http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/297.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

A FÍSICA PARA A DIVERSIDADE: DOS CONCEITOS Á CONFECÇÃO DE MATERIAL ACESSÍVEL
Ana Aline de Medeiros – CEFET/RN
Renata Dutra de Oliveira Leite – CEFET/RN
Prof.ª Msc. Narla Sathler Musse de Oliveira – CEFET/RN


RESUMO

Este trabalho propõe estratégias pedagógicas voltada para o atendimento da diversidade, dentro de uma perspectiva inclusiva, utilizando modelos tridimensionais acessíveis e interativos para ensinar Física, de forma que todos os alunos, independente de suas necessidades específicas, compreendam conceitos físicos através da vivência e da experimentação. Os modelos construídos foram utilizados em sala de aula e posteriormente no Instituto de Educação e Reabilitação dos Cegos do Rio Grande do Norte - IERC/RN, a fim de mostrar que é possível trabalhar conteúdos de Física, com o olhar para a diversidade, de forma acessível e lúdica, onde os alunos interagem e experimentam os modelos, contextualizando os assuntos abordados com o cotidiano e construindo conceitos interdisciplinares com a química, biologia, matemática e geografia. Com a realização desta prática foi possível diagnosticar a eficácia do material e a importância de uma prática pedagógica centrada no aluno e em suas necessidades individuais.

Palavras-chave: Modelos acessíveis – Física – Diversidade.


1 INTRODUÇÃO
A inclusão de pessoas com deficiência nas escolas é um direito e tem se tornado realidade. Para tanto, é necessário aprimorar a qualidade do ensino, fazendo com que o conhecimento seja comum a todos, independentemente das suas necessidades específicas.
Esse projeto mostra como trabalhar alguns conteúdos de Física de forma acessível e lúdica, com o olhar para a diversidade, onde os alunos interagem e experimentam modelos tridimensionais, construindo conceitos interdisciplinares da física com a química, biologia, matemática e geografia, contextualizando os assuntos tratados com o cotidiano dos alunos.
O estudo da Física contribui para a formação de uma cultura científica que permite ao aluno a interpretação dos fatos, fenômenos, processos naturais e da interação do ser humano com a natureza como parte da mesma. Os parâmetros curriculares nacionais das ciências naturais (PCN) orientam sobre a importância de o aluno ter conhecimento de como a natureza se comporta e a vida se processa, para que ele se posicione, opine e oriente suas ações sobre questões que aparecem no seu dia a dia.
Neste sentido, é importante compreender que o estudo da Física contribui tanto para o conhecimento científico e disciplinar como para uma melhor compreensão do cotidiano. Nesse contexto os PCN (1999, p. 22) reforçam ainda que:
[...] o aprendizado da Física promove a articulação de toda uma visão de mundo, de uma compreensão dinâmica do universo, mais ampla do que nosso entorno material imediato, capaz, portanto de transcender nossos limites temporais e espaciais. Assim, ao lado de um caráter mais prático, a Física revela também uma dimensão filosófica, com uma beleza e importância que não devem ser subestimadas no processo educativo.
Com base nesse texto, é necessário entender que a ciência Física por si só promove toda uma visão dinâmica do universo proporcionando uma amplitude maior do conhecimento, porém isso não acontece quando se trata da disciplina Física estudada nas escolas. Como expressam Araújo e Abib (2002, p.176), “as dificuldades e problemas que afetam o sistema de ensino em geral e particularmente o ensino de Física não são recentes e têm sido diagnosticados há muitos anos, levando diferentes grupos de estudiosos e pesquisadores a refletirem sobre suas causas e conseqüências”.
Todavia, o ensino da Física fica comprometido quando é freqüentemente confundido com a matemática. Segundo documento elaborado pelo grupo de reelaboração do Ensino de Física (GREF)1 (2002, p. 20-21):
A física, instrumento para a compreensão do mundo em que vivemos, possui uma beleza conceitual ou teórica, que por si só poderia tornar seu aprendizado agradável. Esta beleza, no entanto, é comprometida pelos tropeços num instrumental matemático com o qual a Física é freqüentemente confundida, pois os alunos têm sido expostos ao aparato matemático-formal, antes mesmo de terem compreendido os conceitos a que tal aparato deveria corresponder.
Assim, o ensino da Física nas escolas regulares é visto geralmente como a matéria onde os alunos encontram as maiores dificuldades de aprendizagem. Essa dificuldade pode ser associada às práticas pedagógicas utilizadas pelos professores, que na maioria das vezes não são da área da Física (Licenciatura ou Bacharelado).
O uso de atividades experimentais como estratégia de ensino pode ser considerado uma alternativa viável para minimizar as dificuldades de se aprender e até mesmo de se ensinar Física de uma forma mais consistente. Para Marineli e Pacca (2006, p.498) “diferente das aulas teóricas de Física, no laboratório didático está presente o referencial empírico, aquilo que é real, organizado especificamente para a experimentação, de forma a permitir o estudo dos fenômenos”.
Neste sentido, a prática no laboratório didático se diferencia das aulas expositivas nas salas de aula comuns pelo seu caráter experimental, uma vez que possibilita aos alunos uma maior interação entre eles, com o professor e com o próprio ambiente, no sentido de discutir diferentes concepções; observar e utilizar instrumentos experimentais; estudar e verificar a realização de fenômenos; formular hipóteses para chegar aos possíveis diagnósticos ou resultados.
O objetivo deste trabalho é apresentar resultados de uma pesquisa sobre as estratégias pedagógicas para ensinar conteúdos de física em uma abordagem interdisciplinar e inclusiva, tornando significativo o processo de ensino-aprendizagem, por meio de modelos tridimensionais acessíveis.
Quando Freire (1996, p. 25) diz tão brilhantemente, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”, ele deixa uma importante reflexão para aqueles que fazem a educação, que o sistema de ensino adotado por muitas escolas está equivocado. Aqueles que ensinam aprendem se estiverem abertos ao novo e compreenderem que ensinar e aprender são uma constante.

