http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/283.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA ADOLESCENTES E ADULTOS
COM DEFICIÊNCIA MENTAL
João Roberto Franco
Fundação Educacional de Araçatuba (FEA)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Elizandra Chimini Angeloni & Aniele Balestra
Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)


RESUMO

Este trabalho foi desenvolvido na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), em uma cidade de pequeno porte do interior do estado de São Paulo. Com o objetivo de oferecer serviços de Orientação Profissional aos alunos adolescentes e adultos com deficiência mental, foi criado um espaço de discussão e reflexão sobre o processo de escolha profissional. Além da elaboração de estratégias de intervenção em ambientes educativos que auxiliassem os adolescentes e adultos a melhor lidar com o processo de escolha profissional, visando menos ansiedade e sofrimento psíquico, foram realizadas atividades informativas sobre o momento da escolha profissional, aplicações de técnicas e dinâmicas que possibilitaram aos participantes o conhecimento de si mesmos, enfatizando seus gostos, preferências, interesses, valores pessoais e expectativas profissionais; buscamos a reflexão acerca de assuntos relacionados às profissões, que possibilitaram uma discussão sobre como fazer a melhor escolha, e proporcionamos aos adolescentes e adultos o pensamento e a reflexão sobre o processo de escolha profissional. A estratégia de intervenção se baseou em três etapas fundamentais: conhecimento de si mesmo, conhecimento das profissões e a questão da escolha propriamente dita. Acreditamos que faltam oportunidades para que eles possam desenvolver suas capacidades e potencialidades. Entretanto, essa oportunidade não se restringe à instituição, mas também se estende a família e a sociedade. Através das atividades realizadas, percebemos que alguns participantes têm uma boa qualidade de vida e sentem-se felizes, realizados profissionalmente e pessoalmente. Neste sentido, esta pesquisa demonstra que as pessoas com deficiência possuem preferências, habilidades, aptidões, limitações, expectativas, dificuldades, interesses e capacidade produtiva e necessitam de oportunidades para desenvolver suas potencialidades. No campo da atividade profissional no Brasil, seja na área comercial, industrial ou rural, existem profissões compatíveis com o desempenho da pessoa com deficiência, nos diversos níveis de formação.
Palavra chave: orientação profissional, deficiência mental e inclusão.

Introdução

A Psicologia sendo de natureza essencialmente social deve estar presente na relação homem-trabalho, pois é através do trabalho que o homem realiza o seu projeto social e atua dentro da sociedade, construindo a história e desenvolvendo a cultura (Soares, 1987).
            Sabemos que a dificuldade de colocação profissional, que hoje é enfrentada por uma parcela significativa de brasileiros, especificamente em relação a pessoas com deficiência mental é agravada pela infundada crença da maioria dos empregadores ao considerarem que essa condição afeta todas as funções do indivíduo. Além disso, desconhecendo as diversas atividades possíveis de serem realizadas pela pessoa com deficiência, receiam pela dificuldade de integração com o grupo de trabalho, temem a ocorrência de acidentes e preocupam-se com o custo de adaptação e aquisição de equipamentos especiais quando necessário.
            A pessoas com deficiência possuem preferências, habilidades, aptidões, limitações, expectativas, dificuldades, interesses e capacidade produtiva e necessita de oportunidades para desenvolver suas potencialidades. Neste sentido, gradativamente, a sociedade deve evoluir ainda mais acerca da deficiência, que aos poucos deve perder sua natureza maniqueísta, seu caráter de bem ou de mal, de luz ou de trevas e a ser vista como uma condição humana. Os mitos devem ser derrubados, as pessoas com deficiência precisam cada vez mais acreditar em si mesmos e lutar em causa própria. Do respeito às diferenças deve-se passar ao direito de tê-las. Esse trabalho se focaliza, portanto no lugar da mudança, e não no lugar da cristalização.
Escolher uma profissão tem sido para muitos uma necessidade, e essa escolha coloca tanto ao jovem quanto ao adulto de hoje enormes dificuldades diante da infinidade de cursos e de novas especializações que têm surgido. O fascínio exercido por esse leque quase infinito de opções pode se transformar em mais uma fonte de angústias, dúvidas, medos e ansiedade para as pessoas, gerando um verdadeiro sofrimento psíquico.
Nem sempre as pessoas estão preparadas para tomar decisões que trarão modificações importantes para suas vidas. Pode ser que ao ter que escolher uma profissão o individuo fique indeciso, ou então que se sinta pressionado pelos amigos e pela família para decidir logo, acumulando uma série de indecisões, precisando de informações corretas para obter uma opinião formada. Sendo assim, nossa proposta de trabalho é dar o apoio para refletir sobre o que está tornando mais difícil esta decisão e um espaço especial para fazer esta escolha de modo consciente.
A Orientação Profissional tem como finalidade maior facilitar o momento da escolha ao participante, auxiliando-o a compreender sua situação específica de vida, na qual estão incluídos aspectos pessoais, familiares e sociais. É a partir dessa compreensão que ele terá mais condições de definir qual a melhor escolha – a escolha possível – no seu projeto de vida (LUCCHIARI, 1993).
De acordo com Amaral (1995) a Orientação Profissional deve basear-se na análise realística de, no mínimo, quatro fatores: potencial (intelectual, físico, emocional-atual e virtual); limitações (intelectuais, físicas, emocionais-atuais e virtuais); desejos e aspirações (expressos ou implícitos) e realidade sócio-econômica-cultural. Mas o que usualmente se vê é a hegemonia de critérios “estranhos” à pessoa, voltados quer para argumentos de ordem econômica, de ordem de exigência de mercado, de ordem de necessidades de preenchimento de campo de trabalho e de ordem familiar. Em contrapartida, o que vemos são poucos os argumentos voltados para as necessidades da própria pessoa interessada, assim como: satisfação pessoal, independência econômica, seja ela total ou parcial, sentimento de pertencimento, etc.
A preparação para o trabalho engloba não somente o treino de habilidades, mas, especialmente, numa visão globalizante, o mundo do trabalho com suas relações interpessoais, direitos/deveres, o mercado de trabalho e as habilidades para diferentes tarefas e funções.
Conforme Lucchiari (1993) facilitar a escolha profissional é fundamentalmente participar subsidiando o participante a pensar, além de coordenar o processo para que as dificuldades de cada um sejam formuladas e trabalhadas, para que a própria pessoa seja capaz de descobrir sozinha, quais os caminhos que pode seguir, já que a decisão é particular, pois só pertence a ela.

