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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A INTERSETORIALIDADE: TECENDO REDES
Antoneide Santos Almeida Santos Silva*1
Ana Patrícia Gadelha da Costa Silva*2
Miriam Célia Gonçalves Duarte*3

1  Gerente da Unidade de Suporte Estratégico da Secretaria de Educação do Município de Juazeiro
2  Bahia/Professora da Universidade do Estado da Bahia –UNEB. Coordenadora do Núcleo de Suporte Pedagógico da Secretaria de Educação do Município de Juazeiro
3  Bahia/Psicopedagoga Clínica. Psicóloga do Núcleo de Suporte Pedagógico da Secretaria de Educação do Município de Juazeiro/Psicóloga Clínica.

RESUMO

A discussão da Educação Inclusiva no Brasil, nos últimos dez anos, vem tomando proporções muito significativas, seja por conta da crescente mobilização Mundial acerca da garantia de direitos humanos, seja, por conta da opção política do governo brasileiro em colocá-la num campo específico de debate, criando inclusive um fórum de interlocução-Secretaria de Educação Especial - SEESP, através do Curso de Formação de Gestores e Educadores para a Diversidade. Tal intervenção vem, desde 2004, provocando nos professores dos municípios brasileiros, ou na maioria deles, a necessidade de discussão dentro dos seus territórios da Educação Inclusiva. No município de Juazeiro não foi diferente. A partir de 2005 a Secretaria de Educação e Desenvolvimento Social (SEDS) problematizou formas de inclusão – exclusão, legitimadas até então. Este artigo traz o itinerário de discussão acerca da constituição do discurso, das práticas e políticas educacionais inclusivas, instituídas no município de Juazeiro pela Secretaria Municipal de Educação e Desenvolvimento Social (SEDS). O itinerário, aqui, apresentado abordará questões relacionadas à dimensão pedagógica, à dimensão da gestão e a correlação dessas com uma política intersetorial, como garantia da sustentabilidade das ações propostas pela SEDS. É evidente que no construir desse caminho diversas interfaces apareceram, surgindo a necessidade de articulá-las e transformá-las em Políticas Públicas Educacionais.
Palavras-chave: Educação Inclusiva, Intersetorialidade, Sustentabilidade.

1.1- Da inquietação à realização: concretizando práticas inclusivas no contexto educacional e social

Há muito questionamos o dito aqui agora resumido de um texto de Descartes. “O homem é o centro do universo”. Porém, nos deparamos cotidianamente com o desafio de desenvolvermos de fato, uma relação integrada e com eqüidade, porém o que se percebe é que o homem conquista o conhecimento tecnológico, mas muitas vezes não consegue se relacionar, verdadeiramente, com outros seres em um processo de crescimento mútuo.
Refletir a partir desta idéia, pois nos exige uma tarefa desafiante: termos que aprofundar nossos conceitos e revisarmos, constantemente, nosso olhar. Revisarmos a ponto de compreender a complexidade e a completude do ser humano, que este precisa ser visto na sua globalidade. Nesta direção, entendemos que neste bojo, a educação necessita ser discutida e problematizada nos diversos espaços de aprendizagem e transformação.Tomamos a palavra de YUS para elucidar a questão:

“A educação holística nutre o desenvolvimento da pessoa global, está interessada no intelectual, assim como no emocional, no social, no físico, no criativo-intuitivo, no estético e nos potenciais espirituais” (2002, pag. 18).


