ELISEU LABIGALINI JUNIOR
03 de novembro de 2008
ELISEU LABIGALINI JUNIOR
O USO DE AYAHUASCA EM UM CONTEXTO RELIGIOSO POR EX-DEPENDENTES DE ÁLCOOL
- UM ESTUDO QUALITATIVO
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do título de Mestre em Saúde Mental.
SÃO PAULO
1998
ELISEU LABIGALINI JUNIOR
O USO DE AYAHUASCA EM UM CONTEXTO RELIGIOSO POR EX-DEPENDENTES DE ÁLCOOL
- UM ESTUDO QUALITATIVO
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do título de Mestre em Saúde Mental.
Orientador: Prof. Dr. Jair de Jesus Mari
Co-orientador: Prof. Dr. José Quirino dos Santos
SÃO PAULO
1998
Labigalini, Eliseu Jr.
O uso de ayahuasca em um contexto religioso, por ex-dependentes de álcool. Um estudo qualitativo./ Eliseu Labigalini Junior.-- São Paulo, 1998. 68f.
Tese (mestrado) - Universidade Federal de São Paulo,
Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Psiquiatria.
Título em inglês: The religious use of ayahuasca by alcohol ex-dependents. A qualitative research.
1.Dependências 2. Alucinógenos 3. Cultura. 4. Álcool
5. Consciência
Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica:
Prof. Dr. Luiz Antônio Nogueira Martins
Coordenador da Pós-Graduação em Psiquiatria e Psicologia Médica:
Prof. Dr. Jair de Jesus Mari
Para Marina e Manuela,
com amor.
“Portanto, como é a teoria que dá o valor e o significado que os fatos têm, ela frequentemente é muito útil, ainda que parcialmente falsa; pois ela projeta luz sobre fenômenos a que ninguém dava atenção, obriga a examinar sob vários aspectos fatos que ninguém estudara antes, e estimula pesquisas mais extensas e bem sucedidas.... é portanto dever moral do homem de ciência arriscar-se a cometer erros e sofrer críticas, para que a ciência avance sempre Aqueles que possuem um espírito suficientemente sério e frio para não acreditarem que tudo o que escrevem é a expressão da verdade absoluta e eterna, aprovarão esta teoria, que coloca as razões da ciência bem acima da miserável vaidade e do mesquinho amor-próprio do sábio. “
GUILLAUME FERRERO
Le lois psychologiques du symbolisme
Preface, p.VIII
AGRADECIMENTOS
Aos meus orientadores, Jair Mari e José Quirino, pelo respeito e pelo apoio na busca do conhecimento e do novo.
Ao Dartiu Xavier da Silveira e a todos os colegas do PROAD, por poder compartilhar uma forma muito criativa de pesquisar as drogas e as dependências.
Ao Lucio Ribeiro Rodrigues, companheiro nos profundos estudos sobre os estados alterados de consciência.
Ao Cláudio Torres de Miranda, por me apresentar a esse campo de pesquisa e por todo o apoio e confiança em diferentes trabalhos.
Ao Glacus de Souza Brito e todos os membros da UDV, pelo respeito, pela receptividade, pela disponibilidade e pela coragem.
À Marina e a Manuela, pela compreensão, amor e torcida durante todo o tempo de gestação deste trabalho.
Aos meus pais, Eliseu e Fátima, pela simplicidade, pelo amor e pela ética.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio integral a este projeto de pesquisa.
RESUMO
Existem no Brasil, há cerca de algumas décadas grupos religiosos que utilizam em seus rituais um alucinógeno, a ayahuasca. A União do Vegetal (UDV) e o Santo Daime, congregam em seus rituais aproximadamente dez mil pessoas que se reúnem regularmente em diferentes cidades do país.
Há alguns anos, em um núcleo da UDV de Manaus, foi realizada uma avaliação clínica e psiquiátrica de quinze homens que faziam uso do chá há mais de cinco anos. Um de seus principais resultados foi a constatação de que onze destes indivíduos haviam apresentado dependência ou abuso de álcool no período anterior à entrada dos mesmos na instituição.
O objetivo deste estudo é conhecer mais profundamente os significados e processos culturais relacionados especificamente com a evolução de indivíduos que haviam apresentado dependência ao álcool no período anterior ao início de suas participações em rituais da UDV.
Foram analisados através de entrevistas etnográficas e de observações participantes, as representações e vivências subjetivas de 4 indivíduos que apresentavam dependência severa ao álcool e que remitiram poucos meses após começarem a frequentar os rituais da UDV, no núcleo de Araçariguama- SP.
As características do estado de consciência vivenciados nas experiências com a ayahuasca, a inserção social em um novo grupo, e a constatação de que a compulsão que estes indivíduos apresentavam pelo álcool não foi transferida para a relação com a ayahuasca ou com a instituição religiosa, foram as principais categorias resultantes da análise das entrevistas e das observações participantes.
Os resultados deste estudo e a existência de poucos trabalhos científicos relacionadas ao tema evidenciam a necessidade de trabalhos mais amplos que procurem compreender esse fenômeno cultural tão complexo.
ABSTRACT
There has been in Brazil for some decades religious groups which use in their rituals a hallucinogen, the ayahuasca. The União do Vegetal ( UDV) and the Santo Daime congregate today around ten thousand people in different cities of the country.
A scientific study which took place in a UDV church of Manaus - AM, has conducted a psychiatric evaluation of fifteen people hat have been taking the ayahuasca for more than five years. One of the main results were that eleven of these people had presented an abuse or a dependence of alcohol, which had remitted after some months participating in the rituals.
The aim of this study is to gain a deeper understanding of the meanings and cultural processes specifically related to the outcome of men who had been alcohol dependent before coming into the UDV religious rituals.
The subjective experiences of four individuals participating in UDV rituals in Araçariguama-SP was investigated through ethnographic interviews. Each of these people had presented severe alcohol dependence which remitted after a few months going to the rituals
The altered consciousness state characteristics, joining a new social group, and the evidence that their alcohol compulsion was neither noticed in their use of ayahuasca nor in their relationship with the religious institution, were the main clusters resulting from the interview analyses and the participating observations.
