http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/348.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2


LÚDICO, ESCOLA E DIVERSIDADE: CONHECENDO A CULTURA LÚDICA DOS ALUNOS

MARTINS, Fábio Luís (UEL)1
BATISTA, Cleide Vitor Mussini (UEL)2
1  Professor de Educação Física da Rede Municipal de Londrina. Discente especial do Programa de Mestrado da UEL.
2  Pós-Doutora em Psicologia. Docente do Programa de Mestrado da UEL.

RESUMO

Realizamos um diálogo entre as teorias educacionais críticas e pós-críticas no que diz respeito às funções culturais da educação, enfatizando a questão da diferença, do lúdico e das identidades dos sujeitos no processo educativo realizado na escola. Visamos, assim, neste trabalho conhecer quais são manifestações culturais lúdicas presentes na vida cotidiana de uma parcela dos alunos de uma escola municipal de Londrina-PR e as possíveis diferenças entre os dois grupos analisados em questão. Realizando um levantamento verbal direto com os alunos pudemos elencar diversas atividades pautadas no lúdico, que foram englobadas em temas por nós estipulados. Num trabalho educacional pautado em princípios multiculturais, defendemos a presença de conteúdos oriundos das diversas culturas e que tenham também as manifestações culturais pautadas no lúdico como objeto de estudo.
Palavras-chave:  Lúdico. Currículo Escolar. Diferenças Culturais.