Perceber a educação sobre este prisma é se desvencilhar de diversos esteriótipos criados ao longo da história da educação brasileira, ressignificando nossas relações e nossas práticas diárias. Assim, acreditar, apostar, rever condições de “tudo ou nada”, quando pensamos na educação inclusiva, tem sido as bases da nossa atuação em Juazeiro, através da Secretaria de Educação e Desenvolvimento Social.
A partir desta consciência e de que valores humanos precisam ser fortalecidos dos diversos setores da sociedade, implementamos ações a partir de 2005 que possibilitaram formações relativas a este universo, mas especialmente na criação de espaços nos quais pudéssemos estabelecer relações de troca, fortalecendo-nos através da diversidade, dos saberes (MORIN) e especialmente, alimentando a nossa vontade de transformar e oportunizar a todos uma educação eqüitativa, justa.
A política de inclusão, no nosso município, a princípio sensibilizou e implantou ações voltadas para o espaço escolar, garantindo a participação de todos os atores, educadores, pais e crianças, ouvindo suas demandas, aproximando-se de uma maior qualidade no atendimento.
Uma das ações que retrata, fielmente, o exposto acima é o projeto “Quem não se comunica se trumbica” que trouxe um novo olhar para as crianças com e sem surdez, matriculadas nas escolas municipais, bem como para suas famílias e profissionais. O projeto ofereceu à criança surda o conhecimento sobre a sua primeira língua, a LIBRAS – Língua de Sinais Brasileira, bem como procurou minimizar preconceitos referentes ‘a pessoas com essa deficiência, estimulou o convívio e a integração dos alunos surdos e ouvintes, favorecendo uma melhor comunicação entre os mesmos. O projeto em 2006 foi desenvolvido, em apenas uma escola, e atendeu a mais de cento e vinte crianças (120), sendo que cinco (05) eram crianças com surdez.

1.2    A formação continuada: processo fomentador da transformação

Dentre as ações citadas, a formação continuada de professores, gestores, coordenadores pedagógicos e funcionários da escola está sendo a base para toda essa transformação. A escuta atenta a esses atores tem nos ajudado a pensar na estruturação dessas formações, pois como coloca Montaigne4 “Mais vale uma cabeça bem feita do que uma cabeça cheia” entende-se aqui, que uma “cabeça bem cheia” é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado sem sentido algum. “Uma cabeça bem feita” nos remete a uma aptidão geral para colocar, tratar os problemas e princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido (MORIN, 2003).

4  MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Pag. 08

A formação continuada dos profissionais de educação da rede enfoca a importância dos saberes interligados.  É sabido, porém que essa concepção de aprendizagem é difícil de ser vivenciada na educação. Tal situação advém de um processo de aprendizagem que priorizava o domínio de saberes fragmentados, compartimentalizados, cartesianos, arrumados, previsíveis. Saberes estes que impediam e impedem enxergar uma educação contemporânea, inclusivista na qual o humano e suas potencialidades precisam ser cada vez mais valorizados.

Nessa perspectiva de formação, a subjetividade docente é forte elemento para instituição de novas práticas, porque a mudança no ensino trata-se de um trabalho que deve ser empreendido pelo universo docente, o que comporta evidentemente a formação de formadores e a auto-educação dos educadores (MORIN, 2002).
Dentro desse entendimento, as formações continuadas perpassam pela prática reflexiva defendida por Schön (1992-a).
Na nossa prática de formação na SEDS, os encontros eram realizados mensalmente com uma carga horária que variava de quatro (04) a oito (08) horas. Nos encontros, chamávamos os profissionais para refletir sobre o conhecimento construído na história pessoal, sobre sua ação de (re) construir conceitos, atitudes e valores, fazendo uma meditação em marcha, constante.Enfim, uma contemplação diária da práxis pedagógica.

