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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO BRASIL: DO PERÍODO COLONIAL À LDB 9394/96
Isa Regina Santos dos Anjos
Universidade Federal de São Carlos


RESUMO

Este texto pretende trazer uma retrospectiva sobre a educação profissional de pessoas com necessidades educacionais especiais, e para embasar teoricamente as reflexões apresentadas sobre o tema, serão apresentados alguns aspectos da legislação educacional brasileira.



No Brasil, a educação profissional para pessoas com necessidades educacionais especiais vem sendo amplamente discutida no âmbito da Educação Especial, a partir do pressuposto de que o trabalho constitui-se em uma via de inclusão social dessa população e, conseqüentemente, em uma forma de propiciar a aquisição de conhecimentos teóricos, técnicos e operacionais, relacionados à produção de bens e serviços, sejam estes desenvolvidos na escola ou nas empresas. 
Mendes (2001) aponta que autores que se dedicaram à História da Educação Especial no Brasil, dentre eles Bueno (1993), Jannuzzi (1992), Mazzotta (1996) e outros, ilustram uma exclusão no período colonial, entre a vigência da Constituição de 1889 até 1920, no qual prevalecia um descaso com relação à educação voltada para as minorias e cujas raras instituições existentes atuavam pautadas em uma concepção médico-pedagógica.
Durante esse período, os colégios e as residências dos jesuítas se constituíram nos primeiros núcleos de formação profissional, ou seja, as “escolas-oficinas” de formação de artesãos e demais ofícios.
A primeira notícia de um esforço governamental em direção à profissionalização data de 1809, quando um decreto do Príncipe Regente, futuro D. João VI, criou o Colégio das Fábricas, logo após a suspensão da proibição de funcionamento de indústrias manufatureiras em terras brasileiras. Posteriormente, em 1816, era proposta a criação de uma Escola de Belas Artes, com o propósito de articular o ensino das ciências e do desenho para os ofícios mecânicos (DCNET, 2000).
Nessa época, a Constituição de 1824, título II, artigo 8º, item 1º, apontava que a sociedade de então já se protegia juridicamente do adulto deficiente, privando do direito político o incapacitado físico ou moral (BARCELLOS, 1933 in JANNUZZI, 2004). Durante esse período iniciou-se a construção de um sistema escolar público onde o Estado desenvolvia uma modalidade de ensino separada do ensino secundário e superior, tendo como objetivo a formação da força de trabalho ligada à produção, os artífices para as oficinas, fábricas e arsenais.
Posteriormente o Decreto Imperial de 1854 criava estabelecimentos especiais para menores abandonados, os chamados Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos, onde os mesmos aprendiam as primeiras letras e eram, a seguir, encaminhados às oficinas públicas e particulares, mediante contratos fiscalizados pelo Juizado de Órfãos.
Akashi & Dakuzaku (2001) apontam que nos séculos XVI e XVII, as instituições asilares foram criadas como local onde “eram treinados todos aqueles que não podiam fazer parte da sociedade, isto é, todos aqueles que não tinham condições de participar do processo de produção, circulação e acúmulo de riquezas: velhos, pobres e pessoas com deficiência”.
Alguns autores como Jannuzzi (1999), Bueno (2004) e Mazzotta (2001) apontam a década de cinqüenta do século XIX como marco inicial no atendimento escolar aos portadores de deficiência, através da criação de duas instituições para atendimento a essa clientela. Em 1854 é criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos no município da Corte e em 1857 é criado o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos. O atendimento para pessoas com deficiência mental teve inicio um pouco mais tarde, em 1874, junto ao Hospital Juliano Moreira, em Salvador, seguido da Escola México, fundada em 1887, no Rio de Janeiro.
No início da República essas instituições criadas para cegos e surdos são privilegiadas, passando o Imperial Instituto dos Meninos Cegos a denominar-se Instituto Benjamim Constant, e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos. Essas instituições tiveram, portanto, um papel importante para o processo de escolarização e inserção social dos surdos e cegos daquela época. Os deficientes mentais, entretanto, ainda eram asilados em suas casas ou em hospitais psiquiátricos. 
Em 1890 foi decretada a Reforma Benjamim Constant, que criou o regulamento do IBC, o qual incluía disciplinas científicas e assim aproximava esse ensino do proposto para o âmbito nacional. Todavia, a ênfase no ensino profissional era característica dessa instituição desde a sua criação. Essa profissionalização, defendida em nome da garantia da subsistência do cego e de sua família, abrangia, sobretudo, as profissões manuais: torneiro, charuteiro, cigarreiro, empalhador, colchoeiro, tapeceiro, todos os trabalhos de cordoaria, fabrico de escovas, esteiras, cestas, etc. (JANNUZZI, 2004). Além disso, no currículo predominava o que já vinha sendo valorizado para a educação das camadas populares.
O Instituto de Surdos Mudos do Rio de Janeiro patrocinava o ensino profissionalizante ao lado do “literário”. Em 1874, paralelamente à escolaridade, implantaram-se oficinas de encadernação (SOARES, 1999 in JANNUZZI, 2004).