1  Grupo de Reelaboração do Ensino de Física, elaborado por um grupo de professores de escolas públicas de São Paulo e coordenados por docentes do Instituto de Física da USP.  O objetivo do grupo é apresentar uma proposta de ensino de Física para o ensino médio que esteja vinculado à experiência cotidiana dos alunos, procurando mostrar aos mesmos a Física como um instrumento de melhor compreensão e atuação na realidade.

Para Cavalcante (2006), “a escola não se resume a lápis, caneta, caderno, giz, lousa e professor. É o lugar da diversidade, que se reflete na quantidade de recursos, que têm por objetivo fazer o aluno progredir”. Neste sentido é importante ressaltar que, com raras exceções, o que se encontra hoje como recurso didático para professores de Física, são os livros didáticos. Estes livros servem de orientação para o professor e geralmente constituem a única fonte de consulta para os alunos. Outro ponto importante é que a maioria destes livros é inacessível, trazem um grande número de imagens e conteúdos descontextualizados. 
Este trabalho propõe também uma reflexão sobre a forma como os alunos com deficiência visual lidam com os conteúdos abstratos de Física. Neste contexto Vygotsky apud Oliveira (1992, p. 32) mostra que “os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvem em direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato”.
Diante dessa concepção, é fundamental entender que o aluno precisa inicialmente desenvolver os conceitos qualitativos (espontâneos) para alcançar aqueles de natureza conceitual (científicos). O aluno ao estudar o conteúdo de mudanças de estados físicos da matéria, por exemplo, experimenta e vivencia o processo de fusão, ou seja, a transformação da água no estado líquido para o sólido, adquirindo assim o conceito espontâneo. Posteriormente ele alcançará o conceito científico quando o professor explicar teoricamente o que se passa com as moléculas de água, com a temperatura, a forma e o volume. O ideal, portanto, é a aquisição inicial do conceito espontâneo, que geralmente o aluno já traz consigo, e, posteriormente, adquirir o conceito científico.
 Pode-se dizer que no âmbito educacional, correlacionar os conceitos espontâneos e científicos, significa promover um conhecimento contextualizado. Neste sentido, é preciso levar em consideração que cada aluno tem seu ritmo próprio de aprender e o mais importante é que cada aluno vem de um contexto sócio-econômico-cultural distinto, o que configura a diversidade.