The results of this research and the existence of just a few scientific studies related to this theme, demonstrate the need of more studies to further understand this complex cultural phenomenon.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................1
1.1. Rituais iniciáticos e o uso de substâncias psicoativas por povos iletrados...................................................................................................1
1.2. O uso de alucinógenos nas culturas iletradas..........................................2
1.3. O uso de alucinógenos nas culturas complexas contemporâneas...........7
1.4. O uso de álcool nas culturas complexas contemporâneas.......................9
1.5. As pesquisas com alucinógenos..............................................................10
1.5.1. O desenvolvimento e a utilização de instrumentos de mensuração dos efeitos dos alucinógenos em seres humanos..............................12
1.6. O uso de ayahuasca na América do Sul................................................15
1.7. Classificação das substâncias psicoativas segundo seus efeitos
mentais..................................................................................................18
1.8. Conceituação de consciência e estados alterados de consciência.........18
2. FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA.....................................................24
2.1. Aspectos botânicos da ayahuasca........................................................25
2.2. Aspectos fitoquímicos da ayahuasca...................................................26
2.3. Mecanismos de ação da ayahuasca.....................................................27
3.JUSTIFICATIVA DO ESTUDO.................................................................30
4. METODOLOGIA.......................................................................................32
4.1 A abordagem qualitativa..................................................................32
4.2 Procedimentos do estudo.............................................................37
5. RESULTADOS......................................................................................38
5.1 Contextualizando a análise............................................................38
5.2Análise dos dados obtidos...............................................................41
5.2.1 A estruturação e regulação dos rituais e sanções sociais
na União do Vegetal (UDV)....................................................41
5.2.2 Acerca dos efeitos subjetivos relacionados ao
uso de ayahuasca.....................................................................44
5.2.3 Acerca da experiência religiosa..............................................45
5.2.4 Relações entre o uso anterior de álcool e o uso posterior
de ayahuasca...........................................................................47
6. DISCUSSÃO.......................................................................................48
7. CONCLUSÃO....................................................................................61
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................62
1. INTRODUÇÃO
1.1 Rituais iniciáticos e o uso de substâncias psicoativas por povos iletrados
Por iniciação, entende-se geralmente como um conjunto de rituais e ensinamentos orais específicos de uma determinada cultura que tem por finalidade uma modificação radical da condição religiosa e social do sujeito iniciado. Filosoficamente equivaleria a uma transformação ontológica muito intensa. Entre as diversas categorias de iniciações, destacaremos os rituais de puberdade, especialmente importante ao homem pré - moderno. Se os rituais iniciáticos forem uma tradição cultural para um determinada comunidade primitiva, eles serão obrigatórios a todos os jovens daquele grupo. Para poder ser aceito entre os adultos, o adolescente terá de enfrentar uma série de provas, através das quais terá acesso a revelações religiosas, conhecerá as atitudes, técnicas, instituições, mitos e tradições sagradas de seus antepassados, os nomes de seus deuses, e sobretudo aprenderá a maneira pela qual seu povo se relaciona com seus deuses. Socialmente os rituais demarcam a introdução de novos membros responsáveis eticamente entre os adultos. A literatura etnológica denomina esses rituais de rituais de puberdade, iniciação tribal ou iniciação de classe de idade. Os demais rituais iniciáticos distinguem-se do anterior pelo fato de não serem obrigatórios a todos os membros da tribo. A segunda categoria compreende os rituais de entrada em sub - grupos secretos.
São reservadas a pesoas de somente um dos sexos, geralmente o masculino. Seus participantes são muito zelosos dos segredos compartilhados por seus integrantes.
A terceira e última categoria compreende a vocação mística, ou a vocação de se tornar um xamã. Uma de suas peculiaridades é a importância e a profundidade que a experiência religiosa pessoal assume, que a distingue importantemente das experiências religiosas do restante da tribo. É ela que geralmente determina a vocação médica ou xamânica destes indivíduos.
Toda sociedade primitiva possui um conjunto coerente de tradições míticas, uma concepção de mundo, que será gradualmente revelada ao noviço no curso de sua iniciação. Este mundo tem sua história de criação a partir dos deuses e tudo o que se seguiu posteriormente. Como coloca ELIADE (1958): “ Assim como o homem moderno se proclama ser um ente histórico, resultante de toda a história da humanidade; o homem das sociedades arcaicas se reconhece como a ponta final de uma história mítica, de uma série de acontecimentos que tiveram lugar illo tempore ”.
A maior parte dos provas iniciáticas implicam em uma morte ritual a que se seguirá uma ressurreição ou renascimento. No entanto seu retorno é bastante distinto. A morte iniciática significa o fim da infância, da ignorância e da condição profana. Para o pensamento arcaico, nada melhor que a morte para expressar a idéia de término definitivo de algo.
1.2 O uso de alucinógenos nas culturas iletradas
Em grande parte das culturas tribais, há substâncias que são ingeridas durante os rituais iniciáticos sem finalidades alimentares, e que lhes permitem acesso a estados alterados de consciência. Dentre essas substâncias, pelos efeitos específicos que produzem, existem aquelas denominadas alucinógenos. O termo é impreciso, mas serve para caracterizar estados modificados de percepção da consciência associados a alterações visuais, auditivas e alterações de humor conforme a descrição de indivíduos sob esse estado (HOLLISTER,1984).
Os alucinógenos compreendem uma ampla gama de substâncias, geralmente retiradas da flora, usadas em diferentes culturas, em momentos históricos diversos e com prováveis diferenças importantes entre os seus efeitos. Termos como: psicodélico, psicotógeno, onirógeno, fantasticante, psicotomimético e enteógeno são sinônimos de alucinógenos, sendo este último o termo mais comumente usado para designar estas substâncias na literatura científica.
Estudos botânicos e estimativas farmacológicas evidenciam que na flora de todo o planeta existe cerca de meio milhão de plantas com propriedades alucinogênicas, mas apenas cento e cinquenta dessas foram e são usadas por sociedades tribais e complexas na história da humanidade. Poucas áreas do planeta não apresentam
historicamente a presença dessas plantas incorporadas, de alguma forma, às culturas locais. (SCHULTES & HOFMANN, 1992).
O continente africano, apesar de sua longa extensão e variada vegetação, parece ser o mais pobre quanto ao uso de alucinógenos em suas culturas primitivas.
A substância mais conhecida e usada nesse continente é a ibogaína ( Thabernanthe iboga ), uma raiz de uma árvore existente e empregada ritualmente no Gabão e Congo, em rituais iniciáticos de adolescentes do sexo masculino.
A Ásia, assim como a África, não é um continente rico culturalmente quanto ao uso de alucinógenos. No entanto foi nesse continente que surgiu a cannabis ( Cannabis sativa e Cannabis indica ), o menos potente e mais difundido alucinógeno nas culturas ditas complexas. Ali também, um cogumelo chamado Amanita muscaria, conhecido como “fly agaric”, foi usado durante séculos por tribos de caçadores da Sibéria e alguns grupos da Índia, apenas em rituais bem delimitados.
Na Europa, por muito tempo acreditou-se que o álcool seria o inebriante mais importante em toda a história daquele continente. Em um artigo recente o antropólogo Richard RUDGLEY (1995) procura expor algumas evidências de um processo histórico bastante divergente da versão histórico-cultural predominante em relação ao uso de substâncias psicoativas. Na idade de Ouro, por volta do sexto milênio antes de Cristo, há evidências de cerâmicas que foram utilizadas para a ingestão de ópio e cannabis, na região oeste do Mediterrâneo. Na região hoje ocupada pelos espanhóis também foram encontrados objetos paleobotânicos da era neolítica (4200 a . C.) que evidenciam o uso de ópio por povos primitivos que habitavam aquele local. Na região hoje ocupada pela Itália, foram encontrados vasos cerâmicos datados do terceiro milênio antes de Cristo e que continham resquícios de sementes de cannabis. Este uso religioso primitivo de alucinógenos foi lentamente suprimido da cultura de seus povos de origem principalmente a partir do surgimento e fortalecimento do Cristianismo, quando essa prática passa a ser qualificada como bruxaria e seus praticantes queimados em público, especialmente na Idade Média.
Na Grécia, por exemplo, existe o relato específico sobre o uso de substâncias psicoativas inseridas num contexto ritual. Os Mistérios de Elêusis, durante muitos séculos ocorreram no Telestérion, um templo no alto de uma região onde acontecia periodicamente um ritual restrito aos iniciados. Sófocles escreve sobre suas experiências em Elêusis: ”Três vezes mais felizes são os mortais que tendo participado de tais rituais partem ao Hades; pois somente para eles há a segurança de levar uma vida verdadeira. Para o resto tudo é maligno”
Neste ritual, seus participantes ingeriam um líquido preparado com vários ingredientes e um deles eram ramos de gramíneas semelhantes ao trigo e a cevada e que continham um fungo parasita: Claviceps purpurea, que possui psilocibina, um alucinógeno, que existe até hoje naquela região. Esta hipótese foi levantada por uma equipe de três especialistas em alucinógenos oriundos de áreas diferentes; um químico, um antropólogo e um etnobotânico: HOFMANN, WASSON e RUCK (1980), respectivamente. Estes autores demonstram através de documentos históricos e peças arqueológicas que nos rituais eram ingeridas preparações que continham substâncias psicoativas com características de alucinógenos. Durante quatro milênios o povo grego percorria centenas de quilômetros para participar, ao menos uma vez na vida, dos rituais eleusinos.
