A incidência de alterações vocais em professores pode ser apontada como um fator prejudicial ao exercício de seu trabalho, uma vez que é seu principal instrumento de transmissão de informação e comunicação. Entre professores de Educação Física, tem-se o agravante de lecionarem em espaços amplos, onde os alunos estão em constante movimento, o que exige uma elevação do volume de voz, e, conseqüentemente, um maior esforço e desgaste vocal. Em vista disso, buscou-se investigar a ocorrência de alterações vocais em professores de Educação Física. Participaram do estudo vinte e quatro professores que foram avaliados através de um questionário com questões fechadas. Os resultados serão apresentados quantitativamente através do número de ocorrências e porcentagens respectivas e sua discussão será de forma descritiva. Através da análise dos dados, verificou-se que há alterações vocais em um número elevado de professores, justificando maiores cuidados para uma prevenção de disfonias.
Palavras-chave: Professores de Educação Física; alterações vocais;
INTRODUÇÃO
As pesquisas relacionadas às necessidades especiais comumente voltam-se para alunos, crianças e, principalmente, para aquela população com alguma necessidade denominada deficiência. No entanto, há comprometimentos que surgem por razões diferentes das neo-natais, natais ou outras causas mais conhecidas, que também ocasionam dificuldades para àqueles que a adquirem. É o caso das alterações vocais, que limitam desde o simples convívio até o exercício da profissão, principalmente dos chamados profissionais da voz.
A voz pode ser considerada um instrumento de trabalho fundamental em diferentes profissões, entre elas, a docência, para a qual é utilizada como meio de transmissão de informações, influência e convencimento. Quando não há uma adaptação precisa dos órgãos de fonação a este uso contínuo, tem-se grandes chances de ocorrência de sintomas disfônicos, que prejudicarão o prosseguimento do magistério (GARCIA et al., 1986; CALAS, 1989; PENTEADO e PEREIRA, 1999 citados por FUESS e LORENZ, 2003).
Sintomas inicialmente leves, podem agravar-se levando a perdas vocais e câncer de laringe.
O câncer de laringe é uma doença que atinge seriamente a população brasileira. O Brasil ocupa o segundo lugar quanto a sua incidência que em 95% dos casos, está associada ao fumo (DELCOR et al., 2004). Manifesta-se inicialmente por uma rouquidão permanente, sendo altamente curável quando diagnosticada precocemente. No entanto, outras causas podem ocasionar um desgaste vocal acentuado, levando a uma disfonia ou conseqüências mais graves. Entre elas, pode-se mencionar o uso abusivo da voz e a forma inadequada como este uso ocorre.
Diversas pesquisas investigando as condições vocais de professores brasileiros apontam ser esta uma das profissões com maior desgaste vocal. Delcor et al. (2004), menciona uma pesquisa realizada por Calas (1989) onde este realizou entrevista com professores e verificou que 96% sofriam de fadiga vocal, 86% tinham lesões (freqüentemente nódulos) e 85% usavam técnica vocal falha. Araújo et al. (1998) e Silvany et al. (2000) citados por Delcor et al. (2004) realizaram amplos estudos sobre as condições de saúde e trabalho de 573 professores da rede particular de ensino em Salvador, Bahia, em 1996. Ter calos nas cordas vocais foi referido por 12% dos professores. Outra pesquisa relatada pela mesma autora foi a de Thomé de Souza (1997) com professores da Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo (SMESP), que verificou que 75% apresentavam irritação na garganta, 62% rouquidão e cansaço ao falar, 47% pigarro e 35% já perderam a voz.
Pereira (2006) aponta que Mara Behlau, uma das coordenadoras da pesquisa menciona os seguintes pontos como agravantes da situação da voz nos professores: carga horária intensa, turmas numerosas, classes sem preparo acústico e falta de conhecimento técnico do uso da voz, havendo para alguns, uma associação direta entre o fato de ser professor e ter problemas vocais. Déborah Azambuja, fonoaudióloga do Centro de Reabilitação Cognitiva e também coordenadora da pesquisa, ainda acrescenta o pó do giz, o tom elevado de voz, o estresse causado pela longa jornada de trabalho e o baixo salário, como fatores contribuintes para a decorrência dos problemas vocais.
Smith et al. (1997, 1998, citado por ORTIZ et al., 2004), verificou que apesar de os professores terem alteração vocal, esta ocorre após 10-20 anos de trabalho, tendo disfunção vocal tardia (14 anos). Entretanto, os professores de Educação Física apresentam disfunção vocal aguda (86%) pelo uso de ataque vocal brusco e elevada intensidade.
