http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/322.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

POR ENTRE AS LEITURAS E OS LEITORES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A ARQUITETURA DE UM CONTRATO EDUCATIVO
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares (UFMS)
SÁ, Antonio Lino Rodrigues de (UFMS)


RESUMO

Este texto apresenta algumas análises, organizadas em projeto de pesquisa em fase de conclusão, que visa mapear as leituras (incidental-cotidianas e/ou textuais) produzidas para/por professores e gestores (leitores) sobre a educação inclusiva. Para identificar e apreender os leitores e suas leituras realizamos pesquisa etnográfica em 4 (quatro) escolas da rede de ensino em Campo Grande, assim distribuídas: duas escolas da rede municipal e duas escolas da rede estadual. Nessas escolas aplicamos 2 (dois) tipos de questionários, para identificação das leituras e dos leitores, um endereçado aos professores e outro aos gestores. Embora tenhamos procedido a uma análise, mesmo que preliminar, das instâncias e das lógicas de difusão da educação inclusiva, por meio das leituras e dos leitores, ela não é susceptível de nos dar conta do destino da escola inclusiva. Não seria abusivo prever-se dificuldades à reestruturação interna da escola.


Este texto apresenta algumas análises, organizadas em projeto de pesquisa1 em fase de conclusão, que visa mapear as leituras (incidental-cotidianas e/ou textuais) produzidas para/por professores e gestores (leitores) sobre a educação inclusiva. Estamos entendendo por arquitetura, construção, nesse caso a partir dos leitores e das leituras, com o propósito de ordenar e organizar o espaço das idéias e das práticas para determinada finalidade e visando a determinada intenção, a escola inclusiva. Comecemos por uma possível definição, em sentido amplo: leitura é um processo interativo de construção de sentido(s) entre quem produz (autor/autores) e quem recebe (leitor/leitores), intermediados pelos dados do texto, nas mais diversas possibilidades e formas de linguagens: oral, escrita, icônica, gestual, sinestésica. Ler é atribuir sentido ao que nos rodeia e nos constitui enquanto indivíduo e coletivo, portanto, seres sociais em permanente mutação, interagindo com a alteridade.

Para identificar e apreender os leitores e suas leituras realizamos pesquisa etnográfica2 em 4 (quatro) escolas da rede de ensino em Campo Grande3, assim distribuídas: duas escolas da rede municipal e duas escolas da rede estadual. Nessas escolas aplicamos 2 (dois) tipos de questionários, para identificação das leituras e dos leitores, um endereçado aos professores e outro aos gestores. No questionário para os professores estavam registradas 8 (oito) perguntas e para os gestores 6 (seis), todas de tipo subjetivo. Vale destacar que, antes da aplicação dos questionários, estivemos em cada uma das escolas, a fim de discutir a objetividade e a necessidade da participação dos envolvidos, por mais de doze horas.


1  Vale destacar que este projeto teve sua gênese na perspectiva de subsidiar/fundamentar as discussões para a proposição de Curso de Pedagogia, na modalidade a distância, voltado para a relação educação inclusiva e especial.

2  A etnografia tem nos proporcionado (investigador/observador) a compreensão e/ou representação das realidades culturais de determinados grupos na escola.

3  Neste relatório as escolas estão identificadas por nomes fictícios, escolas estaduais - E1 e E2, escolas municipais - M1 e M2. Exemplificando, professores serão identificados P[E1] ou P[M2] e gestores G[M1] e G[E2].


A aplicação dos questionários, portanto, foi mediada por discussões com todo o corpo de professores e gestores das escolas. Por fim, conseguimos coletar respostas para um total de 16 (dezesseis) professores (das séries iniciais do ensino fundamental) e 10 (dez) gestores, nas 4 (quatro) escolas. Os questionários parecem permitir tanto aos professores quanto aos gestores legitimar suas ‘leituras’, oferecendo-lhe um espaço no qual pudessem manifestar suas formas de ler. O reconhecimento dessas ‘leituras’ torna-se possível na análise de algumas respostas.

As apropriações dos textos pelos leitores implicam sempre a consciência de que a possibilidade de leitura efetua-se por um processo de aprendizado particular, de que resultam competências muito diferentes. De acordo com Chartier (1996), a reflexão a propósito do suporte material do sentido é fundamental para a determinação de sua efetuação nas práticas.

Assim, pensamos ser pelas nossas práticas de leitura das ‘leituras’ dos ‘leitores’, que estaremos desocultando algumas questões interpretativas da escola inclusiva. Contudo, compreendemos que a questão dessa escola é muito mais séria do que aquilo que nossas leituras conseguem ou podem captar/expressar.

