Artigos Científicos

Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil

Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil

2 de agosto de 2007

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

República Federativa do Brasil

 

Imprensa Nacional

 

 

Edição Número 149 de 04/08/2004

 

Ministério da Saúde Gabinete do Ministro

PORTARIA N° 1.608, DE 3 DE AGOSTO DE 2004

 

Constitui Fórum Nacional sobre Saúde Mental de Crianças e Adolescentes.

 

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e

 

Considerando as determinações da Lei nº 10.216/01 e da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que apontam a necessidade de estender mais eficazmente as iniciativas da reforma psiquiátrica à população infanto-juvenil;

 

Considerando a elevada prevalência dos transtornos psicossociais entre crianças e adolescentes  e a necessidade de ampliação da cobertura assistencial destinada a esse segmento, bem como da realização de um diagnóstico aprofundado das condições de atendimento atualmente oferecidas;

 

Considerando a existência de importantes setores da sociedade civil e entidades filantrópicas que prestam relevante atendimento nessa área;

 

Considerando as interfaces que uma política de atenção em saúde mental a crianças e adolescentes apresentam necessariamente com outras políticas públicas, como ação social, direitos humanos, justiça, educação, cultura e outras;

 

Considerando a experiência bem sucedida da implantação de fóruns intersetoriais de saúde mental de crianças e adolescentes em Estados e municípios brasileiros, bem como as recomendações da Organização Mundial de Saúde no sentido de uma política marcadamente intersetorial;

 

Considerando as recomendações, da Organização Mundial de Saúde e da Federação Mundial para Saúde Mental, de atenção especial dos governos para a saúde mental da infância e da juventude;

 

Considerando a grave situação de vulnerabilidade deste segmento em alguns contextos específicos, exigindo iniciativas eficazes de inclusão social; e

 

Considerando as recomendações oriundas do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental de Crianças e Adolescentes, criado pela Portaria nº 1946/GM, de 10 de outubro de 2003, resolve:

 

Art. 1º Constituir Fórum Nacional sobre Saúde Mental da Infância e Juventude, com as seguintes atribuições:

 

I – funcionar como espaço de articulação intersetorial e discussão permanente sobre as políticas para esta área;

 

II – estabelecer diretrizes políticas nacionais para o ordenamento do conjunto de práticas que envolvam o campo da atenção à saúde mental infanto-juvenil;

 

III – promover a integração, a articulação e a interlocução entre as diversas instituições que atuam no campo da atenção à saúde mental dessa população; e

 

IV – produzir conhecimento e informações que subsidiem as instituições responsáveis pelas políticas públicas nessa área, nos diversos âmbitos de gestão.

 

Art. 2º O Fórum Nacional sobre Saúde Mental da Infância e Juventude será composto por representantes das seguintes instâncias:

 

I – Área Técnica de Saúde Mental – DAPE/SAS, que o coordenará;

 

II – Área Técnica de Saúde Mental – Política de Álcool e Outras Drogas – DAPE/SAS;

 

III – Área Técnica de Saúde da Criança – DAPE/SAS;

 

IV – Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem – DAPE/SAS;

 

V – Área Técnica de Saúde da Pessoa com Deficiência – DAPE/SAS;

 

VI – Departamento de Ações Programáticas Estratégicas SAS;

 

VII – Departamento de Atenção Básica – SAS;

 

VIII – Programa Nacional de DST/AIDS/SVS;

 

IX – Representantes dos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil, sendo um representante por região brasileira;

 

X – Fórum Nacional de Coordenadores de Saúde Mental;

 

XI – Representantes de Coordenadores de Saúde Mental, sendo um representante por região brasileira;

 

XII – Conselho Nacional de Saúde;

 

XIII – Ministério da Justiça;

 

XIV – Ministério da Educação;

 

XV – Ministério da Cultura;

 

XVI – Ministério dos Esportes;

 

XVII – Conselho Nacional de Procuradores – Promotoria de Defesa à Saúde, do Ministério Publico;

 

XVIII – Associação dos Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude;

 

XIX – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;

 

XX – Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH/PR;

 

XXI – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA/SEDH/PR;

 

XXII – Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE/SEDH/PR;

 

XXIII – Federação Brasileira de Entidades para Excepcionais – FEBIEX;

 

XXIV – Federação Nacional das APAES;

 

XXV – Federação Nacional das Instituições Pestallozzi;

 

XXVI – Associação Brasileira de Autismo;

 

XXVII – Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal;

 

XXVIII – Comissão de Seguridade Social e Saúde da Câmara dos Deputados;

 

XXIX – associação Juízes para a Democracia – AJD;

 

XXX – Fórum Nacional de Conselheiros Tutelares;

 

XXXI – Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria da Infância e Adolescência – ABENEPI; e

 

XXXII – dois representantes de Movimentos Nacionais de Crianças e Jovens, a serem definidos na primeira reunião deste Fórum.