INTRODUÇÃO
O termo educação e os sentidos que este tem na sociedade atual nos fazem pensar qual seria a verdadeira função da denominada educação sistematizada, aquela que ocorre nos espaços planejados e estruturados especificamente para este fim, onde temos a escola, em seu sentido genérico, como referência deste espaço.
Não podemos deixar de pensar a escola e a educação sem termos em mente que estas são construções humanas para atender a necessidades humanas, seus objetivos giram em torno dos mais variados conhecimentos presentes na vida das pessoas. 
Assim, segundo Forquin (1993, p. 12), esta função seria a de colocar o ser humano em contato com “um patrimônio de conhecimentos e de competências, de instituições, de valores e de símbolos, constituído ao longo de gerações e característico de uma comunidade humana particular”. Mas, deturpações deste entendimento nos mostram teorias e práticas que desconsideram este primordial objetivo.
Encontramos sistemas de ensino que visam atender somente uma das muitas esferas de atuação humana – a do trabalho. Outro fato é que, desde cedo nas escolas vemos que o principal foco de atenção referente aos alunos é se estes têm ou não os pré-requisitos básicos para a série seguinte. Ficamos com a impressão de que os alunos estão sempre sendo preparados para algo futuro, onde o presente vivido destas crianças e adolescentes não tem importância. Esta é uma característica do mundo moderno que atribuiu ao adulto e ao mundo produtivo do trabalho, onde as crianças ainda não estão inseridas, a principal esfera de atuação e, a mais valorizada na vida como um todo. Secundariza-se as outras esferas da vida e estas se vêem dependentes desta esfera do trabalho. 
É desconsiderado que estes espaços educacionais visam atender a população na busca da compreensão e superação dos conflitos e dificuldades presentes na vida societária como um todo.
 Um outro tipo de influência que a escola tem sofrido vem envolvendo-a num clima em que a qualidade está associada a questões que fogem da esfera pedagógica e recai sobremaneira nas questões administrativas, organizacionais e funcionais, típicas das empresas modernas. Escola boa é aquela em que a ordem, a disciplina e a (re)produção são os pontos principais e os mais valorizados nas situações escolares, desde a forma como o diretor trata das questões exclusivamente administrativas até a ação docente e de comportamento dos alunos. Estabelecem-se metas e objetivos escolares que fogem da verdadeira função da escola, e o pior é que esta prática é aceita e incentivada pelas administrações superiores que assim, fugindo do verdadeiro objetivo da escola, têm uma maneira de disfarçar e naturalizar fatos a fim de impor sutilmente uma ideologia.
Mas como trabalhar de forma que a educação tenha sentido na vida cotidiana atual das crianças e adolescentes que compõem esta escola?
O contato direto com o campo escolar nos permite perceber os currículos, mais especificadamente os conteúdos que o compõem, defrontamo-nos com uma gama enorme, fragmentada e hierarquizada de saberes a serem transmitidos. Estes conteúdos, em grande parte, de tal forma descontextualizados que exige um maior esforço por parte dos professores, que em sua intervenção tentam contextualizar e dar sentido a estes conteúdos. Uma vez que, quando os conteúdos desenvolvidos durante as aulas são realmente significativos e trazem consigo uma história que faz parte da vida vivida dos alunos, isto torna o ensino escolar mais prazeroso, proveitoso e capaz de contribuir para que os cidadãos tenham consciência para modificar o meio a qual fazem parte.
Num processo de construção curricular e de intervenção que tenha sentido e que considere a cultura vivida e (re)significada diariamente de seus alunos, é primordial que num primeiro momento conheçamos um pouco desta cultura das crianças e adolescentes. E quando nos referimos a este grupo de pessoas, tanto do sexo feminino quanto masculino, considera-se que as manifestações mais presentes na vida deles são aquelas que se pautam no lúdico, sendo uma das características preponderantes desta faixa etária.
Vários discursos atuais no meio educacional trazem em seu corpo a valorização e “utilização” do lúdico nas escolas. Mas, esta é uma área de conhecimento que ainda trás, e sempre trará, certas lacunas. Tem-se atribuído vários conceitos sobre o que é o lúdico e, como ele se encontra na escola. Aparentemente, na escola, todos os professores sabem o que é o lúdico, mas todos bebem do censo comum para dar suas explicações, que se tornam superficiais e não abarcam toda a complexidade que o assunto trás.
Pautado nas teorias críticas e pós-críticas da educação, tendo a cultura (um campo contestado de significados) como essência, o “por que” de tais conteúdos escolares é alvo de análise. Nesta perspectiva, devemos considerar a heterogeneidade presente na sociedade (as diversas culturas) e, principalmente, aquela a qual o indivíduo-aluno faz parte, onde ele é produto e o produtor da cultura. Em seu meio ele atua, e dependendo de sua formação, para manutenção ou para modificação do atual quadro social. E, tendo a criança e o adolescente como agentes ativos neste processo, onde as manifestações culturais a qual estão inseridos mais habitualmente são as pautadas no lúdico, estas manifestações culturais lúdicas deveriam ser o principal conteúdo educacional. Para tal, seria necessário conhecermos estas manifestações, que variam dependendo do grupo social.
A cidade de Londrina, Norte do Estado do Paraná, conta com cerca de 500 mil habitantes entre zona rural e urbana. Como todas as grandes cidades ela é o local onde a diversidade se faz presente. Em sua rede municipal de ensino conta com 93 (noventa e três) estabelecimentos, entre escolas e centros de educação infantil administrados diretamente. Cada escola tem suas características próprias que as diferenciam das demais, e a principal delas é a comunidade e a clientela a qual atende. Cada comunidade traz em si esta diferença que compõem a cidade. E para que a educação desenvolvida nas escolas esteja comprometida realmente em estar trabalhando com conteúdos culturais ela deve, primeiramente, conhecer as manifestações culturais que compõem esta comunidade. Desta forma, este trabalho teve como principais objetivos: (a) levantar os elementos da cultura lúdica cotidiana dos alunos das 1as e 2as séries e de uma classe especial da escola em questão ; (b) confrontar as diferenças das manifestações citadas entre estes dois grupos.

DESCRIÇÃO METODOLÓGICA
Este trabalho caracterizou-se como uma pesquisa exploratória, colocando-nos num primeiro contato com o fenômeno, possibilitando este conhecimento primário para que futuras análises e estruturações conceituais e práticas possam ser elaboradas. A pesquisa exploratória “[...] consiste no aprofundamento de conceitos preliminares sobre determinada temática não contemplada de modo  satisfatório anteriormente” (BAUREN; RAUPP, 2003, p. 80).

Caracterização da Escola
O levantamento foi realizado na escola municipal de ensino infantil, fundamental e de jovens e adultos, situada na região Oeste de Londrina. Esta instituição conta com 10 (dez) salas de aula, possuindo assim, no período matutino 2 (duas) turmas de 1ª série, 4 (quatro) turmas de 3ª série, 4 (quatro) turmas de 4ª série e uma classe especial, totalizando 312 (trezentos e doze) alunos(as); no período intermediário 5 (cinco) turmas de pré escolares, totalizando 145 (cento e quarenta e cinco) alunos(as); no período vespertino 4 (quatro) turmas de 1ª série e 6 (seis) turmas de 2ª série, totalizando 296 (duzentos e noventa e seis) alunos(as); no período noturno conta com 2 (duas) turmas de EJA (educação de jovens e adultos), totalizando 61 alunos(as). E há dez anos vem desenvolvendo suas atividades neste local.

Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa
Este estudo focou-se nas crianças atendidas no período matutino e vespertino, da faixa etária de 6 (seis) a 11 (onze) anos. Tais crianças são provenientes dos bairros que circundam a escola, bairros estes compostos por pessoas dos mais distintos grupos étnicos, religiosos e de classe econômica, prevalecendo as classes média-baixa e baixa.

Instrumento e Estratégia de Coleta de Dados
Para o levantamento das manifestações da cultura lúdica cotidiana dos alunos, realizamos em cada turma, em grupos de meninos e meninas, uma entrevista não estruturada focalizada, que segundo Andrade (1993, p.118) “mesmo sem obedecer a uma estrutura formal, pré-estabelecida, o pesquisador utiliza um roteiro com os principais tópicos relativos ao assunto da pesquisa”.
As respostas de todos os alunos foram anotadas juntas3. Utilizamo-nos das aulas da disciplina de educação física para tal. Após este, unimos os resultados obtidos, tanto dos grupos dos meninos e meninas quanto das turmas por série.
3   A descrição resumida da estratégia encontra-se em ANEXO A.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Quando se pretendem desenvolver em uma escola ações pedagógicas que estejam em consonância com os pressupostos multiculturais, a primeira etapa deste processo deverá ser a de aproximação entre o professor e o aluno. Esta aproximação deve ter o intuito de colocar o professor diante da cultura de seus alunos, das características destes e das manifestações que compõem suas identidades, tanto individuais como coletivas.
 Este processo de conhecimento, e principalmente de reconhecimento da criança como agente histórico e cultural, será um dos pilares para a democracia cultural e escolar.
Neste trabalho optamos, nesta primeira fase de inventáriamento das manifestações culturais lúdicas da comunidade da escola abordada, por utilizar o questionamento aos alunos sobre quais seriam estas manifestações que faziam parte de suas vidas.
Para uma melhor visualização, optamos por dividi-las em grupos e subgrupos temáticos que serão discutidos a seguir. As manifestações citadas estão separadas por séries e foram as seguintes:
1ª séries
Movimentos Ginásticos:
Abdominal, Alongamento, Andar de lado, Cambalhota / piroleta, Erguer peso – exercícios, Escalar, Estrela, Flexão, Ginástica, Girar, Mortal, Parada de mão, Ponte, Rodante, Saltar, Cama elástica, Malabarismo.
Lutas:
Artes marciais, Capoeira, Karatê, Lutinha.
Esportes:
Basquete, Futebol, Vôlei, Natação.
Danças:
Danças.
Jogos:
Regras: Alerta, Amarelinha, 3 corte, Aviãozinho de papel, Aviãozinho/ helicóptero, Balança-caixão, Bambolê, Batata-quente, Pião - Bay blade, Bet´s, Bibioquê, Bicicleta, Motoquinha, Bobinho, Bola queimada, Boliche, Bolinha de sabão, Boneca, Hominho, Ursinho, Bugalha, Burquinha, Cada macaco no seu galho, Cai no poço, Carrinho, Cobra cega, Coelhinho sai da toca, Pular Corda, Cabo de Guerra, Corrida, Cortar linha, Elástico, Esconde-esconde, Estrear nova sela, Espada, Garrafão, Iô-iô, Maia, Mãe da rua, Labirinto, Morto ou vivo, Panelinha, Guerrinha – jogar coisas, Patinete, Lenço atrás, Patins, Pé na lata, Pipa, Perna de pau, Pega-pega, Polícia e ladrão, Rela-aumenta, Sinuca, Rela trovão, Rolemã, Skate, Vivo ou morto, Sukita/sirumba, Piscina – bóia, Brincadeiras cantadas, Brincadeiras de roda - ciranda cirandinha..., Baralho, Dominó, Forca, Quebra-cabeça, Peças de montar – tipo lego, Vídeo game;

Simbólicos: Casinha / Cabana / Restaurante / Escolinha / Jardineiro/ Castelo / Escolinha /Caminha/ Escritório / Médico/ Cabeleireiro/ Passar roupa/ Médico/ Manicuro/ Arrumar a aparência/ Homem-aranha/ Bolo de barro, Circo, Palhaço;

Balanço, Escorregador, Gira-gira, Gangorra, Parque.