Nossa preocupação, portanto, está centrada em uma hipótese guia, qual seja, são diferenças culturais que acabam por produzir leituras sobre as diferenças de ordem biológica, que parecem justificar o insucesso de alguns alunos na escola. Não é possível negar que atualmente a escola é constituída por um público muito heterogêneo.

Nas escolas existem diferentes culturas, uma cultura rural ou semi-rural em contraste com a cultura urbana, uma cultura masculina em contraste com a feminina, bem como, claro, escolas onde as culturas estão associadas às minorias, quer sejam elas biologicamente definidas (como no caso dos deficientes), étnicas e/ou lingüísticas. Uma interculturalidade, portanto, em termos étnicos, de gênero, de cultura, de classe social e de idade.


2 Os gestores/as e os professores/as como leitores e suas leituras da educação inclusiva


As leituras estão associadas, segundo Chartier (1996), diretamente aos diferentes produtos culturais, a grupos sociais precisos, classificando-os, um pelo outro, de maneira bastante rígida. O envolvimento com o cotidiano das escolas nos permitiu, captar expressões diferençadas de realidades físico-geográfico-econômicas4 e, conseqüentemente, elas foram determinantes nas leituras quanto à educação inclusiva.


4  Escolas com distinções arquitetônicas, de formação e tempo de serviço de professores e, de relacionamento e inserção no bairro onde estavam localizadas (cf. SILVA, 2006, Grade de Informações sobre o Estabelecimento de Ensino).


Antes de qualquer resposta aos questionários, os professores e os gestores sentiam a necessidade de “justificarem-se”, em uma espécie de isenção de culpa. A principio parecia-nos ser fácil estar nas escolas para desenvolver a pesquisa, afinal de contas a educação inclusiva é uma realidade, pelo menos no âmbito das proposições educativo-legais. Entretanto, com o decorrer dos dias percebemos que era muito mais difícil do que imaginávamos dialogar com os professores e, até mesmo, os gestores, sobre as questões da escola inclusiva. Isso já denota, os sentidos produzidos pela leitura da inclusão escolar dos alunos com necessidades especiais, e de seus papéis diante disso.

Tal leitura levou-nos a seguinte indagação: quais são os lugares ocupados pela escola inclusiva na leitura desses leitores? Quais as leituras, efetivamente realizadas, para construção dos sentidos dos leitores?  Sabemos que uma coisa é certa: as escolas e o sistema educacional não funcionam de modo isolado. O que acontece nas escolas não é um mero reflexo da sociedade.

Os valores, as crenças e as prioridades da sociedade permearão a vida e o trabalho nas escolas e não pararão nos seus portões. Aqueles que trabalham nas instituições de ensino são cidadãos da sua sociedade e da comunidade local; portanto, possuem a mesma gama de crenças e atitudes como qualquer outro grupo de pessoas; também o são aqueles que administravam o sistema educacional como um todo, incluindo, os diretores de escola e os administradores. (MARCHESI, 2001, p. 95)


É evidente que, nossas escolas têm professores e gestores que não estão, ou não se sentem aptos, por questões de formação inicial, ou continuada, ou cultural. Assim, os textos e contextos podem ser lidos e lidos diferentemente por leitores que não dispõem das mesmas ferramentas intelectuais, e que não mantêm uma mesma relação com o contexto.  

Vemos essa realidade expressa na resposta de alguns professores e gestores a seguinte pergunta:


Como foi envolvido(a) na discussão da escola inclusiva? Com que tipos de materiais (livros, apostilas, cursos, etc)?


P3[EM1] Eu não recebi nenhum tipo de treinamento, não participei de seminário e outros. Somente por curiosidade leio livros e tento inteirar ao assunto perguntando a outras pessoas ligadas a área de educação especial.
G2[EM1] Através de reuniões, palestras, capacitação, apostilas e cursos.


Uma verdadeira formação profissional dos professores e gestores tem necessidade de se apoiar não só tradução das situações pedagógicas em saberes formalizados, o que nos parece a tônica da procura por cursos, palestras, apostilas, etc. E, na questão da educação inclusiva, esses saberes precisam estar conectados com leituras mais contextualizadas a análise da relação escola, exclusão e inclusão pela escola. O que, ao nosso ver, serve de instrumentos para leitura e construção de sentidos da diferença no espaço escolar.

É por isso que partimos da necessidade de situarmos a leitura e os leitores, pois as duas situações acabam por sinalizar ou impor a sua marca no ato de transmitir e consolidar informações tanto na esfera das configurações culturais quanto nas escolares. Tecer um diálogo entre essas configurações deveria ser o objeto das escolhas dos materiais de leitura.