Objetivos

Objetivo Geral
Oferecer serviços de Orientação Profissional aos alunos adolescentes e adultos com deficiência mental, criando um espaço de discussão e reflexão sobre o processo de escolha profissional.

Objetivos específicos
-          Elaborar estratégias de intervenção em ambientes educativos que auxiliem os adolescentes e adultos a melhor lidar com o processo de escolha profissional;
-          Realizar atividades informativas sobre o momento da escolha profissional;
-          Aplicar técnicas e dinâmicas que possibilitem aos participantes o conhecimento de si mesmos, enfatizando seus gostos, preferências, interesses, valores pessoais e expectativas profissionais;
-          Buscar reflexão acerca de assuntos relacionados às profissões, que possibilitem uma discussão sobre como fazer a melhor escolha;
-          Proporcionar aos adolescentes e adultos o pensamento e a reflexão sobre o processo de escolha, auxiliando-os para que as dificuldades de cada um possam ser formuladas e trabalhadas.

Método

O processo de orientação profissional para adolescentes e adultos com deficiência mental ocorreu durante o segundo semestre de 2006 numa instituição educacional especializada de uma cidade de interior de pequeno porte e foi desenvolvido como uma atividade de estágio em psicologia escolar.
Este trabalho foi desenvolvido em grupo, pois assim como entende Lucchiari (1993), compreendemos que é próprio do ser humano o convívio em grupos e turmas, assim é importante no momento em que ele está buscando sua identidade, sentir-se igual aos outros. Eles têm possibilidade de compartilhar sentimentos de dúvida, medo e insegurança em relação à escolha profissional e ao seu futuro. Cada participante do grupo acaba sendo um facilitador, pois sua possibilidade de entender o outro e poder expressar como o percebe, auxiliam no conhecimento que cada um busca de si mesmo.
Ao longo do processo de orientação profissional foram realizados dez encontros semanais com dois grupos de adolescentes e adultos com 12 participantes em cada grupo. Cada encontro teve a duração de aproximadamente 90 minutos.
Nossa estratégia de intervenção se baseou em alguns aspectos que compreendemos como fundamentais para a atuação do psicólogo no processo de orientação profissional. Dentro desta perspectiva, organizamos os encontros, dividindo o trabalhado em três etapas para que esses elementos fossem passados e trabalhados com os elementos do grupo.
Inicialmente trabalhamos com a expectativa em relação ao processo de Orientação Profissional, iniciando com o processo de conhecimento de si mesmo, em termos de valores, interesses, expectativas em relação à vida e ao trabalho. Diante disso os participantes tiveram oportunidade de refletir sobre questões como: quem sou eu? Quem eu fui? Quem eu serei no futuro? Qual meu projeto de vida? Como eu me vejo no futuro desempenhando o meu trabalho? Quais são as expectativas da minha família em relação à escolha e quais são as minhas expectativas? Quais são os meus interesses e valores?
Posteriormente, trabalhamos a informação profissional, o conhecimento das profissões e suas implicações políticas, econômicas e sociais. Abordamos o mundo do trabalho dentro do sistema político-econômico vigente, as possibilidades de atuação e o mercado de trabalho.
 No terceiro momento trabalhamos com a questão da escolha propriamente dita, suas implicações, influências e conseqüências, isto é, onde a escolha implica em decisão pessoal.
Todos os encontros foram caracterizados pelas reflexões proporcionadas pelas atividades propostas. Para potencializar essas situações foram utilizadas técnicas e procedimentos de orientação profissional para que os objetivos fossem alcançados.

