http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/29.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

PSICOLOGIA E TEATRO: MOBILIZANDO SENTIMENTOS E RECONSTRUINDO POSTURAS FRENTE À DEFICIÊNCIA MENTAL

Solange Leme Ferreira
Pedro Amado Borges
Fernanda Ferreira e Silva
Universidade Estadual de Londrina


RESUMO

Assim como quase tudo que é diferente provoca a hegemonia das sensações e emoções sobre a razão, os sentimentos mobilizados pela deficiência mental têm desencadeado  formas de agir nem sempre favoráveis para o desenvolvimento e felicidade dos indivíduos com esta condição. O Grupo de Teatro para Atores Especiais – GTPAÊ -, formado por jovens e adultos com deficiência mental, foi criado em 1997 a fim de que cada espectador de suas apresentações pudesse rever sua concepção, seus sentimentos e suas condutas frente à questão. Com este intuito de desmistificar a deficiência mental, optou-se pelo universo das artes por oferecer múltiplas oportunidades de expressão (para o artista) e ser de grande amplitude democrática, na medida em que pode ser acessível a todas as classes sociais (espectadoras do artista). Ainda, das diferentes linguagens pelas quais se manifestam as artes, elegeu-se o teatro como estratégia reveladora das reais possibilidades e limitações de pessoas com deficiência mental, bem como catalisadora da mobilização social indispensável à concretização da sociedade inclusiva. Alguns resultados observados junto aos atores do GTPAÊ e junto à amostra de sociedade que tem sido a sua platéia são aqui registrados.

