http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/329.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
IMPLICAÇÕES SOCIAIS NO PROCESSO DE INCLUSÃO PEDAGÓGICA DO
DEFICIENTE VISUAL - UM ESTUDO DE CASO
Cláudia Cristina de Oliveira Pereira
FFC – UNESP/ Marília
RESUMO
O direito de acesso à escolarização formal de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEE), bem como sua permanência e a ampliação dos
serviços educacionais especializados são características que constituem o
processo de inclusão previsto na legislação brasileira. Nessa perspectiva, o
presente trabalho visa relatar a realização de um estudo de caso
desenvolvido por meio de um diagnóstico pedagógico do processo de
escolarização de um aluno com deficiência visual matriculado no Ensino
Fundamental da cidade de Marília/ SP. Para tanto, foram realizadas
observações dentro e fora da sala de aula, cujas informações foram
registradas tendo por base um protocolo de observação. O estudo
possibilitou a detecção de 2 tipos de defasagens relacionadas à inclusão: 1)
pedagógica, por conta das inadequações presentes na sala de aula; 2)
social, devido à dificuldade sócio-adaptativa do sujeito. Desse modo, as
ações visando à educação inclusiva devem primar pela humanização das
relações profissionais acerca da deficiência, garantindo condições dignas e
igualitárias aos deficientes.
Palavras-chave: Deficiência visual, Educação Especial
INTRODUÇÃO
O entendimento acerca da deficiência sempre foi limitado e restrito a um
grupo seleto da sociedade composto, principalmente, pelos profissionais
diretamente ligados à área e os familiares das pessoas com Necessidades
Especiais. A inserção do deficiente no meio social sempre esteve permeada
de concepções pautadas no senso comum. Ao longo do tempo desde as
mais remotas épocas, a exclusão já se fazia presente por meio das
arbitrariedades cometidas tais como a reclusão em lugares isolados, as
agressões físicas e verbais – não se esquecendo da forma mais perversa de
punição: a morte.
Segundo Omote (1989), a deficiência não se restringe apenas às condições
médicas incapacitadoras mas, sim, está muito mais ligada aos princípios
que regem o meio ao qual o deficiente pertence. Assim, a deficiência é
encarada como uma condição social que distingue os indivíduos pelas suas
capacidades de produtividade e ação comparando-os ao restante da
sociedade.
Portanto, “[...] a deficiência não é simplesmente um atributo da pessoa
considerada deficiente” (OMOTE, 1989). É uma condição que depende do
modo como as pessoas encaram a situação pois, não é a característica
(atributos) em si que determina a deficiência mas, sim, a forma como as
pessoas reagem a essa condição diferenciada - visto que essa reação
baseia-se em expectativas culturalmente definidas e apoiadas pela
sociedade.
A compreensão acerca da deficiência e suas implicações estão diretamente
relacionadas a diferentes aspectos. Não basta apenas um entendimento
pontual, particular de cada deficiência. Faz-se necessário compreender de
modo global todo o contexto - histórico, social, cultural, dentre outros - no
qual o deficiente está inserido. E, nesse sentido, estão incluídas a família e
a escola.
Constituindo-se como o núcleo central de convivência do deficiente, é
importante que a família receba todo apoio e orientação necessária para o
tratamento adequado da especificidade do deficiente. Os problemas
enfrentados por ela estão para além da busca dos cuidados médicos,
psicológicos e pedagógicos especiais. Talvez, o maior desafio da família de
um deficiente seja as implicações sociais que esta condição lhe traz.
O descrédito e estereótipos que são atribuídos à família em virtude da
presença de um membro deficiente acabam estigmatizando-a. Segundo
Omote (1989), depende das atitudes adotadas pela família a minimização
ou maximização das conseqüências psicossociais negativas.
Desse modo, o acompanhamento e a orientação adequada de como
proceder mediante o indivíduo deficiente visa garantir à família um melhor
convívio social e, ainda que utopicamente, a diminuição das práticas de
exclusão e segregação social – considerando que se a família adotar uma
atitude positiva frente à deficiência, este já consistirá em um grande passo
para a melhoria da sua relação e integração com a sociedade.
Uma outra instância que contribui efetivamente para a integração social do
deficiente é a escola. Devido a sua fundamental importância para o
desenvolvimento das capacidades e habilidades humanas, a escola
constitui-se como um espaço onde se dá o processo de transmissão
sistematizada e apropriação dos conhecimentos historicamente
acumulados. Nessa perspectiva, num processo de inclusão, a escola deve
agir como uma parceira colaboradora, auxiliando os alunos por meio de
informações e atividades úteis que contribuam para o seu aprendizado.
