http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/304.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM SURDEZ NA ESCOLA COMUM: ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
Carla Barbosa
Maria Isabel de Araújo
Secretaria Municipal de Educação/CEMEPE/NADH.


RESUMO

Estudar a surdez e fazer parte deste movimento que é histórico, político, social, cultural e educacional é estar inserido num contexto muito maior, refletindo e modificando as concepções e princípios humanos, como o paradigma educacional vigente, desconstruindo os conceitos nos quais ele se fundamenta para estruturar a dinâmica do processo ensino-aprendizagem. Mediante este cenário, a Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia, através do Núcleo de Apoio às Diferenças Humanas, desde o ano de 2005, busca ressignificar o movimento educacional para as pessoas com surdez na escola comum, com o objetivo de atender as suas necessidades específicas e investir em suas potencialidades. Desta forma, seguindo as orientações da Constituição Federal/ 1988, bem como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996, oferecemos o atendimento educacional especializado, sistematicamente, quatro vezes por semana, visando capacitar os alunos com surdez a serem usuários e a dominarem duas línguas no seu processo de formação educacional: a Língua de Sinais (L1) e Língua Portuguesa (L2). Sendo assim, os alunos com surdez estão inseridos no ensino regular e recebem os atendimentos no extra-turno, conforme previsto em documentos legais.

Introdução

Pensar a educação das pessoas com surdez na escola comum é enfrentar inúmeros entraves, que não perpassam apenas nos limites que a deficiência impõe, mas principalmente aos preconceitos existentes na atitude da sociedade. Portanto conhecer e compreender o que é a surdez e quais são as reais necessidades deste sujeito, respeitando-o em seus limites e o valorizando nas suas possibilidades é um avanço considerável na educação e inserção social destas pessoas.
Ao se fazer uma análise de todo o contingente de ações e reações dos diversos povos de cada época e de seu contexto sócio-cultural, fica evidente a prevalência de dois tipos de comportamentos em relação às pessoas com deficiência, que são a aceitação/proteção e a exclusão. Estes comportamentos sempre partem de uma maioria socialmente “normal” e concebida dentro de preceitos pré-determinados por alguns, que são tomados como via de regra para a maioria, não apontando o respeito à diferença humana.
De acordo com Amaral (1995), a sociedade aponta o que é fora do “normal”, ou seja, a condição desviante da pessoa, em relação à maioria que está dentro dos padrões “ditos normais”, para diferenciar e cada vez mais marcar o indivíduo.

É preciso diferenciar para compreender melhor. Há que separar para possibilitar a compreensão. Mas que diferenciar e separar há que conhecer o “divisor de águas” entre o normal e o anormal, entre o desvio e o não-desvio, entre o “legítimo” e o “ilegítimo”... Oscila-se, portanto, entre uma patologia do indivíduo e uma patologia social. (AMARAL, 1995, p. 26-29)

Destaca-se que a idéia que a sociedade fazia das pessoas com surdez ao longo da história, na maioria das vezes, apresentava apenas os aspectos negativos.
Diante de todo este cenário de não-aceitação e de exclusão das pessoas com surdez, o nosso município passou também, e passa até hoje, por momentos de “crises”, tomadas e retomadas educacionais, com o intuito de atender da melhor maneira possível estes alunos. Na rede municipal em relação à educação das pessoas com surdez, desde o início da década de 90, o que prevaleceu foram metodologias na perspectiva da integração oscilando entre salas comuns ou salas especiais na escola regular.
Atualmente, os alunos estão em classe comum, mas com o atendimento educacional especializado numa perspectiva de ensino como complementação e não como apoio e reforço, seguindo os preceitos legais da educação especial enquanto modalidade de educação.
Contudo, o atendimento educacional especializado foi retomado em 2005, com o objetivo de ressignificar o movimento educacional para as pessoas com surdez na escola comum, atendendo as suas especificidades e investindo em suas possibilidades. Acreditar no desenvolvimento deste ser humano é o primeiro passo para que possamos vislumbrar a sua inclusão no contexto escolar, que é seu direito e que é possível, basta oferecermos oportunidades.

