A equipe do Setor de Educação inclusiva, responsável pela organização da inclusão escolar no município de Cariacica vem instituindo desde 2002 uma política estruturada no apoio às escolas comuns e na formação continuada de professores. Assim, a equipe do Setor de educação Inclusiva “cerca” a questão da inclusão escolar, por um lado instituindo a política do professor itinerante/apoio para que ajude a escola. Por outro lado fomenta a política de formação continuada em contexto, trabalhando o cotidiano da escola, do professor para que se institua uma prática de inclusão escolar não dependente da figura do professor itinerante/apoio, mas como um processo coletivo de toda a escola.
Para nós é importante esse destaque, pois demonstra que o contexto das escolas pode influenciar as políticas públicas, se ele for considerado. A escola, o cotidiano da sala de aula precisa ser visto pelos administradores como o nascedouro das políticas públicas, porque em última instância é no contexto, na sala de aula, no ensino, na aprendizagem, nos recursos que as políticas são materializadas de forma negativa ou positiva. Entendemos, então, que essa proposta de apoio ao professor regente é de fundamental importância para a efetivação da inclusão. Dentro dessa ótica concordamos com Mendes ao enfatizar a necessidade de uma política de apoio às escolas:
No âmbito organizacional, a educação inclusiva exige a construção de uma rede de suportes ou apoios capaz de atender às necessidades de formação de pessoal, à provisão de serviços (centrados na escola, na comunidade ou na região) e ao planejamento e avaliação das diretrizes almejadas. No âmbito educacional, mais especificamente da educação escolar, seria necessário planejar, implementar e avaliar programas para diferentes alunos em ambientes da escola regular. Ressalta-se aqui a necessidade de ensino colaborativo ou cooperativo entre professores do ensino regular e consultores especialistas de áreas afins. (MENDES, 2002, p. 76).
Metodologia
Dentro dessa perspectiva, no ano de 2006, a equipe do Setor de Educação Inclusiva de Cariacica elaborou um projeto de formação continuada que contemplou quatro fases de estudos. A organização da formação continuada se configurou como uma “escuta” aos professores e também como uma ação da equipe em pensar uma inclusão escolar como desafio de toda a escola.
A compreensão histórico-cultural de desenvolvimento humano foi a base teórica que sustentou nossas atividades investigativas envolvidas na formação continuada em Cariacica, juntamente com a Equipe do setor de Educação Inclusiva, bem como com professores itinerantes/apoio e professores regentes, aos quais denominamos “pesquisador coletivo” nos termos de Barbier (1995; 2004). A formação continuada se constituiu em quatro fases, a saber:
Destacaremos neste artigo apenas a primeira fase que é caracterizada pela organização, planejamento, divulgação do projeto de formação continuada no município de Cariacica, difundido pelo Setor de Educação Inclusiva e no estudo do cotidiano escolar, no que se refere às necessidades educacionais especiais, angústias, dúvidas e desafios do professor no processo de implementação da inclusão escolar, tendo como público alvo os professores regentes, professores itinerantes/apoio e pedagogos.
Tínhamos como premissa ouvir os professores, elaborar a partir de seu cotidiano a formação, os estudos, a discussão em busca de outra lógica de ensino e de escola. Com essa intencionalidade, nessa primeira fase, a Equipe do Setor de Educação Inclusiva elaborou um documento endereçado à Secretaria de Educação do município, justificando a necessidade da implementação da formação continuada pertinente à inclusão escolar. Um trecho do documento e sua justificativa são destacados a seguir:
Dada a necessidade de promover a formação continuada e o investimento nos recursos humanos, promovendo o acesso ao conhecimento visando o desenvolvimento de todos os alunos do sistema municipal de ensino no processo de ensino-aprendizagem, o setor de educação especial propõe o projeto “Escola para todos em ação”. Este projeto tem por finalidade formar um grupo de estudos permanente, composto por pedagogos, diretores, professores regentes e professores especialistas... (PLANO DE AÇÃO, 2006, p. 1).
