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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A EDUCAÇÃO ESCOLAR DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL NA
INSTITUIÇÃO ESPECIAL
MELETTI, Silvia Márcia Ferreira
Universidade Estadual de Londrina.
Pretendemos neste trabalho apresentar uma discussão acerca da educação da pessoa com
deficiência mental, a partir de uma pesquisa realizada em uma instituição especial. Especificamente,
objetivamos analisar os mecanismos utilizados pela instituição especializada para se adequar às
exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar como eixo central de seu
trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus educandos. Tais exigências
estão presentes nas proposições políticas para a Educação Especial brasileira que se articulam numa
perspectiva inclusiva e que buscam se contrapor ao perfil clínico de atuação da área.
A educação especial brasileira, ao longo de seu processo de constituição, apresenta algumas
características específicas que consolidaram seu distanciamento do sistema regular de ensino. Dentre
elas, destacam-se: 1) o afastamento do Estado em relação às questões educacionais da pessoa com
deficiência mental; 2) a legitimação de instituições especiais como o âmbito educacional mais
adequado para educá-la; e 3) a transferência da responsabilidade da educação desta população
para o setor privado, especialmente para aquele de caráter filantrópico.
Instituições especiais dessa natureza foram se constituindo como instância “privada que
busca atender às necessidades da Educação Especial pública” (SILVA, 1995, p. 41), preenchendo
a lacuna deixada por um Estado que reduz os investimentos com a educação geral pública, que
intensifica o incentivo à iniciativa privada e que e se distancia das questões relativas à educação
especial. Jannuzzi (1997, p. 185) acrescenta que “há assim uma parcial simbiose entre o público e o
privado, que permite ao segundo exercer influência na determinação da política pública na área”.
A história desta convivência ambígua entre o público e o privado legitima as instituições
especiais filantrópicas como as responsáveis pela educação desta população. A contrapartida do
Estado se materializa por meio de auxílios técnico e financeiro e de incentivos fiscais com a isenção
e redução de impostos. Isto está expresso na legislação e nos documentos oficiais que regimentam a
educação especial brasileira. Como exemplo, podemos citar as Constituições de 1946 e de 1988,
entre outros.
A “parceria” tem se mostrado um “bom negócio” para ambos os lados. Para as instituições
por seu favorecimento e para o Estado pelos gastos reduzidos, já que o custo de sustentação da
instituição especial privada assistencial é inferior ao custo de implementar serviços de educação
especial para toda população com deficiência na rede regular de ensino (BRASIL, 1996).
A consolidação da segregação da pessoa com deficiência mental em instituições especiais
marca não só as relações entre o público e o privado, mas também os modos de significar e de lidar
com a própria condição de deficiência em nosso contexto.
Bueno (1997a) indica que o processo de institucionalização da pessoa com deficiência
contribui para a constituição tanto das concepções sociais acerca da condição quanto da identidade
do próprio deficiente. O autor mostra que a crença na ineducabilidade, na dependência, na
imaturidade, na improdutividade e na necessidade de uma educação segregada tem sustentação nos
modos como se constituiu a educação institucionalizada da pessoa com deficiência em nosso país.
O ensino especial implementado nas instituições especiais, sustentado por uma perspectiva
clínica de atuação, tem se orientado por abordagens educacionais que, reduzidas a uma dimensão
técnica de ensino, priorizam o treino do indivíduo objetivando o desenvolvimento de competências e
habilidades específicas a fim possibilitar sua integração nos espaços sociais dos quais foi excluído
em função de sua diferença (CAMBAÚVA, 1988; FERREIRA, 1994).
Na década de 1990 percebe-se uma mudança tanto no discurso da educação brasileira
como na educação especial. Essa década vem sendo considerada como marco para Educação
Especial brasileira em função das proposições políticas para a educação especial que se articulam
numa perspectiva inclusiva ao incorporarem as orientações internacionais tratadas nas Declarações
de Educação para Todos (UNESCO, 1990) e de Salamanca (CORDE, 1994).