INTRODUÇÃO
Para Omote (1980), os componentes orgânicos patológicos realmente presentes numa condição de deficiência podem gerar incapacidades para o indivíduo que a apresenta, as quais, por si só, não determinam o seu nível de funcionamento no meio em que está inserido. O autor afirma, em 1994, a diferença existente nas condições de deficiência e de não deficiência é apenas quantitativa, não sendo a primeira uma exceção da normalidade, mas sim destacada da normalidade em função de critérios sociais. Assim, os indivíduos que não correspondem às expectativas sociais normativas são considerados desviantes do grupo dominante e as suas diferenças são interpretadas como deficiências. Essa concepção produz um tratamento diferenciado - geralmente de descrédito e exclusão - nas relações cotidianas com a pessoa deficiente, gerando sentimentos de inferioridade, impotência e dependência. Como resultado deste processo, afirma Omote (1999), o indivíduo deficiente acaba por incorporar o papel de desviante e, desta forma, qualificando a condição pela qual é identificado socialmente.
A desinformação a respeito das reais capacidades das pessoas com deficiência mental impede a identificação dos aspectos sociais relevantes para a compreensão e minimização das dificuldades e limitações por elas vivenciadas, além de tornar insipientes as ações políticas, sociais e educacionais a elas destinadas. Por conseguinte, os resultados são também indesejáveis: pessoas com deficiência mental apresentando déficits desnecessários em determinados aspectos de seu desenvolvimento. O raciocínio para compreender esta constatação é bastante simples: sem informações apropriadas, a concepção da deficiência mental afasta-se da realidade que tal condição representa; sem adequação nesta concepção, a percepção sobre os indivíduos com deficiência mental torna-se a menos fidedigna; por conseguinte, descrédito social gerado pela forma equivocada de conceber a deficiência mental e a forma inapropriada de perceber essas pessoas produzem uma baixa expectativa concernente ao seu potencial, resultando em que pouco ou nada é feito para que se contrarie tal previsão.
As formas de transmissão de conhecimento e os meios de comunicação também contribuem para o atual estágio de posturas frente à deficiência mental e às pessoas que a possuem. Durante muito tempo as “anormalidades”, enfim, as diferenças humanas, foram divulgadas como horrores, perpetuando-se no imaginário coletivo por meio de péssimos recursos de comunicação, não apenas nos de senso comum, tais como os contos, filmes e livros, mas até mesmo em livros acadêmicos. Não é infrequente encontrar textos de biologia do ensino médio com fotografias divulgando aberrações, quando estes materiais poderiam mostrar facetas mais positivas da realidade comunicada, tal como a imagem de indivíduos com síndromes trabalhando, exercendo a sua cidadania, enfim, sendo humanos. Exemplo antagônico a este é livro, e seu respectivo vídeo, “Contem Comigo” (Ziraldo, 1994), com mensagens claras sobre alguns tipos de deficiências, apresentadas por um personagem midiático que, sem nenhuma forma de apelo emocional, cumpre o objetivo de chamar a atenção para o fato de que as limitações são compensáveis e que eficiências podem ser manifestadas e aperfeiçoadas quando se propicia o respeito e oportunidades para a acessibilidade.
Enfim, há que se evoluir na concepção e percepção da deficiência mental para que, a despeito de suas dificuldades, os indivíduos com esta condição possam expressar e vivenciar em plenitude o potencial que cada um traz dentro de si.
Um segundo aspecto interferente no relacionamento de pessoas com e sem deficiência, diz respeito aos sentimentos, aqui definido como o conjunto de sensações e emoções. É importante ressaltá-lo, pois tanto a concepção de deficiência, como o julgamento para considerar um indivíduo como sendo de tal condição, são permeados pelas sensações1 e emoções2 produzidas no outro pelo ser em questão. De acordo com Saeta (1999), as pessoas e grupos têm necessidade de se proteger daquilo que lhes é desconhecido, por representar uma ameaça de desestabilização de seus valores e critérios, por exemplo, de beleza e normalidade. Ao entrar em contato com a deficiência, segundo Omote (1980), as pessoas buscam criar categorias e classificações para posicionar o outro e a si próprio, o que poderia aqui ser interpretado como uma busca de um equilíbrio que permite perceber-se distante desse outro que não corresponde às expectativas sociais positivas. Para Glat (1995), quando nos deparamos com indivíduos que, por suas características ou comportamentos, não se enquadram em nossa representação de normalidade, ocorre uma ruptura na rotina da interação social. Segundo a autora, essa inércia acontece seja por não sabermos como agir, seja pela repulsa e medo, pois a presença de uma pessoa que se desvia da norma ameaça a nossa estabilidade social. Montagu (1988) afirma que as percepções não resultam apenas de sensações físicas visuais, olfativas, auditivas e táteis, mas também do conforto, ou desconforto, gerado no contato com harmonia, ou desarmonia, de uma imagem. Quando as pessoas têm que entrar em contato com a deficiência, segundo Amaral (1992), entram em ação vários mecanismos de defesa, que se expressam por modos alternativos de lidar com os sentimentos diante da ameaça que a deficiência representa. Pode aparecer o ataque por meio de ações hostis, ou a fuga mediante a rejeição, abandono, afastamento, negação ou superproteção do deficiente.
É importante destacar que qualquer que seja a denominação dos aspectos acima apontados – sentimentos, sensações, emoções, mecanismos de defesa, ou outro -, o fato é que, aliados à desinformação, ou talvez por ela desencadeados, são fatores mantenedores de preconceitos e da marginalização a que são submetidas as pessoas com deficiência mental, limitando ainda mais o desenvolvimento e expressão de seu potencial e dificultando o processo de sua inclusão social.

1 conhecimento imediato que mobiliza a emoção
2 reações desencadeadas pelas sensações 