Corroborando esta informação, Farias e Noel (2004) investigaram a disfonia, alteração em uma ou mais características acústica da voz, em profissionais da Educação Física atuantes em ginástica localizada, ciclismo indoor, step, natação e hidroginástica, verificando a freqüência e a percepção dos profissionais quanto a sua ocorrência. Os resultados encontrados foram que: 60% dos profissionais têm alterações funcionais e perdas significativas da voz, 100% têm desconfortos vocais ao término do dia de trabalho e 100% mencionaram a necessidade de usar microfone nas aulas, apesar de apenas 40% fazerem uso deste recurso. O uso de tom de voz acima do normal nas aulas em conseqüência do ambiente e música alta foram apontados como fatores agravantes aos problemas vocais.
Em vista de os problemas vocais interferirem na atuação destes profissionais e indiretamente nos alunos a eles ligados, buscou-se investigar quais as alterações vocais apresentadas por professores de Educação Física.
MÉTODO
A presente pesquisa foi realizada junto a professores de Educação Física da rede municipal, estadual e particular de ensino, atuantes em um município do interior do estado de São Paulo, com população de 20 mil habitantes, no ano de 2007. Participaram da pesquisa 24 professores. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi o Questionário para Identificação de Possíveis Problemas de Voz de Behlau e Rehder (1997), adaptado para professores, sendo este, questionário fechado. A apresentação dos dados ocorrerá quantitativamente, sendo a discussão de modo descritivo.
RESULTADOS
Entre os 24 professores que participaram da pesquisa, quinze eram do sexo feminino e nove eram do sexo masculino. Em relação à idade dos mesmos, dez participantes tinham entre 20 e 29 anos, oito entre 30 e 39 e seis entre 40 e 59. Outro dado importante é que dezesseis professores tinham entre 1 e 10 anos de tempo de serviço, cinco entre 11 e 20 e três entre 21 e 30 anos de serviço.
A primeira questão referia-se a percepção do professor quanto a sua voz. Para esta, 14 (58,3%) professores responderam que achavam sua voz rouca e 10 (41,7%) que não. A segunda questão referia-se a percepção dos outros quanto a rouquidão da voz deles e para tal questão, 15 (62,5%) respondeu que alguém já havia comentado que sua voz era rouca e 9 (37,5%) que não.
Quando questionados se ficavam roucos após as aulas 14 (58,3%) professores responderam que sim, com o mesmo número de professores indicando que esta rouquidão permanece até o dia seguinte e 11(45,8%) que ela permanece por mais de dois dias.
Dos 24 entrevistados, tendo 7 (29,2%) já apresentaram algum problema vocal e 14 (58,3%) revelaram que os problemas vocais pioraram após começarem a lecionar.
A quebra ou desaparecimento momentâneo da voz durante a aula apresentou-se em 15 (62,5%) dos entrevistados. Em relação a ter voz forte ou fraca, 14 (58,3%) relataram que sentem que sua voz é fraca demais para falar em público- dar aula.
Sobre o prolongamento do período de fala, 18 (75%) relataram que falam durante muitas horas seguidas, onde 17 (70,8%) percebem que sua voz fica mais fraca ao final do dia.
Apenas 3 (12,5%) professores responderam que quando falam suas veias ou músculos do pescoço ficam saltadas, salientes, 2 (8,3%) que sentem dores no pescoço e dor de cabeça após a fala em público e 8 (33,3%) que pigarreiam constantemente.
Coceira, ardor, dor, sensação de garganta seca, sensação de queimação, sensação de aperto ou bola na garganta foi encontrado em 16 (66,7%) professores, resfriados freqüentes em 7 (29,20%), amigdalites, laringites ou faringites freqüentes em 9 (37,5%). Dificuldades digestivas, azia ou refluxo gastro-esofágico encontrou-se em 9 (37,5%).
O uso do cigarro apresentou-se em 10 (41,7%) dos profissionais, 7 (29,20%) mencionaram que se auto-medicam quando têm problemas de voz e apenas 1 (4,2%) respondeu que usa a voz de modo intensivo em outras situações.
Quanto ao aquecimento e desaquecimento vocal, apenas 5 (20,8%) indicaram fazê-lo antes do uso da mesma.
DISCUSSÃO
As disfonias, sendo alterações acústicas da voz, podem ser percebidas em um número relativamente alto de professores.