As populações aborígines da Australia e Nova Zelândia, segundo registros históricos, pareciam também não usar tais substâncias em contexto ritual. Na América do Norte e norte do México, existem relatos do uso ritual por povos primitivos de um grão semelhante ao feijão, que contém mescalina. Neste século, com a perda cultural consequente à reorganização e assentamento progressivo dos povos indígenas norte-americanos, alguns pequenos grupos remanescentes começam a organizar a Igreja Nativa Americana, que congregou vários povos indígenas daquele país, em torno de um ritual no qual são ingeridos o peyotl , Lophophora williansi, cactus procedente de regiões desérticas mexicanas e do sudoeste americano, rico em mescalina e que aos poucos foi se estendendo aos índios remanescentes de várias outras tribos de outras regiões daquele país.
A América Latina, desde o norte do México até o sul da América do Sul, apresenta uma variedade e abundância expressiva quanto ao uso ritualizado de diversos alucinógenos em diferentes culturas. O México apresenta características específicas bastante peculiares por apresentar uma flora relativamente escassa, semi-desértica em várias regiões, e entretanto paradoxalmente muito rica quanto a presença e diversidade importante no tocante aos alucinógenos. O peyotl, várias espécies de cogumelo contendo psilocibina e psilocina (Psylocibe sp), uma erva conhecida como hierva de la pastora, (Ipomoea violacea), entre outros vegetais e fungos foram utilizados por aztecas, yaquis, mixtecos, toltecos e outros grupos aborígines. Este uso persiste até hoje entre alguns grupos indígenas remanescentes e por descendentes desses povos que mantém suas tradições religiosas. Este uso também estendeu-se para o contexto urbano através de curandeiros populares e práticas religiosas com traços culturais peculiares (SCHULTES & HOFFMANN, 1992).
Na América do Sul, diversos povos aborígenes desde a Região Amazônica até o sul dos Andes fizeram e fazem uso ritualizado de várias substâncias alucinogênicas. Entre elas podemos citar a ayahuasca (Psychotria viridis) e (Banisteriops caapi), utilizada por cerca de sessenta tribos indígenas distintas da Amazônia, o uso de San Pedro (Trichocereus pachanoi), um cactus que contém mescalina por grupos da Bolívia e Peru, o uso de cébil ou vilca (Anandenanthera peregrina), um pó preparado de sementes de uma espécie vegetal chamada “yopo”, por indígenas do norte da Argentina.
1.3. O uso de alucinógenos nas culturas complexas contemporâneas
As sociedades ocidentais contemporâneas, especialmente na Europa e EUA voltam a ter contato, de forma generalizada, com essas substâncias na década de
sessenta deste século, com o surgimento do movimento hippie. Muitos pesquisadores, escritores e psiquiatras, entre outros, passam a escrever sobre as características, riscos e possibilidades do uso dessas substâncias nessa época.
A síntese em laboratório do LSD - 25 (lysergic acid diethilamide) ocorreu quase acidentalmente anos antes, nos laboratórios de uma indústria farmacêutica por Albert Hoffmann, e enviado para pesquisa psiquiátrica, inicialmente como uma droga capaz de produzir alguns sintomas semelhantes aos sintomas psicóticos. Um dos principais pesquisadores dessa época, GROF (1970), desenvolveu pesquisas com LSD até meados da década de oitenta desse século nos E.U.A., quando essa substância foi proscrita para pesquisa naquele país. Segundo seus relatos, após cerca de cinco mil sessões com pacientes e voluntários, o estado induzido pelo uso desse alucinógeno teria muito poucas semelhanças com sintomas dessa linha, apesar de ressaltar que o uso dessas substâncias em "settings" inadequados aumentariam muito as possibilidades do aparecimento de um surto psicótico ou outros sintomas psiquiátricos principalmente em indivíduos predispostos a estes quadros.
Naquele tempo circulava a idéia de que o LSD poderia aumentar a senso- percepção e muitos intelectuais, escritores, artistas e cientistas passam a usar essa substância e a descrever seus efeitos. Contudo seu surgimento nesta época foi acompanhada por um aumento importante no consumo de outras substâncias psicoativas principalmente entre os jovens, como a cocaína, a heroína, a maconha e o álcool. Este uso “profano” de diferentes substâncias não poderia ter repercutido de forma diferente a que ocorreu. Muitos eram os relatos de intercorrências, de surgimento de quadros clínicos e psiquiátricos importantes decorrentes deste uso descontextualizado. Paralelamente a este uso, muitos pesquisadores se dispuseram a procurar entender os mecanismos de ação, as alterações psicológicas e psiquiátricas que estas substâncias poderiam causar.
O uso dessas substâncias caiu importantemente no final da década de setenta e início da década de oitenta, mas voltou a crescer a partir do final desta e início da década de noventa.
Nos últimos quinze anos, uma nova substância passou a ser comercializada ilegalmente principalmente nos EUA e Europa, os derivados do MDMA (Metileno-dioximetanfetamina) conhecido popularmente como “ecstasy”, e que provoca no usuário efeitos psicológicos com características estimulantes muito semelhantes às anfetaminas, e com pouco efeito alucinogênico. Nesses países têm sido frequente os relatos científicos de mortes acidentais por abuso dessas substâncias decorrentes geralmente de quadros de desidratação grave em indivíduos que frequentam discotecas fechadas, onde passam muitas horas extremamente estimulados pelos efeitos anfetamínicos, com grande perda de líquidos através do suor sem uma adequada reposição.
1.4. O uso de álcool nas culturas complexas contemporâneas
O álcool, ao lado da cafeína e da nicotina, são há várias décadas as substâncias psicoativas mais comumente usadas nas culturas complexas ocidentais. No entanto, este uso atual apresenta características e contornos bastante distintos do uso arcaico dessa substância. Por estar extremamente inserido e desritualizado, originaram-se várias formas de uso do álcool. Para a maioria das pessoas este uso restringe-se a fins recreativos esporádicos; no entanto cerca de dez por cento das pessoas desenvolvem algum problema relacionado a utilização desta substância, tais como o abuso, a dependência, transtornos familiares, acidentes com automóveis e complicações clínicas em diversos aparelhos podendo acarretar prejuízos físicos e psíquicos importantes.
Em 1849, o médico sueco Magnus HUSS utilizou o termo alcoolismo para descrever efeitos nocivos provocados pelo uso compulsivo dessa substância.
O álcool, possui efeitos inicialmente desinibidores e excitantes, sendo lentamente substituído por efeitos depressores da consciência. Possui efeito mio-relaxante e ocorrem diminuições importantes da crítica, inibição social, ansiedade e relações de tempo e espaço podem estar alterados durante o estado de embriaguês. Por possuir estes efeitos, pode facilitar o abuso de outras substâncias, como a cocaína e outros psicoativos.
A distinção entre os diferentes padrões de uso de álcool leva em conta diversos fatores não restringindo-se apenas à quantificação de álcool ingerida. Sendo assim a delimitação entre os diferentes padrões de uso: uso recreativo ou esporádico, abuso e dependência possuem delimitações tênues, sendo difícil muitas vezes a sua caracterização exata.
Os padrões de beber são muito variáveis entre os diferentes países e culturas e indivíduos pertencentes a um mesmo grupo, e em diferentes épocas da vida. Os diferentes povos apresentam estatísticas muito distintas em relação à população que usa o álcool. Na Índia a taxa de abstinência é de cerca de 50 a 70% e na Finlândia é de cerca de 13%. Estatísticas divulgadas pela Organização Mundial de Saúde em 1980, indicaram uma variação entre 1 e 10% da população mundial como alcoolista.