Metodologia

Para a implementação deste trabalho realizamos reuniões com os profissionais das escolas e pais dos alunos com surdez. Concomitantemente, utilizamos instrumentos com perguntas e situações semi-estruturadas, os quais foram aplicados nos alunos com surdez nas áreas de Língua Portuguesa e da Língua de Sinais, bem como a observação sistemática do processo educacional desses alunos.
Diante de toda esta contextualização, e mediante várias análises, constatou-se que os alunos apresentavam um atraso significativo em sua aprendizagem, tanto na Língua de Sinais quanto na Língua Portuguesa. Então, começamos a dar um novo sentido ao movimento na escola e passamos a oferecer o atendimento educacional especializado, sistematicamente, quatro dias da semana no extra-turno.
Para compreensão desta ressignificação e do movimento na área da surdez, é válido destacar que a abordagem educacional que norteia este processo é o Bilingüismo. Esta abordagem educacional, segundo Sá (1999) considera duas línguas no processo ensino-aprendizagem da pessoa com surdez: a Língua de Sinais como primeira língua (L1) e a Língua Portuguesa como segundo língua (L2). Mas nesta abordagem cada língua tem seu papel fundamental, não as misturam e descaracterizam-nas, como diferenças lingüísticas que são, mas as respeitam valorizando cada uma.

As potencialidades – os direitos- educacionais às quais faço referência são: a potencialidade da aquisição e desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua; a potencialidade de identificação das crianças com seus pares e com adultos surdos; a potencialidade do desenvolvimento de estruturas, formas e funções cognitivas visuais; a potencialidade de uma vida comunitária e de desenvolvimento de processos culturais específicos; e, por último, a potencialidade da participação dos surdos no debate lingüístico, educacional, escolar, de cidadania, etc. (SKLIAR, 1998, p. 26)

Embora existam muitos questionamentos em torno do Bilingüismo, com certeza ele é uma abordagem que primeiramente reconhece e valoriza a pessoa com surdez na sua diferença, também ela considera a Língua de Sinais e a respeita em sua estrutura (viso-espacial), como fator fundamental na construção do desenvolvimento cognitivo da pessoa com surdez. Ao mesmo tempo, não a deixa isolada do mundo oferecendo-lhe a segunda língua da comunidade majoritária, visto que estas pessoas estão inseridas num contexto global maior.    

Não se deve em hipótese alguma, considerar que a abordagem educacional com Bilingüismo para surdos contente-se apenas com a aquisição da Língua de Sinais (L1). O surdo tem em si mesmo condições de ser bilíngüe e têm, primordialmente, o direito de receber, do sistema de ensino, recursos que o capacitem a ser usuário das duas línguas. (SÁ, 1999, p.187)


