http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/261.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

DESENVOLVIMENTO DE UM SOFTWARE DE AUTORIA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIAS MOTORAS E NÃO-FALANTES NO CONTO E RECONTO DE HISTÓRIAS
HERCULIANI, Cristóvam Emílio
DELIBERATO, Débora
MANZINI, Edurado José
Unesp – Marília-SP


RESUMO

Alunos não-falantes, sejam eles da educação comum ou especial, podem encontrar dificuldades no seu aprendizado acadêmico em função da falta de instrumentos específicos de comunicação. Tanto o professor quanto os alunos não-falantes necessitam ser instrumentalizados para que o processo comunicativo ocorra de forma efetiva e, com isto, possa ocorrer o processo de ensino e aprendizagem com avaliação significativa da performance deste aluno. Por meio da informática, o software de autoria é um programa equipado com diversas ferramentas de multimídia que permite o desenvolvimento de uma variedade de atividades alternativas que possam estimular o desenvolvimento cognitivo, da linguagem e de autonomia. O objetivo deste trabalho foi desenvolver um software de autoria para alunos com deficiências motoras e não-falantes de três classes especiais no favorecimento de contos e recontos de histórias. Durante os primeiros quatro meses iniciais de encontros semanais, foram observados 10 alunos não-falantes utilizando quatro software nos procedimentos pedagógicos e direcionados para este fim. As atividades foram filmadas e registradas em um diário de campo, e posteriormente as filmagens foram assistidas e descritas em protocolo específico. A análise destes resultados foi organizada em categorias para o desenvolvimento do software de autoria. Os resultados indicaram a importância da identificação das habilidades dos alunos não-falantes no uso do computador e dos software para elaborar um software de autoria que atendesse as reais necessidades acadêmicas do aluno não-falante. Nos três meses seguintes foram dedicados: à seleção de figuras relacionadas com o vocabulário dos alunos, o planejamento pedagógico e suas atividades sociais e recreativas; ao desenvolvimento do software de autoria e à utilização do mesmo com os alunos.

Palavras chave: Software de Autoria. Educação Especial. Sistemas de Comunicação Suplementar e Alternativa.