3  METODOLOGIA
A partir do momento em que as aulas expositivas ficam somente em explicações abstratas, mediante a falta de inovação e aplicação de outras metodologias, percebe-se a necessidade de criar estratégias ou recursos didáticos diferenciados, na tentativa de sanar algumas deficiências observadas no ensino da Física.
Pensando em uma educação voltada para a diversidade, com ênfase no aluno com deficiência visual, foram confeccionados modelos tridimensionais que pudessem materializar os conteúdos abstratos de Física. Sem perder o foco na interdisciplinaridade, os modelos tridimensionais possibilitam um trabalho integrado usando o mesmo modelo para explicar conceitos de física associados às disciplinas distintas, tais como: biologia, química, matemática e geografia.
A física e a biologia foram trabalhadas utilizando a maquete representada na figura 1, construída para representar a anatomia e o processo da projeção da imagem no olho humano.


Figura 1. Fotografia mostrando o modelo de um olho, representando a formação da imagem. À direita, a imagem real e à esquerda o olho onde se observa a imagem sendo formada em seu interior menor e invertida.
Fonte: Núcleo de Inclusão (CEFET/RN)

Através de espirais de encadernação, tiras de garrafa plástica, bolinhas de isopor e fios de lã, foram construídos dois modelos representando a estrutura molecular de um sólido e de um líquido, ambos representados na figura 2. Os modelos foram criados para trabalhar conteúdos de físico-química em termodinâmica, de forma interativa.


Figura 2. Fotografia mostrando modelos tridimensionais de uma estrutura molecular sólida e de uma estrutura líquida. Os modelos sólidos possuem forma definida, já os líquidos não possuem forma definida, por isso ficam espalhados sobre a mesa.
Fonte: Núcleo de inclusão (CEFET/RN)

A matemática foi trabalhada com a utilização de um dinamômetro tátil, aparelho construído para medir a força peso nos objetos, representado na figura 3. Este instrumento permite fazer medições em grama e em Newton2. Para a confecção do dinamômetro tátil, foram utilizados materiais recicláveis e de baixo custo, como cano de pvc, pedaço de cartolina, espiral de encadernação e pedaços de arame. A marcação com a numeração foi feita em tinta e em Braille.
2  Newton (símbolo: N) é uma unidade de medida de força, nomeada em razão de Isaac Newton.


Figura 3. Fotografia mostrando um aluno cego manuseando o modelo do dinamômetro tátil.
Fonte: Núcleo de Inclusão (CEFET/RN)

Para o ensino da geografia-física foi criado um modelo que demonstra o movimento de rotação da Terra e a sua translação em torno do Sol. Neste modelo o Sol encontra-se fixo em um dos focos de uma elipse e a Terra apresenta-se móvel, como representado na figura 4. É importante perceber a diversidade de conteúdos que podem ser abordados com este modelo na geografia e na física, como por exemplo, as estações do ano; movimento das marés; meridianos; fusos horários; as leis de Kepler3, movimento gravitacional, sistema heliocêntrico entre outros.
     
3  Matemático alemão Johannes Kepler, descobriu que as órbitas planetárias não eram círculos, mas elipses. Kepler descreveu o movimento planetário por três leis. 


