http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/259.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIFERENTES OLHARES DOS MULTIPLICADORES DO PÓLO DE CORUMBÁ-MS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE REDES DE APOIO À INCLUSÃO
Ana Carolina Pontes Costa
(Acadêmica de Pedagogia/CPAN/UFMS)
Profª Drª Edelir Salomão Garcia
(Orientadora/DED/CPAN/UFMS)


A Educação Especial no Brasil, desde os tempos mais remotos, está pautada na luta por melhores condições de vida e de ensino para os deficientes. Desde as primeiras iniciativas o que se observa é que o governo ausentou-se, de uma certa maneira, na promoção de políticas que viessem beneficiar esta população e, assim, a iniciativa privada e, especificamente, as instituições de cunho filantrópico se encarregaram de atender o deficiente.
É importante ressaltar que a inserção da educação para deficientes teve lugar na política educacional em nosso país, no início da década de 60 do século XX, demonstrando o atraso do governo em contemplar a população com essa modalidade de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4024, de 1961, assegurou aos deficientes o direito à educação, indicando que esta deveria ser desenvolvida, dentro do possível, no sistema regular de ensino. Esta lei garantiu, ainda, à iniciativa privada o oferecimento de educação aos excepcionais1, além da destinação de verbas públicas às instituições privadas que fossem consideradas eficientes em suas ações pelos Conselhos Estaduais de Educação.

1  Termo utilizado à época na legislação vigente

Esse compromisso financeiro do poder público com a iniciativa privada se dava na forma de auxílios e repasses de verbas pelos serviços prestados, caracterizando que o poder público não havia assumido diretamente a educação especial, deixando-a a cargo das instituições privadas, principalmente, de caráter filantrópico – assistencial, ao longo do tempo (GARCIA, 2000).
Conforme destaca Mazzotta (1996), nesse “compromisso” dos Poderes Públicos com a iniciativa privada não ficou esclarecida a condição de ocorrência da educação dos excepcionais.

Esta circunstância acarretou, na realidade uma série de implicações políticas, técnicas e legais, na medida em que quaisquer serviços de atendimento educacional aos excepcionais, mesmo aqueles não-incluídos como escolares, uma vez considerados eficientes pelos Conselhos Estaduais de Educação, tornavam-se elegíveis ao tratamento especial, isto é, bolsas de estudos, empréstimos e subvenções (MAZZOTTA, 1996, p.68-69).

A Lei 5692 de 1971, que elaborou as diretrizes para o ensino de 1º e 2º graus, previa tratamento especial aos alunos que apresentassem deficiências física ou mental e os superdotados. Segundo Lemos (apud Garcia, 2006), a mudança ocorrida na política da educação brasileira, no limiar da década de 1970, deu um maior dimensionamento à Educação Especial e novas perspectivas foram abertas para o atendimento aos excepcionais.
A reforma do ensino através da Lei n.º 5692/71 atingiu, também, a Educação Especial e os seus efeitos fizeram se sentir a partir de então, principalmente, com a preocupação acerca da profissionalização do deficiente, característica dessa lei, sob o argumento de que era necessário que o deficiente participasse da sociedade, diminuísse sua solidão e garantisse parte de sua subsistência. Para tanto, eram oferecidas oficinas de ofícios manuais que, muitas vezes, tinham o sentido de “treinamento”, em prejuízo da educação fundamental (JANNUZZI, apud GARCIA, 2006). 
Na tentativa de expandir e redimensionar o atendimento a esses alunos, é que foi criado em 1973, do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) com o objetivo de planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da Educação Especial nos vários níveis de ensino, para excepcionais, com vistas a sua participação e integração na comunidade.
As diretrizes desse órgão, por sua vez, tiveram uma forte tendência em privilegiar a iniciativa privada, em detrimento dos serviços públicos, haja vista que a criação do mesmo se deu pela forte influência das entidades privadas e, principalmente, pela presença de pessoas ligadas às instituições, em cargos destinados à normalização do atendimento. (JANNUZZI, apud, GARCIA, 2006).
Assim, a década de 1970 é tomada pelo movimento em favor da integração, que visava à inserção dos excepcionais dentro da educação regular e da normalização que trazia o conceito de que o deficiente é uma pessoa com direitos e deveres iguais a qualquer pessoa (GOFFREDO, apud GARCIA, 2000).
Nos anos 80 foram desencadeadas algumas reformulações na Educação Especial, como a criação da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) e da Secretaria de Educação Especial (SEESP), essa, por sua vez, foi criada para substituir o CENESP, pois esse órgão se encontrava com seus objetivos esvaziados, além de não dispor de autonomia para resolver as questões referentes à Educação Especial.
Essas reformulações pouco alteraram as estruturas anteriores, mas passaram a desempenhar um papel importante para a área, no momento em que se tornaram mais presentes nas discussões em torno de leis e de suas regulamentações.
Segundo Edler Carvalho (apud GARCIA, 2000), a SEESP não conquistou o espaço almejado, mas encontra-se presente nas discussões e regulamentações de leis, o que se considera um grande avanço para a área.
As lutas e conquistas de diversos setores sociais na reivindicação de uma sociedade democrática caracterizou a década de 1980. Estas lutas culminaram com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como a Lei n.º 7853/89, que trata do direito à educação do “portador de necessidades especiais”, e o Estatuto da Infância e da Adolescência de 1990 que outorgaram sobre os direitos das pessoas com necessidades educacionais especiais, inclusive sobre a educação.
A década de 1990 foi marcada pela correlação de forças sociais no campo educacional brasileira, porém ela pode ser considerada um marco para a Educação Especial no Brasil, na medida em que houve intensa repercussão nacional acerca dos movimentos internacionais que objetivaram discutir e promover caminhos para a Educação Especial. A Conferencia Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, evidenciou que a educação básica deve ser oferecida para todos visando à universalização do acesso, promoção da igualdade, ampliação dos meios e conteúdos da Educação Básica e melhoria do ambiente de estudo. Essa declaração visa satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem e relembrar que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro (DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990 p. 02).
Outro importante documento internacional, gerado a partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizado em 1994, foi a Declaração de Salamanca que propôs a adoção de linhas de ação em Educação Especial, assinalando que

Todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalização. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, p. 17-18)

É nesse cenário que se institui o debate em favor de uma escola pública de qualidade para todos, inclusive para os deficientes.
A partir das lutas sociais a favor da escola para todos, bem como pelas pressões dos organismos internacionais de cooperação financeira é que a Educação Especial passa a ter um capítulo reservado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/Lei 9394/96.
De acordo com Ferreira (1998), a presença de um capítulo reservado à educação especial na nova lei parece ser relevante, pois reflete o seu crescimento em relação à educação geral, além de sinalizar a existência mais perceptível da área nas novas discussões, já que esta foi tão pouco contemplada no conjunto das políticas públicas brasileiras. Assim, o governo federal, através das legislações, continuou a promover a educação especial no Brasil, não significando que esta promoção tenha alcançado o campo das ações.
Como desafio, o governo passa a apresentar propostas de implementação da política educacional de inclusão com vistas à superação das práticas sociais vinculadas à segregação, exclusão e preconceito, rompendo com as relações que tradicionalmente são estabelecidas com os educandos com deficiência (ROSALBA, 2004).
Nesse sentido, cada aluno passou a requerer diferentes estratégias pedagógicas, não como medidas compensatórias, mas como um projeto educativo e social de caráter emancipatório e global, verificando, assim, a necessidade de reestruturar os sistemas de ensino, que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os alunos (BRASIL, 2001).
Nesse sentido, as políticas de inclusão parecem contribuir no recebimento das demandas de alunos com necessidades educacionais especiais, desconstruindo a cultura do direito ao lugar e iniciando a possibilidade e a preocupação com o aprendizado desse aluno.
Para tanto, é necessário que as escolas se reestruturem para atender a todos os alunos sem nenhum tipo de discriminação, valorizando as diferenças como fator de enriquecimento do processo educacional, superando barreiras para que todos participem e apreendam os conhecimentos historicamente produzidos, cumprindo com a função social da escola.
Nesta direção, o governo federal, através do Ministério da Educação, lançou em 2003 o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade no qual objetivou difundir a política de educação inclusiva nos municípios brasileiros, apoiando, assim, a formação de gestores e educadores para realizar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos, “adotando como princípio, a garantia do direito dos alunos com necessidades educacionais especiais de acesso e permanência, com qualidade, nas escolas da rede regular de ensino” (MEC, 2003).
O Programa conta atualmente com 144 municípios-pólo que tem como objetivo atuar como multiplicadores do programa, fazendo com que haja uma propagação destas propostas para outros municípios, tendo como objetivo abranger mais de 4.646 municípios. Com esse Programa

[...] o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial assumiu o compromisso de fomentar a política de construção de sistemas educacionais inclusivos apoiando o processo de implementação nos municípios brasileiros, reunindo recursos da comunidade e firmando convênios e parcerias para garantir o atendimento das necessidades educacionais especiais dos alunos (MEC, 2003).

O Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade tem como objetivo principal melhorar as condições de acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes regulares de ensino, atendendo esta nova clientela que há muitos anos faz parte, ou deveria fazer, das redes regulares de ensino no Brasil.
Dados do Censo Escolar/INEP comprovam a expansão do número de matrículas efetuadas pelas redes de ensino regular referente a estes alunos, sendo que em 1998 totalizavam 337.326 alunos e, em 2005, essa rubrica passou para 640.317. Um aumento efetivamente expressivo se considerado o intervalo de sete anos.
Segundo Pietro (2007), os programas de intervenção devem se pautar na análise e interpretação dos indicadores qualitativos e quantitativos que possam identificar e caracterizar as necessidades dos sistemas de ensino, com vistas à melhoria de sua qualidade. Destaca, ainda, que é necessário considerar as necessidades dos alunos, dos profissionais, das escolas, da rede de ensino e da comunidade, que é preciso garantir a provisão de recursos educacionais especiais, bem como de equipamentos, materiais e profissionais para atuar nesses espaços de ensino.
Os profissionais de cada município-pólo do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade são os interlocutores deste processo no encaminhamento das propostas de inclusão. Têm como tarefa repassar o conhecimento aos profissionais dos demais municípios participantes envolvidos na efetivação do Programa, fazendo com que os sistemas de ensino promovam, através da formação dos profissionais da educação e investimentos financeiros em recursos humanos, materiais e físicos, as ações necessárias à formação, adaptação e organização dos espaços, bem como a reestruturação curricular para atender esses educandos com necessidades educacionais especiais.
Nesta direção, o presente estudo tem por objetivo analisar a visão dos multiplicadores do pólo de Corumbá-MS sobre o processo de formação de redes de apoio à inclusão. Para tanto, serão participantes desse estudo os profissionais da educação de diversos municípios que participaram do curso de multiplicadores do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade no Pólo de Corumbá-MS.
A presente pesquisa será realizada em quatro etapas: revisão bibliográfica; identificação e localização dos participantes; coleta de dados; organização e tratamento de dados. A primeira etapa será realizada através do levantamento e análise de estudos bibliográficos que abordem as políticas sociais de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais. A etapa seguinte contará com o levantamento, junto à Secretaria Municipal de Educação de Corumbá, dos municípios que fazem parte deste pólo, bem como o mapeamento dos multiplicadores que participaram do curso de formação e respectivos endereços para contato, por se constituírem os sujeitos do presente estudo.
A próxima etapa desse estudo contará com a elaboração de um questionário a ser aplicado junto aos multiplicadores do pólo de Corumbá-MS para obtenção das informações sobre as expectativas em relação ao Programa, bem como a avaliação do processo de formação de redes de apoio à inclusão. O questionário será composto por questões de múltipla escolha, organizadas de acordo com a escala de Likert, como também por questões abertas para que os participantes possam expressar suas opiniões. A organização dos dados obtidos através do questionário dar-se-á através da sistematização e organização por participante, bem como entre eles, sob a forma de tabelas simples, de acordo com as categorias estabelecidas previamente. O dados serão analisados à luz de estudos teóricos.
Os resultados desse estudo poderão fornecer subsídios para que as políticas educacionais sejam submetidas ao acompanhamento e avaliação sistemática por parte dos órgãos responsáveis desse processo, bem como contribuir para o desenvolvimento de outros estudos que tenham como foco Políticas de Inclusão Escolar, tendo em vista que a constituição dessas redes de apoio à inclusão podem tornar-se um importante passo para que os serviços sociais, especialmente a educação, possam ser efetivados junto a esses educandos na perspectiva de garantir tais direitos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

BRASIL. Lei nº 4024 de 20 de dezembro de 1961, Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, de 21 de dezembro de 1961.

BRASIL. Lei nº 5692 de 11 de agosto de 1971, Estabelece as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus. In: BREJON, M. (org.). Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º graus. 20ª ed. São Paulo: Pioneira, 1988. 

BRASIL. Lei nº 7853, de 24 de Outubro de 1989. Brasília: CORDE. 1989.

BRASIL. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Acontece Especial. Piracicaba: UNIMEP, fev. 1997.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001. Institui as Diretrizes e Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de setembro de 2001. Seção 1E, p. 39-40.

BRASIL/Secretaria de Educação Especial. Educação Inclusiva: o direito à diversidade MEC/SEESP, 2003.

CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS. Declaração de Salamanca. Salamanca, 1994. Brasília: CORDE, 1994.

DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 5 a 9 de março de 1990). Brasília: UNICEF, 1991.

FERREIRA, Júlio Romero. A nova LDB e as necessidades Educativas Especiais. Cadernos Cedes. Campinas: CEDES, n. 46, set. p. 7 – 15, 1998.
GARCIA, Edelir Salomão. O percurso escolar de alunos de Classe Especial para Deficientes Mentais. 2000. 123 f. Dissertação. (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba
GARCIA, Edelir Salomão. Trajetória escolar de ex-alunos de classes especiais para deficientes mentais. 181 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Faculdade de Ciências e
Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2006.

GARCIA, Rosalba Maria Cardoso Políticas públicas de inclusão: uma análise no campo da educação especial brasileira. 2004. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação Especial no Brasil: histórias e políticas. São Paulo: Cortez, 1996. 68-69.
PIETRO, R. G. A construção de políticas públicas de educação para todos. Disponível em:<http://www.educacaoonline.pro.br/a_construcao_de_politicas.asp?f_id_artigo=151>. Acesso em 15 abr, 2007.