Introdução

Alunos não-falantes, sejam eles da educação comum ou especial, podem encontrar dificuldades no seu aprendizado acadêmico em função da falta de instrumentos específicos de comunicação. Tanto o professor quanto os alunos não-falantes necessitam de instrumentos para que o processo comunicativo ocorra de forma efetiva e, com isto, possa ocorrer o processo de ensino e aprendizagem com avaliação significativa do desempenho destes alunos (CAPOVILLA, 2000; MANZINI, DELIBERATO, 2004).
Segundo Galvão Filho (2001), a criança com de alguma deficiência, por suas próprias limitações motoras e/ou sociais, que por muitas vezes, é agravada por um tratamento paternalista não valorizador de suas potencialidades, cresce com uma restrita interação com o meio e a realidade que a cerca. Freqüentemente, se não for estimulada de maneira correta, assume posições de passividade diante da realidade e na solução de seus próprios problemas diários. É condicionada a que outros resolvam os seus problemas e até pensem por ela. Conforme Valente (1991):
“As crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interagir com o mundo. Estas dificuldades podem impedir que estas crianças desenvolvam habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem”. (VALENTE, 1991, p.1).
Quando estas crianças com necessidades educacionais especiais ingressam em um sistema educativo tradicional, seja especial ou regular, freqüentemente vivenciam interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. São constantemente submetidas a um paradigma educacional no qual elas continuam a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submissão. São vistas e tratadas como receptoras de informações e não como construtoras de seus próprios conhecimentos (GALVÃO FILHO, 2001).
O termo Comunicação Suplementar e/ou Alternativa é utilizado para definir outras formas de comunicação como o uso de gestos, língua de sinais, expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada (GLENNEN, 1997). A literatura tem apontado a necessidade de elaborar recursos e procedimentos de comunicação alternativa para alunos não-falantes do ensino regular e especial e adequar as atividades em sala (MANZINI e DELIBERATO, 2004; NUNES, 2003; VON TETZCHNER, 2003).
Com a adoção de novas tecnologias no processo educacional, é possível trabalhar necessidades desiguais ao longo do processo, mediante métodos coletivos e cooperativos ao promover as discussões com os pares, problematizar e contextualizar conteúdos e informações. Isto porque em um ambiente informatizado, ao contrário do que se pensa, podemos trabalhar as necessidades individuais utilizando metodologias adequadas. É preciso ressaltar que, o computador sozinho não provoca a melhoria da qualidade da educação, ele por si só não é agente de nada. O que qualifica o uso desse instrumento na educação é a melhoria da qualidade da interação professor-computador-aluno e que vem sendo a principal justificativa para a utilização dos recursos informáticos na educação.
A informática tem sido uma das áreas de importância fundamental na educação no que se refere aos recursos de acesso comunicativo para alunos não-falantes, propiciando ações de inclusão social e acadêmica. A utilização de recursos da informática na área de educação especial tem um papel importante para facilitar e socializar a produção de novos conhecimentos, além de tornarem importantes elementos de mediação e transformação da prática pedagógica convencional (BARANAUSKAS, 1993).
A importância das novas tecnologias e a necessidade de se trabalhar com os computadores dentro de uma pedagogia de reestruturação de conhecimentos precisam ser considerados, ao invés de priorizar uma tecnologia de reprodução de informações, assim a informática nos conduz a uma metodologia pela qual toda educação é um processo especial (BUSTAMANTE, 2003).
A utilização do computador na educação vem demonstrando ser um grande auxílio no processo de ensino-aprendizagem. Uma das formas desta utilização é através de software educacional para auxiliar um estudante no aprendizado de um determinado conteúdo. Um software educacional possui o objetivo de auxiliar o professor no processo de ensino-aprendizagem, fazendo com que o mesmo tenha a seu dispor valiosos recursos para ajudá-lo com seus alunos (CURY, 1996; AZEVEDO, 1997).
A primeira tarefa do professor que se propõe a analisar um software educativo é identificar a concepção teórica de aprendizagem que o orienta, pois um software para ser educativo deve ser pensado segundo uma teoria sobre como o sujeito aprende, como ele se apropria e constrói o seu conhecimento. Numa perspectiva construtivista, a aprendizagem ocorre quando a informação é processada pelos esquemas mentais e agregadas a esses esquemas. Assim, o conhecimento construído vai sendo incorporado aos esquemas mentais que são colocados para funcionar diante de situações desafiadoras e problematizadoras (SILVA, 2000).
O chamado software educacional, no entanto, apresenta uma variedade de tipos e de qualidade muito diversificada, indo daqueles que reproduzem maus livros didáticos até aos que criam verdadeiros laboratórios virtuais. Dentro da concepção construtivista, um software para ser educativo deve ser um ambiente interativo que proporcione ao aprendiz investigar, levantar hipóteses, testá-las, dessa forma o aprendiz estará construindo o seu próprio conhecimento. A fim de auxiliar no processo de seleção dos softwares, algumas regras básicas são apresentadas em relação ao software:
·    deve estimular a criatividade;
·    auxiliar no processo de desenvolvimento do raciocínio e estruturação do pensamento;
·    respeitar o processo de maturação da criança;
·    os cenários e as propostas precisam estar coerentes com o dia-a-dia da criança;
·    oferecer condições para a criança participar de forma ativa do processo criativo;
·    e tornar o aprendizado mais real, através da prática.
Segundo Tatizana (2001), o software de autoria é um programa equipado com diversas ferramentas que permitem o desenvolvimento de projetos multimídia. Sem ter conhecimentos de programação o aluno e/ou o professor poderá criar projetos agregando elementos como sons, imagens, vídeos, textos, animações, entre outros recursos. Esse tipo de software desenvolve a criatividade do aluno que trabalha como o autor. Neste tipo de material pode-se trabalhar tanto com a exposição de dados, quanto com a construção do conhecimento. A relação ensino-aprendizagem fica mais dinâmica, mais autônoma e contextualizada, com os docentes e alunos trabalhando juntos durante o processo de criação e não exigem dos participantes, conhecimentos profundos de informática que poderiam dificultar o aprendizado, como também o tempo gasto para assimilar tais conceitos.
A pesquisa neste tipo de software torna-se uma atividade prazerosa porque é de fundamental importância para o conteúdo do projeto que esta sendo desenvolvido. O aluno desenvolve sua autonomia, organizando as informações, podendo o docente assumir o papel de orientador dentro do processo de confecção dos materiais indo de encontro à metodologia do construcionismo contextualizado.A relação ensino-aprendizagem fica mais dinâmica, com os professores e alunos trabalhando juntos durante o processo de criação (VALENTE,1998).
O objetivo deste trabalho foi desenvolver um software de autoria para alunos com deficiências motoras e não-falantes de três classes especiais no favorecimento de contos e recontos de histórias.