Ações conjuntas entre a família, o grupo de apoio profissional e a escola
devem ocorrer freqüentemente, para que cada instância tenha clareza de
suas responsabilidades.
Conforme afirma Oliveira (2003, p. 36),
Lidar com as diferenças e com o processo de inclusão
significa que a escola modifica-se para receber e manter o
aluno no processo educativo, apesar da diversidade. Sejam
quais forem as diferenças, os alunos devem ser mantidos nas
escolas, desde que as mesmas possibilitem respostas
educativas às necessidades específicas dos sujeitos, mesmo
que para isso sejam necessárias adaptações de qualquer
ordem: administrativa, organizacional, técnica, arquitetônica,
pedagógica, curricular.
Dessa forma, a escola e o educador desempenham um importante papel na
estimulação dos sujeitos. Cabe a estas instâncias oferecer múltiplas
oportunidades de acesso a elementos culturais que enriqueçam o seu
desenvolvimento e inserção social, além de oferecer condições para que a
aprendizagem ocorra nas brincadeiras e situações pedagógicas intencionais
e naquelas mediadas pelos adultos.
Hoje em dia, sabe-se que cabe a escola se adaptar ao aluno, como explicita
o documento do MEC sobre Educação Inclusiva (2003, p.23), [...] não é o
aluno que tem que se adaptar à escola, mas é ela que, consciente de sua
função, coloca-se à disposição do aluno, tornando-se um espaço inclusivo.
A rotina e a organização do tempo são exemplos claros que possibilitam a
sistematização do planejamento e a otimização dos resultados. Outra forma
dinâmica é a utilização de atividades lúdicas, especialmente aquelas que
envolvam o manuseio e a utilização de brinquedos para propostas
específicas.
[...] atualmente admite-se que a criação de brinquedos
procura levar me consideração as necessidades das crianças,
pois se reconhece que eles contribuem para o pleno
desenvolvimento delas, representando uma forma de
apreender o mundo, e no mesmo tempo, tomar
conhecimento de si mesmas e dos seus semelhantes,
desenvolvendo suas capacidades e habilidades. Através do
jogo e do brinquedo, desenvolvem-se as habilidades
perceptivas, motoras, o raciocínio, a criatividade, e tem a
grande capacidade de estimular o convívio em grupo, ou
seja, a socialização com jogos como os de “esconde-esconde”, de “rodinhas”, etc. (MOREJÓN, s.d)
O ato de brincar propicia a criança explicitar as manifestações do seu
mundo interior, desenvolvendo a imaginação, estimulando a atividade
motora, socializando e integrando-as a outros sujeitos e outras realidades.
Conforme as considerações contidas no documento do MEC (2004, p.38) –
“Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento” – [...]as vivências lúdicas trabalham ao mesmo tempo a
motricidade, a atenção, a memória, o raciocínio, a criatividade, a
aprendizagem, a ansiedade, a organização espacial, a coordenação motora,
o esquema corporal.
O importante no processo de escolarização é a construção de
conhecimentos expressa pela ação-manifestação espontânea e criativa do
sujeito e pela sua interação com o ambiente – que lhe permitirá novas
experiências e, conseqüentemente, a construção de novos conhecimentos.
Baseado nestes preceitos, o objeto central deste artigo visa relatar as
constatações possibilitadas por um estudo de caso desenvolvido por meio
de um diagnóstico pedagógico do processo de escolarização de um aluno
com deficiência visual matriculado no Ensino Fundamental da cidade de
Marília/ SP
MÉTODO
Em cumprimento às exigências da disciplina Medidas em Educação
Especial, na habilitação em Deficiência Visual (DV) do curso de Pedagogia
da Universidade Estadual Paulista, o estudo de caso - desenvolvido por
meio de um diagnóstico pedagógico do processo de escolarização de uma
aluna com deficiência visual (baixa visão) matriculada no Ensino
Fundamental - foi realizado em novembro de 2006 num colégio da cidade
de Marília/ SP. 1
1 A opção pelo caso da aluna foi feita em decorrência do contato possibilitado pelas práticas
de estágio curricular obrigatório da habilitação em DV realizado na sala de recursos de uma
escola pública.