 

Parágrafo único. As representações terão assento permanente no fórum, o qual poderá convocar a participação de outros segmentos representativos e de convidados.

 

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

 

HUMBERTO COSTA


“Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil”

 

Recomendação 01/2005

 

DIRETRIZES PARA PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM TERRITÓRIO NACIONAL

 

O “Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil”, constituído pela Portaria GM 1608, de 03.08.2004, reunido em 17 de dezembro do ano de 2004 para debater e deliberar sobre a questão da institucionalização de crianças e adolescentes, particularmente daquelas portadoras de transtornos psíquicos, considerando:

 

  • As determinações da lei 10.216/01, da Lei nº 10.708/03 e as deliberações da III Conferência Nacional de Saúde Mental que apontam a necessidade de estender as iniciativas da reforma psiquiátrica à população infanto-juvenil;
  • As determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente;
  • A condição de pólo propulsor das políticas públicas na área da saúde mental infanto-juvenil que este Fórum, por sua ampla representatividade, toma a si;
  • A existência no país de aproximadamente 19.400 crianças e adolescentes institucionalizados em abrigos, incluindo os abrigos para portadores de deficiência, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2004);
  • A existência de 11.000 adolescentes cumprindo medida sócio-educativa em regime de internação;
  • A existência de crianças e adolescentes internados em instituições psiquiátricas voltadas para a população adulta, em sua maioria por determinação judicial;
  • A responsabilidade dos programas de saúde mental (municipais, estaduais e federal), em particular dos Capsi, em desenvolver ações de desinstitucionalização consonantes com os princípios da reforma psiquiátrica brasileira.

 

Recomenda:

 

  • A implementação imediata de ações que visem a reversão da tendência institucionalizante de crianças e adolescentes, sejam, no campo da saúde mental, da assistência social, da educação e da justiça. Através de:
  1. Criação de serviços de base territorial (Capsi, ambulatórios ampliados, residências terapêuticas, moradias assistidas, casas-lares e demais equipamentos compatíveis com a lógica territorial);
  2. Reestruturação de toda rede de atendimento existente no sentido de afina-las às atuais diretrizes da política pública de saúde mental;
  3. Fortalecimento das redes de apoio comunitárias e familiares;
  4. Articulação co-responsável entre os diferentes setores públicos que compõem a rede assistencial;

 

  • A promoção de um diálogo permanente e conseqüente com os Operadores do Direito, no sentido de que sua ação se coadune com os princípios que norteiam as ações do cuidado em saúde mental;
  • A consideração das diferenças étnico-raciais tanto na análise dos fatores de institucionalização quanto no processo de reversão deste quadro nele incluindo a questão da acessibilidade à rede de atenção;
  • A realização de estudos e pesquisas de caráter científico concernindo as razões determinantes e os efeitos da institucionalização de crianças e adolescentes;
  • A construção de dados qualificados relacionados às condições clínicas e psicossociais da população institucionalizada, através de censos populacionais e mapeamento das instituições governamentais, não governamentais e filantrópicas (federais, estaduais e/ou municipais) para subsidiar e instrumentalizar a política de desinstitucionalização;
  • A tomada de responsabilidade com ações imediatas por parte dos gestores municipais, estaduais e federal, no sentido de garantir, em cada localidade do território nacional, a implementação do conjunto das recomendações que compõe este documento.

 

 

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2005. 