Um terceiro aspecto a ser considerado na análise do contexto da deficiência mental e das pessoas que apresentam esta condição diz respeito às suas habilidades sociais. Para Caballo (1996), as habilidades sociais são um elemento essencial para o desenvolvimento das relações interpessoais. Del Prette, A. e Del Prette, Z.A.P (2001) afirmam que a falta deste tipo de habilidade resultam em relações sociais restritas, conflitantes e sem autenticidade, que  interferem de modo desfavorável sobre o grupo e sobre a saúde emocional do indivíduo. Para os autores, essas habilidades podem ser organizadas em seis conjuntos: de comunicação, de civilidade, de assertividade, de empatia, de trabalho e de expressão de sentimento positivo. Pelo exposto, depreende-se que de nada adiantaria educar a sociedade para a diversidade, o que obviamente incluiria a convivência com as pessoas que têm a deficiência mental, se estas não apresentarem comportamentos sociais habilidosos que são indispensáveis para o êxito da interação.
A constatação da desinformação e dos sentimentos frente à deficiência mental e do despreparo referente às habilidades sociais dos indivíduos desta condição, levou a pressupor de que estes fatores poderiam ser abordados num trabalho coletivo, interativo e gradual, que oportunizasse a construção de uma nova identidade para estas pessoas, pela qual elas pudessem ser reconhecidas e, a partir da qual, tivessem respeitadas as suas dificuldades e limitações, mas, sobretudo, que a elas fossem propiciadas oportunidades para a manifestação do seu potencial. Assim, para efetivar um espaço propício a mudanças na concepção, sentimentos, atitudes e ações discriminatórias, que resultasse numa mobilização para a valorização e respeito às características da pessoa com deficiência mental, foi elaborada e efetivada a proposta do GTPAÊ – Grupo de Teatro para Atores Especiais (FERREIRA, 2002).