Visando materializar a educação para todos e a escola inclusiva, a educação especial passa
a ser identificada como uma modalidade de educação escolar a ser oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, a partir da educação infantil e que, apenas em casos excepcionais – aqueles
que em função dos comprometimentos do aluno – caso a escola não tenha recursos para o
atendimento, é que o mesmo poderá ocorrer em instâncias consideradas especiais: classes ou
escolas. A LDB 9394/96, em seu Artigo 59, prevê que os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais, entre outros aspectos: currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; terminalidade
específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em virtude de suas deficiências.
A definição da educação especial como modalidade de educação escolar é ampliada em
2001 nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Neste aparato legal,
as categorias de deficiência se diluem no conceito de necessidades educacionais especiais, no qual a
deficiência mental é entendida como mais uma expressão da diversidade que compõe as chamadas
necessidades educacionais especiais.
Por outro lado, podemos observar que, mesmo apresentando a educação especial como
dever constitucional do Estado e como modalidade de educação escolar, a LDB 9394/96 mantém a
valorização da iniciativa privada por meio do apoio técnico e financeiro do Poder Público às
instituições especializadas, desde que sejam sem fins lucrativos, que atuem exclusivamente em
educação especial e que atendam aos critérios estabelecidos pelos órgãos normativos dos sistemas
de ensino (Art. 60). Há a exigência de uma “pedagogização” da instituição especial que deve se
caracterizar como escola para fins de educação escolar.
Sob estas exigências e frente à história de educação da população com deficiência mental
em instituições especiais, que se constituiu à parte do sistema comum de ensino e sob a égide de
outros princípios educacionais que não os da educação geral, temos a constituição de um espaço
propício ao embate de forças antagônicas em que são postas as seguintes questões: 1) que direções
as mudanças exigidas, presentes na política educacional, imprimiram no movimento de adequação
das instituições especiais? 2) quais os mecanismos utilizados pela instituição especial nos processos
de mudança para lidar com as exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação
escolar como o eixo central de seu trabalho?
Aportes metodológicos
O presente estudo foi realizado em uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE)1. A instituição especial sofreu algumas mudanças, entre as quais se destaca a alteração do
trabalho da equipe técnica, que passou a atender os alunos nas salas de aula como decorrência da
orientação contida na proposta da APAE Educadora: a escola que buscamos (FENAPAES,
2001).
Visando analisar os mecanismos utilizados pela instituição especial para se adequar às
exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar como eixo central de seu
trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus educandos, o primeiro passo
foi delimitar a Educação Especial e a Deficiência Mental como as dimensões da realidade a serem
analisadas, por considerarmos que estas são representativas da nova configuração da educação
especial expressa na legislação educacional brasileira2. Deste modo, elegemos alguns eixos
representativos de cada uma delas, descritos a seguir:
Educação Especial: modalidade de educação escolar a ser desenvolvida preferencialmente na
rede regular de ensino; flexibilização e adaptação curricular; certificação de terminalidade específica.
Deficiência Mental: necessidade educacional especial; níveis de apoio; atendimento preferencial
em escolas comuns.
Assim, buscamos apreender o sentido da Educação Especial e da Deficiência Mental,
segundo os eixos de análise, no discurso dos profissionais da equipe técnica da instituição especial.
1 Por solicitação da direção da instituição, o nome e a cidade onde está localizada a Escola não serão divulgados.
A escola especial onde a pesquisa foi realizada será denominada no trabalho “APAE” e estará destacada em
itálico.
2 Dimensões da realidade são compreendidas conforme proposto por Alarcão (1991 p. 69): “cada uma das
dimensões tem a ver com todas as outras e só adquire seu sentido pleno no todo que as integra”.