Nessa perspectiva indagamos sobre esses materiais, por meio da seguinte pergunta:


O que lê, ou o que já leu sobre inclusão, educação especial, ou mesmo necessidades especiais?


P1[EM2] Várias apostilas, periódicos, seminários, cursos oferecidos pela rede municipal. Livros (Inclusão construindo uma sociedade para todos – Romeu Sassaki; Vídeo – no site da secretaria de Educação Especial – portal mec.gov.br; videoteca da escola – reportagem da TV Escola).
P2[EM2] Eu já li o documento de Salamanca, apostilas que falam sobre as deficiências geradas no pré-natal, neonatal, sobre as deficiências auditivas, visual entre outros. Também já li artigos que exploram os temas.
G2[EE1] Já li apostilas, livros e dialogo com outras pessoas envolvidas no mesmo.
G1[EE2] Material de formação docente: Educar na diversidade (UNESCO), documentos do MEC e artigos de revistas (AMAE Educando e NOVA ESCOLA).


Tais respostas são uma evidencia, ainda que por amostragem, de que não há por parte dos protagonistas dessa pesquisa, o reconhecimento para além dos títulos a que submeteram suas leituras, seja em cursos, seminários e/ou palestras.

Reconstruir as leituras desses leitores parece ser uma coisa fácil, a primeira vista. Todas parecem se apoiar em um estudo sistemático das possíveis representações sobre a diferença, dos alunos com necessidades especiais, na escola, representações sobre os procedimentos didáticos.

Contudo estes textos e as imagens construídas a partir deles, acabam por não tocar nas representações culturais de forma mais ampla, envolvendo o próprio processo civilizador. (cf. ELIAS, 1994)

Tal fato pode contribuir para a necessidade de se repensar do uso dos materiais impressos nos eventos voltados à formação continuada desses indivíduos. Parece que a leitura desses materiais caracteriza, nesses eventos, a comunicação de um determinado assunto ou conteúdo, circunscrita somente à emissão ou difusão de uma mensagem. Contudo, devemos pensar neles como uma troca permeada pela aprendizagem. 

A leitura precisa ser revista e trabalhada pelo corpo de professores e gestores de forma a aproximar-se de uma prática constituidora de sentido. De acordo com Chartier (2002),


quaisquer que sejam as representações não mantêm nunca uma relação de imediatez e transparência com as práticas sociais que dão a ler ou a ver. Todas remetem as modalidades específicas de sua produção, começando pelas intenções que as habitam, até aos destinatários a quem apontam, aos gêneros nos quais se moldam. (p.viii).


Não adianta só levantar questões acerca da educação inclusiva, mas não oferecer aos professores e gestores uma formação. Formação essa entendida pelo oferecimento de leituras que possibilitem que eles se envolvam de forma crítica e consciente e se sintam de fato preparados para receber, não somente as crianças consideradas normais, como também aquelas com algum tipo de necessidade educacional especial.

De fato, diante da imensa responsabilidade do ato de educar uma criança, com certeza deve ser muito penoso para um professor, reconhecer que devido à falta de programas de capacitação e aprimoramento profissional, não estão aptos para desenvolver um trabalho diante das necessidades especiais dos alunos.

Vejamos a leitura dos professores e gestores ao responderem a seguinte pergunta:


Como entende/percebe a escola inclusiva, diante das necessidades especiais dos alunos?


P3[EE1]: Eu entendo que, é muito difícil desenvolver esse trabalho porque falta preparação de nós professores e apoio do órgão municipal no qual trabalhamos, porque quando tem curso e se diz que é grátis, não paga substituto para o professor. E quando é fora do horário que o professor trabalha tem que apagar o curso, então fica difícil como o grande aumento de salário que os professores estão tendo nos últimos tempos. Mas sei que temos que nos adequar para atendermos esses alunos de maneira digna.
P3[EM2] Percebo que grande parte dos profissionais não estão preparados para atender o deficiente, pois sua qualificação não estão de acordo com as necessidades dos alunos. Pois fala-se muito em inclusão  mas pouco se fez pela qualificação dos profissionais na educação do ensino fundamental.
G[EE2] Como atendimento a todas as crianças independentes de suas condições pessoais, culturais ou sociais, crianças deficientes ou bem dotadas, crianças de rua, de minorias étnicas, lingüísticas ou culturais, de áreas desfavorecidas ou marginais. Quando a escola mesmo aceitando os alunos de diversidades os trata com indiferença.


