Adriana Rocha Brito; Marcio M. Vasconcelos; Romeu Cortes Domingues; Lívia Esteves; Maria Cecília Domingues de Olivaes; L. Celso H. Cruz Jr; Gesmar V. Haddad Herdy
20 de fevereiro de 2008
Pseudotumor cerebral secundário a trombose venosa dural: relato de caso pediátrico
Pseudotumor cerebri secondary to dural sinus thrombosis: pediatric case report
Adriana Rocha BritoI; Marcio M. VasconcelosII; Romeu Cortes DominguesIII; Lívia EstevesIV; Maria Cecília Domingues de OlivaesV; L. Celso H. Cruz JrVI; Gesmar V. Haddad HerdyVII
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói RJ, Brasil
1Mestranda em Pediatria, HUAP-UFF, Especialista em Neuropediatria pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF), Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro
2Professor Assistente de Pediatria, HUAP-UFF, Fellow em Neurologia Infantil pelo Children's Hospital, George Washington University, Washington, DC, EUA
3Médico Radiologista e Diretor Médico da Clínica Multi-Imagem, Rio de Janeiro
4Ex-Interna do Serviço de Pediatria, HUAP-UFF
5Professora Adjunta de Pediatria, HUAP-UFF
6Médico Radiologista da Clínica Multi-Imagem, Rio de Janeiro
7Professora Titular de Pediatria, HUAP-UFF
RESUMO
O pseudotumor cerebral é uma síndrome neurológica relativamente comum na adolescência. Na maioria dos casos, a etiologia é idiopática, mas pode haver complicações graves, como cegueira, relacionadas com a hipertensão intracraniana. O objetivo deste artigo é enfatizar o diagnóstico diferencial do pseudotumor cerebral, com atenção especial às etiologias tratáveis. Relatamos o caso de um adolescente de 12 anos que se apresentou com diplopia e cefaléia 9 dias após otite média e mastoidite à direita. A tomografia computadorizada do crânio foi normal, mas a ressonância magnética do encéfalo detectou trombose dos seios transverso e sigmóideo ipsilaterais, a qual respondeu à anticoagulação precoce. A conclusão é que a ressonância magnética do encéfalo é essencial nos pacientes com diagnóstico clínico de pseudotumor cerebral para exclusão de causas tratáveis, como a trombose venosa dural.
Palavras-chave: trombose venosa cerebral, trombose de seio dural, pseudotumor cerebral, adolescente, anticoagulação.
ABSTRACT
Pseudotumor cerebri is a relatively common neurologic syndrome in adolescence. In most cases, etiology is idiopathic, but it may have serious complications, such as blindness, that are related to increased intracranial pressure. The aim of this article is to emphasize the differential diagnosis of pseudotumor cerebri, with special attention to treatable etiologies. We report a case of an 12 year-old adolescent who presented with diplopia and headache 9 days after right-sided otitis media and mastoiditis. Head computerized tomography was normal, but brain magnetic resonance imaging demonstrated thrombosis of ipsilateral transverse and sigmoid sinuses, which responded promptly to early anticoagulation. The conclusion is that magnetic resonance imaging is essential for patients with a clinical diagnosis of pseudotumor cerebri in order to exclude treatable causes, such as dural sinus thrombosis.
Key words: cerebral venous thrombosis, dural sinus thrombosis, pseudotumor cerebri, adolescent, anticoagulation.
O pseudotumor cerebral é uma síndrome neurológica relativamente comum na adolescência. Cefaléia é o sintoma inicial mais comum1-4, seguida por diplopia5. O papiledema está associado a obscurecimento visual transitório e, nos pacientes com tratamento tardio, pode acarretar atrofia óptica1,3-6. Paralisia do 6º nervo craniano, unilateral ou bilateral, é freqüente e secundária à hipertensão intracraniana1,4,7,8. Otalgia, zumbido, vômitos5, crises convulsivas2,9,10, sinais focais2,10,11 e alteração do estado mental2,11 são outras queixas comuns em crianças e adolescentes12. Além da trombose venosa8,13, o quadro clínico de pseudotumor cerebral também pode originar-se da administração ou retirada de corticosteróides, desnutrição seguida por realimentação, distúrbios endócrinos, meningite crônica, hipervitaminose A, infiltração neoplásica da meninge e lúpus eritematoso sistêmico5,14,15. A trombose venosa cerebral caracteriza-se por apresentação e evolução clínicas variáveis, de acordo com o local e a extensão da trombose, a taxa de progressão da oclusão e a natureza da doença de base, quando presente1,16. Alguns distúrbios estão associados à trombose venosa cerebral na infância, como infecções locais ou sistêmicas7,11, doenças inflamatórias sistêmicas11, coagulopatias7,9,11,17, otite média, mastoidite5,12,14, anemia e malformações cardíacas9,12. Segundo Biousse et al.3, a etiologia não foi identificada em 11 de 59 casos (19%).