Optamos por analisar o discurso dos profissionais por considerarmos que uma mudança no
sentido de implementar um perfil educacional, necessariamente incide sobre a atuação destes, dada
a centralidade do papel desempenhado pelas equipes técnicas nas instituições especiais. Outro
aspecto é a indicação da necessidade do redimensionamento do trabalho das equipes
multidisciplinares das instituições especiais, priorizando o atendimento pedagógico em detrimento do
clínico e psicopedagógico (FENAPAES, 2001).
O conhecimento dos sentidos das dimensões da realidade se deu por meio da análise das
concepções dos profissionais que vivenciam e que compõem o cotidiano institucional acerca de suas
experiências profissionais, principalmente no que se refere ao seu papel na construção do trabalho
pedagógico. Optamos, então, por adotar a Análise de Discurso como procedimento de investigação
das concepções dos profissionais, conforme proposto por Orlandi (2003).
Por outro lado, dependendo dos procedimentos de investigação adotados, o discurso
poderia apenas reproduzir aspectos presentes nos discursos oficiais e institucionais acerca das
dimensões de análise Educação Especial e Deficiência Mental. Deste modo, optou-se por tentar
apreender as concepções adotando o procedimento da entrevista recorrente (MELETTI, 1997 e
2003) na qual foi solicitado a cada participante que falasse sobre seu trabalho, a partir da indicação:
"gostaria que você me falasse um pouco sobre o seu trabalho, sobre o que você quiser me contar a
respeito de seu papel aqui na instituição”.
Participaram do estudo a diretora da instituição, a coordenadora do setor escolar, uma
psicóloga, uma assistente social, uma terapeuta ocupacional, uma fisioterapeuta e uma
fonoaudióloga, responsáveis pelo trabalho desenvolvido na instituição como um todo.
Este procedimento permitiu apreender os mecanismos utilizados pela instituição especial
para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar como
eixo central de seu trabalho, conforme será apresentado a seguir.
Os sentidos e os mecanismos presentes na reestruturação da Instituição Especial
Na análise do discurso dos profissionais da instituição, é possível o entendimento de que a
Educação Especial é uma modalidade de ensino a ser ofertada pela instituição especial a pessoas
com deficiência mental. Não há referência quanto ao papel da instituição especial como instância
educacional destinada a substituir a escola regular em casos extraordinários nos quais se
evidenciassem a falta de condições desta em lidar com as especificidades dos alunos.
No entanto, na ausência da referência explícita, no silenciamento, podemos apreender a
concepção de Educação Especial, à medida que “há um modo de estar em silêncio que
corresponde a um modo de estar no sentido” (Orlandi, 1995 p. 11). Outros aspectos que compõem
a forma como a educação especial é concebida estão implícitos no “silêncio” dos profissionais.
A ausência de uma definição de educação especial permite concluir que esta é concebida
como sinônimo do trabalho desenvolvido na escola especial. A apreensão deste significado é
possível nos discursos dos profissionais.
(...) o que é importante estar colocando é que você está em uma escola,
escola
de educação especial ... que é mantida pela associação de pais e amigos dos
excepcionais. E essa escola então coloca em prática a filosofia dessa
associação que é oferecer uma educação para pessoas portadoras de
deficiência mental (Coordenadora Pedagógica, grifos meus).
Poderíamos inferir que “uma escola de educação especial” significasse a concepção de
modalidade de ensino, como se estivéssemos diante da afirmação “uma escola de educação infantil”,
mas o resgate da constituição histórica da educação especial brasileira não sustenta tal inferência.
A educação de pessoas com deficiência mental no Brasil se constituiu de modo paralelo à
educação geral, circunscrita prioritariamente a instituições especiais que sustentavam, via de regra,
um trabalho de reabilitação e assistencialista em detrimento ao educacional. O caráter de
substituição da escola regular sempre esteve presente, principalmente por omissão do Estado em
implementar a educação das pessoas com deficiência mental em instâncias regulares de ensino. A
identificação da instituição especial com uma escola de educação especial conserva esta condição
historicamente construída. E o que significa ser uma escola de educação especial?
