica assumir os desafios da educação escolar em atender às necessidades educacionais especiais de alunos em consonância com os princípios de inclusão escolar e de exercício da cidadania.
A delimitação temporal empreendida se justifica por considerar-se que a década de 1990 representou um processo de expressivas transformações na implementação da política educacional nacional, uma vez que acompanhou a tendência mundial da propalada oferta da educação básica para todos os indivíduos como uma das formas de constituição de uma sociedade justa e igualitária. Já a educação especial brasileira define-se como uma modalidade da educação escolar que perpassa todos os níveis de ensino e está fundamentada na utilização de referenciais teóricos e práticos adequados às necessidades específicas do seu alunado. De acordo com a pertinente legislação regulamentadora, deveria ser ofertada, preferencialmente, no ensino regular mediante serviços de apoio especializados ou em ambientes de ensino especializados de acordo com demandas mais específicas dos educandos.
No contexto investigado, houve a defesa da ampliação das oportunidades educacionais a todos os grupos, prioritariamente pelas vias do poder público, no sentido de ser assegurado pelo Estado. Tal defesa esteve ancorada no ideário da inclusão escolar, entendida aqui como o provimento de condições educacionais às pessoas com necessidades educacionais especiais no ambiente regular de ensino. Ao mesmo tempo, houve o favorecimento de estratégias de viabilização dessas oportunidades não circunscritas necessariamente à responsabilização do poder público. Dessa forma, tem-se que a proposta de ampliação do atendimento às pessoas com necessidades educacionais especiais foi, em parte, assegurada por meio de estratégias que propalam a participação das organizações sociais do terceiro setor na efetivação desse atendimento.
Entende-se que os fundamentos que dão sustentação à política educacional no Brasil não são gerados em âmbito exclusivamente nacional. Em decorrência disso, ao admitir vinculações de abrangência mundial, torna-se obrigatório considerar a influência direta ou indireta das instituições internacionais nas reformas de cunho neoliberal implementadas pelos governos, bem como no direcionamento das políticas públicas, dentre elas a educação.
Para cumprir o proposto, analisam-se as principais referências emanadas das agências internacionais, por entender-se que suas recomendações estão, em parte, alinhadas aos princípios que norteiam e definem a legislação educacional nacional. Para esse fim, busca-se interlocução com o conteúdo presente na Declaração de Educação para Todos, elaborada em 1990 e a Declaração de Salamanca, de 1994, em específico no que condiz à meta da ampliação das condições educacionais pelas vias da integração escolar. Apreende-se da legislação educacional nacional, especialmente das proposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional n. 9.394/1996, os princípios integradores, destacando-se os dispositivos que sugerem determinadas imprecisões na especificação de seu conteúdo. Destarte, estabelece-se interlocução com outros documentos produzidos na área, pelos próprios órgãos governamentais, bem como com a literatura pertinente.

Resultados e Discussão
Embora a defesa pela integração educacional já tenha sido pauta das políticas educacionais anteriores à década de 1990, foi a partir desse período que esse ideário assumiu uma dimensão maior e passou a constituir-se em referência principal do conjunto das diretrizes educacionais estabelecidas para essa modalidade da educação. Tal movimento esteve atrelado à tendência mundial em curso, que preconizava a oferta de educação básica para todos num contexto em que a luta pela democratização, sobretudo da educação básica, implicava a exigência de qualidade dos serviços, de acesso, de permanência dos alunos e de conclusão da escolaridade como um direito social.
A meta de garantia do acesso e permanência à educação, amplamente preconizada a partir da década de 1990, constitui-se parte de um conjunto de estratégias de políticas emanadas das agências internacionais, em específico a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Banco Mundial (BM). Considera-se o acesso à educação básica condição essencial para a reversão nas desigualdades sócio-econômicas. Um dos pontos que nitidamente está incorporado ao objetivo da educação para todos é a questão da formação dos valores humanitários, em que o viés da aceitação ou o respeito à diversidade constitui-se em um dos fios da complexa trama que sustenta o propósito dessa formação. Defende-se que “[...] a educação a que se tem direito deve promover os valores universais”, e entre estes estariam, “[...] a igualdade entre as pessoas, o respeito à diversidade, à tolerância e a não-discriminação” (UNESCO, 2004, p. 9).