Em estudos epidemiológicos realizados com populações adultas , o alcoolismo é a segunda patologia mais frequente entre as doenças mentais e a terceira causa de aposentadoria por invalidez no Brasil (CABERNITE, 1982). Em estudo multicêntrico realizado em 1986, (ALMEIDA FILHO e cols, 1997) no Brasil, o alcoolismo constituiu-se no principal problema de saúde mental entre os homens, atingindo cerca de 15,2% dos entrevistados em São Paulo e Brasília.
1.5. As pesquisas com alucinógenos
É a partir do surgimento do movimento “hippie” na década de sessenta na Europa e EUA que os alucinógenos passam a ser utilizados como mais uma droga ilícita, em países ocidentais, especialmente na Europa e Estados Unidos. Segundo um estudo epidemiológico populacional americano (National Institute on Drug Abuse, 1991), estima-se que entre 13 e 17 milhões de pessoas usaram algum alucinógeno ao menos uma vez em suas vidas naquele país. No entanto, há um hiato na produção científica relacionada aos alucinógenos. Durante as décadas de sessenta e setenta do presente século houve a publicação de vários trabalhos que envolviam principalmente o uso terapêutico desses agentes em pacientes psiquiátricos, com metodologia pouco estruturada ou utilizando voluntários que nunca haviam tido qualquer experiência com essas substâncias o que compromete a validade destes estudos. Apenas recentemente, na década de noventa, é que voltaram a surgir estudos a respeito dos mecanismos de ação, farmacologia, potenciais de abuso, lesões orgânicas advindas do uso continuado, e variações clínicas entre os diferentes agentes alucinogênicos. No entanto, é necessário ressaltar que essa produção científica mais recente, tem se voltado muito mais aos aspectos psicofarmacológicos, havendo uma escassez em relação a estudos e protocolos psicoterapêuticos envolvendo estes agentes(STRASSMAN, 1995). Esta escassez pode ser parcialmente explicada pela falta de estudos iniciais consistentes, por falhas metodológicas. No entanto um projeto de pesquisa que envolva sujeitos e controles submetidos a uma experiência com alucinógenos está sujeita a muitos fatores influenciantes. KURLAND (1971) realizou um estudo com alcoólatras e dividiu-os em dois grupos: um recebeu 50 microgramas de LSD formando um grupo “placebo” e o outro recebeu 450 microgramas. Interessantemente, mesmo os integrantes do grupo placebo apresentaram uma experiência muito intensa, semelhante aos integrantes do grupo que recebeu a dose maior. Estes dados apenas confirmam a necessidade de inter-relacionar informações farmacológicas, psicoterapêuticas e subjetivas em estudos desta natureza.
1.5.1. O desenvolvimento e a utilização de instrumentos de mensuração dos efeitos dos alucinógenos em seres humanos.
Durante a década de sessenta surgiram três escalas de mensuração dos efeitos do LSD em seres humanos. As três escalas foram testadas com indivíduos que nunca haviam tido qualquer experiência com alucinógenos, introduzindo um viés importante, já que não haviam recebido qualquer orientação acerca dos efeitos mais comuns, tornando suas respostas vagas e muito subjetivas. A escala de ABRAMSON (1955) enfatizava as reações somáticas, cognitivas e perceptivas do LSD. A escala de LINTON e LANGS (1962) foi organizada a partir de conceitos psicanalíticos. A terceira e última escala, The Addiction Research Center Inventory foi organizada por HAERTZEN (1963), era na realidade uma escala de avaliação de efeitos para todas as drogas de abuso. A seção correspondente ao LSD era intitulada “escala de sintomas disfóricos”, o que apenas reflete sua ênfase em sintomas desagradáveis.
A escala mais adequada até o momento para avaliação dos efeitos dos alucinógenos foi proposta por STRASSMAN (1994), chamada Hallucinogen Rating
Scale (HRS), e os possíveis efeitos são divididos em cento e vinte e seis ítens agrupados em seis seções clínicas: sintomas somestésicos (sensações somáticas, interoceptivas ou viscerais), afeto, percepção, cognição (conteúdos e processos do pensamento), volição e intensidade dos efeitos. Estes “clusters”da escala foram obtidos através de entrevistas realizadas durante experimentos com usuários experientes de alucinógenos e posteriormente testada em experimentos clínicos com Di-metil-triptamina (DMT), em um setting médico, realizadas pelo mesmo autor.
Em relação à ayahuasca, o trabalho científico mais importante que procurou estudar sua psicofarmacologia foi o trabalho realizado por GROB et al (1996). Neste estudo foram avaliados quinze homens que frequentavam o núcleo da União Do Vegetal (UDV) de Manaus-AM e que ingeriam regularmente a ayahuasca há mais de cinco anos e quinze indivíduos que nunca haviam ingerido ayahuasca, também do sexo masculino formando asim um grupo-controle. Estes indivíduos receberam uma avaliação psiquiátrica, uma avaliação de personalidade, uma avaliação da intensidade da experiência alucinogênica e testes neuro-psicológicos, descritos abaixo.
A avaliação psiquiátrica foi realizada através da aplicação de um questionário estruturado fechado, O CIDI (Composite International Diagnostic Interview) baseado nos critérios diagnósticos da CID-10 e do DSM-IV e validado para uso em dezesseis linguas (ROBBINS et al, 1988).
Os quinze indivíduos que tomavam ayahuasca não apresentaram nenhum diagnóstico psiquiátrico no momento da aplicação do questionário. No entanto, quando pesquisados os sintomas psiquiátricos do passado foram encontrados cinco casos de dependência grave por álcool representando 33,33% da amostra, seis casos de abuso ao álcool, sendo que metade destes indivíduos apresentaram quadros fóbicos anteriormente ao início do abuso de álcool, representando 20% da amostra total e dois casos anteriores de episódios depressivos maiores, correspondendo a 13,33% da amostra.
Os casos de dependência ao álcool apresentaram remissão total algumas semanas após os indivíduos começarem a frequentar os rituais. Com exceção dos dois primeiros meses, estes indivíduos referiram abstinência total ao álcool nos anos subsequentes ao início de suas participações nos rituais religiosos. É necessário ressaltar que o uso de ayahuasca que estes indivíduos vinham fazendo não preencheu os critérios diagnósticos para abuso ou dependência. O grupo controle apresentou apenas um caso de abuso por álcool no passado, com remissão dois anos antes da entrevista.
A avaliação de personalidade foi realizada através do Tridimensional Personality Questionary (CLONINGER,1963). Este instrumento possui três áreas de abrangência: excitabilidade exploratória ou “novelty seeking” ou , evitação de riscos ou “harm avoidance” e necessidade de recompensas “reward dependence”. A primeira delas apresentou diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Os membros da UDV apresentaram maior “rigidez estoica versus excitabilidade exploratória” (p< 0,049), “maior regimentação versus desordem” (p< 0,016) e uma diferença ainda mais significativa no espectro “reflexão versus impulsividade” (p< 0,1). No domínio do harm avoidance foram encontradas diferenças também significativas no espectro “confiança versus incerteza” (p< 0,043), com tendência a maior “espírito gregário versus timidez com estranhos” (p< 0,067) , maior “otimismo versus preocupação antecipatória” (p<0,098) e mais “vigor versus fatigabilidade e astenia”(p< 0,144). A terceira e última área, a de necessidade de recompensas, não apresentou diferenças significativas em nenhum de seus sub-domínios. A associação de baixas pontuações nas sub-classes de excitabilidade exploratória e evitação de riscos são vistas na literatura psiquiátricas como pessoas confiantes, otimistas, alegres, dispostas, despreocupadas e persistentes. Este instrumento (TPQ) foi inicialmente organizado estando relacionado às três principais aminas neurotransmissorsas e que denotam tendências hereditárias. Uma questão pertinente seria procurar saber, através de outros estudos, se os resultados encontrados neste trabalho correspondem a mudanças influenciadas pelo longo tempo de consumo de ayahuasca, ou se são fatores especificamente relacionados com indivíduos que procuram essa instituição.
