http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/296.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

TRABALHO E MATERNIDADE: O PENSAR DE MULHERES COM DEFICIÊNCIA MENTAL
Elza Macedo Rocha
Orientadora: Anna Augusta Sampaio de Oliveira
UNESP - campus Marília



A sexualidade que até hoje é algo complexo e às vezes problemático para a maioria das mulheres, é ainda mais para as mulheres com deficiência mental, de todas as idades.Como tudo começou: a histórias das mulheres, do ponto de vista dos direitos e da cidadania, começa em 1910, a partir da II Conferência Internacional de Mulheres, quando se propôs que o dia oito de março fosse lembrado como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 129 tecelãs de uma fábrica de Nova York que, ao reivindicarem a diminuição de sua jornada de trabalho, acabaram mortas. A data foi oficializada como símbolo da luta pela igualdade de diretos entre homens e mulheres.
Pode-se dizer que uma das revoluções do século XX foi a da mulher, e a transformação do lugar social ocupado por ela. Então está tudo resolvido?
Embora as mulheres tenham conquistado espaços no trabalho, na família, na mídia, nas artes, ainda há questões a serem resolvidas: a diferença de salários entre homens e mulheres que desempenham a mesma função é uma delas.
As questões que envolvem a sexualidade é outra. Em geral, o tema da sexualidade aflora com mais vigor na adolescência, para moças e rapazes, tenham ou não deficiência. Esta é a fase da "turma", da preocupação com a aparência, com "o que os outros vão achar". A família deixa de ser a referência, liberdade, ousadia, quebra de regras estão na ordem do dia. Sem falar nos hormônios em ebulição!
Estas alterações ocorrem em todos os jovens, não importando se têm ou não uma deficiência. Para os que têm esta condição, sentimentos de insegurança, angústia, medo são ainda mais acentuados.
Se nessa idade uma espinha no rosto já é considerada um problema, como será considerada a evidência de uma deficiência? Como manter a auto-estima em alta?
O que fazer?
É necessário que os pais se preparem para acolher estas (e outras) questões que irão aparecer, nesta faixa etária. O papel da família é contribuir com a informação e a quebra de preconceitos É muito importante que os educadores e os pais tenham conhecimento destas questões, pois o que dizem e o que expressam de forma não verbal, através de olhares, silêncios, expressões faciais influenciam a forma como aquela adolescente lidará com a sexualidade. É uma fase muito difícil e importante, com descobertas de um corpo em transformação e com experiências no plano das relações amorosas.
O tema da Deficiência possui um estigma social que se reflete também no plano da sexualidade.
Acredita-se que a mulher com deficiência não tem sexualidade. Ela tende a ser vista de forma infantilizada, a ser protegida e cuidada - (esta postura é bastante comum, especialmente com adolescentes com deficiência mental). Outro equívoco é vê-las como assexuadas, que devem ser tratadas apenas como "amigas" por seus colegas de classe.
Esse estigma também traz outros equívocos: mulheres com deficiência mental não podem ter filhos ou exercer o ato sexual. Enfim, são muitos os equívocos que precisam ser desfeitos: a mulher com deficiência mental pode ter filhos, pois não há relação nenhuma entre deficiência (seja ela qual for) e fertilidade, a não ser que a infertilidade seja ocasionada por fator externo à deficiência, assim como ocorre com mulheres sem deficiência. 
A mulher com deficiência mental é, antes de tudo, uma mulher, que tem possibilidade de exercer sua sexualidade, assim como pode escolher se quer ter filhos ou não.
É importante levar esta informação às pessoas, pois quem nunca teve a oportunidade de conviver com uma mulher com deficiência, provavelmente carrega estes falsos conceitos consigo. Também é fundamental que a própria mulher com deficiência possa reconhecer e exercer sua sexualidade. É justamente em decorrência deste auto reconhecimento que o outro passará a enxerga-lá com este atributo e com uma possibilidade amorosa.
Em nossa sociedade, valores como a beleza física e a perfeição são muito valorizadas e maciçamente divulgadas pela mídia, fazendo-nos erroneamente atribuir ou restringir a sexualidade ao aspecto físico. Assim, muitas mulheres obesas, por exemplo, também acabam vítimas destes estigmas sociais, como os casos de bulimia e anorexia comprovam. Porém, Freud já dizia que a sexualidade é algo bem mais amplo que o seu plano físico; envolve questões afetivas, da história familiar de cada um, de ordem social e cultural.
