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Formada em relações públicas, Veridiana Mellilo, 32 anos, de Paulínia (SP), conta que começou a realizar projetos ainda criança. Entre eles, a formação de uma banda com a irmã, chegando a se apresentar profissionalmente. Mas foi também na infância que diz ter sentido que havia "algo de diferente" nela. Anos depois, aos 31, descobriu o que era esse "algo": autismo.
Diagnosticada em 2021, Veridiana já era empresária e empreendedora quando soube que estava dentro do espectro autista. Apesar do baque em um primeiro momento, sentiu alívio.
"Entendi que não havia nada de errado comigo e que eu poderia ter uma vida funcional, feliz e plena. Saber disso não é um problema, e sim uma característica que transforma a vida. Aprendi a respeitar meus limites. Quando a pessoa ainda não está diagnosticada, tende a esconder e se limitar, tentando se encaixar no padrão dos outros, o que é muito desgastante e uma autoanulação", afirma.
Depois de se formar, em pouco tempo foi convidada para ser sócia em uma agência de marketing voltada para pequenas e médias empresas do interior de São Paulo. Sua função era criar planejamentos estratégicos. A fama por ser uma profissional talentosa se espalhou pela cidade, e Veridiana foi convidada para mentorar um grupo de mulheres empreendedoras.
O sucesso foi tamanho que ela chegou, inclusive, a ter um programa na Rádio Brasil Campinas, também no interior do estado. Em uma das entrevistas, entre 2019 e 2020, com uma mãe de uma menina autista, ouviu da mulher que tinha traços de autismo e deveria buscar saber mais sobre sua condição. Dez anos antes, havia escutado comentário similar de uma profissional especializada em autismo com quem trabalhava na época.
"A entrevistada do programa da rádio mencionou que suspeitava que eu me encaixava no espectro, mas não fui atrás de informações porque, naquele momento, mesmo imaginando que poderia ser verdade, achava que não faria diferença na minha vida", diz Veridiana. A procura pelo diagnóstico veio somente no ano passado. Enquanto dirigia, a empresária conta ter passado por uma crise de "desregulação sensorial".
"Estava em uma reunião e me senti muito mal. Entrei no carro e percebi que não tinha qualquer condição de dirigir. Crise sensorial é um mal-estar temporário no qual os sentidos ficam desregulados: a sensibilidade à luz se agrava, tudo parece mais devagar, a audição fica distante, como se estivesse dentro da água, tudo parece longe. É como estar submerso."
Foi então que procurou ajuda e recebeu o diagnóstico. Até então, convivia com sentimentos negativos e com a sensação de inadequação. "Sentia vergonha, exclusão e incapacidade. Era constrangedor me comunicar, por sempre errar a mão — falar muito alto, não rir no momento 'certo' de uma piada ou algo que para outras pessoas parecesse engraçado. Me sentia um ET, como se eu não fizesse parte desse mundo."
Veridiana conta que dentro de casa não havia desconfiança de que ela estivesse no espectro autista. "Minha mãe sempre relatou que quando criança eu andava na ponta dos pés e eu também não engatinhei, simplesmente levantei e saí andando, características muito presentes em pessoas dentro do TEA (Transtorno do Espectro Autista)", relembra.
Desde 2017, Veridiana está à frente do CEJ (Centro de Equoterapia de Jaguariúna), maior polo de reabilitação com cavalos da América Latina, que por coincidência também atende pacientes autistas. O empreendimento é familiar e, apesar de sua resistência inicial de misturar família e negócios, topou administrar o local. Dois anos depois, foi criado também o CAJ (Centro de Referência do Autismo de Jaguariúna), atendendo 134 famílias.
A responsabilidade pela gestão das empresas é toda de Veridiana, que tomou as rédeas dos negócios mesmo antes do próprio diagnóstico. Agora, ela quer levantar a bandeira de que pessoas autistas também podem ser excelentes líderes.
"Possuímos uma vontade enorme de nos aprofundarmos em assuntos que nos causam interesse, e isso pode ser uma grande ferramenta a favor. Também desmistifica a ideia de que deficiência significa, de alguma maneira, ser inferior. Claro que existem níveis de autismo, mas caso sejam dados os devidos estímulos no mercado e sejam fornecidas terapias, as pessoas podem ter a oportunidade de agregar muito valor à sociedade", afirma.
Veridiana conta que sente o preconceito por ser uma mulher no mundo dos negócios, também por ser LGBT e autista. "Aprendi a me posicionar em relação a essa situação, mas é um desafio diário. Sobre o autismo, ainda é uma revelação, mas acredito que vá acontecer, assim como aconteceu quando me assumi homossexual", diz ela, com orgulho de quem é.
"Hoje me sinto muito mais segura e tranquila, compreendendo que essas revelações trazem imensos ganhos, pois podemos inspirar e encorajar outras pessoas, então vale muito a pena."