Jannuzzi (2004) afirma que no período de término do império os educandos abrigados em estabelecimentos eram provavelmente os mais lesados e os que não eram assim vistos a olho nu estariam incorporados às tarefas sociais simples, numa sociedade rural desescolarizada.
Bueno (2004) afirma que esses institutos, alguns anos depois de criados, passaram por um processo de degeneração, e tenderam basicamente para serem asilos de inválidos, fato que demonstra também o caráter assistencialista dessas instituições que perpassam toda a história da educação especial em nosso país.
No início do século XIX, as pessoas com deficiência ainda eram institucionalizadas. O trabalho ainda poderia ser visto como crueldade à pessoa com deficiência e a contratação da mesma tida como exploração (MORAGAS apud SASSAKI, 2002).
A primeira Guerra Mundial foi um fato que contribuiu para a criação de programas de reabilitação. Nesse sentido, Carretta (2004) afirma que a proposta da habilitação ou reabilitação, era a possibilidade da pessoa com deficiência integrar-se socialmente. No caso da capacitação profissional, freqüentemente realizada em situação segregada, a pessoa adquiriria uma série de habilidades aproximando-se o máximo possível das exigências externas, e assim poderia se inserir ou retornar ao mercado de trabalho. 
Na primeira metade do século XX surgem classes especiais em escolas públicas e instituições especializadas privadas, assistenciais, que tinham como objetivo o atendimento de pessoas com deficiência. Instituições não governamentais atuavam na criação de oficinas protegidas de trabalho, a exemplo das APAEs e da Fundação para o Livro do Cego no Brasil, atualmente Fundação Dorina Nowill para cegos.
Como afirma SASSAKI (1986) no período de 1950-1980, a participação de escolas especiais, centros de reabilitação, oficinas protegidas de trabalho e centros ou núcleos de profissionalização foi muito importante para a colocação profissional de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Podemos observar o papel de destaque de instituições filantrópicas, associações e ONG’s no sentido de profissionalização das pessoas com necessidades educacionais especiais, oferecendo oportunidades através das oficinas abrigadas ou protegidas.
Ainda no início do século XX, o ensino profissional continuou mantendo, basicamente, o mesmo traço assistencial do período anterior, isto é, o de um ensino voltado para os menos favorecidos socialmente, para os “órfãos e desvalidos da sorte”. A novidade será o início de um esforço público de organização da formação profissional, migrando da preocupação principal com o atendimento de menores abandonados para uma outra, considerada igualmente relevante, a de preparar operários para o exercício profissional (DCNET, 2000).
No governo de Nilo Peçanha, o ensino profissional no Brasil teve um grande impulso, e foram criadas escolas de profissionalização em várias capitais. Em 1910 estavam instaladas dezenove escolas em situação bastante precária, tanto de instalações como de formação dos professores que nelas atuavam.
Nessa época, por ocasião da primeira guerra mundial (1914-1918), o governo federal interferiu na educação primária. Em alguns estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro houve a organização de escolas para deficientes, mesmo que timidamente (JANNUZZI, 2004).  
Na verdade, observa-se que nesse período há uma total desvinculação entre formação profissional e educação; aos trabalhadores era destinado um determinado tipo de educação, ou seja, era uma formação voltada para o treinamento, até porque nessa época a indústria brasileira ainda era bastante elementar, baseada no artesanato e manufatura, sem muitas exigências de industrialização.
Conforme apontam Araújo, Escobal e Ribeiro (2005) o trabalho nunca foi uma questão relacionada com as pessoas portadoras de deficiência, antes do século XX, já que até meados deste século, o único destino dessas pessoas era o da institucionalização total, sob argumentações diversas, que iam desde a “necessidade de proteger a sociedade do ‘risco’ representado por essas pessoas”, até a idéia ‘caridosa’ de prestar assistência e conforto espiritual aos desvalidos sociais.
Dentro desse contexto da educação geral, período de incremento da industrialização no Brasil e substituição das importações, a partir de 1930, a sociedade civil começa a organizar-se em associações de pessoas preocupadas com o problema da deficiência; a esfera governamental prossegue a desencadear algumas ações visando à peculiaridade desse alunado, criando escolas junto a hospitais e ao ensino regular (JANNUZZI, 2004).
A Constituição de 1937, artigo 129, assim estatuía: “o ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado”. É introduzido o ensino profissionalizante, previsto, antes de tudo, para as classes “menos privilegiadas” (FREITAG, 1986). Assim, o ensino profissionalizante ficou oficializado como ensino destinado aos pobres e menos favorecidos.