As pessoas acham natural que um portador de deficiência procure se unir a outro cuja deficiência seja igual ou parecida a sua, por achar que assim seriam mais bem compreendidos e conseqüentemente mais felizes.
Não tenho nada contra quem se une a alguém "igual" mas, o que não entendo, é o pensamento de que, com o "igual", a chance de ser feliz será maior. Crescemos convivendo com pessoas cujas crenças, pensamentos, cultura, limitações são diferentes das nossas. Conviver com diferenças sempre nos faz crescer, sejam elas quais forem, e a ação contrária gera discriminação, grupos fechados, guetos. Então, por que algumas pessoas com deficiência mental acreditam que só serão aceitas e felizes unindo-se a outros com deficiência?
A sociedade evoluiu, material e culturalmente, ampliou os espaços de atuação dos seus grupos; entretanto, no cotidiano das suas práticas e costumes, predominam os conceitos antigos da deficiência, os quais deram fundamento ao estigma e ao preconceito, fazendo com que persistisse para as mulheres com deficiência mental traço da desvantagem, da desqualificação, da desconsideração, das mesmas a partir da supervalorização de sua deficiência, como a falha mais visível que assim inviabiliza uma percepção delas como sujeitos humanos globais.
Todo o investimento e esforço feitos pelo sujeito pela família e pala sociedade durante o percurso educacional deveria ter a função de preparar a jovem para assumir responsabilidades e se integrar na sociedade com uma atividade produtiva. O trabalho e sua conseqüente repercussão na vida dos indivíduos em particular e da sociedade como um todo, é assim, um dos mais marcantes aspectos da vida adulta.
É importante que a própria mulher com deficiência mental lute por seus objetivos, sonhos e desejos, e tenha sempre em mente que é uma pessoa capaz, pois assim contribui para ser aceita pela sociedade; demonstrando que tem competência para desempenhar uma profissão dentro de suas possibilidades e capacidades.
Goyos enfatiza que o deficiente no Brasil é diagnosticado tarde, e este enfrenta barreiras para ter atendimento especializado. Muitas vezes ele é segregado e mantido longe dos serviços em que precisaria ter acesso. O autor afirma que dadas às condições de atendimento ao deficiente mental no serviço de preparação para o trabalho estes podem apresentar: analfabetismo, baixa auto-estima, dificuldades de comunicação, dentre outras coisas.
O trabalho pode contribuir para o auto desenvolvimento do individuo e quanto à organização promove a capacitação técnica aliada a uma política de recursos humanos pautadas em valores de compromisso social e ético. Assim, o trabalho poderá favorecer tanto o desenvolvimento profissional quanto pessoal do individuo.
Segundo Tanaka e Rodrigues, é necessário que programas de preparação para o trabalho adotem posturas que possibilitem a integração do deficiente no mercado competitivo. É muito importante que se reconheça o potencial produtivo dessas mulheres com deficiência mental, para isso é fundamental que haja uma qualificação profissional.
Tanaka e Rodrigues sugerem que se adapte o trabalho ao individuo, para que se possam oferecer atividades mais próximas à demanda do mercado de trabalho competitivo e com isso aumentar as possibilidades de colocação do individuo com deficiência no mesmo, as autoras propõe que se faça a descrição e a análise dos cargos. A descrição refere-se ao detalhamento das tarefas que compõe o cargo e está voltada aos seus aspectos intrínsecos e a análise se refere aos aspectos extrínsecos. São os requisitos que o candidato deve apresentar para ocupar o cargo. Deve ser feita a reestruturação do cargo para adaptá-los às necessidades do sujeito. Segundo estas autoras, o treinamento deve ocorrer em ambiente natural de trabalho e não em oficinas protegidas que distanciam desta realidade. O trabalho deve ser conquistado pelo esforço da pessoa e da oportunidade concedida pela comunidade.
Tanaka e Rodrigues fazem uma crítica ao processo de transição das oficinas protegidas para o mercado de trabalho, pois muitas vezes a instituição deixa de encaminhar indivíduos que teriam a oportunidade de exercer um trabalho, pela necessidade de sua mão de obra.
As autoras citam Mills que chama a atenção para esta questão, pois muitas vezes este tipo de profissionalização é confundida com ocupação, não se distinguindo intervenções com finalidade estritamente profissionalizante das que tem uma finalidade assistencial momentânea ou até mesmo prolongada.
Estas nada tem haver com a realidade do mercado competitivo. Nestas oficinas, muitas vezes, o indivíduo não tem a oportunidade de escolher a profissão que gostaria de exercer.