Não podemos deixar de enfatizar que o ensino da segunda língua para as pessoas com surdez deve ocorrer por meio de práticas e metodologias diferenciadas e que atenda a necessidade da pessoa com surdez. É necessário adequar e estar atento que a forma como se conduz o currículo, exige um domínio enfatizando na linguagem oral. Enquanto isso, o professor está trabalhando o mesmo conteúdo que é trabalhado com a criança ouvinte, mas adotando práticas diferenciadas.
No Bilingüismo não se vê o sujeito com surdez como incapaz e muito menos como impossibilitado de ter acesso aos conhecimentos como qualquer aluno que tenha este direito. Ele “não pressupõe que os conteúdos do currículo oficial das escolas sejam diferenciados para os surdos” (SÁ, 1999, p.182), mas que o professor repense suas ações em sala de aula e esteja atento às necessidades reais deste ser humano com surdez.
Desta forma, o movimento que realizamos para pessoa com surdez na escola comum é na perspectiva inclusiva, acreditando que todos os seres humanos são diferentes e têm o direito de conviver entre si e com o outro aprender.
Para que este movimento se efetive, os alunos com surdez estão inseridos no ensino regular sendo este ambiente o espaço ideal para se criar o canal da Língua Portuguesa, uma vez que a trajetória educacional destes alunos fez com que eles desenvolvessem mais a Língua de Sinais (ainda com algum déficit) e não dominassem a Língua Portuguesa.
Neste ambiente o professor deverá utilizar recursos visuais que facilitem a percepção destes alunos e, conseqüentemente, dos alunos ouvintes, tornando a aula atrativa e interessante, não focando apenas na linguagem oral, pois se ele valoriza e reconhece que sua sala é constituída de sujeitos diferentes, adotará estratégias diferenciadas. Vale ressaltar que de 5ª a 8ª série temos a presença do intérprete em sala de aula, sendo apenas um intermediário e facilitador da comunicação, pois os conteúdos são mais densos.
Para que os alunos com surdez apresentem um desenvolvimento em seu processo de aprendizagem, eles têm o atendimento educacional especializado de terça-feira a sexta-feira, durante duas horas a três horas diárias, no extra-turno. O atendimento educacional especializado se subdivide em três momentos didático-pedagógicos que são o atendimento educacional especializado para o ensino de Língua de Sinais, o atendimento educacional especializado em Língua de Sinais e o atendimento educacional especializado para o ensino de Língua Portuguesa.
O atendimento educacional especializado para o ensino de Língua de Sinais tem como objetivo o ensino desta língua, tornando o nosso aluno um usuário em potencial da língua em questão. O profissional responsável por este atendimento é o instrutor, que preferencialmente é uma pessoa com surdez.
Já o atendimento educacional especializado em Língua de Sinais é o momento que o profissional instrutor (com formação) ou um professor (com domínio da Língua de Sinais), ensina os conteúdos trabalhados pelo professor regente (ciências, história, geografia, etc) em Língua de Sinais antes de os mesmos serem trabalhados em sala de aula. Este atendimento é imprescindível para a construção do pensamento e entendimento dos conteúdos trabalhados em classe comum. Como neste movimento a Língua de Sinais é aceita e valorizada, é preciso entender que a mesma não está em segundo plano, mas sim colocada em seu devido lugar respeitando a sua estrutura lingüística.
Como os dois atendimentos anteriormente citados trabalham a Língua de Sinais, o atendimento educacional especializado para o ensino de Língua Portuguesa também é de extrema importância, pois será trabalhado o que muitas vezes a classe comum não oferece aos alunos com surdez: a Língua Portuguesa. Assim, é feita uma avaliação para se verificar o nível que os alunos estão nesta língua, e a partir desta avaliação o professor irá trabalhar – se for necessário alfabetizar, este será o ponto de partida para a elaboração do Plano de Desenvolvimento Individual do Aluno. O professor poderá fazer neste atendimento pequenos grupos que estejam no mesmo nível.
Portanto, o atendimento educacional especializado oferecido é a complementação necessária e de direito que o aluno com surdez tem, assegurando as suas especificidades e o seu desenvolvimento pleno, pois a escola afinal é o espaço responsável pela democratização dos conhecimentos para qualquer ser humano, independente se tem deficiência ou não.