Método

Dando cumprimento às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido à avaliação por Comitê de Ética, vinculado à Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, seguindo as recomendações vigentes, que tomou ciência e aprovou conforme o parecer nº 0353 /2007. O termo de consentimento livre e esclarecido foi o primeiro passo utilizado com a família, a fim de obter a autorização para a realização da coleta de dados com os sujeitos selecionados.
Este pesquisa foi realizada em uma escola com três salas de educação especial de Marília EE Bento de Abreu Sampaio Vidal para alunos com deficiência física, sendo uma, no período matutino e as outras duas, no período vespertino. O critério de inclusão dos participantes foi: ser aluno não-falante, apresentar compreensão preservada, conseguir ter acesso ao computador, não apresentar deficiência múltipla e freqüentar diariamente as classes especiais de uma escola estadual da cidade de Marília.
Após a análise dos resultados iniciais das categorias identificadas para o desenvolvimento do software de autoria, este estudo constou da seleção das figuras de comunicação do software Boardmaker (MAYER-JOHNSON, 2004), do desenvolvimento do software e da utilização do software confeccionado com os alunos.

Resultados e Discussão

A seleção do conteúdo das figuras ocorreu seguindo o vocabulário estudado pelos alunos no dia-a-dia escolar, desde o plano pedagógico até as atividades sociais e recreativas. Os critérios de seleção deste instrumento foram: reconhecimento das figuras por parte dos alunos, número de símbolos disponíveis no software, padronização internacional, facilidade no uso e símbolos utilizados na rotina dos alunos.
O software começou a ser desenvolvido em Flash, que é um software primariamente de gráfico vetorial capaz de suportar imagens bitmap e vídeos, utilizado geralmente para a criação de animações interativas, desenvolvido e comercializado pela Macromedia. Os arquivos executáveis gerados pelo Flash, chamados de SWF (Small Web File), podem ser visualizados em uma página web usando um navegador web, ou utilizando-se o Flash Player (PONTO FLASH, 2007).
Após o desenvolvimento do software, este foi utilizado três vezes com cada um dos alunos deficientes não-falantes selecionados. As atividades foram realizadas no computador da sala de aula dos alunos perante agendamento prévio com a professora responsável. Durante o uso do software, as atividades foram filmadas e descritas no caderno de registro continuo para que o pesquisador pudesse observar repetidamente e comparar às situações observadas e registradas no caderno de registro.O software foi realizado em três momentos distintos. No primeiro momento, o pesquisador explicou o funcionamento do programa aos participantes separadamente, antes dos mesmos começarem a utilizá-lo. Durante a utilização e observação da filmagem realizada, o pesquisador constatou uma interface com algumas dificuldades, como a não separação dos menus com o local de trabalho, a ausência de um ícone para a exclusão de figuras e a proximidade do pincel com o término do programa. A velocidade na seleção das figuras também foi uma outra dificuldade sentida por todos os participantes, visto que, quando aparecia o quadro de seleção, a quantidade de figuras superava o tamanho do quadro, fazendo com que os alunos tivessem que realizar com o mouse o movimento “para baixo” e “para cima” com muita velocidade.
Figura 1: Primeira versão do software desenvolvido na seleção de figuras.
No segundo momento todas as dificuldades acima relatadas na utilização do software sofreram alterações, como o ícone de saída do programa foi deslocado para o canto superior direito, foi criado o ícone para a exclusão de figuras e “apagador”, foram inseridos novos grupos de figuras, como números, vestuário, cores, corpo humano e escola, e também foi criada a separação (quadro branco) do local de inserção de figuras e desenho. Desta forma, novamente os participantes realizaram as operações, onde os alfabetizados sentiram a necessidade de palavras para a comunicação.