Tanaka e Rodrigues enfatizam que se os programas dos centros de preparação para o trabalho do deficiente mental tiverem como objetivo o desenvolvimento das habilidades profissionais de uma forma mais realista, fundamentadas nos estudos dos postos de trabalho, as chances de ingresso e participação dos mesmos no mercado de trabalho certamente serão maiores.
Observa-se, ainda hoje, uma desconexão entre as instituições de formação profissional e as exigências e necessidades do mercado de trabalho. Programas repetitivos, com atividades simuladas próprias de oficinas protegidas, se distanciam muito das exigências reais do mercado de trabalho.
O moderno mercado de trabalho requer um trabalhador capaz de acompanhar os rápidos avanços tecnológicos e de se ajustar com agilidade as diferentes funções.
Cabe as instituições escolares, familiares e de preparação profissional, articular as questões relativas à preparação do individuo (incluindo uma conexão entre as propostas feitas nas escolas e os programas de preparação profissional), com as exigências e demandas do mercado de trabalho local.
Ao se pensar em uma mulher com deficiência mental, a primeira constatação é a de que como mulher terá de conviver e encontrar algumas alternativas diferentes para poder participar da sociedade, e isto até está correto. O equivoco está em pensar que, por ter necessidades especiais e precisar de uma atenção diferenciada, seus valores são diminuídos, sua competência é limitada, seus desejos são irrelevantes e suas vontades podem ser desprezadas.
Precisamos contradizer e combater os preconceitos que se impõe à mulher com deficiência mental, que no fundo tem todas as disposições e desejos de uma pessoa sem deficiência mental. Devendo ela, sim, colocar em prática seus desejos, sua sexualidade, descobrindo formas de ser feliz e viver com liberdade.
Quando se pensa em uma mulher com deficiência mental, a primeira coisa que se vem à mente são as suas limitações, sofrimentos e a tristeza que tudo isto pode lhe estar causando. Grande engano e equívoco, pois limitação mental, não é sinônimo de derrota.
Negar a possibilidade de oportunidades iguais para uma mulher só porque ela apresenta uma diferença, é negar a ela a possibilidade de experimentar o que a vida por si oferece.
Por exemplo, a gravidez, com certeza, pode desenvolver uma confiança que foi recusada a própria mulher com deficiência mental ou igualmente pode-se tornar uma nova fonte de problemas, se a cada momento, a uma mulher com deficiência mental, for repetido a idéia de que ela não pode ter filhos e essa mulher chegar a engravidar, por certo ela irá duvidar da própria capacidade de poder gerar, ter e criar esse filho.
Qual será o projeto de vida social, afetivo e sexual de mulheres com deficiência mental, que desde cedo foram socializadas para serem incapazes e dependentes? Muitas mulheres com deficiência mental são impossibilitadas de exercerem seus direitos de cidadãs, sendo submetidas à esterilização e/ou institucionalização ou consideradas incapazes de trabalhar ou serem mães. Não é dada a elas a idéia de que são capazes de tomar decisões do que desejam fazer e assumir responsabilidades. Por se tratar de mulheres que não correspondem à forma integral dos anseios da sociedade, elas acabam sendo discriminadas e a sua sexualidade acaba ficando limitada, à medida que as pessoas partem do esteriótipo de que elas são incapazes de aprender normas e regras. O referente estudo tratou de analisar como vivem e o que pensam as mulheres com deficiência mental a respeito das oportunidades de trabalho e da maternidade. Foram entrevistadas três mulheres com o diagnóstico de deficiência mental. O método utilizado é uma pesquisa de campo, incluindo transcrições de entrevistas e citações explicativas. Todo os depoimentos coletados foram considerados importantes, pois existiu o interesse em verificar como se manifestam nas interações cotidianas, as oportunidades de trabalho e maternidade na perspectiva das entrevistadas. O que se pode observar tanto nas entrevistas, quanto na discussão da maioria dos autores sobre a dependência da mulher com deficiência mental, está relacionada à família e em sua característica de superproteção, principalmente por parte da mãe. O que também foi constatado na maioria de minhas leituras e em uma das entrevistas foi o fato de que a maioria das mulheres com deficiência mental, não mantém relacionamentos e amizades fora do círculo fechado da família. Acredito que existe uma extrema importância em esclarecer os pais dessas mulheres, sobre o fato de que estes devem preparar e inserir suas filhas no mundo adulto.


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