MINISTÉRIO DA SAÚDE

SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE

DEPARTAMENTO DE AÇÕES PROGRAMÁTICAS ESTRATÉGICAS

ÁREA TÉCNICA DE SAÚDE MENTAL 

 

CARTA DE SALVADOR

 

RECOMENDAÇÃO Nº 03 DO FÓRUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL

 

O Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, instituído pela Portaria GM 1608/2004, do Ministério da Saúde, reunido nos dias 19 e 20 de junho de 2006 na cidade de Salvador, Bahia, por ocasião de sua quinta reunião ordinária, formulou as seguintes considerações:

 

1.      Em continuidade às discussões da IV Reunião Ordinária do Fórum, realizada em Curitiba, em maio de 2005, foi retomado o diálogo com os operadores do Campo de Direito. Nesta ocasião foi apresentada uma pesquisa científico-acadêmica[1]  que teve como objeto a investigação do nível de incidência de transtornos mentais, de acordo com o CID-10[2], em jovens que estão cumprindo medida de internação em instituições sócio-educativas. A partir dessa experiência, o Fórum ressalta a importância de pesquisas científicas que contribuam para suas discussões e resoluções, bem como enfatiza a permanente avaliação crítica, em nível ético e metodológico, no desenvolvimento de estudos. Neste sentido o Fórum alerta para o risco da patologização do fenômeno da infração e do envolvimento de jovens em situações de violência, o que poderia, sob a égide da aparente “neutralidade” dos dados científicos, desconsiderar o processo histórico de exclusão social da população pobre em nosso país.

 

2.      Constatou-se ainda a necessidade de criar formas de maior engajamento dos gestores estaduais e municipais de diferentes áreas nas questões relativas a saúde mental de crianças e adolescentes. Esta ação é decisiva para a consolidação da nova rede de cuidado dirigida a este segmento da população brasileira, ainda bastante desassistido. Afirmou-se também a necessidade de que este Fórum amplie sua sustentação junto às demais instâncias do SUS, operando de forma tripartite para realização de cada uma de suas reuniões ordinárias.

 

3.      Verificou-se a importância da efetiva articulação do Fórum com movimentos comunitários, tais como CUFA (Central Única das Favelas) e o Observatório de Favelas. Experiências como essas vêm criando modos inventivos e inéditos de inclusão social a partir de suas próprias práticas (culturais, econômicas, sociais...), e não simplesmente resultantes da intervenção externa. Esse protagonismo local propicia a emancipação de uma condição tutelada e assistida, que leva a reprodução da exclusão.

 

4.      discutiu-se ainda, a importância do acompanhamento sistemático do processo de implantação e desenvolvimento dos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSIs) no território nacional.

 

A partir das considerações acima, o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil recomenda:

-         Desenvolver pesquisas científicas na área da saúde mental infanto-juvenil, com permanente avaliação  crítica em termos éticos e metodológicos, evitando a patologização de problemas sociais complexos.

-         Garantir maior engajamento e compromisso dos gestores estaduais e municipais de diversos setores (saúde, assistência, educação, cultura...) no desenvolvimento da política de saúde mental infanto-juvenil.

-         Realizar um projeto piloto na cidade do Rio de Janeiro, em parceria com organizações da sociedade civil, tais como a CUFA e o Observatório de Favelas, com o objetivo de desenvolver ações de saúde mental junto à comunidade, partindo de suas próprias praticas.

-         Criar um grupo de trabalho intersetorial para acompanhamento sistemático do processo de implantação e qualificação dos CAPSIs no território nacional, tendo como uma de suas atividades a elaboração de um instrumento de avaliação permanente desses serviços (conforme Anexo).

 

 

Salvador, 20 de junho de 2006.


 

MINISTÉRIO DA SAÚDE

SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE

DEPARTAMENTO DE AÇÕES PROGRAMÁTICAS ESTRATÉGICAS

ÁREA TÉCNICA DE SAÚDE MENTAL

 

ANEXO

 

FÓRUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL

 

 

O Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, constituído pela Portaria GM nº 1608, reunido nos dias 19 e 20/06/2006 em Salvador-BA, por ocasião da sua V Reunião Ordinária, no exercício do debate amplo e intersetorial da rede assistencial pública em saúde mental para crianças e adolescentes.

 

Considerando:

 

1.      As recomendações do I Congresso Brasileiro de CAPS, realizado em São Paulo em junho de 2004.

  1. A significativa expansão da rede CAPSi em todo território nacional.
  2. As diretrizes da atual política pública de saúde mental que definem o CAPSi como um serviço estratégico de cuidado e tratamento para crianças e adolescentes gravemente comprometidos psiquicamente, assim como estabelecem sua função ordenadora da demanda de seu território de abrangência.
  3. A diversidade das práticas exercidas e da clientela atendida em cada uma das unidades CAPSi em funcionamento.
  4. A constante solicitação das equipes desses serviços para que seja ampliada a institucionalidade de suas ações.