Figura 4. Fotografia mostrando o momento em que uma aluna cega manuseia o modelo que representa o movimento da Terra (móvel) em torno do Sol (fixo).
Fonte: Núcleo de Inclusão (CEFET/RN)

A construção dos modelos levou em consideração alguns pontos importantes. Inicialmente a resistência ao manuseio, uma vez que o tato é o principal sentido usado pelas pessoas cegas. Posteriormente a acessibilidade com cores contrastantes e a utilização de legendas com letras ampliadas em tinta e Braille.
Alguns modelos foram construídos levando em consideração o sentido da audição, utilizando dispositivos sonoros como buzinas e dispositivos luminosos como LED4. Por exemplo, a maquete que aborda o conteúdo de eletricidade, representado na figura 5, utiliza o mesmo princípio teórico de funcionamento de uma usina elétrica, permitindo observar qualitativamente o processo de transferência de energia mecânica em energia elétrica. Ao girar a manivela velozmente as luzes acendem-se e as buzinas começam a tocar.

4  LED é a sigla em inglês para Light Emitting Diode, ou Diodo Emissor de Luz.O LED é um diodo semicondutor que quando energizado emite luz visível.


Figura 5. Fotografia mostrando a maquete construída para demonstrar a transformação da energia de movimento (mecânica) em energia elétrica.
Fonte: Núcleo de Inclusão (CEFET/RN)

O material foi utilizado em salas de aula regular e posteriormente, foi exposto no Instituto de Educação e Reabilitação dos Cegos do RN – IERC/RN, com a expectativa inicial de possibilitar aos freqüentadores do Instituto, que em sua maioria são deficientes visuais, o manuseio e a experimentação do material. A idéia foi investigar e possibilitar a estas pessoas a construção de conceitos espontâneos a partir da interação com os modelos, na linha de prática vivencial (Figura 6).

b
a
 

Figura 6. Em (a), alunos de sala de aula regular manuseando os dois modelos tridimensionais das estruturas moleculares dos sólidos e dos líquidos. (b) Momento em que uma aluna do IERC/RN compreende por meio da maquete a fundamentação teórica do processo de projeção da imagem no olho humano.
Fonte: Núcleo de Inclusão (CEFET/RN)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cotidiano da escola é representado por diferentes relações sociais que refletem a diversidade humana e cognitiva na sociedade. A inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares é uma realidade que desafia a cada dia o sistema de ensino, no sentido de transformação das práticas pedagógicas adotadas.
A criação e elaboração deste trabalho promoveram um avanço nas estratégias pedagógicas utilizadas no Ensino de Física. A experiência em construir e utilizar os modelos acessíveis mostrou que se pode alcançar o conhecimento a partir de conceitos espontâneos, proporcionando aos alunos melhores condições de compreenderem e se apropriarem dos conceitos abstratos. Os modelos interdisciplinares justificam a complementaridade das ciências, ou seja, o ensino da física complementa o ensino da química, matemática, biologia, geografia, e vice-versa.
Com a realização desta prática foi possível diagnosticar a eficácia do material e a importância de uma prática pedagógica centrada no aluno e em suas necessidades individuais.

5 REFERÊNCIAS
ARAÚJO, M.S.T.; ABIB, M.L.V.S. Atividades Experimentais no Ensino de Física: Diferentes Enfoques, Diferentes Finalidades. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v.25, n. 2, p.176-194, jun.2003.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Media e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 1999.114p.
CAVALCANTE, Meire. Revista Nova Escola: Inclusão. Edição Especial n° 11. – São Paulo: Abril, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. – São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GRUPO DE REELABORAÇÃO DO ENSINO DE FÍSICA. Física 1: Mecânica. 7ª ed. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
MARINELI, F.; PACCA, J.L.A. Uma interpretação para dificuldades enfrentadas pelos estudantes em um laboratório didático de Física. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 28, n. 4, p. 497-505, abr./jul.2006.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Saberes, imaginários e representações na educação especial: A problemática ética da “diferença” e da exclusão social. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Piaget, Vygotsky, Wallon. Teorias psicognéticas em discussão.  – São Paulo: Summus, 1992.