Figura 2: Segunda versão do software desenvolvido.

Para um melhor entendimento o software foi utilizado por uma pessoa da área de educação especial de experiência com alunos não-falantes. Foi sugerida a inclusão de mais categorias de figuras para a elaboração de frases e pequenas histórias, como também o alfabeto, verbos e palavras das histórias trabalhadas com os alunos. Todas estas especificações relatadas foram modificadas e incluídas no software para uma melhor operação dos alunos deficientes não-falantes realizada no terceiro momento da pesquisa por todos os participantes. Neste momento, como é mostrada na figura 3, o participante quis dizer ao pesquisador que tinha feito ginástica naquele dia e que iria assistir futebol.

Figura 3: Frases utilizando vogais, verbos (figurados) e figuras.

Outro ponto relatado pela pessoa da área de educação especial e também notado pelo pesquisador foi a ausência de palavras usadas no dia-a-dia das crianças, de verbos, de preposições, de pronomes etc. para os alunos alfabetizados, visto que, era lento a inserção de letras na formação de palavras e frases. A figura 4 mostra o uso de palavras prontas.

Figura 4: Frases elaboradas com palavras existentes.

Considerando o objetivo deste trabalho, é notório que o desenvolvimento de software educativos precisa ter uma abordagem pedagógica para ser um recurso educacional mais efetivo. Com as novas maneiras de utilização dos software como um recurso que favorece e enriquece o processo de aprendizagem, é possível alterar o paradigma educacional hoje centrado no ensino para algo centrado no aprendizado. Os software educativos devem dar maior autonomia ao aluno na produção de seus conhecimentos e interesses, estimulando sua criatividade e tornando seu trabalho mais prazeroso.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, B. F. T. Tópicos em Construção de Software Educacional. 1997. Dissertação (Mestrado em Informática)- Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1997.

BARANAUSKAS, M.C.C. Criação de Ferramentas para o Ambiente Prolog e o Acesso de Novatos ao Paradigma em Lógica. 405 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Engenharia Elétrica, Unicamp, Campinas, 1993.

BUSTAMANTE, S. B. V. Repensando a Informática em Ambientes de Educação Especial. 2003. Disponível em: <http://www. proinfo.mec.gov.br/biblioteca/textos/default. htm> Acesso em: 10 jan. 2007.

CAPOVILLA, F. C. Comunicação alternativa: Modelos teóricos e tecnológicos, filosofia educacional e prática clínica. In: Manziini, E. J. (Org.). Educação Especial. Marília: UNESP Publicações, 2000.

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GLENNEN, S. L. Introduction to augmentative and alternative communication. In: GLENNEN, S. L e DeCOSTE D. C., (Orgs.). Handbook of Augmentative and Alternative Communication. San Diego: Singular Publishing Group, Inc., 1997. p. 3-20.

MANZINI, E. J.; DELIBERATO, D. 2004. Portal de ajudas técnicas para a educação: equipamento e material pedagógico para educação, capacitação e recreação da pessoa com deficiência física - recursos para comunicação alternativa. Brasília: Mec/Secretaria de Educação Especial. Fascículo 2, 52p. il. ISBN 85-86738-22-0.

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PONTO FLASH: truques e dicas. Disponível em: <http://www.pontoflash.com.br>. Acesso em: 02 Jul. 2007.

SILVA, V. S. P. Informática Educacional Repensando o uso dos Computadores nas Escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Dissertação (Mestrado em Mídia e Conhecimento) - Engenharia de Produção. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2000. Disponível em: <http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/5860.pdf> Acesso em: 10 jan. 2007.

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