A avaliação de intensidade dos efeitos da ayahuasca foi realizada através da aplicação da Escala de Mensuração dos Alucinógenos ou “Hallucinogen Rating Scale” (HRS), uma hora após cessados os efeitos da ingestão de cerca de cento e cinquenta mililitros de ayahuasca. Foram encontrados resultados semelhantes a uma dose intra-venosa de DMT (STRASSMAN, 1994) de 0,1 a 0,2 mg/kg nos espectros de intensidade, afeto, cognição e volição. No agrupamento percepção foi comparável com 0,1mg/kg de DMT e no agrupamento de cenestesia foi inferior a menor dose de DMT intra-venosa utilizada (0,05mg/kg).
A avaliação neuro-psicológica foi realizada através do WHO-UCLA “Auditory Learning Verbal Memory Test” (MAJ,1993). Os indivíduos da UDV apresentaram um desempenho pouco superior estatisticamente em relação ao grupo controle (p< 0,038). No entanto, fica evidente a necessidade de uma avaliação mais profunda realizada nos diferentes momentos, iniciando-se necessariamente antes do primeiro uso de ayahuasca e prosseguindo por vários meses após.
1.6. O Uso de ayahuasca na América do Sul
Há séculos, vários grupos índígenas do Brasil, Bolívia, Colombia, Peru, Equador e Venezuela têm usado ayahuasca em cerimônias religiosas. Estimam-se hoje que ainda existem cerca de sessenta povos indígenas distintos que fazem uso deste preparado. Em algumas delas, em rituais de cura, apenas o pajé e seu paciente ingerem o preparado e em rituais iniciáticos onde o uso é restrito aos adolescentes e seus pais (ANDRITZKY, 1989). Este uso restrito inicialmente às populações indígenas, passou a ser incorporado pelas populações urbanas de pequenas cidades e vilarejos da amazônia ocidental. Essas pequenas cidades eram compostas por migrantes de outras regiões desses países, índios que haviam deixado seus povos, religiosos remanescentes de missões colonizadoras. GOW (1994) em um artigo sobre xamanismo e história da amazônia argumenta que o uso contemporâneo de ayahuasca é parte de uma tradição pré-colombiana que se transformou e difundiu-se em contextos urbanos nos últimos trezentos anos, sendo incorporada como forma de prática de cura xamânica na região. As influências culturais dos povos pré-colombianos se fundiu nos séculos subsequentes às influências da colonização européia, da difusão do catolicismo através das missões jesuítas e franciscanas, e do fluxo migratório intenso para aquela região no início deste século, para extração do látex. O curandeiro típico da região é treinado para diagnosticar e curar doenças de diferentes naturezas através do uso de ayahuasca com um curandeiro mais velho, geralmente homem.
Nesta cultura, a doença é muitas vezes vista como uma feitiçaria que foi realizada contra o doente, e através do estado induzido pela ayahuasca, permite ao curandeiro ter revelações sobre as origens e meios de obter a cura para aquele indivíduo. Os curandeiros são vistos por suas comunidades como seres poderosos, desempenhando uma função de proteção espiritual para seus habitantes.
Por volta de 1959, José Gabriel da Costa, mais conhecido como Mestre Gabriel, funda um dos grupos religiosos urbanos que utilizam a ayahuasca regularmente em seus rituais no Brasil, a União do Vegetal (UDV), através do contato com seringueiros da região que usavam-na em rodas de amigos. Nascido no interior da Bahia, cresceu trabalhando na lavoura, e posteriormente foi morar em Salvador. Com cerca de vinte anos, deixa essa cidade, dirigindo-se para a Amazônia, onde na época ocorria um grande fluxo migratório em torno da extração do látex para a produção de borracha. Após algumas experiências com amigos em sua própria casa, começam a organizar aquele que seria posteriormente o primeiro núcleo dessa instituição, em Porto Velho, Roraima. Isso ocorreu em meados de 1961, e ao longo desses anos, foi se difundindo pelo resto do país. Hoje, estima-se que cerca de cinco mil pessoas participem dos rituais desta instituição em cerca de sessenta núcleos espalhados por todo o país.
Além da UDV, existe outro grupo religioso que utiliza a ayahuasca em seus rituais, o CEFLURIS (Cenro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra), ou Santo Daime, que também se originou na Amazônia algumas décadas antes do surgimento da UDV. Ambas se organizaram inicialmente na região amazônica e lentamente foram se expandindo para as demais regiões do país. Em ambos grupos, o processo de crescimento dos núcleos e locais de uso no sul do país aconteceu através de grupos de jovens que partiam das grandes cidades do sul do país em busca de novas experiências. Além da UDV e do Santo Daime, existem cerca de vinte outros grupos religiosos que possuem autorização legal, para uso ritual da ayahuasca no Brasil.
1.7. Classificação das substâncias psicotrópicas, segundo seus efeitos mentais. SCHUCKIT (1991)
1. Depressores do SNC (Sistema Nervoso Central) - Neste grupo encontram-se o álcool, os benzodiazepínicos, os barbitúricos e os opiáceos (ópio, morfina e heroína). São as substâncias que mais tipicamente provocam sintomas físicos de dependência.
2. Estimulantes do SNC - Neste grupo estão relacionadas as anfetaminas (encontradas nos medicamentos anorexígenos) e a cocaína (pasta-base, pó e crack)
3. Perturbadores do SNC - Aqui estão relacionadas as substâncias que fundamentalmente alteram a função psíquica da percepção, como os alucinógenos (LSD, mescalina, ayahuasca, e outros) e os cannabinóides (Maconha e haxixe).
4. Solventes - São um grupo heterogêneo como as colas, aerossóis, tintas e benzina, e podem produzir euforia inicial, depressão do Sistema Nervoso Central e confusão mental.
1.8. Conceituação de consciência e estados alterados de consciência
Procurar conceituar consciência é uma tarefa extremamente complexa e subjetiva. Vários autores de diferentes áreas do conhecimento têm se ocupado deste tema, tais como a Filosofia, a Psiquiatria e a Antropologia.
Podemos iniciar reconhecendo os usos da palavra consciência na língua portuguesa onde pode ter um sentido ético aparecendo como um juízo de valor, ou um sentido psicológico caracterizando uma tomada de conhecimento da realidade. A psicologia abre distinção de duas ordens de fenômenos em nossa atividade psíquica: aqueles de que temos conhecimento direto e imediato, e que constituem os conteúdos imanentes da consciência e aqueles que apenas nos são revelados de forma especial ou por meios indiretos. Desta forma a consciência representa apenas uma parte do nosso psiquismo, a menor talvez. Limita este campo, o que foi descrito por FREUD (1969) como pré-consciente, por KRETSCMER (1927) como mecanismos hipnóicos, e por WILLIAM JAMES (1900) como estados subliminares, de baixa consciência, descritos em vários matizes.
JASPERS (1954) conceitua a consciência como o todo momentâneo da vida psíquica. Tal idéia envolve a caracterização do estado de consciência como corte transversal da vida anímica, na unidade do tempo, ou mais precisamente em um dado momento, podendo embutir outras características intrínsecas fundamentais, como: a interioridade e atualidade da vivência; o eu diverso do não-eu; e o auto e hetero
conhecimento, imediato e instantâneo, de tudo o que se apresenta e se representa em nós e fora de nós, facultando a aferição simultânea do nosso próprio eu e do mundo exterior.
