http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/271.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

A FAMÍLIA COMO AGENTE DA APRENDIZAGEM DA CRIANÇA SURDOCEGA – ATIVIDADES DE ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÃO DE AUTONOMIA PARA CRIANÇAS SURDOCEGAS DE 0 A 6 ANOS – UM ESTUDO DE CASO
Marcia Maurilio Souza
Assistente Social, Especialista em Educação de Pessoas Deficientes Sensoriais e Deficientes Múltiplas Sensoriais, Mestranda da Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação em Educação e Psicologia.
AHIMSA – Associação Educacional para a Múltipla Deficiência


RESUMO:

Este trabalho mostra a importância da capacitação da família para a efetiva participação na educação de um filho surdocego, pois o impacto do nascimento de uma criança deficiente em uma família é muito grande e quando esta criança é surdocega, as dificuldades são multiplicadas; principalmente as dificuldades de comunicação e comportamentos, o que torna a inclusão desta criança nas atividades cotidianas e na comunidade em geral, uma tarefa desafiadora. Um programa educacional que acolhe esta família e a orienta em relação a estas dificuldades é essencial. Este programa deve capacitar a família para a inclusão do surdocego através do conhecimento de sua comunicação, na conscientização da necessidade de rotinas e na participação em atividades de vida autônoma e social.

Introdução:
Este trabalho foi desenvolvido como tema de monografia para conclusão do curso de “Pós-Graduação de Formação de Educadores de Pessoas Deficientes Sensoriais e Múltiplas Deficientes Sensoriais” na Universidade Presbiteriana Mackenzie no ano de 2005. Refere-se a um estudo de caso de uma criança surdocega por seqüelas da prematuridade extrema, que tem deficiência visual, perda auditiva leve e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.

No caso estudado, a criança surdocega estava sendo atendida na escola AHIMSA – Associação Educacional para a Múltipla Deficiência, em um programa diferenciado, GAI – Grupo de Atendimento Infantil, em que a mãe está presente durante o atendimento e é orientada em como fazer as atividades. Este trabalho também procurou demonstrar os benefícios e o aproveitamento que a criança surdocega tem em um processo de aprendizagem desta natureza, quando sua família assume o papel, consciente ou inconsciente, de agente de sua aprendizagem, sendo a mediadora do mundo para esta criança.


Metodologia:
No trabalho utilizamos como base para a análise o período de estágio na AHIMSA – Associação Educacional para Múltipla Deficiência. Este estágio teve duração de 40 horas, das quais 20 horas foram de observação do atendimento educacional e 20 horas de intervenção. Durante o período de observação pudemos também fazer uma visita domiciliar para observar a dinâmica da família e entrevistar a mãe.


Resultado:
Após o período de estágio de observação, chegamos à conclusão de que seria importante para J. e para sua família desenvolver uma atividade de intervenção em orientação e mobilidade, pois sendo J. uma criança surdocega com deficiência visual e dificuldades motoras, esta intervenção seria de grande utilidade para uma melhor autonomia em ambientes familiares (abordagem ecológica), e capacitando a mãe passando estas orientações (PALACIOS, 2002), sendo que poderiam ser reproduzidas em outros ambientes em que J. freqüenta.

Outro motivo que nos levou a escolha desta atividade é que as técnicas de orientação e mobilidade poderiam ser utilizadas de forma natural, numa abordagem ecológica, como por exemplo nos deslocamentos de J. pela escola para realizar as atividades propostas pela professora. Assim como, pelo curto período de estágio (20 horas), esta atividade poderia ser repetida por várias vezes.

Sabendo-se que o programa desenvolvido para J. no primeiro semestre de 2005, tinha como principais objetivos:
)     ampliar a linguagem dando oportunidades de interação com o outro e o meio;
)     ampliar a comunicação oferecendo novas oportunidades e formas de expressão;
)     estabelecer uma rotina e antecipar os acontecimentos;
)     proporcionar maior participação na vida social, buscando o não isolamento pela falta de comunicação.
)     melhorar sua orientação e mobilidade em ambientes familiares.