Esses princípios são amplamente divulgados em documentos acordados internacionalmente, principais referências para os países, considerados em desenvolvimento, implementarem as suas metas educacionais. Dentre esses documentos, citam-se a Declaração Mundial de Educação para Todos, elaborada em 1990 e a Declaração Mundial de Salamanca, em 1994. Ambas contemplam, dentre as suas principais metas, a necessidade de favorecimento de condições igualitárias de acesso à educação, estendido a todos os indivíduos, indistintamente. Nesse contexto, a abordagem da diversidade, circunscrita na defesa incondicional da educação, independentemente das diferenças culturais, sociais ou econômicas, torna-se um dos imperativos a serem cumpridos pelos países. As proposições estão orientadas de modo a possibilitar que a escola repense o modelo de formação até então instituído, calcado na homogeneização, para um modelo que contemple as variadas necessidades e demandas educativas. Na Declaração de Salamanca, a questão da diversidade é abordada na perspectiva das necessidades educacionais especiais e as recomendações enfatizam basicamente as atitudes não-discriminatórias, não-segregativas, sendo que a ênfase recai no modelo de atendimento educacional integrador caracterizado, fundamentalmente, pelo acesso educacional na escola regular. Conforme o documento, a expressão “necessidades educativas especiais” refere-se "[...] a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem" (UNESCO, 1994, p. 17-18). Considera-se, também, que muitas crianças podem experimentar dificuldades de aprendizagem ao longo da vida ou apresentar uma determinada necessidade educativa especial em algum momento de sua escolarização (UNESCO, 1994).
A tônica dos princípios emanados das respectivas declarações foi assumida e integrada, evidentemente não de forma mecânica, pela política educacional nacional. Além disso, a legislação ampliou a defesa incondicional de garantia de condições igualitárias para todos os indivíduos, independentemente das suas condições de etnia, situação social, entre outras. Sobre essa questão, faz-se necessário considerar que, embora as agências internacionais exerçam influência significativa na elaboração das políticas sociais nacionais, tais políticas não são elaboradas nem implantadas somente com base em tais recomendações, uma vez que representam também expressão das lutas e conquistas sociais advindas das necessidades e demandas específicas dos países.
Na educação especial brasileira, o princípio integrador presente na Declaração de Salamanca incidiu na necessidade de reorganização dos sistemas educativos para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, a fim de garantir, assim, seu acesso e permanência sob condições igualitárias e de qualidade. Diferente das décadas anteriores, em que a educação especial situava-se à parte do sistema educacional comum de ensino, a partir da década de 1990, passa a ser referenciada como modalidade de educação escolar, conforme especifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/1996. A definição do alunado da educação especial, embora não conste na LDB/96, é explicitada na Política Nacional de Educação Especial como “[...] aquele que, por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, requer recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas[...]”. No respectivo documento ainda consta que “[...] genericamente chamados de portadores de necessidades educativas especiais, classificam-se em: portadores de deficiência (mental, visual, auditiva, física, múltipla), portadores de condutas típicas (problemas de conduta) e portadores de altas habilidades (superdotados)” (BRASIL,1994, p.13).     
No momento histórico em que se defende uma reorientação significativa das prescrições educacionais, deve-se compreender que o processo de implementação das diretrizes políticas para essa modalidade de educação escolar não foi desprovido de percalços e obstáculos, e muitos dos aspectos concernentes à efetivação de uma política realmente integradora parecem representar, ainda na contemporaneidade, em verdadeiros desafios a serem superados. Deve-se considerar, para efeitos de melhor compreensão da análise que se pretende, que a gestão das políticas públicas educacionais, em específico da educação infantil e das primeiras séries do ensino fundamental, são implementadas em regime de colaboração entre União, estados e municípios. Por essa razão, a concretização dessas políticas pode estar, em parte, determinada pelas exigências, possibilidades ou até mesmo limites dos sistemas de ensino pertencentes à circunscrição de cada município. Essa condição, por sua vez, traz implicações diretas no resultado concreto dessas políticas.  