METODOLOGIA
IDENTIFICAÇÃO CONTEXTUAL DA PROPOSTA: Dentre as possibilidades existentes, escolheu-se o campo profícuo das artes para desenvolver os objetivos pretendidos, pois, conforme aponta Costa (2000), por meio da arte o indivíduo com necessidades educacionais especiais pode não apenas trabalhar os seus sentimentos em relação à sociedade, que pelos seus preconceitos na maioria das vezes o discrimina e segrega, como também transformar-se em um ser humano com auto-estima positiva e uma função social ativa. De acordo com o autor, o trabalho com a arte pode deflagrar o potencial latente de cada pessoa, por possibilitar o trabalho das próprias emoções, o desenvolvimento da imaginação, criatividade e outras habilidades, desta forma exteriorizando o seu íntimo e suas singularidade. Além disso, a arte foi selecionada também porque, segundo Martinez (2001), o desenvolvimento da criatividade ajuda a diminuir a vulnerabilidade aos agentes estressores que os indivíduos com deficiências têm que enfrentar, devido aos estereótipos e preconceitos presentes em nossa cultura.
ESPECIFICAÇÃO CONTEXTUAL DA PROPOSTA: Do universo das artes, optou-se pelo teatro por ser, segundo Roubine (2003), uma outra maneira de mostrar o real, de esfacelar as aparências, pois mobiliza o senso crítico dos espectadores, incitando-os a descobrir por si mesmos uma verdade mais complexa do que aquela existente antes do espetáculo. Se “É espetáculo tudo o que se oferece ao olhar” (Pavis, 1999, p. 141), então, ele constituiria o espaço e a estratégia pelos quais o indivíduo com deficiência mental poderia representar diversos significados de sua existência. Por conseguinte, seria a oportunidade para o espectador melhor compreender esse outro e a si mesmo frente a ele; um outro que assume seus próprios limites e potencialidades, que lida com as vicissitudes de viver e ser como qualquer pessoa. Assim, a premissa era a de que o espetáculo seria o catalisador do diálogo entre ambos – um requisito para o estabelecimento e prática do entendimento para, finalmente, reconhecerem-se capazes de transformação da realidade à sua volta. Boal (1996a) propõe o teatro como forma de dar ao oprimido – aquele despossuído do direito de ser – o direito de falar e expressar sua personalidade. Para o autor, a oportunidade de ser, ao mesmo tempo, protagonista dos próprios atos e seu principal espectador propicia ao ator imaginar possibilidades, reinventar o passado e inventar o futuro, ao invés de esperar por ele. Em uma outra obra, Boal (1996b, p.27) afirma que pelo teatro o ser humano pode observar a si mesmo e “ao ver-se, percebe o que é, descobre o que não é e imagina o que pode vir a ser; percebe onde está, descobre onde não está e imagina onde pode ir”. Assim pensando, acreditava-se que, no palco cênico, ao manifestar-se como um personagem – criado a partir de seus próprios conceitos e idealizações sobre o mundo – o deficiente mental poderia ser compreendido, humanizado e acolhido pelo espectador. Quando assim fosse, ocorreria o aplauso, fenômeno universal, que conforme Pavis (1999, p. 22), além da função física de liberar energia após uma imobilidade necessária, por ser, o encontro desarmado entre espectador e o artista para além da ficção, tem também a função fática de transmitir a mensagem “Eu os recebo e os aprecio”. Esta é também a convicção de Ferreira (2003), ao afirmar que por meio das linguagens expressivas é possível abordar aspectos da sociabilidade (eu no grupo), de identidade (quem sou eu), da emocionalidade (de quem eu gosto) e de alteridade (quem é o outro), porquanto a linguagem teatral propicia, a cada ser, expressar algo de si mesmo como ser único que é. Uma outra expectativa ao se elaborar a proposta do trabalho era a de que, ao ser no teatro desta forma revelado, o deficiente mental tornar-se-ia partícipe do processo de sua própria inclusão social.
TRAJETÓRIA DO GRUPO: O trabalho com o GTPAÊ iniciou-se em 1997, com a constituição do grupo, construção, preparação e apresentação pública do primeiro texto cênico. No ano de 2000, deu-se início à fase “GTPAÊ nas escolas”, junto aos alunos da 4ª. série de escolas regulares municipais, que após as apresentações e debate com os atores redigiam o texto “Meu amigo diferente”, para que se avaliassem aspectos de sensibilização e concepção acerca da deficiência mental e das pessoas que apresentam tal condição. Em 2003, a proposta passou a ser “GTPAÊ nas Empresas”, pretendendo-se, entre outros objetivos, que o contato entre os atores especiais, empresários e funcionários, facilitasse o processo de inclusão da pessoa com deficiência mental no mercado competitivo de trabalho. A partir de 2006 o trabalho estendeu-se para todos os segmentos da população, desta vez denominando-se “GTPAÊ para Todos!”
PROCEDIMENTOS: o trabalho junto ao GTPAÊ constitui um espaço para que jovens e adultos com deficiência mental possam expressar seus limites e possibilidades, bem como seus sentimentos e peculiaridades de seres únicos que são. O desenvolvimento de tal espaço se dá mediante diferentes atividades, conforme a seguir são explicitadas.
Laboratórios de teatro: ocasiões nas quais são desenvolvidas e refinadas habilidades concernentes à expressão cênica, tais como: comunicação verbal, facial, gestual e corporal, improvisação e criatividade. Para o aprimoramento das relações interpessoais, o treino de habilidades sociais, nos últimos dois anos, tem enfocado principalmente a expressão de sentimentos. Tal ênfase tem sido praticada a fim de que, mantendo-se o respeito a si próprio e aos outros, os atores possam manifestá-los em situações embaraçosas ou de conflito, de maneira suficientemente adequada para atender às suas necessidades imediatas e, ainda, diminuir a probabilidade de ocorrência de problemas futuros. O espaço para o refinamento deste tipo de expressão por parte dos indivíduos com deficiência mental é importante para que se reconstrua a equívoca concepção da maioria das pessoas de que existe uma relação entre deficiência mental e incompetência social.
Nos laboratórios de teatro semanais também são retomadas e discutidas as vivências que são cotidianas no âmbito familiar, escolar e social, que propiciam e contextualizam as idéias sugeridas pelos atores durante a construção do texto cênico e mesmo a sua atuação apresentação dos espetáculos. Um tema que frequentemente emerge nestas ocasiões refere-se à sexualidade, namoro e casamento, cujas questões são lidadas conforme propõe Ferreira (2007): da maneira o mais natural possível, não se negligenciando o fato de que o QI (quociente intelectual) das pessoas com deficiência mental não tem correspondência direta com o seu QA-E (quociente de afetividade-sexualidade).  Para tal, é oportunizado um espaço isento de represálias e bastante confortável para interações dialéticas, a fim de que, com liberdade e seriedade, os atores possam expressar suas emoções e interesses relativos ao tema. Desta forma, os esclarecimentos vão sendo paulatinamente construídos, sempre numa linguagem consonante à idade mental dos integrantes do grupo, por ser indispensável considerar o grau de seu comprometimento cognitivo, para que haja o entendimento e apreensão dos conteúdos trabalhados. Por ser o amor um sentimento universal, quando ele surge entre duas pessoas com deficiência mental é preciso, conforme afirmam Ferreira e Arragon (2005), que sejam propiciadas oportunidades para que pessoas com deficiência mental aprendam como expressá-lo afetivo-sexualmente, a fim de que não sejam alvos de inconsistentes julgamentos e represálias sociais.
São os próprios atores que constroem o texto cênico, num processo que se desenvolve nos laboratórios de teatro, por meio de ações tais como: seleção do tema central, identificação dos personagens necessários para desenvolvê-lo, atribuição destes personagens aos componentes do grupo que mais apresentem requisitos para caracterizar o personagem idealizado e, a partir daí a criatividade e improvisação vai entrando em cena até que a participação de cada um na peça esteja totalmente construída. Então, outras ações são desencadeadas: seleção do figurino, sonoplastia, objetos de cena, trilha sonora e o nome para o novo espetáculo. Todas as etapas da construção coletiva de um texto cênico são oportunidades para o desenvolvimento constante dos aspectos indispensáveis de serem manifestados também no palco da vida: acato e respeito às normas do contexto em que se está inserido, disciplina, autoconfiança, valorização das habilidades e respeito às dificuldades do outro, solidariedade, saber fazer e receber críticas, conhecimento e avaliação do mundo e fatos à sua volta e autonomia, entre outros.
Apresentações Públicas: acontecem em eventos científicos e culturais, escolas, empresas, clube de serviços, entre outros, em âmbito local, regional e nacional, seguidas de debate livre com a platéia. Este é um momento muito rico do espetáculo, dado que, ao formular qualquer modalidade de perguntas aos atores, os espectadores têm, além do que foi constatado durante a encenação do grupo, a oportunidade impar de estabelecer estreito contato com cada um dos mesmos e, assim, poder rever e readequar seus sentimentos e posturas frente a esta população. É interessante assinalar que, apesar de o texto cênico por eles criado ter um roteiro geral, a cada apresentação os atores o modificam, inserindo novos monólogos e diálogos, gestos e expressões, conforme o que vai sendo incorporado em suas vidas pessoais e coletivas. O trabalho do diretor do grupo é o de, tão somente, garantir que a peça mantenha a coerência entre o começo, o meio e o final; o que os atores farão e alterarão durante este percurso é por conta exclusiva de sua criatividade e autonomia, enfim, de sua competência pessoal e artística. 
Inclusão social noturna: para estender o contato da sociedade geral junto aos indivíduos com deficiência mental, uma outra atividade desenvolvida pela proposta do GTPAÊ refere-se aos entretenimentos que normalmente não são propiciados a estas pessoas. Para tal, são concretizados passeios do grupo a boates, bares, videokês, restaurantes com música ao vivo, entre outros locais, quando podem ter experiências características de pessoas com a sua idade cronológica: dançar, paquerar, conhecer pessoas interessantes e novos ambientes, voltar tarde para casa sem que os familiares tenham que buscá-los! É assaz interessante ressaltar que essa forma de independência tornou-se possível devido ao cachê que os integrantes do grupo recebem por suas apresentações, o qual é utilizado no pagamento das despesas geradas nestas ocasiões e no transporte contratado para o retorno dos mesmos aos seus lares. 