Parece que não há uma recusa a priori da proposta de uma escola inclusiva, contudo as leituras efetuadas retratam ingredientes de análise que se encontram freqüentemente misturados e não existem per se, isto é, o compartilhamento das ações, o envolvimento dos órgãos gestores na capacitação dos professores e gestores. E esses ingredientes são ativados articulando ao mesmo tempo as lógicas dos diferentes envolvidos e os fatores estruturais que os enquadram na sua ação.

Para tanto, as práticas de estudos, independentemente, das esperadas proposições dos gestores, pode ser uma prática mais localizada e, talvez, capaz de defendê-los de uma apressada e descuidada leitura da inclusão na escola. Nesse sentido, indagamos os envolvidos quanto a essas práticas:


Quais são suas práticas de estudo?


P3[EM2] Não tenho muito tempo para estudo, trabalho 8 horas diárias, costumo ler revistas sobre educação. Pretendo fazer especialização.
P5[EM2]Procurando informação sobre o problema, lendo livros e apostilas que falam do assunto.


Como são organizadas as práticas de estudos na escola? E, quais são os materiais (livros, revistas, apostilas, etc) de que dispõe a escola?


G[IM1] Bimestralmente e sempre que surgem oportunidades trocamos idéias com os colegas e materiais como os elencados acima.
G[VM1] Eram feitas aos sábados, com os módulos de Educar na Diversidade. Outras vezes usava a reserva técnica para estudos de materiais como testes de avaliação.


De uma forma cada vez mais visível o estudo na escola, por vezes reivindicado pelos indivíduos e pelos grupos no âmbito de uma reclamação a cerca das problemáticas cotidianas, constitui-se em um instrumento crítico das práticas de formação. Pensamos assim, pois nelas podem estar envolvidas problemáticas diferentes, contextos espaciais e temporais variados, bem como territorialidades diversas, o que traz distinções e especificidades que merecem a nossa reflexão e análise.

Como uma primeira aproximação analítica, tentamos apreender as práticas de estudos como modos pelos quais se constitui uma cultura profissional docente, entendida como um amplo conjunto de elementos, dentre os quais estão as tarefas cotidianas na sala de aula, a convivência com os alunos, as conversas entre colegas, a partilha de uma identidade comum, a integração de experiências pessoais às atividades de trabalho, bem como a assimilação de valores, competências, crenças, hábitos e informações que buscam instaurar modalidades de interpretação e ação junto às situações de ensino.

Diante disso, consideramos por fim, necessário registrar como essa cultura tem produzido as leituras sobre a inclusão nas escolas. Para tanto, elaboramos a seguinte questão:


Como identifica o processo de inclusão nas escolas?


P[IM3] Eu vejo e sinto que é um processo difícil, pois num geral nós quanto professor não estamos preparados.
P[NF1] Deficiente e fragmentado atualmente. Mas espero que seja num futuro próximo, um processo realmente inclusivo e com qualidade.
P[VM1] O processo de inclusão é identificado a partir da prática, que visa atender a todos, onde os alunos são considerados pelo potencial de que dispõe e não por aquilo que lhes falta ou diferencia dos demais. A verdadeira inclusão na está pautada na simples acolhida ao aluno, mas no seu desenvolvimento integral e em uma aprendizagem de qualidade.
G[VM2] Como atendimento a todas as crianças independentes de suas condições pessoais, culturais ou sociais, crianças deficientes ou bem dotadas, crianças de rua, de minorias étnicas, lingüísticas ou culturais, de áreas desfavorecidas ou marginais. Quando a escola mesmo aceitando os alunos de diversidades os trata com indiferença.


Aqui, é possível, identificar duas vertentes de construção das leituras. A primeira, nomeada como informativo-reprodutiva, pois corresponde ao tratamento dado às informações, isto é, a reprodução, a memorização e a assimilação de um quadro de idéias a cerca da importância da escola inclusiva, o qual não ultrapassa a operação cognitiva de recepção.

A segunda vertente, de caráter formativo-produtivo, uma vez que se constituí pela produção de informação, operações de investigação, formulação, conceitualização e divergência, capaz de desocultar as operações cognitivas em jogo.     

O que nos leva a essa interpretação, é o alcance de uma reflexividade sobre o processo de inclusão, isto é, sobre se o que se pretende dinamizar e intensificar corresponde a um simples colocar dos alunos com necessidades especiais em uma situação que, além de diversa, pode se tornar um fim em si mesma. Essa nos parece uma preocupação que está presente no limiar das leituras, uma espécie de curto-circuito entre o conhecimento sobre o social, o humano e a ação educativa.