Analisando a presença de problemas vocais, verificou-se que sete (29,2%) professores já os tiveram, onde 14 (58,3%) apontaram que os problemas vocais pioraram após começarem a lecionar. Este número pode ser considerado baixo, se comparado com a pesquisa realizada pelo Centro de Estudos da Voz em parceria com o Sindicato de Professores de São Paulo (TAKAHASHI, 2006). Na pesquisa realizada por eles, 63% dos 250 docentes entrevistados já tiveram problemas vocais. Também é baixo, se considerarmos a pesquisa realizada por Farias e Noel (2004) com 20 professores de Educação Física do sexo masculino, que dão aulas em academias de Petrópolis, onde 60% dos avaliados apresentaram disfonias e o restante estava no limite inferior da funcionalidade vocal.
Dos vinte e quatro professores que responderam os questionários, quatorze (58,3%) mencionaram perceber alterações vocais e, quinze (62,5%) que outras pessoas já perceberam estas alterações voais. Este dado, apesar de ser bem inferior ao apresentado por Fuess e Lorenz (2003), já demonstra que a ocorrência de alterações é bem acentuada. Os referidos autores realizaram uma pesquisa com 451 professores da pré-escola e do ensino básico do município de Mogi das Cruzes, verificando a ocorrência de problemas vocais e sintomas associados através de um questionário. Em sua pesquisa, encontrou 80,7% de professores, avaliados, que já tinham apresentados disfonia. Destes, 57% mencionaram que foram episódios eventuais, 15,5% que são freqüentes e 8,2% que estão constantemente roucos. Todavia, percebe-se que estes dados, por terem essa diferenciação de freqüência pode ser um dos fatores da diferença nos resultados encontrados entre as duas pesquisas.
O fato da rouquidão destes professores permanecer até o dia seguinte não é incomum, uma vez que muitos deles trabalha até tarde e a fala é exigida até então. Mas, 11(45,8%) professores mencionaram que esta rouquidão permanece por até dois dias, o que considerando que no dia seguinte ao esforço vocal o professor já estará lecionando novamente, é um fator agravante, podendo ocorrer acúmulo de esforço e desgaste vocal.
Em relação ao cansaço vocal, 17 (70,8%) pessoas mencionaram que a voz fica mais fraca ao final do dia. Fuess e Lorenz (2003), apesar de terem encontrado um número um pouco inferior, também mostra uma incidência elevada de cansaço vocal, onde 55,6% mencionaram que isto ocorre com eles, dentre os quais 27,7% de forma eventual e 27,9% de forma constante.
O falar pro tempo prolongado foi apontado por 18 (75%) dos entrevistados e considerando esta informação, não é estranho a alta incidência de cansaço vocal anteriormente enfocado. Como apontam Zambon e Behlau (2006), a fala prolongada é um dos fatores prejudiciais à voz, principalmente se não houver períodos de descanso.
Considerando aspectos relacionados a odinofonia, que é a dor ao falar, 16 (66,7%) mencionaram que sentiam coceira, ardor, dor, sensação de garganta seca, sensação de queimação, sensação de aperto ou bola na garganta quando falavam. Não foi inquirido qual a freqüência deste sintoma, todavia, analisando-se estas características são de certo modo interligado as outros sintomas (cansaço vocal, rouquidão), pode-se perceber que o número de professores que apresentaram estes sintomas continua alto. O valor encontrado por Fuess e Lorenz (2003), para a odinofonia foi de 28,6% dos entrevistados. Se comparado a presente pesquisa com a de Farias e Noel (2004), o número até que foi bem abaixo, uma vez que na pesquisa deles, todos os professores apresentaram desconforto na garganta ao final do dia, com pigarro, tosse seca, ardência, rouquidão, cansaço vocal, e esforço para falar.
Foram encontrados sintomas referentes à refluxo gastro-esofágico em 9 professores (37,5%), enquanto que para Fuess e Lorenz (2003) este número foi de 100 professores (22,2%), onde constatou uma relação entre estes sintomas esofágicos e a disfonia, alertando para um maior cuidado com a alimentação correta e cuidados com o período de repouso relacionados ao descanso.
Resfriados freqüentes, encontrados em 7 (29,20%) indivíduos, amigdalites, laringites ou faringites freqüentes em 9 (37,5%), podem ter influenciado nas avaliações das alterações vocais, uma vez que interferem nas mesmas.
Em relação a prevalência de alterações vocais no sexo feminino, como verificado por algumas pesquisas (ORTIZ et al., 2004), o estudo também percebeu uma maior prevalência destas. Considerando a percepção quanto a própria rouquidão, dos 14 professores que referiram rouquidão na voz, 12 eram do sexo feminino, de uma amostra de 15 professoras. Entre os homens, a incidência desta rouquidão foi numa proporção menor, sendo 2 homens entre uma amostra de 9 professores homens.
