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Entrevista agora

Por: Hermano Falcone

1 de junho de 2009

SaudeAqui.com: O que são os transtornos mentais? Quais são as possíveis causas na infância?

 

Hermano Falcone: Primeiro você tem que dar uma definição que abarque fatores biológicos e ambientais. A interação desses fatores é justamente o que vai fazer com que se precipite o que a gente denomina transtorno mental. Ele seria exatamente quando, dentro de uma curva de vida, você apresenta um problema que começa a complicar sua vida no trabalho, na escola, nos relacionamentos afetivos, ou seja, alguns sintomas são produzidos de maneiras mais acentuadas e nesses locais você não consegue funcionar de maneira adequada. O transtorno mental na infância, especificamente, segue o mesmo padrão. Na infância se pode perceber uma co-relação entre a genética e o ambiente que é muito forte, ou seja, a criança está em um processo de amadurecimento, de maturação, então os fatores ambientais ou, por exemplo, pai, mãe, tio, avô e também a escola, são de importância fundamental.

 

SaudeAqui.com: Em que idade é mais freqüente o aparecimento de transtornos mentais na infância?

 

Hermano Falcone: Dependendo do transtorno, você vai ter um perfil diferente na infância. O transtorno de humor bipolar, que há 6 anos atrás basicamente não existiam pesquisas sobre, já se constata o aparecimento em crianças de 4 anos de idade. Não é comum. Em média acontecem entre 8 e 10 anos, e mais em meninos. Na adolescência acontece o inverso, os transtornos passam a acontecer mais em meninas. O TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, é mais comum em meninos e pode surgir a partir dos 3 anos de idade. O diagnóstico fica mais fácil a partir da idade escolar, mas pode ser bem precoce. Então, deve-se ficar claro, que existe uma gama de transtornos e o aparecimento deles pode ser bem precoce, em idade pré-escolar.

 

SaudeAqui.com: Com exceção do TDAH e do Transtorno Bipolar, quais são os outros transtornos mais comuns em crianças?

 

Hermano Falcone: O TOC, Transtorno Obsessivo Compulsivo; a depressão, que pode estar relacionada ao Transtorno Bipolar ou não; o Transtorno de Tique, que é muito comum e muito mal diagnosticado. Geralmente este último gera preconceito, discriminação, porque a criança apresenta alguns movimentos involuntários do pescoço, da língua, dos olhos. Também temos uma série de transtornos ligados ao abuso e a violência contra a infância e a adolescência. Crianças abusadas são o que eu mais vejo hoje, inclusive em consultórios, trazendo a precipitação do transtorno, como a depressão, a ansiedade, que também é muito comum na infância. E em menor escala existem transtornos como o autismo.

 

SaudeAqui.com: Bebês também podem ser diagnosticados com esse tipo de problema?

 

Hermano Falcone: Com certeza. Em grandes centros já se faz a detecção precoce. O pediatra tem importância fundamental nesse tipo de diagnóstico. Se deve treinar cada vez mais pediatras no setor de puericultura para detectar precocemente alguns transtornos. Principalmente o autismo, que pode ser detectado já na idade de 4 ou 5 meses.

 

SaudeAqui.com: O que os pais podem observar de diferente no comportamento da criança para identificar mais rapidamente um possível problema psiquiátrico?

 

Hermano Falcone: São algumas coisinhas fundamentais. Primeiro, a interação dentro de casa com pais, irmãos, avós. Como está essa interação? Há muita agressividade, muitas brigas, muita rivalidade? Segundo: como ela está na escola? De repente a criança estava muito bem e o desempenho cai. Ou a criança não tem nenhuma adaptação escolar, nunca teve um desempenho bom. E terceiro: a criança chora muito, não gosta de brincar. A relação com os jogos e brincadeiras é fundamental. No caso da criança que não brinca, deve-se sempre suspeitar de que existe alguma coisa errada. Então, são esses três parâmetros.

 

SaudeAqui.com: Como um transtorno mental pode interferir na vida social da criança?

 

Hermano Falcone: Um atraso escolar, que vai trazer conseqüências complicadas para a criança. Hoje existem muitos estudos sobre bulling. Uma criança com tique, como eu falei, ou com algum tipo de atraso escolar, pode ser vítima de bulling. Ou se ela tiver qualquer outro transtorno mental, pode ser vítima de qualquer tipo de violência adicional no próprio colégio. São crianças que passam a ser visadas, porque o preconceito é muito grande, então só faz piorar a situação.