O que diferencia muito a escola especial é o fato dela oferecer um
atendimento global, a gente acaba atendendo todas as áreas. Isso faz toda
diferença. (Fisioterapeuta)
Atendimento caracterizado pela junção das áreas da saúde, da assistência social e da
educação e pela presença da deficiência mental como eixo central do trabalho, em uma perspectiva
de atuação que objetiva suprir déficits. Neste sentido, a especificidade da educação especial passa
a ser entendida como a oferta, por parte de instituição especial, de serviços não pedagógicos. A
especificidade se manifesta no entendimento de que tais serviços permitem, por minimizarem os
efeitos da deficiência, que o trabalho pedagógico seja implementado.
Nesta perspectiva de educação especial, o agrupamento das diferentes áreas na chamada
equipe técnica e o trabalho por ela desenvolvido não são considerados como apoio ao trabalho
pedagógico, mas sim a condição de sua realização. Aí reside a especificidade da educação especial
e a distinção entre o que a instituição especial e a escola regular podem oferecer ao aluno com
deficiência mental.
Além disso, a ênfase na junção de diferentes áreas como condição para o trabalho
pedagógico aponta para a concepção de educação especial como trabalho assistencial e clínico.
Isso denota o entendimento de que educação especial e instituição especial sejam sinônimos.
Outro aspecto a ser considerado na busca da especificidade do trabalho educacional que
justifique a substituição da escola comum pela instituição especial é a flexibilização e as adaptações
curriculares.
De acordo com as análises tecidas, a flexibilização curricular é entendida pelos profissionais
como respeito ao tempo de aprendizagem do aluno.
Não tenho uma proposta diferenciada, a nível de currículo a nossa proposta
é a mesma, as metodologias são as mesmas ... lógico que o que diferencia é o
tempo de aprendizagem do nosso aluno. Então o professor tem que estar
sempre alerta em relação ao tempo de aprendizagem do aluno e utilizando ...
estratégias diferentes mesmo, que essa habilidade não é só do professor de
educação especial, ela tem que ser do professor (Coordenadora Pedagógica).
Nesse sentido, a especificidade da educação especial é a condição de deficiência mental.
Ignorando outras especificidades que pudessem justificar a substituição da escola comum pela
especial.
Por outro lado, quando o foco da discussão é o aluno com maior comprometimento, a
flexibilização curricular assume um outro sentido: o de redução e de substituição de objetivos.
Os alunos severos, que estão caminhando dentro da escolaridade com
atividades que dizem respeito à sua independência, que eles têm essa
dificuldade, ... a nível de ciências vão estudar vários outros aspectos dentro
das ciências, eles vão estudar a sua independência, o seu corpo, quais são as
partes, vão aprender a cuidar dessas partes, a escovar os dentes, porque que
é importante escovar os dentes, a pentear o cabelo, limpar a cabeça para não
pegar piolho, a se limpar direito para não ficar com infecção, a tomar seu
banho. Então, assim... esse lado terapêutico é aliado ao educacional também.
Então, dentro da escolaridade em nenhum momento a gente desvincula esse
aprendizado: ocupacional e educacional (Coordenadora Pedagógica).
No que se refere à certificação por terminalidade específica, a análise dos dados permite
concluir que tal recurso é utilizado na ocasião do encaminhamento do aluno para instâncias regulares
de ensino ou de reabilitação. Contudo, o que pôde ser apreendido é que a certificação refere-se
mais ao grau de comprometimento do aluno do que explicita “as habilidades e competências
desenvolvidas pelos educandos portadores de deficiência mental” (FENAPAES, 2001 p. 31).
Assim, temos a certificação comprovando que o aluno não tem grau de comprometimento
acentuado. Mais uma vez, podemos apreender a especificidade da educação especial concebida
como a condição do aluno com deficiência mental.