1.2- Tecendo redes para fortalecer as práticas inclusivas: ações realizadas no âmbito da gestão...
A nossa prática gestora dentro da Secretaria de Educação do Município tem nos possibilitado, experiências significativas com mudanças que muitas vezes nos inquieta e nos faz refletir sobre o processo de gerenciamento de um setor no âmbito municipal.
O entendimento da gestão municipal na junção da Secretaria de Educação e Assistência Social nos trouxe dois aspectos paradoxais: primeiro a possibilidade de maior integração entre as ações educativas e sociais, segundo a dificuldade em articulá-las. Isso porque a gestão estava organizado em gerências que estabeleciam um diálogo nem sempre tranqüilo, por conta da dimensão de cada uma das áreas.Estabelecer relações práticas entre ações sociais e educativas e envolver uma demanda que, exigia de nós, um atendimento diferenciado: as pessoas com algum tipo de deficiência aparente ou outra necessidade educacional especial era o nosso desafio premente.
Nessa jornada somos e fomos interpelados constantemente pelas necessidades apresentadas no cotidiano educacional e nos perguntávamos: Como discutir inclusão nas escolas se a própria cidade não é inclusiva? De que forma garantir especificidade de atendimento com uma interlocução deficiente entre a SEDS e demais secretarias? Qual a melhor forma de intersetorializar as ações da SEDS? Como estabelecer internamente interlocução para a não sobreposição de ações e otimização dos recursos? Tais demandas trouxeram desdobramentos que não havíamos nos dado conta. Assim foi percebida a necessidade de incluirmos em nossa prática a riqueza desse olhar sistemático para dois ou mais setores de forma articulada e, atuar naquilo que se constituiu na intersetorialidade.
Intersetorialidade, compreendida aqui, com dois enfoques um político institucional e outro pedagógico. Para o primeiro, iremos nos valer do que coloca Junqueira (1998, p.14) ao perceber a intersetorialidade como articulação de saberes e experiências no planejamento, na realização e avaliação de ações para alcançar efeitos sinérgicos em situações complexas visando o desenvolvimento social. Este autor ressalta ainda:

A intersetorialidade é uma lógica para gestão das cidades, buscando superar a fragmentação das políticas e considerar o cidadão na sua totalidade, nas suas necessidades individuais e coletivas. (1998 p.14).

A implementação de ações com esta natureza tem o objetivo de garantir sua sustentabilidade, ou seja, garantia de continuidade da ação através da institucionalização da mesma, com vistas à materialização de políticas públicas e o segundo por possibilitar a articulação dos diversos saberes, dos variados atores que compõem esses espaços para superação da racionalidade cientificista como comenta  Inojosa:
3 Psicóloga do Núcleo de Suporte Pedagógico da SEDS/Psicologa Clinica

“As disciplinas construíram seu saber de forma bastante isolada e fragmentada, procurando esgotar as questões que se apresenta em cada uma. Entretanto, vemos que esse aspecto do conhecimento é inadequado para compreensão do todo, visto que as realidades são polidisciplinares, transversais, multidimencionais, transnacionais, globais, planetárias”.(: 1999 p.117).