 

SaudeAqui.com: A depressão pode ser diagnosticada a partir de que idade?

 

Hermano Falcone: Nós temos a depressão anaclítica de Spitz, que pode ser diagnosticada num recém-nascido, que é a privação materna. Muitas mães largam seus filhos ao nascer. Existem casos de crianças de 2 anos com quadros depressivos na prática clinica. Não existe uma idade padrão, mas a princípio você pode diagnosticar inclusive no bebê.

 

SaudeAqui.com: Como diferenciar a depressão de uma tristeza ou angústia, no caso de crianças?

 

Hermano Falcone: A tristeza faz parte do desenvolvimento normal de qualquer pessoa. Por exemplo, se a criança perde um amigo que gosta, perde um familiar, ela passa por uma fase de tristeza. Perde um brinquedo que ela gosta, tira uma nota baixa, tudo isso faz parte do processo evolutivo, mas a depressão não. Ela leva a criança a ter prejuízos mais sérios. A tristeza tem tempo para começar e tempo para acabar. A depressão não, ela foca a curva de desenvolvimento e traz prejuízos funcionais na escola e em outros locais.

 

SaudeAqui.com: Como é feito o tratamento nesses casos? Ele inclui necessariamente o consumo regular de medicamentos?

 

Hermano Falcone: Depende da situação. O primeiro aspecto mais importante é a terapia envolvendo a família. A medicação entra onde existem sintomas bem prejudiciais, ou seja, ela é um auxiliar, deve ser em tese momentânea, para momentos em que você não consegue lidar com situações extremas.

 

SaudeAqui.com: É importante que outros profissionais da saúde acompanhem a criança no tratamento? Quais e como?

 

Hermano Falcone: Não só profissionais de saúde, mas também os profissionais da escola. A grande mensagem é que o colégio tenha sensibilidade. Às vezes quando uma criança é rebelde, chama muito a atenção no colégio, tem um comportamento excêntrico, na verdade está pedindo ajuda. E o colégio às vezes usa metodologias que só fazem complicar a situação. Os profissionais da saúde que devem acompanhar, são todos os que estão envolvidos na questão da infância: psicologia, pediatria, fonoaudiologia, serviço social, enfermagem, fisioterapia. Toda classe médica, de uma maneira geral, deve ter um cuidado especial com a criança.

 

SaudeAqui.com: Todos esses transtornos tem cura?

 

Hermano Falcone: Se houver envolvimento da família e da escola, tem cura com certeza. Se não houver, fica mais difícil.

 

SaudeAqui.com: Caso a criança não seja tratada precocemente, quais podem ser as consequências ainda nessa fase? E na fase adulta?

 

Hermano Falcone: As conseqüências podem ser desastrosas. Exemplificando, se uma criança com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade não trabalha o problema, pode ser um futuro usuário de drogas. Relatos existem aos milhares. O que está preocupando mais a psiquiatria da infância são crianças com 9, 10 anos já usando crack. Não só pela situação em que vivem e seu contato com o crime organizado, mas crianças de classe média e classe média alta.

 

SaudeAqui.com: Como a relação da crianças com os pais pode desencadear um transtorno mental?

 

Hermano Falcone: Esse modelo de família, que está em transformação - pai, mãe, um modelo tradicional - basicamente acabou. Ou seja, eu posso adiantar que daqui a 3 gerações, ele não vai mais existir. Temos que criar alternativas. O que se observa hoje na prática, no casamento? Geralmente a figura do pai está sendo muito importante em omissão e negligência. As mães quando se separam, arcam com o ônus. Você vê pais que usam desde o famoso golpe de alegar não ter emprego, para não dar nenhuma ajuda. Isso é o que mais se vê, o pai cafajeste. Infelizmente, poucos desses pais são punidos. Boa parte tem transtorno de conduta, são anti-sociais e além de não dar nenhuma ajuda financeira, abandonam os filhos, não dão apoio emocional, nem psicológico e isso está elevando a precipitação dos transtornos mentais na infância. E pior ainda: casam, vão para um segundo vínculo e a madrasta passa a rejeitar, ou seja, nós temos milhões de Nardonis e Jatobás. Aquele caso é um paradigma. Os dois foram presos, mas nós temos milhões de casos desse tipo e é muito perigoso. Quando aparece na televisão, chama a atenção, mas isso é o que mais acontece, esse modelo de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, que rejeitam a criança e chegam até a planejar a morte da criança. Alguns matam fisicamente e outros matam psicologicamente, que é o que mais tem sido observado.

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