Para tanto, foi estabelecido um contato prévio com a coordenação
pedagógica da escola visando explicitar os objetivos da pesquisa a ser
realizada. Nesse primeiro contato, foram definidas as datas para as
observações a serem realizadas. Considerando as características do
funcionamento da escola e a disponibilidade da investigadora, optou-se
por dois dias da semana em que constavam disciplinas diversificadas que
permitiram ter uma maior compreensão da adaptação da aluna no contexto
escolar.
A realização do diagnóstico pedagógico teve por base o modelo indicado
por Bassedas e Cols. ( ). Num protocolo previamente estabelecido foram
registrados os aspectos de maior releVância referentes ao comportamento
e as relações da aluna dentro e fora da sala de aula. Posteriormente foi
feita a análise desses registros, resultando na elaboração de um relatório
que, ao final da investigação, foi entregue à coordenação do colégio.
RESULTADOS
As observações realizadas possibilitaram conhecer minimamente o
cotidiano escolar do sujeito. Evidentemente, apenas os poucos dias de
observação não foram suficientes para verificar e contemplar todos os
aspectos que necessitariam ser analisados. Contudo, devido ao fato da
investigação consistir num diagnóstico psicopedagógico inicial, o objetivo
central visava identificar o dia-a-dia de um aluno com Necessidades
Educacionais Especiais no ambiente escolar.
Assim, as considerações a seguir foram feitas com base nos elementos que
se destacaram nos dias de observação.
Relação Professor/ Aluna
Por meio das observações constatou-se que o tipo de relação varia de
acordo com o professor. Em geral, percebeu-se que com a maioria dos
professores a aluna mantém uma relação heterônoma. Obedece as
instruções de cada um deles, porém não tem um contato mais próximo.
Com outros, já possui uma relação mais dinâmica, amistosa e autônoma.
Um aspecto muito presente é a falta de informação dos professores
acerca das Necessidades Educacionais Especiais (NEE) da aluna. Não se
deram conta, durante as aulas observadas, de que por não enxergar de
longe, a aluna não tem como acompanhar os conteúdos registrados por
eles na lousa. Isso não seria um problema se eles pudessem – ou
soubessem - orientar a aluna sobre o que está sendo registrado na lousa.
Apenas um educador teve essa preocupação num dos dias de observação.
Desse fato decorre a necessidade de instruí-los sobre como proceder com
alunos com NEE. No caso da aluna, é preciso que compreendam que por ter
uma baixa acuidade visual (20% de visão numa distância de 5 metros)2, além
dos materiais ampliados, ela precisa ser orientada sobre toda referência
que for feita a objetos que se encontrem distantes dela (tal como lousa,
transparências, quadros ou imagens).
2 De acordo com a Tabela de Snellen, que consiste num gráfico ocular utilizado para medir a
acuidade (capacidade) visual.
Relação com os colegas
Não houve qualquer tipo de contato entre a aluna e os outros alunos
da sala. As únicas interações se deram de maneira muito breve e em
situações específicas.
Outro fato preocupante é o distanciamento físico que existe entre a
carteira da aluna e da colega que se senta logo atrás dela. Nos dois dias de
observação, as carteiras se mantiveram distantes. Isso talvez seja um fator
representativo da exclusão da aluna no contexto da sala de aula, visto que
ela se senta na fileira do canto - próximo à janela – e na primeira carteira.
Sabe-se que a melhor posição para aluna, de acordo com a sua deficiência
visual, seria no centro da sala, na frente – pois não exigiria tanto esforço
visual da aluna.
No entanto, devido ao pouco contato que pôde ser estabelecido com os
outros alunos, não é possível aqui afirmar qual é o real motivo do
distanciamento existente entre eles.
Segundo informações obtidas com a coordenadora, até algum tempo atrás
havia um grupo de alunas que buscava manter contato com a aluna,
chamando-a para participar das atividades. Mas, com o tempo – acredita a
coordenadora – as implicações da deficiência da aluna (falta de atração aos
estímulos visuais, lentidão nos movimentos de locomoção) somada às
características típicas dos adolescentes (apreço aos estímulos visuais, à
estética, à agilidade na resolução das situações) talvez sejam motivos que
possam justificar esse distanciamento entre elas, pois por não responder
tão rapidamente quanto os membros da turma - devido ao fato de não ter
acesso às informações visuais como os outros têm - isso pode ter gerado
um desentendimento entre ambas as partes.