 

Recomenda:

A criação de Grupo Técnico de Acompanhamento dos CAPSi, sob a coordenação da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde, com os seguintes objetivos:

 

  1. Garantir uma linha de ação destas unidades de acordo com a Portaria 336/02.
  2. Subsidiar tecnicamente a implantação de novos serviços e a consolidação e reorientação dos já credenciados.
  3. Incrementar a articulação dos CAPSi com toda rede assistencial, considerando seu fundamento intersetorial e lógica de rede ampliada.
  4. Garantir atividades regulares de supervisão clínico-institucional.
  5. Estimular uma participação mais ativa dos CAPSi na construção das políticas públicas para saúde mental.
  6. Manter um processo permanente de avaliação dos CAPSi em escala nacional.

 

Este Grupo de Técnico terá sua composição estabelecida pela Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

 

Salvador, 20/06/2006.  


CARTA DE CURITIBA

(Recomendação 002/05)

 

 

                        O Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, instituído pela Portaria GM 1608, de 03/08/2004, reunido no dia 24 de maio de 2005, na cidade de Curitiba/Paraná, com a presença de 66 (sessenta e seis) representações de instituições governamentais e não-governamentais e sob a coordenação da área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde, teve como tema central “A Articulação dos Campos da Saúde e do Direito nas Políticas e nas Práticas de Atenção à Infância e à Adolescência”, e, em especial, a atenção em saúde mental.

 

                        Este tema se revela crucial por convocar o entendimento e a convergência de ações entre dois campos heterogêneos em suas respectivas constelações conceituais, históricas, éticas e metodológicas, mas que para além das importantes e recíprocas contribuições tem em comum o compromisso público de assegurar a infância e à juventude seus direitos fundamentais, rompendo, assim, não só histórica, mas, também, culturalmente, com os desmandos políticos a que esses segmentos da população brasileira se vêem entregues  no nosso País, particularmente, no que diz respeito à saúde, educação, vida familiar, recursos materiais, direitos e deveres cidadãos, de modo a garantir-lhes as condições exigíveis a toda e qualquer forma de dignidade da pessoa humana, consoante com o art. 1º, ine. III, da Constituição da República de 1988.

 

                        Ainda mais relevante e crucial se torna este tema quando podemos constatar a existência, no Brasil, de aproximadamente 13.000 (treze mil) adolescentes vivendo em situação de privação de liberdade, em instituições distribuídas por 98 (noventa e oito) municípios da federação (Conanda, 2004): a existência de mais de 20.000 (vinte mil) crianças e adolescentes institucionalizados em abrigos distribuídos por quase todas as regiões brasileiras, cuja situação de abrigamento é determinada, na extensa maioria dos casos, pelas instâncias judiciais (IPEA, 2005): o fracasso histórico das ações de confinamento de adolescentes e a necessidade da criação de mecanismos mais eficazes para uma interlocução conseqüente entre o campo da saúde mental e o do Direito que, levando em consideração a diferença destes dois campos discursivos e do cumprimento de suas funções sociais, permita avançar numa direcionalidade intermediada pelos valores humanos.

                        O campo da Saúde, e, em particular, o da Saúde Mental, a partir de um recente processo histórico de transformação da assistência aos portadores de grave sofrimento psíquico no Brasil – processo que é conhecido por Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira – vem transformando significativamente o modelo de assistência até então vigente, de caráter manicomial, e vem estabelecendo políticas públicas importantes para a área da infância e da adolescência. Alguns dos principais dispositivos que atendem à reordenação do modelo anteriormente existente são os atuais Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se caracterizam como serviços de atendimento em saúde mental, com base territorial e comunitária, e que visam a substituir a lógica de atendimento hospitalocêntrico, permitindo aos seus usuários os cuidados necessários sem afasta-los da vida cotidiana, o que inclui a família, o trabalho, os demais círculos sociais, o lazer e o exercício de seus direitos civis. Foram criados CAPS específicos para o atendimento diário de crianças e adolescentes, os chamados CAPSi, destinados ao atendimento diário de crianças e adolescentes com transtornos mentais. Os CAPSi são fundamentais na atenção à saúde dessa população especifica, sem afasta-la de seu ambiente doméstico e familiar,  o que aponta para a possibilidade de maior sucesso nos tratamentos instituídos.