Esta atividade viria de encontro aos objetivos a serem atingidos, sendo assim os objetivos foram:
·    Desenvolver atividades de Orientação e Mobilidade em um contexto ecológico como instrumento para aquisição de autonomia para crianças surdocegas de 0 a 6 anos.
·    Orientar a família durante a participação na atividade como forma de formação para aplicação das técnicas de orientação e mobilidade no dia-a-dia da criança surdocega.

Devemos mencionar ainda, a importância da criança surdocega ter seu dia-a-dia organizado através de rotinas, Serpa (2003), com as atividades antecipadas em ambientes estruturados e a participação das mesmas pessoas. Nesta atividade de orientação e mobilidade durante o estágio tivemos todos esses itens garantidos, um ambiente organizado, um mesmo caminho a ser percorrido, as mesmas pessoas participando e as antecipações necessárias.

Outro item importante que procuramos observar na aplicação da atividade foi em relação às formas de comunicação a serem utilizadas. J. entende palavras e ordens simples através da fala e naquela oportunidade, a professora também introduziu alguns objetos de referência para as atividades para ampliar sua comunicação expressiva. O objeto de referência para a atividade de alimentação era uma fraldinha que a mãe amarrava em seu pescoço como um babador, e durante o percurso mantínhamos uma conversação oral com J., sempre com frases simples e palavras chaves.

Levamos também em consideração o fato de que a orientação e mobilidade para crianças, principalmente na faixa etária de 0 a 6 anos, faz parte do seu dia-a-dia e está presente em todas as atividades que esta realiza. A sua mobilidade vai ganhando orientação espacial associada às texturas e pistas dos ambientes, que mais tarde, ajudam na formação da memória espacial e na exploração de mapas táteis, formando assim, um arquivo de mapas mentais de diversos lugares e ambientes. Já com jovens e adultos que se tornam surdocegos ou deficientes visuais, a orientação e mobilidade ganha a característica de reabilitação, na qual se pode reaprender caminhos e lugares antes percorridos e após essa fase, incorpora-se naturalmente a sua vida.

Para organizar a atividade com J. usamos as seguintes estratégias, tendo como base as metas a serem atingidas em orientação e mobilidade (GIACOMINI, 2002) e restringindo-nos as técnicas básicas de orientação espacial e auto proteção:
)     Escolha do percurso: da sala de trabalho para o refeitório e do refeitório para a sala de trabalho, pois é um caminho que tem objetos e referências de interesse para a criança, facilitando a sua aceitação em tocar e reconhecer as pistas do caminho. Esse caminho é realizado no horário do almoço e na atividade de fazer o lanche.
)     Estimular para o rastreamento: incentivando a criança a tocar a parede aos poucos, para que com o tempo, o fizesse de forma natural.
)     Localização de objetos e familiarização do ambiente: incentivando a criança a tocar nos objetos do percurso, para sentir suas diferenças de material, temperatura, textura, etc, e assim familiarizar-se cada vez mais com o ambiente.
)     Utilização de pontos de referência, pistas táteis e olfativas em que a criança podia interagir, como por exemplo: bebedouro, em que sentia a água em sua mão, a pia em que lavava a mão para depois comer, a fruteira em que podia tocar as frutas e cheirá-las.
)     Orientação para a mãe: mostrando e orientando a mãe a todo o momento, quando eu interagia com a criança e quando ela interagia, explicando o porquê do que se estava sendo feito.

Discussão:
Ao final do período de intervenção pudemos observar que a mãe assimilou as orientações e reproduziu-as de forma bem natural, assim como, constatamos através de alguns de seus depoimentos, que havia incorporado esta prática ao seu dia-a-dia, em sua casa e em locais que J. freqüenta. Pudemos também constatar o fato após três semanas que J. faltou na escola, mesmo assim a mãe reproduziu o caminho com a criança sem que fosse preciso uma intervenção minha ou da professora.