Outra informação fornecida pela coordenadora refere-se ao fato da aluna
ter um histórico de rebeldia em sala de aula. Segundo comentários, a aluna
era bastante mal humorada e de difícil contato. Somente com o passar do
tempo, essa postura foi se modificando.
Nessa perspectiva, esses dados podem ser importantes para compreender
essa dificuldade social da aluna no relacionamento com os colegas,
principalmente porque a maioria deles estudam com ela desde as séries
iniciais.
Atitude do aluno durante as aulas e no intervalo
A aluna demonstrou ser muito tranqüila. Durante as aulas expositivas
permanece quieta na sua carteira, prestando atenção na explicação do
professor. Faz anotações na apostila às vezes, quando acha necessário – já
que não tem acesso aos registros da lousa.
Durante os intervalos, geralmente, fica sozinha caminhando pelo pátio ou
sentada no banco. Conforme informações da inspetora – citada
anteriormente – a aluna fica muito isolada. Essa situação de isolamento,
pelo visto, é comum tanto dentro como fora da sala de aula. Contudo, não é
possível precisar os motivos que levam a aluna a agir dessa maneira. Muitas
são as hipóteses: 1) discriminação por parte dos colegas; 2) retraimento
excessivo da própria aluna; 3) falta de incentivo desde a mais tenra idade
que pudesse estimulá-la a estabelecer contato com as pessoas; 4) tipos de
contato que a aluna tem fora de casa e que incentivam esse tipo de
comportamento (mais amadurecido), dentre outros. Talvez uma observação
mais detalhada do contexto escolar da aluna pudesse fornecer esses dados.
No entanto, essa investigação só conseguiu detectar que o isolamento da
aluna pode ser caracterizado como uma dificuldade sócio-adaptativa.
DISCUSSÃO
Investigar o contexto escolar de uma aluna com Necessidades Educacionais
Especiais – Deficiência Visual –possibilitou a detecção, ainda que
superficialmente, de sua dificuldade sócio-adaptativa. Nesse aspecto,
percebeu-se que há uma defasagem relacionada à inclusão pedagógica –
por conta da inadequação de algumas situações em sala de aula que
poderiam ser alteradas para melhor favorecer o processo de aprendizagem
da aluna. No entanto, a defasagem que mais preocupa refere-se à inclusão
social da aluna no contexto escolar.
Dessa forma, podemos inferir que a postura adotada pela unidade escolar
precisa ser melhor adequada às reais necessidades do sujeito, fazendo-se
necessária a promoção de situações que orientem os professores sobre
como interagir com alunos nessa situação.
Algumas condições são fundamentais para otimizar o desempenho visual
de qualquer sujeito, tais como privilegiar a localização do aluno para que
ele possa otimizar seu resíduo visual. Se após uma avaliação oftalmológica
e/ ou avaliação funcional da visão for constatado algum problema visual, o
sujeito deverá ser posicionado – preferencialmente - no centro da sala, na
frente e cuja iluminação natural (janela) não incida diretamente contra seus
olhos. O posicionamento do aluno é de fundamental importância, pois
auxiliará no desenvolvimento da noção perceptivo-espacial.
Em relação às atividades de leitura e de escrita, de acordo com os
resultados obtidos numa avaliação visual, recomenda-se a utilização de
impressos em letras maiúsculas do tipo Times New Roman ou Arial, por
conter menos detalhes, e em tamanho adequado a necessidade do aluno.
Para a escrita, disponibilizar ao aluno folha com pauta ampliada, lápis 6B
(grafite forte) e/ ou caneta hidrocor com cores escuras (preta, marrom e/
ou azul marinho) para contrastar com a cor do papel e facilitar sua
visualização. Outro ponto importante é atentar para a disposição dos
materiais a serem utilizados pela criança, colocando-os sempre próximos
da linha mediana dos olhos ou, se for o caso, próximos do olho cujo
resíduo visual seja melhor.
Evidentemente tais considerações suscitam outras questões que
merecem maiores reflexões por parte dos pesquisadores e profissionais
diretamente ligados e interessados na área da Educação Especial. Com o
presente estudo de caso intentou-se contribuir para a aquisição de novos
conhecimentos acerca das implicações sociais da educação inclusiva,
elucidando aspectos relativos à educação dos alunos com Necessidades
Educacionais Especiais e o seu processo de aprendizagem e
desenvolvimento.
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