Com relação aos desafios impostos, um deles consiste na variedade de interpretações que determinadas proposições legislativas podem sugerir, incidindo, assim, na possibilidade de diferentes tipos de direcionamentos no momento de implantação das políticas educacionais.  Como exemplo, há a referência à definição da educação especial, que conforme o artigo 58 da LDB/96, representa “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 2001, p. 24). O conteúdo especificado nesse artigo indica que a sua oferta deve ser efetivada no sistema de ensino dito regular. Entretanto, o termo “preferencialmente” tende a sugerir a disponibilidade desse atendimento não necessariamente no sistema regular de ensino, abrindo-se precedência para a sua efetivação em outros âmbitos educativos. Tendo-se em vista que a tendência é a orientação para a integração escolar, essa proposição pode incidir no não atendimento a esse direito, uma vez que, conforme explica Minto (2002, p.20), o indicativo“[...] preferencialmente pode ser o termo-chave para o não cumprimento do artigo, pois quem ‘dá primazia’ já tem a exceção arbitrada legalmente” (grifo do autor).
Outro ponto que pode induzir a interpretações diferentes e, de certa forma, comprometer o direito à educação com qualidade, diz respeito ao parágrafo primeiro do artigo 58 no qual estabelece que “[...] haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela da educação especial” (BRASIL, 2001, p. 24). Sobre esse dispositivo, compreende-se que a legislação reconhece a necessidade da existência desses recursos na escola regular para satisfazer as exigências educativas que determinados casos demandam. Porém, o indicativo “quando necessário” põe em dúvida os critérios utilizados para atestar-se em que circunstâncias educativas os serviços de apoio especializado seriam dispensados. Na análise de Carvalho (1998, p. 96), essa ressalva está indicada, uma vez que “[...] o apoio especializado será sempre necessário, seja ao próprio aluno, ao seu professor, principalmente se do ensino regular ou à sua família”.
Ainda no que concerne à legislação, em específico a que trata do nível de ensino correspondente à educação infantil, o parágrafo terceiro, artigo 58, prevê que “A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil”. Essa proposição poderá suscitar algumas dúvidas na forma de ser interpretada. Ao situar o início da oferta da educação especial não está esclarecido, de acordo com Minto (2002, p. 22), “[...] se o Estado se responsabilizará pela educação especial em todos os níveis de ensino”. Além disso, pelo fato de não estar especificado como esse nível de ensino deverá ser organizado para contemplar as demandas educacionais especiais, questiona-se se os estabelecimentos de educação infantil devem ter uma estrutura que realmente possa corresponder às necessidades dos alunos nessa faixa etária.
Não obstante o fato das proposições políticas de educação especial resguardarem, em parte de seu conteúdo, os entraves para a efetivação do direito à educação com qualidade, outros determinantes, não circunscritos ao corpo da legislação, também se constituem em verdadeiras imposições para o alcance dessa meta. Um deles diz respeito à constatação da limitação de dados e escassez de instrumentos que possibilitassem aferir as dimensões que o processo de extensão das oportunidades educacionais assumiu. Pelo fato da inexistência de dados quantitativos que possam conferir diagnóstico, não somente à demanda atendida pela educação especial como também dos tipos de atendimentos educacionais oferecidos nessa modalidade, pode-se afirmar que, no período compreendido entre 1990 e 1995, não se tem visibilidade do alcance do movimento da educação para todos no sistema educacional brasileiro. Isso significa que a dificuldade em desvelar essa realidade está associada, em grande medida, à ausência de dados educacionais oficiais e sistematizados sobre a demanda em educação especial. Prieto (2002, p. 54) enfatiza que “[...] é precária a produção de dados sobre os alunos com necessidades educacionais matriculados nas redes pública e privada de ensino. Esses dados ainda não revelam quantos deles estão fora da escola, o que indica que os procedimentos dos censos precisam ser aprimorados”. Uma das justificativas oficiais para esse fato, conforme explicitado no “Relatório EFA 2000 - Educação para Todos: Avaliação do ano 2000”, estaria relacionada à ocorrência de modificações na estrutura das esferas governamentais. Explica-se no documento que a extinção da Secretaria de Educação Especial no início dos anos de 1990 implicou uma desqualificação administrativa, sendo que o enfraquecimento político do setor “[...] afetou a coleta de dados estatísticos que refletiriam o atendimento especializado no país”, o que de certa forma implicou “[...] descontinuidade de propostas educacionais então em desenvolvimento, bem como à interrupção de diversos projetos executados com recursos de organismos internacionais” (BRASIL, 1999, p. 88).