 

                        Também o Fórum, que elabora o presente documento, é um dos produtos da política resultante desse movimento e fortemente comprometido em discutir e deliberar sobre questões relativas à saúde mental de crianças e adolescentes, em especial, daqueles que se encontram institucionalizados.

 

                        No campo legal, a partir do advento da Constituição da República de 1988 e, assim, posteriormente, com a instrumentalização operacional da Doutrina da Proteção Integral, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal sob nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a infância e a juventude constituem-se em PRIORIDADE ABSOLUTA, isto é, os seus direitos e garantias individuais passam a ter caráter fundamental e constitucionalmente assegurados, transformando-os, assim, em sujeitos de direitos, enfim, cidadãos.

 

                        O Fórum discutiu o quadro histórico da desassistência e da ausência de políticas eficazes de atenção às crianças e adolescentes no Brasil. Foi possível então verificar que o quadro atual de abandono da infância e da adolescência é o resultado inexorável de um longo, articulado e eficiente processo de privação global (isto é, de tudo o que é importante para a vida humana) pelo qual passamos em nossa história. Desde o início do século XX até os dias atuais, pode-se perceber que a questão da infância e da juventude sempre esteve ligada mais ao controle social do que aos direitos desta população, sendo a mudança de mentalidade punitiva e tutelar para promotora de direitos e garantias o principal desafio para o fortalecimento do Direito da Criança e do Adolescente. Isto é, a consagração teórico-pragmática de todas as figuras legislativas que sistematicamente compõem esta área de conhecimento.

 

                        Assinalou-se também a insuficiência estrutural e infalível de toda e qualquer iniciativa de saber teórico que pretenda explicar, em caráter último e exaustivo, este quadro, e portanto também a insuficiência de qualquer proposta de ação que se pretenda integralmente resolutiva.

 

                        Destacou-se, no plano jurídico, a advertência do quão enganoso e perigoso é o ideário de que o adolescente é responsável pelo aumento da violência urbana. Considerou-se, também, que a proposta de redução da idade de maioridade penal de adolescentes é inócua quanto à promoção da socialização – haja vista que as promessas de socialização por meios repressivos e punitivos já não se constituem mais objetivos a serem alcançados – como, também, constituem ameaças à efetivação dos direitos humanos.

                        É importante diferenciar imputabilidade penal e irresponsabilidade subjetiva. O adolescente como todo sujeito, é responsável por seus atos, quer sejam infracionais ou não. Sempre que houver prática de ato infracional por adolescente, será imprescindível o estabelecimento de procedimento especial para apuração da ação conflitante com a lei, de acordo com sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e subjetivamente responsável, única condição de possibilidade para o estabelecimento de uma medida legal – protetiva ou sócio-educativa – adequada para a sua plena formação. O certo é que não se apliquem jamais quaisquer das sanções criminais previstas no Código Penal brasileiro ou mesmo noutras figuras legislativas especificas, mas, tão somente as medidas legais previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, vale dizer, medidas protetivas e ou sócio-educativas, as quais são suficientemente próprias para a resolução e enfrentamento dos casos legais que são apresentados.

 

                        Considerando as questões apresentadas, o Fórum Nacional de Saúde Mental Infato-Juvenil recomenda:

·        A realização de um projeto-piloto que possa subsidiar a construção de redes de atenção em saúde mental para adolescentes e jovens em situação de privação de liberdade. O projeto-piloto deve identificar o fluxo de assistência e proteção a esse público e, a partir daí, propor saídas para os desafios existentes na área.

·        A elaboração de um documento analítico sobre os Conselhos Tutelares que possibilite visualizar um diagnóstico do atendimento e do encaminhamento dado por eles a crianças, adolescentes e seus familiares, que sofram de transtornos mentais ou transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Além disso, a análise deve levantar os documentos/diretrizes dirigidas aos Conselhos Tutelares que possam subsidiar o Fórum. O documento final deste estudo fornecerá elementos para a elaboração de recomendações aos Conselhos Tutelares, após aprovação pelo CONANDA.

·        O estabelecimento do compromisso público assumido por este Fórum em se posicionar contrário a todo e qualquer projeto de lei ou proposta de emenda constitucional que pretenda reduzir ou mesmo suprimir a idade de maioridade penal, confirmando, assim, o caráter fundamental o direito individual assegurado no art. 228, da Constituição da República de 1988.