Outra forma tradicional de estruturar o campo da consciência é distinguindo as atividades funcionais: o intelectivo, o afetivo e o volitivo. As atividades intelectuais básicas são a percepção e a memória; e as superiores, de elaboração do conhecimento são a compreensão, ideação, imaginação , associação, pensamento, juízo, raciocínio, expressão. No plano afetivo, abstraído todo o contingente biológico que lhe serve de suporte, nos níveis mais primitivos distribuem-se os afetos, sob a forma de emoções, sentimentos, inclinações e paixões, com toda a gama de nuances e variações. No plano volitivo, mantida a ressalva anterior, inscreve-se toda a série de fenômenos, que começam na intenção e terminam na ação explícita, integrando o conceito de vontade, enquanto atividade consciente e deliberada.
Tais noções são bastante artificiais, principalmente quando tentamos aí reconhecer o normal e o patológico. Além disso não há faculdades psíquicas autônomas, mas sim dinâmicamente coordenadas em uma totalidade manifesta da consciência.
Consciência do eu, segundo JASPERS (1954), existe em todos os processos psíquicos, seja como percepção, sensação do corpo, recordação, pensamento, sentimento, recebe o tom de meu, do eu pessoal, e chama-se personalização. Pressupõe também a consciência do corpo físico, experiência que recebe o nome hoje de esquema corporal ou somatognosia. A forma, posição, limites e movimentos do corpo resultando da integração de todas as sensações: táteis, dolorosas, musculares, vestibulares e visuais.
Já os assim chamados estados alterados de consciência compreendem uma vasta e imprecisa aproximação de estados de consciência qualitativa e etiologicamente muito distintos. Segundo NOBRE DE MELO (1970), os estados alterados de consciência podem ser classificados em três conjuntos: embotamento ou entorpecimento, que se caracteriza por uma diminuição ou perda da amplitude ou claridade da vivência, comum em quadros confusionais relacionados a processos tóxicos orgânicos, como a uremia; o estreitamento, compreende particularmente uma redução da amplitude fenomênica do campo da consciência, descrito por JANET (1889) como “consciência alternante”e que se apresenta em situações como sonambulismo, posssessão, transes mediúnicos e estados de êxtase religioso; e o terceiro e último grupo, a obnubilação ou turvação, em que estão presentes um entorpecimento importantes, alterações do juízo de realidade e ideações anormais, com variações importantes dependendo da etiopatogenia do quadro, tais como o delirium tremens, estados crepusculares epiléticos e amência
Dentro deste modelo teórico descrito acima, é possível classificar o estado de consciência induzido pela ayahuasca em contexto religioso, como um estreitamento da consciência, e que guarda muitas semelhanças com o transe mediúnico e o êxtase místico. Segundo EY (1954), “em tais circunstâncias a consciência regridiria a etapas anteriores de integração funcional, em que os dois planos, o onírico e o vigil, se mesclam e se confundem arbitrariamente na corrente vivencial”. Tal ateração do campo da consciência, foi chamado por MAYER - GROSS (1969) de “oniróide”, por guardar muitas semelhanças com o sonho, mas sem exigir necessariamente a anulação ou aniquilamento do estado vigil, apenas sua “crepuscularização”.
JAMES (1900) escreveu uma obra marcante no sentido de possibilitar uma compreensão maior e mais subjetiva dos estados alterados de consciência: “ As variedades da experiência religiosa”. No início do século atual, o uso de substâncias
psicotrópicas na sociedade ocidental era quase inexistente, com exceção do álcool, e o autor relata sua participação nas primeiras experiências que começavam a ser realizadas com agentes anestésicos como o óxido nitroso: “ Alguns anos atrás, eu mesmo realizei algumas observações sobre esse aspecto da intoxicação pelo óxido nitroso e as relatei em letra de forma. Naquela ocasião, impôs-se-me uma conclusão e minha impressão de sua verdade, desde então, permaneceu inabalada. É que a nossa consciência desperta normal, a consciência racional como lhe chamamos, não passa de um tipo especial de consciência, enquanto que em toda a sua volta, separadas pela mais finas das telas, se encontram formas potenciais de consciência inteiramente diferentes. Podemos passar a vida inteira sem suspeitar-lhes da existência; basta porém que se aplique o estímulo certo para que, a um simples toque, elas ali se apresentem em sua plenitude, tipos definidos de mentalidade que têm provavelmente em algum lugar seu campo de aplicação e adaptação. Nenhuma explicação sobre o universo em sua totalidade poderá ser final se deixar de lado essas outras formas de consciência. A questão resume-se em como observá-las. Voltando os olhos para minhas próprias experiências, vejo que todas convergem para uma espécie de visão interior à qual não posso deixar de atribuir certa significação metafísica. “
Toda sua obra é permeada por relatos de indivíduos que passaram por experiências de alterações de consciência em diversas épocas da história. A maior parte desses relatos aconteceram sem o uso de substâncias que pudessem facilitá-los, havendo uma predominância de vivências religiosas que foram referidas como a via de contato com outros estados de consciência. Através desses relatos, o autor propôs quatro características comuns encontradas por ele nesses estados de consciência. São eles:
“ 1 - Inefabilidade - a mais jeitosa das marcas pelas quais classifico de místico um estado de espírito é negativa. Quem a experimenta diz incontesti que ela desafia a expressão, que não se pode fazer com palavras nenhum relato adequado do seu conteúdo. Disso se segue que a sua qualidade precisa ser experimentada diretamente; não pode ser comunicada nem transferida a outros. Por essa peculiaridade, os estados místicos assemelham-se muito mais a estados de sentimento do que estados de intelecto. Ninguém consegue explicar para outra pessoa, que nunca conheceu determinado sentimento, em que consistem a qualidade ou o valor dele.
2 - Qualidade noética - conquanto muito semelhantes a estados de sentimento, os estados místicos parecem ser também, para os que os experimentam, estados de conhecimento, estados de visão interior dirigida a profundezas da verdade não sondadas pelo intelecto discursivo. São iluminações, revelações, cheias de significado e importância, por mais inarticuladas que continuem sendo; e via de regra, carregam consigo um senso curioso de autoridade pelo tempo sucessivo.
3 - Transitoriedade - os estados místicos não podem ser mantidos por muito tempo. Muitas vezes quando aparecem, a sua qualidade pode ser apenas parcialmente reproduzida na memória; mas quando se repetem são reconhecidos; e de uma ocorrência a outra, são suscetíveis de contínuo enriquecimento no que se sente como riqueza e importâncias anteriores.
4 - Passividade - se bem a aproximação de estados místicos seja facilitada por operações voluntárias preliminares, como a fixação da atenção, a execução de certos gestos corporais, todavia, depois que a espécie característica de consciência se impôs, a pessoa tem a impressão de que a sua própria vontade está adormecida e , às vezes, de que ele está sendo agarrado e seguro por uma força superior...’’.
2. FARMACOLOGIA DA AYAHUASCA
O mecanismo farmacológico dos alucinógenos ainda não é totalmente conhecido. Os alucinógenos podem ser divididos em dois grupos básicos quanto à ação de seus principais agentes naturais ou sintéticos existentes na atualidade: os derivados da feniletilamina e os derivados do indol (SHULGIN,1982). Os primeiros possuem atividade mais estimulante e seu representante mais conhecido é a mescalina, enquanto os indóis são representados pelo LSD, psilocibina e DMT (di-metil-triptamina). Todos essas substâncias são encontradas na natureza, com exceção do LSD, que é produzido sinteticamente. Estudos realizados com LSD e outros alucinógenos têm evidenciado uma relação direta destes agentes como agonistas serotoninérgicos (FIORELLA,1995), especialmente 5HT-1A , 1B, 1D, 2 A e 2C . Estudos radiológicos in vitro localizaram populações de receptores serotoninérgicos com alta afinidade pelo LSD e outros agentes alucinogênicos. (MCKENNA et al, 1987). Receptores noradrenérgicos e dopaminérgicos são estimulados, porém não tão intensamente (LEYSEN, 1990).