Se entendemos que a certificação da terminalidade específica deveria ser um recurso
utilizado em situações de encaminhamento dos alunos com deficiência mental para outras instâncias
educacionais ou de trabalho, a sua ausência, nesse sentido, indica o quanto é uma prática pouco
comum na Instituição Especial. Isso denota a concepção da educação especial como uma
modalidade de ensino a ser oferecida extraordinariamente na escola comum, cuja especificidade
reside na condição de deficiência mental e que está circunscrita ao trabalho institucional.
A educação especial como uma modalidade de ensino que pode ser ofertada na instituição
especial privada, de caráter filantrópico, da forma como está funcionando, confirma o status de
locus da deficiência mental, já que a legitima como uma instância educacional sem alterar sua
estrutura, seu funcionamento, enfim, seu cotidiano.
No que se refere à Deficiência Mental, a APAE atende pessoas com deficiência mental
com grau de comprometimento moderado e severo, atestado pela equipe técnica no processo de
avaliação de triagem. Não há referências às necessidades educacionais especiais e aos níveis de
apoio. Mais uma vez, no silenciamento temos implícitos os sentidos.
Bueno (1997b) ao se referir ao termo necessidades educacionais especiais e à sua
imprecisão, alerta para a necessidade de acrescentar o tipo de sujeitos ao qual estamos nos
referindo. Ou seja, ao termo necessidade educacional especial é acrescentado uma definição que
não rompe com a concepção de associação dos déficits intelectual e comportamental. O déficit
intelectual significativamente abaixo da média mantém a mensuração do quociente de inteligência
como o eixo central de definição da deficiência; o déficit no comportamento adaptativo mantém o
entendimento de comparação a um determinado grupo padrão cujo repertório comportamental seja
condizente com determinada faixa etária; o grau de afastamento destes padrões é a indicação do
grau de comprometimento. Nisso não há nada de novo.
Mendes (1995) e Jannuzzi (1996) apontam a associação entre déficit intelectual e
comportamental é um traço comum, presente de algum modo, em todas as formas de conceituar a
deficiência mental.
Contudo, o termo deficiência mental quando associado ao de necessidades educacionais
especiais, pode nos remeter a conceitos anteriores, como acontece na APAE, ao definir que o aluno
elegível para freqüentar a escola especial é aquele que apresenta comprometimento mental
moderado e severo. O que revela mais do que graus de comprometimento.
Na análise dos dados empíricos da pesquisa, verificou-se a indicação de que todas as
pessoas com deficiência mental com grau de comprometimento moderado e severo são elegíveis
para a instituição especial. Também foi possível apreender que a deficiência mental é analisada a
partir dos déficits dos alunos e é entendida como uma condição que apresenta peculiaridades que
demandam atendimento especializado de saúde, de educação, de reabilitação e de assistência
social. Os sentidos de imaturidade e de dependência da pessoa com deficiência mental como
características inerentes à condição estão presentes, de diferentes formas, nos discursos de todos os
profissionais. Soma-se a isso, as premissas do assistencialismo e da filantropia que sustentam o
entendimento de que lidar com esta condição de deficiência mental é algo que só a Instituição
Especial faz e pode fazer.
A crença na dependência da pessoa com deficiência mental está presente no entendimento
de que o deficiente não tem autonomia para lidar com situações básicas de sua vida (alimentação,
higiene pessoal), o que é coerente com alguns níveis de comprometimento. Por outro lado, ela se
expressa na compreensão de que esta condição impede a pessoa de atuar no cotidiano,
independentemente do grau de comprometimento.
Porque, o que é que acontece? Os nossos alunos não vão chegar numa chefia
e falar: o professor não está dando nada eu estou vendo revistas 4h, eu estou
só pintando... Então, felizmente ou infelizmente esse é o meu padrão. Eu tenho
que ser os olhos, os ouvidos e a reivindicação dos nossos alunos. Porque o
professor fecha a porta dele e lá ele dá o que quer. E ele pode me mostrar um
planejamento belíssimo, mas e daí? Porque realmente os nossos alunos eles
não vão reivindicar. (Coordenadora Pedagógica, grifos meus)
Esta forma de conceber a deficiência mental acentua “a sua subordinação aos outros,
esmaecendo a própria identidade, tornando-o até aquele que precisa emprestar a voz de outrem
para se fazer ouvir” (Jannuzzi, 1994, p. 22).