Resultados

 Analisando a atividade realizada, notamos que faltam oportunidades para as pessoas com deficiência mental possam desenvolver suas capacidades e potencialidades. Entretanto, essa falta de oportunidades não fica restrita só à instituição, mas também se estende a família e a sociedade.
Através das atividades realizadas, compreendemos que os participantes não estão “fora da realidade”, pois seus desejos estão dentro do contexto social em que vivem. Alguns participantes demonstraram que têm uma boa qualidade de vida e sentem-se felizes, realizados profissionalmente e pessoalmente. Entretanto, em alguns casos percebemos a negligência da instituição em não perceber que alguns alunos sentem muita vontade em desempenhar atividades profissionais na própria instituição e que estão aptos para isto.
Neste sentido, ainda falta uma maior conscientização das pessoas que trabalham na instituição, pois, apesar de preconizarem o discurso da inclusão social, algumas vezes, produzem práticas de exclusão dentro da própria instituição.

Discussão

Acreditamos que a intervenção realizada foi importante, tanto para os participantes, quanto para a instituição, visto que orientar jovens e adultos para uma escolha profissional é um processo complexo, pelo fato de lidar com situações de conflitos, medos, angústias, ansiedade que circundam a escolha.
Cada atividade realizada com os grupos foi para nós um grande desafio, visto que a proposta de trabalho que foi desenvolvida não é muito comum neste tipo de instituição. Porém, o desafio maior foi a partir de uma técnica pronta, buscar através da criatividade mantê-la e aliá-la ao conhecimento e a diversão, pois durante os encontros que foram realizados estes aspectos estavam presentes.
Neste sentido, a atividade desenvolvida foi muito importante para nós, pois tivemos uma experiência que sem dúvida contribuiu muito para nossa formação profissional. Adquirimos muita criatividade ao desenvolver este trabalho de orientação profissional com pessoas com deficiência mental, pois ao nos depararmos com essa clientela, tivemos que readaptar as atividades e as técnicas para melhor atendê-los.
Assim sendo, nossa tarefa enquanto profissionais dedicados a lutar pela garantia de direitos das pessoas com deficiência implica em ter o compromisso de conscientizar do ganho que o individuo pode ter ao ser capaz de refletir e decidir sobre suas preferências, gostos e interesses.
Concordando com Lucchiarri (1993), consideramos que ainda há muito para se fazer e aprender e é com otimismo, criatividade, engajamento intelectual e emocional que propostas como esta atingirão a maioria das pessoas com deficiência mental, até que haja uma transformação radical, em conjunto com outras ações, no sistema social do país. Esta atividade se constitui numa proposta, dentre tantas outras, que pode somar até que uma mudança qualitativa aconteça.

Referências Bibliográficas

AMARAL, A. Lígia. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). Robe Editorial, 1995.
BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Deficiência mental. Brasília: SEESP, 1997.
BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Conjunto de materiais para a capacitação de professores: necessidades na sala de aula. Brasília: MEC/SEESP, 1998.
BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Deficiência múltipla. Brasília: MEC/SEESP, 2000.
COLL, César (et al). Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE. Profissões: Guia para ajudar os jovens estudantes na escolha da carreira. São Paulo: CIEE, 2002.
GONÇALVES, A.M. et al. Dinâmica de grupos na formação de lideranças. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.
LUCCHIARI, D. H. P. S. Pensando e vivendo a orientação profissional. São Paulo: Summus, 1993.
SOARES, D. H. P. A escolha profissional do jovem ao adulto. São Paulo: Summus, 2002.
SOARES, D. H. P. O jovem e a escolha profissional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.