Desse documento podemos constatar dois grandes objetivos da equipe: promover, por meio da formação continuada, o investimento nos recursos humanos – o professor - e o acesso ao conhecimento. Esses dois objetivos desembocam na razão de ser da escola, da função docente que é o desenvolvimento, a aprendizagem do aluno.
O investir no professor significa possibilitar a esse profissional o destaque que tem sido retirado ao longo dos anos, registrado na História da Educação. Assim a formação continuada fomentada nessa primeira fase, foi elaborada de modo a contemplar a pessoa do professor como profissional. Abarcando suas expectativas, seu contexto e a vivência da docência.
Nesse sentido, Nóvoa (1995a, p. 33) instiga-nos à seguinte reflexão:
Com esses objetivos, o convite, aos professores da rede municipal de educação de Cariacica, à participação na formação continuada foi lançado. A proposta para a primeira fase se configurou em 10 encontros, com duração de três horas cada, perfazendo um total de 30 Horas. Acrescida às 30 Horas, soma-se 10 horas da proposta de elaboração e intervenção de projetos educativos na escola. Os encontros eram realizados à noite e tinham cinco grupos, tivemos um número de 218 participantes nessa primeira fase.
Cada grupo se reunia uma vez por semana com uma dupla formadora e um representante da Equipe do Setor de Educação Inclusiva e pesquisadora, durante os meses de junho, julho e agosto de 2006. Elegemos como ministradoras da formação continuada, as professoras de apoio e itinerantes. Sendo estas conhecedoras da realidade e cotidiano das escolas, poderiam aproximar de maneira mais clara às discussões e estudos à realidade do professor regente. Ao mesmo tempo essas formadoras se colocavam à prova, trazendo para os grupos questões teóricas e a própria prática dentro das escolas e realidade do município.
Nesse sentido as professoras itinerantes/apoio vão assumindo o lugar de intelectual como apontado por Giroux (1997) e a formação vai sendo dimensionada como espaço de produção de saberes. E como aponta Nóvoa (1995):
Não se trata de mobilizar a experiência apenas numa dimensão pedagógica, mas também num quadro conceptual de produção de saberes. Por isso, é importante a criação de redes de (auto)formação participada, que permitam compreender a globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo interactivo e dinâmico. A troca de experiência e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando [...] O desenvolvimento de uma cultura profissional dos professores passa pela produção de saberes e de valores que deêm corpo a um exercício autónomo da profissão docente. (NÓVOA, 1995, p. 25-26).
As cinco duplas formadoras tiveram uma extensão de carga horária de 80 horas mensais remuneradas, para efetuarem as atividades de planejamento coletivo e em dupla, além da mediação junto aos grupos. O planejamento coletivo era realizado com as cinco duplas formadoras e contava com a presença da Equipe do Setor de Educação Inclusiva e da pesquisadora. Não dispúnhamos de horário para planejamento nos turnos matutino e vespertino, devido às atividades de itinerância e de apoio às escolas. Assim planejávamos durante à noite, uma vez por semana das 18 às 21 Horas, durante todo o período de formação.
Resultados
No planejamento coletivo decidíamos a escolha dos textos a partir dos temas elencados pelos grupos de participantes da formação continuada. Os temas elencados emergiram a partir de um questionário distribuído no primeiro dia que continham quatro questões:
As respostas às perguntas 2 e 4 foram delineando os temas que os professores queriam discutir e estudar. As duplas formadoras analisaram as respostas de cada grupo e, depois cruzamos a totalidade dos dados, levantado categorias de temas e expectativas dos professores, para que a partir dessas categorias/temas fôssemos organizando os estudos. Destacamos abaixo as categorias/temas delineados pelos grupos de professores participantes:
1º Prática
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2º Hiperatividade
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3ºDeficiências
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4ºAutismo
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5ºDeficiência intelectual
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6ºInclusão/adapatação
escola
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7º Síndrome de
Down
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8º Avaliação
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9º Legislação
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10º Dificuldades de
aprendizagem
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A questão da prática do professor sobressai nas indicações, ganhando destaque como primeira grande temática inscrita na expectativa de estudo e aprofundamento dos professores participantes da formação continuada. A prática com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais é vista como algo totalmente fora da realidade dos professores. Alguns pensam que há uma maneira, um recurso, um currículo extraordinário que vai dar conta desse aluno. Quando na verdade a prática é a mesma, temos porém que pensar nos percursos que cada aluno poderá utilizar para alcançar os objetivos em sala de aula. É necessário pensar na singularidade de cada aluno. Nossa postura, nossa visão de homem e sociedade, de deficiência e de desenvolvimento é que vai direcionar nossa prática.