Resultado/Discussão


Este trabalho está em processo de implementação, mas vale destacar que os alunos estão sendo acompanhados durante todo o processo de aplicabilidade dos atendimentos, através de avaliações na classe comum e no atendimento educacional especializado, sendo realizado o Conselho de Classe a cada final de bimestre, para mensurar o desenvolvimento do aluno com surdez em todas as áreas. Diante do exposto, podemos verificar uma significativa melhora na Língua Portuguesa oral e escrita, bem como no entendimento mais profundo dos conhecimentos através da Língua de Sinais.
É importante também destacar que nossa equipe do Núcleo de Apoio às Diferenças Humanas- NADH, acompanha este trabalho junto às escolas, aplicando em todos os alunos com surdez uma avaliação no final do ano, e entrevistas junto aos profissionais e pais dos alunos. Estes instrumentos são referência para o aperfeiçoamento do trabalho e reflexão para a retomada de ações que precisam ser repensadas. Mas de antemão, constatamos um movimento favorável às nossas ações uma vez que os alunos, que são a nossa preocupação neste processo, têm demonstrado um desenvolvimento considerável em suas habilidades acadêmicas e de relações sócio-afetivas.
Ao se estudar a educação escolar das pessoas com surdez ficam explícitos os inúmeros entraves que estas pessoas enfrentam para participar desta educação. Os entraves são decorrentes da especificidade do limite que a perda auditiva provoca e da forma como se estruturam as propostas educacionais.
As ações inadequadas em relação à inserção e educação das pessoas com surdez, sempre foram demarcadas por um grupo “moralmente e socialmente” determinado como “tipo ideal” (AMARAL, 1995). Por isso, a criança com surdez torna-se prejudicada no seu desenvolvimento comunicativo por não ter acesso às informações auditivas que são importantes para a aquisição da fala e da linguagem.
A pessoa com surdez apresenta uma limitação que a impede de visualizar o mundo com os olhos de uma pessoa ouvinte, mas este aspecto não a torna nem menos ou mais importante do que qualquer ser humano.

O surdo tem diferença e não deficiência... O que importa é como assumimos o sujeito surdo... Portanto não há que se exigir do surdo uma construção simbólica tão natural como a do ouvinte... Essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como uma construção multicultural. (PERLIN, 1998, p. 56-57)

Muitos alunos com surdez podem ser prejudicados pela falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo, lingüístico e emocional. Por isso, é importante que toda a sociedade, tanto no âmbito familiar quanto no escolar, tenham o conhecimento e a compreensão correta do que é a surdez. Ou, então, o sujeito apresentará perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem, ficando comprometido e aquém dos colegas da escola.
Desta forma, é imprescindível que os profissionais da educação tenham clareza da trajetória histórica da surdez e das abordagens educacionais. Só assim, aos poucos, o campo educacional para os surdos será mais rico e repleto de aprendizados significativos.

É inegável que as ferramentas estão aí, para que as mudanças aconteçam e para que reinventemos a escola, “desconstruindo” a máquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos sobre os quais ela se fundamenta, os pilares teórico-metodológicos em que ela se sustenta (MANTOAN, 2003, p.52).

Várias são as leis que asseguram os direitos das pessoas com surdez. Mas do que adianta belas e tracejadas linhas legais, se no âmago da questão não se vê uma mudança de paradigma nas proposições e ações sócio-políticas-educacionais?. De que vale um papel se as pessoas não conseguem mudar a forma de ver o sujeito com deficiência?. Onde será que se encontra tão cruel forma de se conceber um ser que também é humano como qualquer outro?.
Em suma, é necessário deflagrar ações sócio-educacionais que reconheçam e valorizem as aptidões, os interesses, as habilidades e os talentos, assegurando que essas características sejam consideradas como possibilidades para qualquer um. Contudo, é através do atendimento educacional especializado, do respeito às diferenças humanas e da valorização das dimensões políticas, culturais e históricas da surdez, que a educação que busca a verdadeira inclusão será capaz de trabalhar as singularidades e as diferenças pautadas na solidariedade humana. 

Referências Bibliográficas

AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a Deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Copyright, 1995.

DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Educação Escolar de Pessoas com Surdez: uma proposta inclusiva. Tese. (Doutorado em Educação). 117p. Universidade Federal de Campinas, Campinas, 2005.

DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Escola Comum: empecilhos ao atendimento dos alunos com surdez na escola comum.Mimmeo, 2003.

MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

PERLIN, Gladis T. Identidade e cultura surda. In: SKLIAR, Carlos. A surdez um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Dimensão, 1998. p.51-74.

POKER, Rosimar Bortolini. Troca simbólica e desenvolvimento cognitivo em crianças surdas: uma proposta de intervenção educacional. Tese (Doutorado em Educação). 363f.Universidade do Estado de São Paulo, UNESP, 2001.

SÁ, Nídia R. L. Educação de surdos: a caminho do bilingüismo. Niterói: EDUFF, 1999.

SKLIAR, Carlos. A Surdez: Um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Dimensão, 1998.