RESULTADOS
O trabalho desenvolvido nos laboratórios de teatro tem propiciado condições para que os integrantes do GTPAÊ manifestem suas individualidades, troquem experiências, vivenciem situações de erros e acertos, apóiem-se mutuamente e lidem de modo mais hábil com insucessos e frustrações pessoais e interpessoais. Trata-se de um espaço para que jovens e adultos com deficiência mental analisem os modos de manifestar seus comportamentos e as conseqüências dos mesmos para si e para o outro, levando-os a uma forma mais segura de expressar sentimentos e pensamentos. Por sua vez, possibilitando à sociedade perceber que quando este tipo de habilidade não está presente não é decorrente da deficiência mental que apresentam, mas sim da não modelagem de comportamentos que atendem às normas sociais.
O refinamento da expressão de sentimentos e pensamentos, aliado à possibilidade de atuar num contexto teatral, tem favorecido a manifestação de conteúdos muitas vezes negados por outras vias de acesso. É muito comum aos atores com deficiência mental falar explicitamente de si através de seu personagem, desnuando-se e revelando-se aos espectadores que enfaticamente choram, riem, aplaudem, insistem em dar seu depoimento. Se, por um lado, os espectadores reagem de modo diverso, por outro lado são unânimes em admitir o impacto produzido pelo que assistiram, pois que até então se encontravam subjugados a uma concepção de deficiência mental que inferioriza aqueles que a apresentam, que nega existência de seu potencial, que dificulta vislumbra-los como seres humanos que são.
Assim, nos espetáculos, os atores têm podido demonstrar que o seu “eu” vai muito além do ser deficiente mental e, desta forma, ser mais valorizados socialmente e sentir-se respeitados como cidadãos, acarretando o fortalecimento de sua auto-estima, indispensável para que se desvencilhem do sentido de inferioridade, socialmente imposto, que os incapacita ainda mais.  
Um outro resultado observado refere-se ao fato de os atores puderam exercer outros papéis sociais que não os inferidos para o deficiente mental - eles tornaram-se educadores sociais. Ao levar a informação sobre si mesmos e oportunizar a constatação das diferenças e semelhanças entre os indivíduos com e sem deficiência mental e, inclusive, as diferenças e semelhanças existentes entre os que têm esta mesma condição, os atores contribuem para desmistificá-la.
Sobre a proposta de inclusão social noturna, é possível afirmar que as atividades empreendidas têm propiciado fortalecer a auto-estima, a autoconfiança, o autoconceito, a responsabilidade e a autonomia dos jovens e adultos integrantes do grupo. É uma prática cujos benefícios estendem-se também à sociedade, por ser uma oportunidade para conhecer e lidar, em ambientes públicos, com pessoas que geralmente são mantidas em locais segregados e, assim, desenvolver o respeito e admiração pela diversidade.
Para finalizar, um destaque merece ser dado à mídia, que tem sido uma importante aliada na divulgação do trabalho e das apresentações do grupo, por meio de matérias que mostram uma nova perspectiva para ensejar uma readequação na concepção da deficiência mental e dos sentimentos normalmente suscitados pela presença da mesma, ensejando a construção de  formas mais apropriadas de com ela lidar.
 