A crença na imaturidade e na permanência de uma condição intelectual e comportamental
infantilizada também pôde ser apreendida. Destaca-se a ênfase na utilização de parâmetros
curriculares da educação infantil como referência, inclusive, para os alunos dos níveis escolares mais
adiantados; a utilização de atividades pré-escolares baseadas mais no nível cognitivo do que a faixa
etária do aluno; a referência constante às “crianças” da escola mesmo para designar pessoas com
19, 20 anos.
A infantilização do deficiente mental não está circunscrita a esta instituição especial. Estudos
realizados por Glat (1989), Ferreira (1994), entre outros, apontam para a intensa infantilização da
pessoa com deficiência mental no âmbito institucional.
Diante do exposto é possível verificar que a deficiência mental é concebida a partir do rótulo
de deficiente, fazendo com que as possibilidades e as potencialidades do aluno sejam
desconsideradas e, acima de tudo, fazendo com que a pessoa não seja considerada para além de
sua deficiência. Daí decorre o entendimento de que a permanência na instituição especial é
imprescindível, pois este é seu locus social.
Além disso, é possível apreender que a inalteração do modo de conceber a deficiência
mental explicita a conservação velada, visto que as concepções analisadas sustentam a crença na
impossibilidade de estruturar outro trabalho que não o já instituído, ou seja, a impossibilidade de
educar esta população. Daí a ênfase na reabilitação em detrimento da educação e o entendimento
de que aquela é condição para esta.
Nesse sentido, cabe sintetizar que a aparente transformação sustentada pela construção de
uma escola na instituição especial, esconde a conservação do espaço institucional como específico
para educar a pessoa com deficiência. Tal conservação é sustentada por três mecanismos: 1)
Apropriação do discurso oficial; 2) Reinterpretação das normas; 3) Reorganização estrutural formal
e aparente da instituição especial.
Considerações finais
Destacamos que na concretude da instituição especial as políticas de educação especial
favorecem sua conservação como locus social da pessoa com deficiência mental e seu caráter
totalitário. Isso é reiterado pelo reconhecimento da instituição como escola do sistema regular de
ensino. Além disso, mereceram destaque os mecanismos utilizados pela instituição especial para,
com aparência de mudança instituída, conservar o que estava posto. Esse movimento reitera a
manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia; a indistinção entre
reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos de escolarização; a manutenção da
condição segregada da pessoa com deficiência mental na instituição especial.
Embora se perceba uma tendência conservadora nas mudanças implementadas, foi possível
apreender a existência de espaços favorecedores do acirramento das contradições necessárias às
transformações. Há um desconforto dos profissionais com o novo papel que lhes foi imposto
institucionalmente, que é acompanhado pelo sentido da necessidade de mudança e da expectativa
de sua ocorrência.
Este sentimento é captado tanto no desconforto com que falam dos seus papéis frente às
novas demandas quanto na perspectiva crítica que imprimem às suas reflexões sobre as práticas,
sejam as antigas ou as novas.
Por outro lado, o desconforto, a crítica e a perspectiva de mudança propiciam o surgimento
de conflitos que, se trabalhados no sentido inverso, poderão favorecer a transformação desejada. A
transformação será possível na medida em que os conflitos e as contradições desencadeados forem
direcionados para uma ruptura dos condicionantes históricos de ineducabilidade da pessoa com
deficiência mental e de hegemonia da instituição especial. Para isso, é necessário que as
transformações incidam sobre outros espaços sociais que não os institucionais. Ou seja, é preciso
uma política e um Estado que não favoreçam exclusivamente as instituições especiais em detrimento
da consolidação da educação desta população em outras instâncias educacionais.
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