Andar de cavalo, Subir e brincar na árvore / muro, Assistir TV, Computador, Massinha de modelar, Cantar, Desenhar, Ir ao Cinema, Festa junina.
 
2ª séries
Movimentos Ginásticos:
Abertura, Abdominal, Alongamento, Andar diferente, Bananeira - parada de mão, Cadeirinha, Cambalhota, Estrela, Saltar, Flexão de braço, Girar, Girar na barra, Macaquinho, Mortal, Polichinelo, Ponte, Escadinha, Escalar, Estrelinha, Ginásticas – Musculação, Malabarismo, Cama elástica, Corda bamba.
Lutas:
Artes marciais, Boxe, Capoeira, Judô, Karatê, Lutinha, Jiu-jitsu.
Esportes:
Natação, Futebol, Vôlei, Surf, Skate, Tênis, Beisebol, Basquete, Boliche.
Danças:
Balé, Samba, Forró, Calypso, Carnaval.
Jogos:
Regras: Bola queimada, Garrafão, Estrear nova sela, Esconde-esconde, Elefantinho colorido, Elástico, Lenço atrás, Mãe da rua, “Maia” – malha, Mamãe polenta, Bugaia – Cinco Marias, Burquinha, Cai no poço, Cobra-cega – Cabra-cega, Passa anel, Pé na lata, Pega-pega, Pipa / cartolinha/ capucheta, Iô-iô, Rouba bandeira, Ping-pong, Sirumba / sukita, Telefone sem fio, Amarelinha, Balança caixão, Batata quente, Bet´s, Alerta, Bambolê, Rela aumenta, Polícia e ladrão, Pião- Bay blade, Pique esconde, Cada macaco no seu galho, Coelhinho sai da toca, Pular Corda, Cabo de Guerra, Estátua, Vai e vem, Gruda-gruda, Gato e rato – pega, Contrabandista, Pênalti, Gol a gol, Seu urso, Corrida – de revezamento, Corrida do saco, Dança da cadeira, Fantasma, Gato mia, Silêncio, Vivo ou morto, Careca- cabeludo, Montar prédio – jogo de construção, Batidinha, Cavalinho / soco na bola, Tirar e por o tênis, Paredão,  Panelinha, Pequena sereia, Sapo no lago, Tarzan, Subir na árvore / muro, Carrinho, Trenzinho, Estilingue, Espada, Arminha, Aviãozinho de papel, Hominho, Boneca, Ursinho, Bicicleta, Motoquinha, Carrinho de Rolemã, Patinete, Patins, Assustar, Balão, Piscina, Piscina de bolinha, Jogo da memória, Jogo da velha, Jogo de damas, Forca, Xadrez, Dominó, Quebra-cabeça, Roda-roda do Sílvio Santos, Baralho, Trilha, Bingo, Brincadeiras cantadas - core-cutia..., Brincadeiras de roda – ciranda cirandinha..., Vídeo game;

Simbólicos: Casinha, Colégio interno, Escolinha, Mercado, Igreja, Salão de beleza, Castelinho de areia, Médico, Casa na árvore, Palhaçada, Historinha;

DVD – Filme, Desenhar, Artes plásticas, Artesanato, Computador, Teclado, Viajar, Caçar borboleta/ vaga-lume/ pombinha, Pescar;

Escorregador, Roda-roda/ Gira-gira, Trepa-trepa, Balanço, Gangorra.
Classe Especial
Movimentos Ginásticos:
Mortal, bananeira / parada de mão, cambalhota, ponte, alongamentos, exercícios para ficar forte, ficar pulando, ficar pulando na cama, cama elástica.
Lutas:
Lutinha. Capoeira.
Esportes:
Futebol, Futsal, Basquete, Vôlei.
Danças:
Funk, Rebelde e o que estiver tocando.
Jogos:
Regras: Jogo da Memória, Mãe da Rua, Amarelinha, Pular corda, Bola de Gude, Jogo da Velha, Bugalha, Bola queimada, Alerta, apostar corrida, esconde-esconde, pular elástico, Elefantinho colorido, telefone sem fio, jogo da memória, bola na lata, pescaria.

Simbólicos: Casinha, brincar com cachorro, gato, formiga e porco, boneca, hominho, carrinho, puxar charrete, brincar com espelho, armarinho, boquinha, imitar animais.