Estudos realizados com ratos acrescentaram evidências de que as ações comportamentais, psicológicas e fisiológicas dos alucinógenos são transmitidas via mecanismos serotoninérgicos. O paradigma no qual um rato é treinado para manifestar um comportamento especializado em resposta ao LSD ou outro agente semelhante tem sido usado para caracterizar as especificações e as relações estrutura/ atividade de outros alucinógenos análogos. (Glennon, 1983). A resposta desses animais aos alucinógenos também é fortemente bloqueada com um antagonista serotoninérgico como a ketanserina (WINTER e RABIN, 1988; ARNT, 1989).
As implicações neurofisiológicas do sistema serotoninérgico em várias patologias do comportamento, como a depressão, compulsões, dependências químicas, ansiedade e esquizofrenia têm sido estudadas intensamente nos últimos anos (LEONARD, 1996 ). A utilização clínica nos últimos anos de anti-depressivos com ação agonista específica sobre o sistema serotoninérgico têm sido uma demonstração prática da relação deste sistema neurofarmacológico e essas patologias.
Em relação à dependência pelo álcool, estudos realizados com inibidores de recaptação de serotonina com ratos dependentes de álcool, demonstraram que havia uma redução importante no consumo de álcool após tratamento com estes agentes. (GILL, 1989; MYERS, 1991)
Outros estudos em animais têm demonstrado a existência de um fenômeno visto em humanos: o desenvolvimento rápido de tolerância aos efeitos dos diferentes agentes alucinogênicos ficou evidente através da percepção de uma baixa regulação seletiva dos receptores 5-HT2 em animais (MCKENNA, 1989), a única exceção entre estes agentes é a DMT ( di-metil-triptamina), que em um estudo recente realizado por STRASSMAN e cols (1997) demonstraram que esta substância em uso isolado não desenvolveu tolerância crescente após doses subsequentes temporalmente em seus sujeitos.
2.1 Aspectos botânicos da ayahuasca
Entre as incontáveis espécies de vegetais existentes na Bacia Amazônica e utilizadas por determinadas populações indígenas da região, talvez nenhuma seja tão interesante e desperte tanto interesse, como a ayahuasca, e que também é conhecida como hoasca, yajé, caapi ou daime. Ayahuasca é um termo Quechua que significa “vinho das almas”, e é um chá preparado a partir da fervura da casca e tronco de um cipó, a Banisteriopis caapi, com as folhas do gênero Psychotria, particularmente P. viridis, P. carthagenensis ou P. leiocarpa. No contexto da UDV são reconhecidas duas formas do cipó ou mariri comumente usadas no preparo do chá: tucunacá e o caupuri. Segundo usuários antigos haveriam efeitos sutis distintos entre as duas formas.
2.2 Aspectos fitoquímicos da ayahuasca
Os constituintes químicos das duas plantas que formam a ayahuasca parecem estar bem delimitados. A Banisteriopis caapi contém derivados beta-carbolínicos da harmina, tetra-hidroharmina e harmalina como principais alcalóides. Traços de outros derivados beta-carbolínicos também tem sido descritos: pirrolidina, shihunina e a
dihidroshihunina (KAWANISHI,1975;RIVIER&LINDGRIEN,1972;
MCKENNA,1984). A outra planta presente na mistura, a Psychotria viridis, contém um alcalóide principal, a N-N-dimetiltriptamina (DMT) , enquanto a N-metiltriptamina e a Metil-tetrahidroharmina aparecem como traços constituintes. MCKENNA et al (1984) demonstraram em um estudo realizado com ayahuasca peruana que 100 ml. continham 728mg de alcalóide total, dos quais 467 mg correspondiam à harmina, 160 mg `tetrahidroharmina, 41 mg a harmalina e 60 mg à DMT . Esta quantidade está dentro da variação de atividade da DMT administrada em outros experimentos por via venosa ou intra muscular (STRASSMAN & QUALLS, 1992). As dosagens acima citadas podem variar muito de amostra para amostra, já que estão sujeitas a alterações na forma de preparo e na quantidade e proporções colocadas de cada planta.
O estudo farmacológico mais completo realizado com pessoas, estudando a ayahuasca, foi o trabalho de NARANJO (1967). Este autor procurou estudar os efeitos específicos de uma beta-carbolina, a harmalina. Seus trinta voluntários facilmente distinguiram os efeitos desta em comparação com a mescalina pelas náuseas e desconforto físico, além de não reproduzir alguns dos efeitos típicos do LSD e da mescalina como alterações na percepção do meio e na noção de tempo, que permaneceram inalteradas na experiência com a harmalina. O único efeito descrito por ele que parece se assemelhar aos demais alucinógenos foi a ocorrência de visualização de imagens vívidas com os olhos fechados. Seus efeitos parecem ser mais sedativos e se assemelham aos trabalhos realizadas com Peganum harmala, vegetal que em suas sementes possui harmina e harmalina. Seus efeitos são mais depressores, sedativos (HASSAN, 1967). Sabe-se também que as beta carbolinas também interagem com receptores benzodiazepínicos.
No entanto uma observação importante deve ser feita: o trabalho descrito acima, foi realizado com harmalina, e esta beta-carbolina é encontrada apenas em traços na ayahuasca. O efeito alucinogênico decorre principalmente das folhas da Psychotria viridis, que contém DMT (MCKENNA, 1984).
2.3 Mecanismos farmacológicos de ação da ayahuasca
A ação alucinogênica observada nos usuários de ayahuasca está relacionada com a DMT, presente na Psychotria viridis, e que se for administrada isoladamente por via oral é inativada pelas enzimas monoaminoxidases (MAO) periféricas, não ultrapassando a barreira hemato-liquórica e consequentemente não atingindo seus sítios de ação no sistema nervoso central (SCHULTES,1972). A inativação dessa substância ocorre até acima de 1000 mg, por via oral (NICHOLS, 1991)
Por via parenteral, a DMT é ativa após 25 mg (STRASSMAN, 1992). A ayahuasca, sendo assim, só é ativa por ser uma mistura de duas plantas, na qual os componentes beta-carbolínicos da Banisteriops caapi possuem um forte efeito inibidor das MAO a nível gástrico e vascular periférico, permitindo que a DMT permaneça psicotropicamente ativa.
Em um estudo farmacológico realizado em Manaus com treze usuários antigos de ayahuasca (há mais de dez anos) e treze indivíduos voluntários sadios que nunca haviam ingerido o chá notou-se um aumento significativo (p = 0.006) nos sítios de ligação de serotonina em plaquetas nos indivíduos usuários do chá. O aumento espontâneo nos sítios de ligação para serotonina estão relacionados com a velhice (MARAZZITI et al, 1989). No entanto, neste trabalho não havia diferenças significativas de idade entre os dois grupos. Os autores deste trabalho (CALLAWAY et al, 1994) levantam algumas hipóteses baseados em escassas evidências científicas a respeito do assunto. Existem dúvidas, por exemplo, acerca de qual dos dois principais componentes do chá estaria implicado nesta alteração. As beta-carbolinas presentes no chá, apresentam grande afinidade por sítios de ligação serotoninérgicos, e uma possível alteração resultaria da interação dessa substância com esses receptores (AIRAKSINEN et al, 1991). Em relação à DMT, o outro princípio psicofarmacológico importante do chá, não existem muitos dados sobre sua possível interação com os sítios de receptores serotoninérgicos. Não seria surpreendente encontrar alguma relação nesse caso, já que a DMT já foi identificada em humanos, como uma molécula endógena (RAISAINEN et al, 1979) presente no Sistema Nervoso Central. Neste sentido, existe um trabalho publicado por STRASSMAN em 1992, que acompanhou um caso de um indivíduo que relatava uma diminuição importante dos efeitos do LSD, enquanto fazia uso de um inibidor específico da captação serotoninérgico. Provavelmente estes sítios estão envolvidos nas manifestações psíquicas características relatadas pelos usuários de alucinógenos, já que são consideradas representações bastante confiáveis dos processos neuronais (MARCUSSON et al, 1990) .