Algumas respostas relacionadas às questões contidas nos questionários entregues no primeiro encontro de cada um dos cinco grupos, denotam a expectativa de alguns professores em relação à discussão da prática como uma receita ou técnica específica para se trabalhar as necessidades educacionais especiais, como podem ser analisadas abaixo:
Essa falas representam, em parte, o imaginário dos professores de que a pessoa com deficiência mental ou deficiência intelectual tem muita dificuldade no processo de alfabetização. Assim, pensam que existe uma fórmula diferenciada para a alfabetização desses alunos.
Assim o grupo de formadoras juntamente com a equipe e pesquisadora, pesquisador coletivo, decidiu que o estudo e aprofundamento das práticas educativas com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais não poderia ser abordado em um encontro, mas seria um assunto que estaria presente no estudo de todos os outros nove temas. O pesquisador coletivo decidiu, então, que em cada estudo deveríamos trazer uma prática vivenciada em torno da questão em tela nos encontros, por meio de estudos de casos, relatos, pesquisas e experiências para reflexão dos professores participantes. Podemos relacionar essa decisão do pesquisador coletivo ao que Ferreira (2006) aponta em suas reflexões acerca da formação e prática do professor frente ao aluno com necessidades educacionais especiais:
A esses alunos os professores não sabem como ensinar e, de fato, não foram formados para ensiná-los. Por outro lado nossa produção também avalia que a maioria dos professores da educação especial tem pouca formação que os habilite a contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino comum, uma vez que têm se especializado de forma apartada da educação comum e centrada nas intervenções que minimizam os impactos gerados no desenvolvimento pelas especificidades da cegueira, da surdez, da deficiência física ou mental [...] Portanto, hoje a questão da inclusão educacional se mostra uma questão de formação docente do professor tanto do ensino comum como o do especializado no que diz respeito ao saber escolar e ao saber fazer para todos os alunos. Mais complexa fica a situação docente quando com a necessidade mais acentuada, que lhe exige significar o insignificável, ou seja, dar sentido ao que se mostra sem sentido consciente. Afinal, como compreender o fato de a criança passar horas olhando para um ralo, ou ficar fascinada com água da descarga do vaso sanitário e sequer estabelecer contato visual com a professora que conta uma bela história infantil toda ilustrada?
Discussão
Assim inscrito no mesmo desejo de Ferreira (2006), o pesquisador coletivo trouxe para os encontros com os professores participantes “exemplos de práticas” que pudessem auxiliá-los em suas reflexões acerca de uma outra lógica de ensino e no repensar de suas práticas.
As falas destacadas abaixo de professores que participaram da primeira fase da formação continuada em Cariacica denotam resultados positivos quanto às reflexões e posturas dos professores frente aos alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas:
Falas dos professores participantes retiradas dos portfólios das duplas formadoras:
Referências
ARAÚJO, Eliane Sampaio. Da formação e do formar-se a atividade de aprendizagem docente em uma escola pública. 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
FEREIRA, Maria Cecília Carareto. Os movimentos possíveis e necessários para que uma escola faça a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. In: JESUS, D. M; BAPTISTA, C.R; VICTOR, S.L. (Orgs.). Pesquisa e educação especial: mapeando produções. Vitória: Editora Edufes, 2006. p. 139-154.
MENDES, Inicéia Gonçalves. Perspectiva para a construção da escola inclusiva no Brasil. In:PALHARES, M.S.; MARINS, S.C. (Orgs.). Escola inclusiva. São Carlos: EdUFSCar, 2002.
PLANO DE AÇÃO – PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA – Escola para todos em ação. Secretaria Municipal de Educação – Setor de Educação Inclusiva. 2006.