Brincadeiras cantadas:  Din Din Castelo e bubaloo, soco-soco, bate-bate
Brincadeiras de roda: cirandinha
Computador, assistir TV: filme e desenho, escutar rádio, ler livrinhos.

Nadar na piscina, subir na árvore, desenhar.

Iô-Iô, bola, pipa de cartolina, motoca, telefone, bexiga.
Quadro 1: Manifestações lúdicas citadas pela 1ª séries e 2ª séries e da classe especial.

O número de manifestações citadas superou as nossas expectativas. A forma como foi realizado o levantamento possibilitou que, de forma descontraída os educandos lembrassem das atividades que vivenciam, vivenciaram ou que tiveram algum contato. No papel de pesquisador, quando observava alguma dificuldade nos alunos para organizarem seus pensamentos, realizava algumas perguntas um pouco mais específicas (o que vocês fazem com bolas? O que vocês fazem em casa? etc.) que os auxiliavam a dar as respostas.
 Observamos que, em todos os temas houve um número maior de manifestações citadas pelos alunos da 2ª série. Tal fato reflete a questão da aprendizagem social das manifestações culturais. Quanto mais tempo a pessoa está inserida na sociedade, mais experiências sociais ela terá. Desta forma gradativamente ela se inserirá na cultura geral e específica das manifestações lúdicas.
A classificação realizada por nós em temas referente às respostas dadas pelos alunos, foi utilizada também para facilitar a organização e trabalho pedagógico docente. Utilizamo-nos de temas presentes na vida cotidiana das pessoas, a fim de não nos distanciarmos da realidade e estarmos de forma conjunta com os alunos construindo e re-elaborando os conhecimentos. A classificação realizada não significa que determinada manifestação é pura e exclusivamente aquela a qual nós a enquadramos. O lúdico é uma expressão subjetiva, construída socialmente, que está diretamente relacionada com a maneira como o indivíduo se relaciona com o meio, tanto os materiais como com as pessoas. Desta forma qualquer vivência poderia transitar pelos temas aqui propostos, dependendo da intenção e atitude do indivíduo.
As manifestações que mais se sobressaíram nas duas séries e na classe especial foram as tematizadas como jogos. Neste tema classificamos os jogos em dois tipos, os de predomínio das regras, tanto as simples como as mais complexas, e os que tinham como suporte o simbólico. Pautamo-nos neste ponto em Piaget (1975). Os jogos esportivos, as danças e as lutas foram tematizados à parte para análise neste estudo. Tal classificação também pode vir a favorecer as ações didáticas nestes temas, abrangendo toda a sua complexidade.
Nas 1as séries e na classe especial houve um maior número de citações referentes aos jogos simbólicos do que nas 2as séries. Esta constatação reflete os interesses e as limitações cognitivas dos alunos, crianças de seis anos em média e as crianças portadoras de necessidades educativas especiais, que ainda encontram dificuldades e obstáculos cognitivos para a participação efetiva e prazerosa em jogos pautados em regras mais complexas que as presentes nos jogos simbólicos.
Os esportes, as danças e as lutas são manifestações culturais que recebem mais atenção e valorização por parte de grande parte da sociedade. Não pretendemos entrar no cerne da questão, mas são exploradas pelo setor econômico na iniciativa privada e no setor público em seus objetivos sociais. Assim estão fortemente organizados e são difundidos para um número cada vez maior de pessoas. A mídia os tem como grande fonte de renda, e isto se reflete em nossa sociedade.
Em nosso levantamento pudemos observar que também os esportes, as danças e as lutas são mais citados nas 2as séries. Mas aqui é possível verificar como as culturas estão de forma dinâmica se relacionando. Foram citados esportes (caso do surf) que não são realizados na comunidade. O fato de terem citado alguns esportes, algumas lutas (karatê, boxe) e algumas danças (calypso, balé) que não são produções histórico-culturais da comunidade, mesmo assim estes fazem parte da vida daquela comunidade. Os meios de comunicação cada vez mais acessíveis e utilizados pela população fazem com que se torne possível conhecer as mais variadas manifestações das diversas culturas do planeta a um pressionar de botões.
O presente levantamento possibilita a realização, entre outras questões a da seguinte: Será que o currículo, em específico o da escola abordada, estaria contemplando estas manifestações lúdicas como objeto de estudo, como conteúdo curricular?