Faz-se necessária a consideração de que, eventualmente, tem-se deparado com dados estatísticos das matrículas em educação especial na primeira metade da década de 1990, com referência a alguns estados brasileiros. Isso permite a constatação de que as iniciativas de contabilização da população com necessidades educacionais especiais foram efetivadas, nesse período, por conta de empreendimentos pontuais, conforme organização e interesses próprios a cada estado, não se disponibilizando, portanto, da uniformidade desses dados com abrangência nacional.      
A inexistência de indicativos seguros sobre a quantificação da população que demanda atendimento em educação especial, bem como a falta de dados concernentes à situação dos indivíduos que já usufruíam o sistema educacional na primeira metade da década de 1990 revela os pontos muito frágeis da política pública de “educação para todos” do período. A desarticulação entre os pontos que envolvem a prerrogativa da expansão a todos das oportunidades educacionais certamente tende a comprometer, em muito, a qualidade e credibilidade confiadas a esse empreendimento. A reflexão acerca dos procedimentos que deveriam nortear a proposta de implantação dessas políticas é desenvolvida por Prieto (2002), que considera que “O aprimoramento das políticas públicas no campo social depende que essas sejam submetidas a acompanhamento e avaliação sistemáticos”. Entretanto, caso isso não aconteça, adverte a autora, “[...] estaremos atuando com suposições às quais sujeitam as políticas à fragilidade e à descontinuidade” (PRIETO, 2002, p. 57). É nesse sentido, portanto, que o descompromisso dos órgãos governamentais, por sua vez alinhados a um contexto ancorado no escamoteamento dos direitos sociais, fragiliza, de maneira muito expressiva, as bases fundamentais para a concretização das políticas educacionais nacionais.
A histórica luta dos anos 1980 e 1990, pela democratização, sobretudo da educação básica, implicava a exigência de qualidade dos serviços, de acesso, de permanência dos alunos e de conclusão da escolaridade como um direito social. O Estado procurou atender de modo ambivalente a essa demanda resultante dessa luta. Por um lado, tomou medidas que buscavam dar respostas imediatas às manifestações sociais mais patentes e, por outro, procurou compatibilizar o atendimento das demandas com uma política de contenção dos gastos públicos sem, no entanto, abrir mão da direção do processo de mudanças. Tais reformas foram norteadas pelo propósito de reduzir os gastos públicos aplicados em proteção social, principalmente dos mais pobres, priorizando-se a assistência social aos mais vulneráveis socialmente, sobretudo a partir de fundos públicos criados para esse fim.
A reforma do Estado brasileiro nos anos 1990 significou a redução de sua atuação nas políticas públicas e sociais, a redefinição dos limites entre o público e o privado e a constituição da esfera do público não-estatal. Mudanças na relação entre o Estado e a sociedade civil resultaram na transferência da responsabilidade estatal de oferta e manutenção da educação para as organizações sociais e na institucionalização de desigual divisão de responsabilidades entre as esferas administrativas federal, estadual e municipal.
Nas orientações das agências internacionais, a retórica neoliberal que dá sustentação ideológica para a prática que associa política com os bons sentimentos é instrumentalizada pela simplificação dos problemas sociais. Significa que essa prática fomenta uma retórica humanitária com denúncias sobre as desigualdades e injustiças sociais, sem que isso se faça acompanhar de políticas efetivas para a sua superação. Nesse sentido, os princípios e valores humanos são colocados em relevância e são levados em conta para a busca da superação dos conflitos sociais. Isso sugere o entendimento de que a manifestação dos conflitos decorrem das inadequadas práticas pessoais, advindas das falhas na formação de valores, tais como a discriminação, o preconceito, a intolerância. A proposta da inclusão educacional, nesse contexto, assume representatividade e posição, por resguardar um significado moral que sugere a dissipação das distensões sociais.