3 A arquitetura da escola inclusiva pelas leituras e pelos leitores


O ponto de partida para a investigação da mediação entre a leitura, os leitores, e a escola inclusiva pode ser fixado na perspectiva de observarmos a cultura escolar diante dessa prerrogativa da escola atual, qual seja a inclusão de alunos com necessidades especiais.

Para Viñao Frago (1996) a cultura escolar,


é vista como um conjunto de teorias, princípios ou critérios, normas e práticas sedimentadas ao largo do tempo no seio das instituições educativas. Trata-se de modos de pensar e atuar que proporcionam estratégias e pautas para organizar e levar a classe a interagir com os companheiros e outros membros da comunidade educativa a integrar-se à vida cotidiana do centro docente (p.169).


As raízes da escola inclusiva, nesse sentido, estão localizadas nessas leituras e seus leitores, adotando uma perspectiva processual, na qual a fronteira entre as maneiras como um grupo elabora, vive e pensa sua realidade e, tomando-se como referência alguns pressupostos assinalados que constroem e tentam impor formas de apreender e intervir num determinado espaço.

De fato, a escola sendo uma instituição social, o poder e o controle estão presentes no que se diz, se cala, se faz, se omite, se considera essencial, legítimo e ilegítimo. Nesse sentido, emergem escolas dotadas de um caráter de plasticidade institucional capazes de operar uma re-atualização dos modelos normativos e culturais acerca do ensino, da aprendizagem e das necessidades especiais plasmados nas práticas escolares e, como tais configuradas, também, como um lócus de produção normativa.

Não queremos com essa colocação limitar os leitores, objetos dessa pesquisa, à condição apenas de interpretes da escola inclusiva, mesmo porque os entendemos como construtores. O número e a pluralidade de leituras que a escola inclusiva suscita será sempre uma incógnita. Diante desta constatação, gostaríamos apenas de apontar para algumas possibilidades que as leituras, no cruzamento dos detalhes, oferecem à investigação das práticas de leitura. Detalhes como a ocasião em que os leitores têm a oportunidade de falarem das suas leituras, reconhecendo-se com leitor e não apenas idealizador de uma prática.

As competências de leitura destes atores pareceram estar totalmente determinadas por construções culturais oriundas do cruzamento de suas experiências com a diferença. Seus instrumentos e procedimentos de interpretação não deixam dúvidas quanto as formas de apreensão do seu papel diante da possibilidade de uma escola para todos, inclusive para alunos com necessidades especiais.

A investigação das práticas da leitura, em um duplo campo, atribuição de sentido aos signos gráficos e aos significados sociais como capaz de identificar os rastros evidentes da concepção da exclusão, da inclusão e do papel da escola e dos atores esbarrou em obstáculos que são próprios do objeto. Por vezes, a maneira pela qual se pretendeu desvelar as práticas de leitura, os questionários, registrou além de respostas, comentários, anotações ao longo da página, ou mesmo o relato generoso de um leitor apaixonado, sobre tudo que o afeta enquanto professor ou gestor, inclusive sobre a escola inclusiva. 

Embora tenhamos procedido a uma análise, mesmo que preliminar, das instâncias e das lógicas de difusão da educação inclusiva, por meio das leituras e dos leitores, ela não é susceptível de nos dar conta do destino da escola inclusiva. Não seria abusivo prever-se dificuldades à reestruturação interna da escola.

Dessa forma, entendemos ser na base da diferença, e não na base da sua homogeneização, que se pode encontrar uma alternativa para o desenvolvimento de uma escola eventualmente mais inclusiva. Por outras palavras, as identidades individuais e grupais, na escola, podem constituir, numa sociedade onde a produção é cada vez mais baseada no conhecimento e na informação, uma base para a reorganização das leituras e produção de sentidos.


REFERÊNCIAS


BOURDIEU, Pierre. Leitura, leitores, letrados, literatura. In: Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
CHARTIER, Roger. El mundo como representación.  Barcelona: Gedisa Editorial, 2002.
________. Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
DUBET, F. A escola e a exclusão. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 29-45, julho/ 2003.

ELIAS, Norbert.O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar Editor, v. 1, 1994. 

MARCHESI, Álvaro. A prática das escolas inclusivas. IN: RODRIGUES, David (org). Educação e Diferença. Porto: Porto Editora, 2001.

PERÉZ-GOMÉZ, A. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Observatório de Cultura Escolar(1): Leituras e Leitores da Escola Inclusiva. Campo Grande: UFMS/PROPP, Projeto de Pesquisa.

VIÑAO-FRAGO, A. Espacio y Tiempo, Educación e Historia. México: Cadernos del IMCED, 1996.