Numa análise curricular que leva em consideração os pressupostos trazidos por este trabalho, deve primeiramente conhecer a realidade, no nosso caso a relacionada com o lúdico, para que possa a partir daí estar confrontando os currículos oficiais com os verdadeiros conteúdos presentes na vida dos alunos e pessoas da comunidade.
Destacamos a importância dos conteúdos e dos saberes escolares que considerem a diversidade cultural e a identidade do grupo trabalhado. Não preconizamos a substituição dos saberes e dos valores que até agora reinaram na escola, mas sim que a escola seja um local de encontro e de confronto entre as diversas formas de saberes. Moreira (2001, p.76) propõe:
[...] que os conteúdos selecionados nas diversas disciplinas concorram para desestabilizar a lógica eurocêntrica, cristã, masculina, branca e heterossexual que até agora informou o processo e para confrontá-la com outras lógicas, com outras formas de ver e entender o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro das escolas ainda reina o etnocentrismo. A estrutura curricular da grande maioria das escolas trabalha com conteúdos tidos como cientificamente e universalmente necessários. A especificidade do grupo social da escola é desconsiderada, temos assim currículos monoculturais e homogêneos que privilegiam determinados valores e conhecimentos em relação a outros. Este tipo de currículo, caracterizado como tradicional, trás em si teorias consideradas neutras, que ao aceitar mais facilmente o status quo, os conhecimentos e os saberes dominantes, acabam por se concentrar em questões técnicas e seus esforços são voltados para as questões de como transmitir este conhecimento inquestionável (SILVA, p. 16, 2003).
Estes conhecimentos tidos como legítimos e inquestionáveis por aqueles que organizavam e atuavam nos sistemas de ensino eram e são aceitos sem questionamentos por grande parte da sociedade. Ao privilegiar a racionalidade, este currículo tradicional busca a formação de pessoas otimizadas e competitivas, indo ao encontro dos ideais neoliberais de eficiência e produtividade, e dos ideais neoconservadores da tradição tida como certa e inquestionável.
Vivemos em uma sociedade multicultural e a educação e a escola devem estar atentas para tal fato. Generalizações e universalizações do conhecimento favorecem determinados grupos e impõem uma verdade. A questão da diversidade deve estar presente nas discussões curriculares, tanto na estruturação como na ação pedagógica.
Falsas compreensões, preconceitos e visões instrumentalistas fizeram as diversas manifestações culturais lúdicas receberem menor atenção em nossas escolas. Tais manifestações, que tem o brincar como seu principal veículo na infância, são desconsideradas como objeto de estudo. Quando adulto, o lúdico recebe uma carga de preconceitos ainda maior, e os momentos de lazer onde tais manifestações estão quase que exclusivamente confinadas são secundarizados e tidos como fúteis em seu sentido pejorativo.
A atual estrutura, valores e funções da escola precisam ser revistos e considerar o lúdico / brincar / lazer. É preciso:
Pensar a possibilidade de a escola operar numa nova articulação entre o lógico-racional e o lúdico – que não seja de enfrentamento, nem de compensação, mas talvez, de mediação e complementariedade – implica a re-significacao da finalidade educativa escolar, assim como, operacionalmente, os elementos que a constituem (BRACHT, 2003, p.165).
Entender as manifestações lúdicas como artefatos culturais, componente formativo do homem histórico, onde ele é capaz de construir e reconstruir simbolicamente a sua realidade é necessário para que possamos realizar uma educação que esteja comprometida com a superação do atual quadro social.
Existem diversas manifestações lúdicas que estão presentes em todas as culturas. Quem tem o poder de escolher qual deve ser valorizada e estar presente no currículo escolar? Consideremos na resposta que “qualquer jogo fora do contexto cultural dos alunos, estes jogos perdem o sentido e não promovem, necessariamente, qualquer aprendizagem social significativa” (NEIRA, 2007).

REFERÊNCIAS
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BAUREN, I. M; RAUPP, F. M. Metodologia da Pesquisa Aplicável às Ciências Sociais. In: BAUREN, I. M (org). Como Elaborar Trabalhos Monográficos em Contabilidade: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2003. Cap. 3, p. 76-97.
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MOREIRA, A. F. B. A Recente Produção Científica sobre Currículos e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n.18, p. 65-81, set./dez.  2001.
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