A política educacional do Estado Novo legitimou a separação entre o trabalho manual e o intelectual, erigindo uma arquitetura educacional que ressaltava a sintonia entre a divisão social do trabalho e a estrutura escolar, isto é, um ensino secundário destinado às elites condutoras e os ramos profissionais do ensino médio destinado às classes menos favorecidas. Outra característica desse período é o papel central do Estado como agente de desenvolvimento econômico. A substituição do modelo agroexportador pelo modelo de industrialização, incentivado pelo processo de substituições de importações na produção de bens duráveis e bens de capital, foi realizada mediante pesados investimentos públicos na criação da infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do parque industrial brasileiro (MANFREDI, 2003).
O Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, criou o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, mais tarde Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), destinado a organizar e administrar escolas de aprendizagem industrial em todo o país, podendo também manter, além dos cursos de aprendizagem, que eram mais rápidos, segundo a Lei Orgânica do Ensino Industrial, e tinham por objetivo a preparação dos aprendizes menores dos estabelecimentos industriais, “cursos de formação e continuação para trabalhadores não sujeitos à aprendizagem” (ROMANELLI, 1994).
   Nesse período, a história da educação especial no Brasil aponta a década de 50 como marco inicial no surgimento de programas de treinamento vocacional e profissionalização para pessoas com deficiências, originados em instituições privadas de caráter filantrópico e assistencial, em escolas especiais ou similares.
É a partir dessa década que se iniciam, especialmente na Sociedade Pestalozzi do Brasil e nas APAEs, os trabalhos de capacitação e de exercício profissional destinados a aprendizes adolescentes e adultos com deficiência, nas chamadas oficinas pedagógicas e/ou protegidas.
Essa modalidade de atendimento foi e ainda é predominante para a população com deficiência mental. Assim, as oficinas pedagógicas constituíram-se como propostas de “educação profissional” e, a partir delas, as oficinas protegidas, ou seja, o chamado trabalho em regime especial, produtivo e remunerado. Outras variedades de formação incluíram desde os internatos até os trabalhos em domicilio.
Nos anos 70 o Estado, através de convênio com a Coordenadoria de Normas Pedagógicas (CENP), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), criou programas para profissionalizar adolescentes com deficiência (DAKUZAKU, 1999).
A Lei 5692/71 que institucionalizou a política de profissionalização integrou uma série de medidas governamentais que tiveram como objetivo adequar a instituição educacional à ordem vigente, em decorrência do golpe militar de 1964. Nesse sentido, essa lei introduz a obrigatoriedade da educação profissional, denominada formação especial, que, ao lado da educação geral, deveria compor a proposta educativa das escolas. 
Em relação ao ensino profissionalizante, com a criação da Lei Federal nº 7.044/82, a obrigatoriedade de profissionalização no ensino de segundo grau se tornou facultativa. Se por um lado tornou esse ensino livre das amarras da profissionalização, por outro praticamente restringiu a formação profissional às instituições especializadas, reforçando o caráter privado desse nível de ensino.
A década de 90 no Brasil representou um período de grande desemprego, com caráter estrutural e não conjuntural. É sabido que o mundo do trabalho está a cada dia exigindo um novo perfil de trabalhador, que tenha formação sólida, que seja criativo e que seja capaz de assumir tarefas diferenciadas.
Por outro lado, foi também a partir da década de 90 que as discussões referentes à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais começaram a adquirir maior consistência. A LDB nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), em seu capítulo V, estatuiu que a educação dos portadores de necessidades especiais deve se dar, de preferência, na rede regular de ensino, o que traz uma nova concepção na forma de entender a educação e integração dessas pessoas.
O artigo 39 da referida LDB dispõe que a educação profissional deve ser integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduzindo o educando ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva (BRASIL, 1996). O artigo 59, de grande relevância para esse estudo, estabelece que os sistemas de ensino deverão assegurar aos educandos com necessidades especiais: educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora.
Entretanto, embora essa LDB avance no sentido de propor o atendimento no âmbito da escola regular, mantêm o compromisso de subvencionar as instituições especializadas assistenciais, desde que as mesmas atendam aos critérios estabelecidos pela legislação. Portanto, entendemos que essa lei reforça e contribui com o poder das instituições filantrópicas, ONG’s e associações no que se refere à oferta de capacitação profissional para as pessoas com necessidades educacionais especais.
Concluindo, a história da educação brasileira vem mostrando que a proposta de inclusão vem se construindo lentamente, sendo que hoje já se tem embasamento legal para garantir a inserção de pessoas com necessidades educacionais especiais em qualquer tipo de escola, inclusive nas escolas técnicas e profissionalizantes. Entretanto, é preciso avaliar se e como a proposta de inclusão escolar está saindo das leis e das teorias. 