·        O repúdio público a todo e qualquer projeto de lei que pretenda atribuir ou imputar responsabilidade penal a crianças e adolescentes, no mais das vezes, utilizando-se de artifícios legislativos para o “combate à violência, ao crime organizado e a crescente onda de criminalidade”.

 

 

 

Curitiba, 24 de maio de 2005.


MINISTÉRIO DA SAÚDE

SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE

Coordenação de Saúde Mental/Álcool e Outras Drogas

 

FÓRUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL

 

VI REUNIÃO ORDINÁRIA

 

Brasília, dias 5 e 6 de dezembro de 2006

 

O Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, instituído pela Portaria 1608/2004, reunido nos dias 5 e 6 de dezembro de 2006, em Brasília-DF, por ocasião de sua VI Reunião Ordinária, com a presença de 37 representantes de suas instituições-membro e outros 36 convidados, dentre representantes da rede CAPSi em funcionamento no país, profissionais que atuam na área, palestrantes, universidades, ong’s, e outros órgãos governamentais, pactuou um conjunto de diretrizes que deverão nortear o trabalho em todo território nacional, visando a consolidação da rede pública ampliada de saúde mental para atenção e tratamento de crianças e adolescentes.

 

As diretrizes pactuadas tomam, neste documento, a forma de declaração pública e deverão ser traduzidas em ações concretas por todas as regiões brasileiras, considerando as particularidades locais e seus desafios específicos.

 

 

DECLARAÇÃO DE BRASÍLIA

 

O Colegiado presente à VI Reunião Ordinária do Fórum Nacional, declara que:

 

1)           É direito das crianças e dos adolescentes o atendimento integral, integrado e intersetorial em saúde mental.

2)           É dever dos gestores públicos assegurar a construção das ações de atendimento e cuidado às crianças e adolescentes, consoante com: a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, os preceitos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança os princípios da atual Política Pública de Saúde Mental, os princípios do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

3)           A rede pública ampliada de saúde mental para crianças e adolescentes deverá operar sob o princípio da intersetorialidade e do cuidado territorial, estabelecendo estratégias de pactuação coletiva e de verificação permanente de sua efetividade.

 

Em relação à organização e expansão da rede de cuidados:

 

4)           Os municípios acima de 100.000 habitantes deverão implantar uma rede diversificada de atenção a crianças e adolescentes que, no setor saúde mental, deverá contar com Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil-CAPSi, Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas-Caps AD, ambulatórios com práticas mais integrais e qualificadas, oficinas terapêuticas, centros de convivência, leitos de suporte em hospital geral, serviços residenciais terapêuticos – quando necessários -, de tal forma que operem de forma articulada entre si e com todos os demais recursos intersetoriais e territoriais disponíveis. Vale ressaltar que em relação aos leitos de suporte m hospitais gerais, as estruturas assistenciais deverão contar com leitos para familiares/responsáveis, em obediência ao preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

5)           Os municípios abaixo de 100.000 habitantes deverão organizar a rede de cuidados para crianças e adolescentes através dos recursos locais existentes, seguindo o fundamento intersetorial da política, sendo que, no caso especifico do setor saúde mental, os dispositivos ambulatoriais, CAPSi e Caps AD, assim como as equipes da atenção básica (Programa de Saúde da Família/PSF, Programa de Agentes Comunitários de Saúde/PACS e demais) deverão ser as principais referências pelo acolhimento, atendimento e articulação necessária na rede de atenção.

6)           As instâncias gestoras de saúde mental e CAPSis deverão agenciar ações de integração junto à rede escolar, à rede de assistência social, saúde geral, instituições do campo do direito e justiça, cultura e lazer, assim como junto aos conselhos tutelares e de direitos para efetivação de uma rede ampliada em seu âmbito de gestão, que opere sob os princípios da atual política pública de saúde mental para crianças e adolescentes.

 

Em relação à formação e qualificação de recursos humanos:

 

7)           Deverá ser garantida, pelas três instâncias do SUS, a supervisão clínico-institucional em todos os serviços de saúde mental que atendem crianças e adolescentes.