O advento da ressonância magnética (RM) e mais recentemente da angiorressonância magnética (ARM) facilitou a detecção de pacientes com trombose de seios da dura-máter2,4,7,8,10,14,18. Os achados da RM em geral são fidedignos, particularmente quando o seio trombosado é hiperintenso nas imagens pesadas em T1 e T2 e em diferentes cortes1. A RM também é útil ao mostrar lesões parenquimatosas secundárias a oclusão venosa, incluindo edema cerebral e infartos hemorrágicos1,7. A angiografia cerebral, com subtração digital, foi por muito tempo considerada o padrão ouro2,7,8,12,18, porém recentemente passou a ser utilizada raramente para o diagnóstico de trombose venosa cerebral, uma vez que não mostra o trombo, mas a ausência de opacificação. A combinação de RM com ARM permite o diagnóstico adequado, sendo atualmente considerada como o padrão ouro19.
O objetivo deste artigo é enfatizar a necessidade de investigação apropriada dos pacientes que se apresentam com o quadro clínico de pseudotumor cerebral e discutir sucintamente o tratamento instituído no caso relatado.
CASO
Rapaz adolescente de 12 anos de idade, previamente sadio, apresentou otite média direita complicada com mastoidite, seguida por cefaléia e diplopia. O exame físico inicial mostrou papiledema bilateral e paralisia do VI nervo craniano esquerdo. A tomografia computadorizada (TC) de crânio mostrou velamento mastóideo à direita. Ele foi então encaminhado ao hospital terciário para investigação e tratamento.
À internação no 17º dia de evolução, observou-se papiledema associado a paralisia bilateral do VI nervo craniano, sem outras anormalidades. Após nova TC de crânio normal, a punção lombar revelou uma pressão de abertura de 43 cm de água.
A RM do encéfalo demonstrou trombose dos seios transverso e sigmóideo direitos (Figs 1 e 2). O tratamento anticoagulante foi com enoxaparina sódica, na dose de 40 mg por via subcutânea a intervalos de 12 horas. Realizaram-se oito punções lombares sucessivas para medição da pressão intracraniana e drenagem do líquido cefalorraquidiano (LCR), a intervalos iniciais de dois dias e depois espaçados progressivamente. Em cada punção lombar, drenava-se o LCR até que a pressão de abertura caísse pela metade20. Após a 5ª punção, o paciente não se queixava mais de diplopia. A antibioticoterapia foi mantida por 28 dias. Uma nova RM do encéfalo mostrou evidências de recanalização dos seios trombosados (Fig 3). O paciente evoluiu com exame físico totalmente normal. Continua em uso de enoxaparina.
DISCUSSÃO
A trombose de seio dural pode apresentar-se de forma semelhante à hipertensão intracraniana idiopática13,14,16, sendo esta diferenciação primordial, uma vez que um atraso no diagnóstico e tratamento pode ser danoso para o paciente20,21. A síndrome de hipertensão intracraniana sem hidrocefalia ou lesões de massa e com resultados normais do LCR, previamente referida como pseudotumor cerebral, agora é conhecida como hipertensão intracraniana idiopática. Segundo os critérios diagnósticos modificados de Dandy, formulados antes da era da RM, a TC era a modalidade de neuroimagem para exclusão de distúrbios subjacentes8,14. Porém, os pacientes com trombose de seios durais podem se apresentar com hipertensão intracraniana sem qualquer outro sinal ou sintoma neurológico e apresentar uma TC de crânio sem anormalidades, como o paciente em questão, e então satisfazer os critérios diagnósticos de pseudotumor cerebral.
A trombose venosa cerebral é um distúrbio infreqüente, porém com sérias conseqüências clínicas2,7. O desenvolvimento de técnicas de imagem não-invasivas tem levado a uma detecção precoce e mais freqüente desta patologia7. Leker concluiu que a trombose de seio dural pode ser identificada em 26% dos pacientes que se apresentam com sinais e sintomas típicos de pseudotumor cerebral, podendo ser impossível diferenciar entre pacientes com e sem trombose de seio dural se a RM/ARM ou angiografia não for realizada, uma vez que a TC pode ser normal21,22. Sylaja et al. relataram que um terço dos pacientes com trombose de seio dural podem apresentar aspectos clínicos e TC indistinguíveis de hipertensão intracraniana idiopática8. No estudo de Biousse3, a TC foi normal em 54% dos pacientes com trombose venosa cerebral apresentando-se com hipertensão intracraniana isolada.