Referências


AKASHI, L.T.; DAKUZAKU, R.Y. Pessoas com deficiência: direitos e deveres. In: FELICIDADE, N. (org). Caminhos da Cidadania: um percurso universitário em prol dos direitos humanos. São Carlos: EDUFSCar, 2001. 

ARAÚJO, E. C.; ESCOBAL, G.; RIBEIRO, D. Planejamento de serviços para o trabalho da pessoa com deficiência mental. Texto elaborado para o curso: Trabalho para a pessoa com deficiência mental. São Carlos, 2005
 
_______. Ministério da Educação. Lei 9394/Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

_______. Ministério da Educação. Decreto 5154 de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2° do art. 36 e arts. 39 a 42 da Lei 9394/96. Brasília

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília, 2000

BUENO, J. G. S. Educação Especial Brasileira – integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 2004

_______, J. G. S. Educação Especial Brasileira – integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993

CARRETTA, R. Y. D. Pessoas com deficiência organizando-se em cooperativas: uma alternativa de trabalho? 2004. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2004

FREITAG, B. Escola, Estado e Sociedade. São Paulo: Moraes, 1986

JANNUZZI, G. M. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Campinas: Autores Associados, 1992

________________ . A educação do deficiente no Brasil – dos primórdios ao inicio do século XXI. Campinas: Autores Associados, 2004

       MANFREDI, S. M. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003

       MAZZOTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil. História e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996

       ROMANELLI, Otaíza O. de. História da educação no Brasil (1930 - 1973). Petrópolis: Vozes, 1994

SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2002