Observamos também que J. assimilou bem a técnica de rastreamento, aceitando e fazendo naturalmente esta técnica na parede, portas e objetos do percurso. J. conseguia antecipar as referências e objetos do percurso e interagia com eles, colocando sua mão para sentir a água do bebedouro e cheirando as frutas da fruteira.

Durante todo o período de intervenção pudemos observar a participação da mãe no processo de aprendizagem de J., facilitada pelo programa em que J. está inserida. A importância da participação da família neste processo para o surdocego é primordial, posto que o surdocego aprende pela experiência, pelo fazer e não se fazendo por ele. Neste programa a família aprende a ser a mediadora do mundo para a criança surdocega, mediando suas experiências na vida diária e comunitária.

Outro fator que pudemos observar durante o estágio foi a família como participante ativa no processo de planejamento escolar. Isto se dá através do diálogo constante entre família-professor-coordenação, que faz da família parte integrante da equipe. Este trinômio é um facilitador do processo de aprendizagem da criança surdocega, pois a família ouvida, entendida e atendida em suas necessidades em relação à criança sente-se mais segura para educá-la e conseqüentemente consegue incluir seu filho surdocego nas atividades, primeiramente nas mais comuns, do dia-a-dia da família: nas brincadeiras com irmãos, na preparação e hora das refeições, nos cuidados pessoais. Depois nas comunitárias que a família costuma participar: na igreja, no supermercado, nas festas de família e amigos e outras. Todas estas atividades que parecem corriqueiras para qualquer pessoa, muitas vezes são impossíveis de se participar com uma criança surdocega.

A importância da família estar preparada para lidar com seu filho em todos os momentos, conhecendo verdadeiramente as necessidades desta criança é primordial para o seu processo de aprendizagem.

Referências Bibliográficas:
BRASIL, Ministério da Educação. Caminhando Juntos: Manual das habilidades básicas de orientação e mobilidade. Elaborado por J. A. de M. Felipe; Colaboração M. G. B. da Mota...[et al.]. Brasília: MEC, SEESP. 2003. 56 p.

_____, Ministério da Educação. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades de comunicação e sinalização – Surdocegueira / múltipla deficiência sensorial. Elaborado por Profa. Ms. F. A. A. C. Nascimento, Profa. S. R. Maia. 2ª ed. rev. Brasília: MEC, SEESP, 2003. 79 p. (Educação Infantil; 6)

GIACOMINI, L., Orientação e Mobilidade: um passo à frente para a autonomia do surdocego e do múltiplo deficiente sensorial. 2002. 47 f. Monografia (Pós-gradução - Especialização em Formação de Educadores de Pessoas com Deficiências Sensoriais e Múltiplas Deficiências) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2002.

JONG, C. G. A. de, ZAMBORE, A. M., Currículos do modelo funcional para crianças e jovens com múltiplas deficiências. ICEVI

PALACIOS, A. C., Intervenção precoce e liderança da família: reflexões sobre as características da intervenção em crianças com múltipla deficiência. In MASINI, E.F. S. (Org.). Do Sentido... Pelos Sentidos... para o Sentido. Niterói: Intertexto; São Paulo: Vetor, 2002. p. 169-180.

PORTUGAL. Ministério da Educação - Direcção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular. Avaliação e Intervenção em Multideficiência. Centro de Recursos para a Multideficiência (CRM). Lisboa: CERCI, 2004.

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SERPA, X. Manual Para Pais de Surdocegos e Múltiplos Deficientes Sensoriais. Traduzido por Lilia Giacomini. São Paulo: Liotti Del Arco, 2003.

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VIÑAS, P. G., La educación de las personas sordociegas. Diferencias y proceso de mediación. In REY, E. R., VIÑAS, P. G. (Coord.), La sordoceguera: Un análisis multidisciplinar. Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE). Madrid: Studios, 2004. p. 309-361.