CONCLUSÃO
Os conhecimentos oriundos da Psicologia aliados ao teatro popular, pelo seu poder estratégico de problematizar questões que permeiam o cotidiano de grupos vulneráveis de opressão e exclusão social, tem se mostrado uma importante estratégia para fortalecer a auto-estima, desenvolver as habilidades sociais, e promover a cidadania e a inclusão social de pessoas com deficiência mental. Além disso, a mudança na representação social da deficiência mental, propiciada aos espectadores quando são mobilizados a repensar suas antigas concepções sobre esta condição, é o início de um processo de minimização do preconceito que, por sua vez, permitirá relações interpessoais mais límpidas e saudáveis – aquelas despojadas de preconceitos camuflados e de mecanismos de defesa lesivos, necessárias à manutenção da identidade e integridade da pessoa com deficiência mental perante a sociedade. Esta, então, será mais justa, possibilitando a cada integrante, igualmente, e ao seu modo, ter acesso ao espaço social e ao bem estar emocional.
Por ser um espaço coletivo, no qual podem expressar seus pensamentos e sentimentos e, assim, manifestar livremente o seu modo de ser, o teatro possibilita ao indivíduo com deficiência mental firmar a sua marca pessoal. Uma marca de ser diferente sim, porém um ser diferente capaz de transformar uma condição histórica e socialmente construída em uma realidade mais condizente com suas expectativas e necessidades, principalmente, de respeito e oportunidades. Enfim, a psicologia e o teatro têm propiciado a esta população a oportunidade para desenvolver, refinar e ampliar suas possibilidades de atuar no palco cênico e no palco do espetáculo que é a vida.


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