No decorrer do percurso fomos provocando em diversos organismos da sociedade, algumas reações, nem sempre tranqüilas, mas de um resultado significativo. Fomos burilando com alguns conceitos e práticas cristalizadas no serviço público, principalmente no que tange ao atendimento público gratuito na saúde, como por exemplo, a estranha percepção de que o acesso à saúde é um favor e não um direito do cidadão.
Ainda a percepção do assistencialismo sem considerar as potencialidades de cada sujeito, a discussão sobre o olhar para pessoa com deficiência no setor privado, estabelecendo parcerias, parceria que certamente não atendeu a demanda, mas abriu caminho para novas possibilidades, a reflexão como o Poder Legislativo, por meio de Sessões na Câmara de Vereadores, para discutir a respeito do movimento da inclusão no Brasil, na Bahia e no mundo. Abalamos saberes construídos em outros espaços que não os escolares, tentando compreender o percurso para redimensionar atitudes para fortalecer o movimento inclusivista.
Diversos conflitos se estabeleceram, enriquecendo ainda mais nossa intervenção, e muitas vezes não sabíamos aonde iríamos parar ou ainda se pararíamos, mas todo aquele movimento nos dava uma certeza: a necessidade da busca, da reflexão de questionamentos a respeito de todos os (pré) conceitos e preconceitos. Referentes à educação e os direitos sociais das pessoas com necessidades especiais articulando atribuições e saberes, fomos de forma integrada, ou seja, cada setor, com seu saber e sua experiência, atuando conjuntamente, foi promovendo ações voltadas para a inclusão nos mais diversos aspectos da sociedade.
Diante dessas incursões concretizamos a estruturação do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência ação louvável, pois até então o município não contava com um órgão que cuidasse dos aspectos legais das pessoas com deficiência no âmbito social Com reuniões periódicas, o Conselho tem buscado, nas suas ações, assegurar o direito dessas pessoas. No final de agosto do ano em curso será realizado o primeiro seminário para a divulgação das ações desenvolvidas pelo Conselho e por outras instâncias.
Uma outra ação que merece destaque foi a instalação de um telefone público no Terminal de Ônibus Urbano para surdos em parceria com a TELEMAR – Agência de Telefonia da Bahia, hoje OI, beneficiou um número significativo de pessoas com surdez que transitam diariamente pelo terminal.  A instalação desse telefone provocou curiosidade, pois muitos queriam saber como uma pessoa surda fala ao telefone. Esse fato trouxe grande inquietação à população no sentido de estar mais atenta às questões da pessoa com deficiência, pois o espaço público é de todos e para todos. Percebemos que a comunidade já começa a despertar para uma discussão que deixa de ser somente do âmbito escolar e passa a ser do âmbito social.
Hoje em Juazeiro, a SEDES em parceria com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), mais especificamente, com o Departamento de Ciências Humanas através do curso de Comunicação Social com habilitação - em Jornalismo, ampliaram as discussões sobre a importância da Mídia em relação à Educação Inclusiva, principalmente no que tange a construção da notícia em relação a temática e a veiculação das mesmas.
A parceria com a Secretaria de Saúde do município foi bastante fecunda. Os nossos alunos têm acesso mais rapidamente aos serviços de saúde, através de uma parceria incondicional com o - Centro Regional de Prevenção, Reabilitação e Inclusão Social - CERPRIS, – Centro de Atendimento Psicossocial - o CAPS, – Centro de Referência e Assistência Social. o CRAS Esses setores estão sempre dialogando com a Educação, seja através de encontros, palestras e ações cotidianas, com consultas e atendimentos individualizados.
Percebemos que o estabelecimento desses diálogos contribuiu para a sustentação dessas práticas, trazendo um novo enfoque para gestão educacional - o da descentralização e da responsabilização social, com o chamamento, inclusive a setores privados quando foi matriculada, em um dos cursos de LIBRAS realizado pela secretaria, a atendente da Master Magazine, uma loja de departamentos da cidade, ação que depois gerou a contratação de um profissional com formação em LIBRAS, na referida loja para que atendesse com a mesma qualidade os clientes com surdez.

Sem querer, nem poder concluir... Do muito feito: às muitas ações desejosas de se realizar

Durante o itinerário nem sempre nos damos conta da dimensão dos esforços empreendidos.Com a escrita desse artigo fomos trazendo nossas memórias, numa co-existência de tempos em que, o que foi vivido se confunde com o que se está vivendo, visto que muito há muito por fazer no município.
O município de Juazeiro certamente ainda não é uma cidade inclusiva. A educação municipal também necessita de muitas outras intervenções.Mas, temos a clareza de que muito já foi feito e que as possibilidades de novas transformações são reais, dados ao sentimento de pertença demonstrado por muitos educadores e pela gestão municipal. Acreditar na Pedagogia da Tolerância é antes de qualquer coisa, acreditar no ser humano, ou seja, SER HUMANO.  

BIBLIOGRAFIA

INOJOSA, Rose Marie. Intersetorialidade e a configuração de um novo paradigma organizacional Revista de Administração Pública, v. 32, nº 2, p. 35-48, 1998.
INOJOSA, R. M. “Redes de compromisso social”. RAP – Revista de Administração Pública, 33 (5). Rio de Janeiro, Set/Out, 1999. P. 115-141.
INOJOSA, Rose Marie. “Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade” In: cadernos Fundap, nº 22, 2001. P. 102-110.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003.
_________Educação e Complexidade: Os Sete Saberes e Outros Ensaios.São Paulo:cortez:2002
YUS,Rafael.Educação Integral,uma educação holística para o século XXI.Porto Alegre.Artmed.2002