O cigarro é um fator de risco para disfonias, prejudicando a produção vocal. Dos avaliados, 10 (41,7%) professores mencionaram fazerem uso do mesmo. Este número é bem elevado, considerando tratar-se de profissionais diretamente ligados à saúde. Contudo, apenas 3 eram do sexo feminino e 7 do sexo masculino, não sendo possível estabelecer uma relação entre problemas vocais e o fumo, pois mesmo 7 professores do sexo masculino relatarem o uso do cigarro, apenas 2 mencionaram rouquidão na voz e embora apenas 3 professoras relataram o uso do cigarro, 12 apresentaram rouquidão. Neste sentido, Fuess e Lorenz (2003) também não perceberam relação entre o uso do cigarro e a presença de disfonia, encontrando apenas 8,9% de prevalência do tabagismo entre os professores estudados. Além do cigarro, tem-se o pigarro constante, referido por 8 (33,3%) indivíduos. Embora não seja um valor tão elevado como os anteriores, e bem inferior ao apresentado por Takahashi (2006) que foi de 35,1%, deve ser analisado com cuidado.
Estabelecer uma relação entre o tempo de serviço e o aparecimentos de rouquidão ou problemas vocais não é tão simples, principalmente por o número de participantes de cada grupo não ser similar. Entre os 16 professores com menos de dez anos de docência, 10 relataram ter a voz rouca, entre os cinco com onze à vinte anos de serviço, apenas um relatou a rouquidão e dos três professores com mais de vinte um anos de docência apresentaram tal característica. O estudo de Smith (1997, citado por ORTIZ et al, 2004) indicou que embora as alterações vocais em professores ocorressem de forma tardia, dos 10-20 anos de serviço, os professores de educação Física demonstraram essa alteração de forma mais aguda. Todavia, na presente pesquisa percebeu-se que voz rouca já foi percebida entre os professores com menor tempo de docência, o que pode ser analisado considerando que professores de Educação Física tendem a ter um maior desgaste vocal que os outros professores.
CONCLUSÃO
A saúde vocal, apesar de estar intrinsecamente ligada a funcionalidade do professor ainda é pouco divulgada e, conseqüentemente, pouco amparada. Segundo Ortiz et al. (2004), é estimado que 100 milhões de reais são gastos por ano, na rede municipal, no Brasil, por afastamento de professoras. Nestes afastamentos, as causas são diversas, mas considerando os altos índices de alterações vocais encontradas nas pesquisas, pode-se inferir que um dos motivos é o desgaste vocal e suas conseqüências. Corroborando tal idéia, Takahashi (2006) indica que 70% dos educadores têm chances de perder dias de atividade devido a problemas na voz.
A percepção das próprias alterações vocais por cada professor torna-se essencial para a busca de auxílio para a minimização destes e os cuidados com a voz tornam-se essenciais no dia a dia da docência.
Apesar de não ter sido inquirido dos participantes quanto a ingestão de água, sabe-se que poucos são os professores que o fazem regularmente. A saída da sala não é muito recomendada, no entanto, os que portam garrafa de água são em número reduzido. Tal atitude permitiria uma lubrificação constante das cordas vocais, como indicam Zambon e Behlau (2006).
Nem sempre ter a informação é suficiente. Como apresentado por Farias e Noel (2004), apesar dos professores saberem da necessidade de cuidados vocais como o uso de microfones nas aulas em academias, menos da metade o faz. O mesmo, em muitos casos, pode ser constatado nas escolas regulares. Cuidados simples como aquecimento e desaquecimento vocal contribuiriam muito com a prevenção destes problemas vocais, no entanto, os que o fazem são em número reduzido.
Considerando que os professores de Educação Física têm agravantes como o espaço amplo em que dão aula e a constante movimentação dos alunos, entre outros, que os forçam a elevar o volume da voz, a atenção a estes cuidados e o uso de recursos como microfone, megafone, apito, reunir o grupo para falar, que lhes permitam falar mais baixo, são meios de diminuir seu desgaste vocal.
Informar sobre as conseqüências destes descuidos passa a ser fundamental, uma vez que uma disfonia pode levar a afonia, que é a perda total da voz, e isso, interferirá na qualidade de vida do indivíduo. Como expõem Zambon e Behlau (2006), professores com problemas de voz podem sentir-se frustrados e ansiosos, tendo que mudar seu estilo de aula, inclusive com repetição constante do que falam para serem compreendidos. Este problema vocal pode comprometer suas atividades de trabalho, sua vida social e até seu equilíbrio emocional.
As pesquisas quanto à qualidade vocal ainda precisam crescer, todavia, a informação a estes profissionais e a necessária prevenção são fatores preponderantes no combate tanto a problemas vocais, contribuindo com a diminuição das ausências destes docentes nas escolas em que lecionam.
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