Ao analisar criticamente os elementos que envolvem o ideário presente nas recomendações das instituições internacionais, Garcia (2004) explica que um dos matizes do conceito de inclusão está envolto por um conjunto de expressões que sugerem uma nuance humanitária. Conforme explica a autora, sob “[...] este signo encontram-se justiça social, coesão, solidariedade, pertencimento, que ao serem considerados politicamente corretos, legitimam os discursos em questão” (GARCIA, 2004, p. 10).
Nessa mesma lógica neoliberal, situa-se o ideário do respeito às diversidades, cujo significado, reconhece-se, é incontestável. Contudo, a tão preconizada diversidade, além de ser cultural e até mesmo pessoal, tem também raízes socias. A simples menção ao “respeito a esta diversidade”, embora politicamente correto, pode ocultar ou naturalizar a desigualdade que é social e, assim, impedir a sua contestação e seu enfrentamento. Com base nessa concepção reducionista, presssupõe-se que a adequada interferência nas questões humanitárias – o respeito às liberdades individuais, a compreensão, a tolerância, a amizade e a solidariedade – são consideradas suficientes para a minimização ou até superação desses desequilíbrios que são de ordem social e, portanto, estrutural.
Uma outra questão que complementa a análise empreendida diz respeito ao fato de que, estrategicamente, as instituições internacionais, ao abordarem e analisarem as condições sociais dos países, fazem-no de maneira focalizada, pois as soluções são pensadas para realidades julgadas específicas. É como se as problemáticas, que são de ordem social, fossem realidades vivenciadas por um grupo em específico. Assim, ao abordar-se o tema da desigualdade social, ele será referenciado de uma forma para os grupos de minorias étnicas; de outra, para as mulheres; ou ainda de outra, para os grupos das pessoas com deficiência, como se cada grupo congregasse especificidades distintas dos demais. Nega-se assim, a condição da desigualdade social articulada ao modelo capitalista de produção e, estrategicamente, fraciona-se a análise sobre as lutas sociais.

Conclusão
Neste estudo buscou-se analisar alguns desafios e apontar limitações no processo de implementação das políticas nacionais de educação especial a partir da década de 1990. A constatação desses limites, manifestos não somente nas diretrizes educacionais legais, como também no próprio processo de operacionalização dessas políticas como um todo, indica os pontos frágeis de sua sustentação. As possibilidades de concretização da “atenção à diversidade”, amplamente preconizada nas recomendações internacionais e reafirmada nas prescrições nacionais, conforme foi possível constatar, encontram-se reduzidas ou minimizadas.
Em relação à proposta da inclusão educacional, há que se considerar que as críticas empreendidas no presente estudo não devem sugerir a contestação da oferta educacional nos espaços comuns de ensino às pessoas com necessidades educacionais especiais ou a qualquer grupo que seja. Ao contrário, pois o acesso à educação, em uma instituição comum de ensino, é direito inalienável de todos os indivíduos e, por essa razão, os eforços devem estar concentrados para a promoção e a ampliação qualitativa da educação.
De forma similar, nossas críticas não devem ser entendidas como negação da importante luta e das conquistas obtidas em relação ao atendimento à diversidade e de inclusão educacional, pois essas inserem-se num processo amplo resultante de uma luta histórica. O que se questiona é a via pela qual o discurso da inclusão educacional ganha forma, trilhado no percurso da negação dos conflitos e das contradições sociais. Ressalta-se que o fato de criticar as políticas inclusivas de filiação neoliberal não deve ser interpretado como negação do movimento de inclusão educacional. Reconhece-se o direito inalienável de todos os indivíduos ao conhecimento historicamente acumulado, e entende-se o processo da inclusão como expressão de um avanço político conquistado em uma sociedade democrática que amplia os espaços de luta pelo atendimento e respeito à diversidade.

Alerta-se para que isso não seja confundido como adesão às políticas de cunho neoliberal, que propositalmente pressupõe a eliminação das políticas inclusivas de caráter universalizante e a adoção de políticas inclusivas focalizadas como o modelo ideal de política social, destituindo-as de seu caráter emergencial e temporário. Desmontar as armadilhas do ideário neoliberal tem como contrapartida lutar por políticas que mantenham o sentido público da educação, a materialização dos direitos sociais por políticas universalistas fundadas nos direitos sociais universais, a luta por políticas voltadas à concretização do princípio da igualdade material e social.

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