A TC ajuda a excluir distúrbios que possam simular a trombose venosa cerebral1,7,16, mas algumas vezes sugere o diagnóstico, na presença dos sinais do triângulo denso, do cordão, do delta vazio e a hiperdensidade do seio lateral, além de ser capaz de detectar alterações inespecíficas como edema cerebral e áreas hipo ou hiperdensas localizadas, correspondentes a infartos venosos1,7.
A RM deve ser realizada à procura de evidências de trombose venosa cerebral3,17,21-23 e é o método de escolha para o diagnóstico e acompanhamento, com a vantagem da visualização direta do trombo nos seios durais1,3,7, além de fornecer informações sobre o parênquima cerebral1,2,7,12,16. Nos estágios iniciais (<5 dias de evolução), os seios durais ocluídos aparecem isointensos em T1 e hipointensos em T21,7,18. Nessa fase, a RM pode ter resultado falso-negativo, o que pode ser contornado por meio da ARM, a qual demonstra ausência de fluxo no seio trombosado1,3. Alguns dias depois, o trombo se torna hiperintenso em T1 e T21,3,7,18 (Fig 1). Após o primeiro mês, os achados da RM são variáveis porque o seio trombosado pode permanecer total ou parcialmente ocluído ou recanalizar-se. Na maioria dos casos, observa-se sinal isointenso em T1 (Fig 3) e hiperintenso em T21,7. Baumgartner sugere que a recanalização somente ocorre nos primeiros 4 meses após a trombose2.
Fink et al. encontraram pacientes com trombose de seio venoso cerebral associada a anormalidades mastóideas na RM sem qualquer sinal clínico de infecção, levantando a hipótese de que aquelas anormalidades adviriam de congestão venosa secundária à trombose do seio transverso e podem não representar mastoidite infecciosa24. O diagnóstico de mastoidite em associação a trombose do seio transverso é importante porque a tromboflebite cerebral séptica requer antibioticoterapia prolongada e consideração de tratamento cirúrgico, enquanto a trombose asséptica geralmente é tratada apenas com anticoagulantes1,12,24.
Dada a diferença no prognóstico entre a hipertensão intracraniana idiopática e a trombose venosa dural, a conduta deve ser diferente, uma vez que a última está associada a taxa de mortalidade de 10 a 30% devida a múltiplos infartos venosos, crises convulsivas não-controladas, embolia pulmonar e, mais freqüentemente, à doença subjacente, como câncer ou infecção3,8. Pode haver resolução espontânea do pseudotumor cerebral, mas em vista do potencial de perda visual permanente, os pacientes devem ser monitorados cuidadosamente5,12. Na série de Preter et al.6, o prognóstico na maioria dos casos foi essencialmente bom, com 86% dos pacientes apresentando recuperação total. As seqüelas são atrofia óptica, crises convulsivas e déficits cognitivos ou neurológicos focais6.
O tratamento da hipertensão intracraniana neste contexto pode incluir punções lombares repetidas3,5, uso de medicamentos (acetazolamida ou furosemida) e o tratamento cirúrgico, como a fenestração da bainha do nervo óptico4,5 e derivação lombo-peritoneal5,12. Numerosos estudos sugerem que a fenestração é de baixo risco e a forma mais eficaz de restaurar ou preservar a visão no paciente gravemente acometido5,12.
Nos pacientes com trombose venosa dural, recomenda-se também a instituição de terapia anticoagulante2,3. Estudos recentes confirmaram a segurança da heparina, mesmo em pacientes com lesões parenquimatosas hemorrágicas16. A administração precoce de anticoagulantes pode favorecer o prognóstico do paciente9,10,17,21. Em situações onde exista progressão da trombose a despeito da anticoagulação adequada, a terapia trombolítica tem sido usada com aparente sucesso12,16. Entretanto, até que haja maior conhecimento a respeito da razão risco-benefício, a terapia trombolítica deve ser usada somente em circunstâncias excepcionais12,16.
Desejamos enfatizar a importância da realização de RM em todos os pacientes que apresentam quadro clínico compatível com pseudotumor cerebral, com o objetivo de diagnosticar a presença de trombose dos seios durais o mais precoce possível, visando pronta instituição do tratamento específico.
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Endereço para correspondência
Dra. Adriana Rocha Brito
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Artigo original:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2005000400029&lng=pt&nrm=iso