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Deficientes prometem resistir em invasão à empresa petroleira atrás de bônus do governo

Por: Rodrigo Bertolotto

19 de setembro de 2008

Se essa moda pega!

18/09/2008 - 07h00

Deficientes prometem resistir em invasão à empresa petroleira atrás de bônus do governo

Rodrigo Bertolotto
Enviado especial do UOL Notícias
Em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)
 
Um grupo de deficientes físicos levou muito gás lacrimogêneo na cara, mesmo assim não pensou duas vezes em invadir novamente a empresa responsável pela extração do gás da Bolívia para o Brasil: a YPFB. Eles afirmam agora que só abandonam os escritórios da estatal em Santa Cruz de La Sierra quando tiverem o compromisso que receberão benefício similar ao que o governo de Evo Morales deu aos idosos de mais de 60 anos.

"Vamos resistir com todas as nossas forças. E até as últimas conseqüências", promete Juan Antonio Rodríguez, que, com 42% de sua movimentação comprometida, lidera o contingente invasor - um total de 50, segundo ele, mas a reportagem do UOL viu apenas quatro cadeirantes, três outros portadores de problemas físicos e um com atraso mental, além do reforço de familiares no pátio da empresa.

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    Brasileira Maribel Morón participa da invasão à estatal boliviana YPFB

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    Homem com atrofia no braço esquerdo arruma suas roupas

  • Rodrigo Bertolotto/UOL

    Invasor dorme ao lado de suas muletas em pátio da empresa

Eles esperam uma repressão semelhante àquela que receberam na outra tomada, quando foram retirados após 15 dias de resistência em agosto. A brasileira Maribel Morón, que está no grupo, conta essa história. "Já fomos expulsos desse mesmo prédio. A polícia veio às 4h da manhã, arrebentou o cadeado e usou de brutalidade para nos tirar. Fui arrancada da minha cadeira de roda e jogada no camburão como se fosse um saco de lixo. Me senti péssima". O pior é que só devolveram aos seus donos as cadeiras de roda dois dias depois.

No meio de tanta disputa por verba e autonomia entre os Departamentos (Estados) e o governo de La Paz, o que os deficientes querem é um benefício mensal de 200 bolivianos (R$ 50). O revelador e triste no caso é que "los discapacitados" (com são chamados em espanhol) tenham que ir às vias de fato na luta por direitos que os países vizinhos dispõem faz tempo.

Um dia antes de invadir a YPFB, eles começaram um tumulto no centro da cidade que durou quatro horas e contou com cenas que pareciam fictícias: policiais lançando gás lacrimogêneo, e pessoas em cadeira de roda respondendo com rojões contra as forças da ordem, enquanto outros de muleta entravam em empurra-empurra com guardas para entrar em outro prédio público.

"Os policiais quebraram várias muletas na confusão, mas tiveram que se esconder quando mandamos petardos neles", lembra Rodríguez. "Agüentamos com valentia. Eles nos gaseificaram tanto que acho que agora não faz mais efeito na gente. E só conseguimos que eles se retirassem quando o povo se solidarizou com a gente", completa.

Há quem diga que eles foram massa de manobra na mão do governador local, Rubén Costas, em sua queda-de-braço com Morales. Eles mesmos se sentem assim. "Agora percebo que fomos usados. Mas não recebemos nada de dinheiro pelos protestos que fizemos, como afirmam os partidários de Evo. Ao contrário de outros que ganharam 100 bolivianos (R$ 25) do governador para aprontar confusão, nós estamos no prejuízo. Já gastei 1.000 bolivianos com tantos dias de protesto", se defende.

Na Bolívia, apenas os cegos recebem auxílio, isso há mais de 20 anos. Há um ano, Morales aprovou uma ajuda aos cadeirantes, deixando de fora todos os outros deficientes físicos e mentais. Mesmo assim, a lei não entrou em vigor, e ninguém viu a cor do dinheiro - muitos acreditam que isso se deve a visão de que seus líderes estariam ajudando o clima de distúrbio dentro do país.

"Eu conto para eles como é tratado o deficiente no Brasil, e eles não acreditam. Sem assistência e com pouco acesso ao mercado de trabalho, o deficiente é sinônimo de mendigo aqui", dispara Maribel, que se diz "brigadora" e quer "lutar pela causa". Por isso, não volta ao Brasil para receber o auxílio lá.

Nascida em Vilhena (Rondônia), filha única de pai boliviano e mãe brasileira, ela ficou paralítica aos dois anos após uma febre e um erro médico. "Mal aprendi a andar e perdi os movimentos. Não tenho memória da época em que ficava em pé", se lamenta.

A história de Rodríguez não é menos tocante. Aos 14 anos, participava de uma prova de motocross em Cochabamba, quando tombou e a moto caiu sobre sua perna esquerda, comprometendo ainda bacia e coluna. Comerciante, ele mantém mulher e filhas. E segue na vida de esportistas, jogando na seleção de Santa Cruz de basquete em cadeira de roda.

Há uma semana, eles dormem em colchonetes postados nas marquises do edifício. Usam apenas o banheiro e a ducha do local, sem entrar nos escritórios da petroleira, o que ficou acordado na tomada da última quinta-feira. Foi o dia de maior convulsão em Santa Cruz de La Sierra, com os líderes regionais incentivando a invasões de repartições ligadas ao governo de La Paz.

Rodríguez descreve a tomada. "Eram 15h, plena tarde, todo mundo trabalhando lá dentro, quando eu cheguei com mais cinco familiares em um jipe. Ameaçamos bater com o veículo no portão para invadir. Saiu um diretor da empresa, falou que todos sairiam pacificamente e só exigiu que os seguranças particulares cuidassem do portão de entrada. Estacionamos o carro dentro, invadimos e estamos há uma semana aqui".

A YPFB (sigla para Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolivia) existe desde 1936 explorando, refinando e exportando petróleo e derivados. Em 1997 foi parcialmente privatizada, mas em 2006 foi novamente estatizada por Evo Morales. Virou símbolo da administração do presidente esquerdista, como a também nacionalizada Entel, que domina a telefonia no país. Não por nada as duas foram tomadas na semana passada no ápice da crise política.

A YPFB é sócia da brasileira Petrobras na exploração de gás no país. E um dos prédios da petroleira brasileira é vizinho ao edifício invadido. E é o dinheiro que rende os combustíveis que todos estão de olho na Bolívia, com os deficientes também querendo seu quinhão. "A Bolívia era um país pobre. Agora há recursos para fazer assistência a seu povo", opina Rodríguez.

Os opositores a Morales afirmaram que a YPFB estaria entre os primeiros locais invadidos a serem devolvidos, junto com o prédio da Aduana. Mas os liderados de Rodríguez não estão decididos a sair. "Exigimos que saia nosso benefício, do presidente ou do governador. Caso contrário, vamos invadir repartições regionais para pressionar também", ameaça. Os deficientes físicos da Bolívia querem tudo, menos posar de coitados.
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