8)           Deverá haver investimento intersetorial na formação dos profissionais que atuam na rede ampliada para crianças e adolescentes, através da oferta de cursos de extensão, aperfeiçoamento, especialização e demais modalidades pertinentes, sendo indicadas parcerias entre as secretarias municipais e estaduais, ministérios e universidades.

9)           Será necessário ampliar parcerias e ações de formação específica para profissionais da rede básica, assim como aos profissionais da rede de saúde geral, particularmente os pediatras, neurologistas, equipes de enfermagem e clínicos gerais, bem como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, visando o acolhimento e o cuidado em saúde mental. Da mesma forma, é necessário incluir o tema da saúde mental na formação dos profissionais da educação.

10)       Deverá ser criado um Grupo de Trabalho, sob a coordenação da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde, com a finalidade de construir alternativas metodológicas de ensino para profissionais que atuam am áreas distantes de centros de formação, tais como regiões ribeirinhas, do sertão etc.

11)       É imprescindível a articulação entre o Ministério da Educação, conselhos e associações profissionais, Ministério da Saúde e Universidades para manutenção e expansão das residências médicas de psiquiatria infantil, assim como das residências multiprofissionais, com ênfase em saúde mental infato-juvenil.

 

Em relação às estratégias de gestão:

 

12)       É necessário que todos os municípios/regiões constituam um Fórum local, de caráter inter-institucional, intersetorial e deliberativo, visando o melhor agenciamento das ações para cobertura assistencial em saúde mental de crianças e adolescentes.

13)        A temática da saúde mental infantil e juvenil deverá constar da agenda política do Conselho Nacional de Saúde, CONASS, CONASEMS, assim como de seus similares nas esferas de gestão estaduais/municipais e em todos os demais conselhos setoriais.

14)       Os Ministérios integrantes deste Fórum deverão elaborar diretrizes gerais para articulação das ações que tenham por objetivo ampliar a base social, cultural e normativa da atual política de saúde mental para crianças e adolescentes, nos diferentes serviços que representam suas políticas especificas.

15)       Deverá ser incrementada a participação de familiares e responsáveis nos espaços de discussão coletiva sobre a política de saúde mental infanto-juvenil.

 

Em relação à política de financiamento:

 

16)       É necessário que as três esferas de gestão do SUS ampliem seus recursos financeiros para saúde mental de crianças e adolescentes, investindo tanto na expansão da capacidade instalada quanto no aumento do contingente de recursos humanos e sua qualificação. Nesse item merece especial destaque o reordenamento do trabalho na rede básica de saúde, ou seja, a implementação de equipes de apoio e ou de profissionais de referência em saúde mental.

 

Em relação à produção de conhecimento, informação qualificada e difusão da política de saúde mental:

 

17)       Deverão ser fomentados estudos e pesquisas relacionados aos atuais desafios clínicos e de gestão no campo da saúde mental infanto-juvenil, assim como estudos de avaliação/qualificação dos serviços que compõem a rede assistencial.

18)       Os gestores de saúde e as Universidades deverão congregar esforços no sentido de constituir ações de formação e pesquisa afinadas aos princípios da política pública de saúde mental para crianças e adolescentes.

19)       O Ministério da Saúde deverá elaborar indicadores de saúde mental infanto-juvenil e inclui-los no Sistema de Informação da Atenção Básica.

20)       Deverá ser organizado, pelo Ministério da Saúde, um “Boletim de Dados e Informações”, com o objetivo de subsidiar o acompanhamento e análise das ações de saúde mental infanto-juvenil.

 

Este Fórum declara, ainda, ser fundamental ampliar o debate sobre ações de promoção da saúde, analisar as experiências em curso e disseminar o alcance desse trabalho em todas as políticas públicas dirigidas ao segmento infanto-juvenil.

 

Além disso, o Fórum definiu como tema para o próximo encontro, previsto para o primeiro semestre de 2007, aprofundar o debate sobre o fundamento intersetorial na rede de cuidados em saúde mental dirigido a crianças e adolescentes.

 

 

Brasília, 6 de dezembro de 2006.

 

Coordenação do Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil



[1] “Perfil da morbidade psiquiátrica de adolescentes em privação de liberdade na Casa de Acolhimento aos meninos de Salvador/BA” apresentada pela Professora Solange Pinho, do ISC/UFBa.

 

[2] CID-10 – Classificação Internacional das Doenças

O portal Psiquiatria Infantil.com.br já recebeu

49.746.524 visitantes