Os efeitos da ayahuasca diferem notoriamente dos efeitos da DMT administrada parenteralmente: os efeitos da primeira surgem cerca de uma hora após sua ingestão, são menos intensos, duram cerca de quatro horas e geralmente são acompanhados de náuseas e vômitos. A DMT na forma parenteral ou fumada surgem segundos após a administração, são muito intensos, duram cerca de dez a quinze minutos e raramente provocam náuseas ou vômitos. A harmalina e a harmina presentes na Banisteriops caapi também são alucinogênicas, mas nas doses encontradas usualmente na ayahuasca, não têm essa ação ( NARANJO, 1967).
A DMT e seus derivados e as beta-carbolinas e seus derivados estão espalhados no reino vegetal em várias espécies (ALLEN& HOLMSTEDT, 1980), e ambas têm sido detectadas como metabólitos endógenos em mamíferos, incluindo o homem (BLOOM, 1982). As metil-transferases que catalisam a síntese de DMT, 5-metoxi DMT e a bufotenina têm sido encontradas em tecidos humanos como: pulmão, cérebro, sangue, líquor, fígado e coração (MCKENNA& TOWERS, 1984). Embora a ocorrência, a síntese e a degradação da DMT nos sistemas mamíferos tenha sido foco de investigações científicas (BARKER, 1981), a possível ação neuro-regulatória deste composto psicomimético é ainda muito pouco compreendida. Psicotógenos endógenos têm sido sugeridos como fatores etiológicos possíveis na esquizofrenia e outros distúrbios mentais, apesar das evidências ainda serem muito controversas (FISCHMAN, 1983).
As beta carbolinas são compostos indólicos tricíclicos, próximos biosinteticamente e farmacologicamente com as triptaminas. A 2-metil-tetrahidro-beta-carbolina tem sido detectada na urina humana após ingestão alcoólica (ROMMELSPACHER, 1980) , e tem sido sugerido que essa classe de indóis poderia estar correlacionada bioquimicamente com o alcoolismo (RAHWAN, 1975).
As beta-carbolinas também exibem outras atividades biológicas além de seus efeitos sobre os sistemas neurofisiológicos. HOPP et al (1976) demonstraram que a harmina exibe uma importante atividade anti-tripanossomal contra o Tripanosoma lewisii. Este uso pode explicar o uso de ayahuasca na etnomedicina mestiça, especialmente no interior do Peru (DOBKIN DE RIOS, 1976) como um profilático contra a malária e parasitas do sistema digestivo(RODRIGUEZ, 1982).
3. JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
A existência de grupos religiosos que congregam hoje milhares de pessoas no país que fazem uso em seus rituais de um alucinógeno, a ayahuasca, e a escassez de estudos científicos relativos a este fenômeno cultural foram as principais motivações para a realização deste trabalho. Além disso, sabemos que são raros os relatos em outras culturas urbanas complexas contemporâneas, no tocante ao uso de substâncias psicoativas inseridas em um contexto religioso.
Ampliar o conhecimento acerca do estado de consciência induzido pela ayahuasca, podendo considerá-la uma síndrome alterando a percepção, cognição, volição e afetividade, entre outros vários efeitos mentais. Uma melhor caracterização deste quadro ajudará a compreender melhor as relações entre mente e cérebro.
A escolha da abordagem qualitativa para este estudo se deu por permitir uma exploração mais profunda de questões culturais e subjetivas que permeiam o processo dos indivíduos que frequentam a UDV. Além disso, pelo fato do estudo possuir uma interface com a psiquiatria , esta abordagem permite obter um enfoque especial crítico sobre a doença mental, no caso, o uso e oabuso de drogas e suas formas de evolução; como os transtornos são percebidos e vivenciados, além dos propósitos e alcance da própria psiquiatria. Para o antropólogo, a doença mental com suas formas e funções acontecem no “mundo natural”, conectando-se e transformando-se através de uma dialética condutora - a estrutura social e a experiência pessoal.Segundo KLEINMAN (1988): ” Na visão antropológica, esta interação recíproca entre o mundo social e a pessoa é a fonte do pensamento, da emoção e da ação. Essa dialética mediadora cria a experiência”.
4. METODOLOGIA
4.1 A abordagem qualitativa.
A abordagem qualitativa de um determinado fenômeno é uma forma bastante utilizada nas ciências sociais e não pode ser reduzida a uma única estratégia metodológica de investigação. PATTON (1990) coloca esta abordagem metodológica como um modelo de investigação que se diferencia da metodologia quantitativa experimental e caracteriza-se por três elementos principais: 1) ser uma forma de investigação que acontece no ambiente natural onde o fenômeno estudado acontece; 2) ter uma perspectiva holista, centrada na interpretação abrangente e contextualizada dos fatos observados; 3) buscar uma aproximação indutiva das questões estudadas, de forma que as interpretações vão possibilitar a formulação de hipóteses que podem gerar novos campos para pesquisa, confirmando ou não as teorias existentes na literatura a respeito do tema em questão.
O trabalho qualitativo vai trabalhar com aspectos simbólicos e subjetivos e vai utilizar as crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões dos indívíduos entrevistados, relacionando-os aos contexto onde os indivíduos vivem tais representações.
WILLMS (1993) refere que um elemento fundamental da abordagem qualitativa é o pesquisador como seu próprio instrumento de pesquisa. Neste sentido, é fundamental a subjetividade ligada à aproximação do pesquisador aos dados a serem coletados. No entanto, essa atitude não deve ser confundida com uma compreensão do fenômeno a partir das referências pessoais do pesquisador. Este, deve adotar uma postura dialética que além de buscar os significados e estruturas dos fenômenos, considere todo o processo de investigação dentro do contexto social analisado, procurando manter uma consciência crítica constante.
Portanto o pesquisador não trabalha em um ambiente controlado, não lida com variáveis pré - definidas ou parte de uma hipótese a ser testada; vai sim utilizar um enquadre teórico de referência e formula questões gerais para orientá-lo na coleta dos dados. Durante este processo, constrói hipóteses plausíveis, que poderão ser posteriormente testadas, seja através de métodos qualitativos ou quantitativos.
Validade e reprodutibilidade em pesquisa qualitativa
A avaliação da validade e reprodutibilidade na abordagem qualitativa é muito complexa, por tratar fundamentalmente de processos e significados e não de medidas sendo que os dados produzidos na elaboração da análise são descritivos e não numéricos (SCHMERLING et al, 1993). Existem, entretanto, meios de assegurar padrões de acurácia neste sentido. O pesquisador deve respeitar padrões de qualidade na condução do estudo, como a coerência com o modelo teórico de referência, procedimentos de investigação que permitam uma boa qualidade descritiva e a manutenção da conduta holista e indutiva no processo de estudo (PATTON, 1990).
Algumas medidas foram levantadas por alguns autores para testar a validade e reprodutibilidade dos estudos qualitativos na área de saúde. São eles: a realização da coleta de dados por mais de um pesquisador para avaliar a reprodutibilidade entre pesquisadores, a observação de fenômenos semelhantes em diferentes situações pelo mesmo pesquisador para avaliar a confiabilidade entre observadores, a comparação de dados obtidos através de diferentes métodos de estudos, para avaliação da validade convergente, a comparação dos resultados obtidos através da abordagem qualitativa com algum método quantitativo, e o diálogo com o informante, através do qual o pesquisador pode devolver suas interpretações e verificar se estas fazem sentido para o informante.
WILLMS (1993) desenvolveu um procedimento chamado de estratégias de triangulação, constituídas por: triangulação de dados, do pesquisador, de métodos e de teorias ou perspectivas. No entanto este autor ressalta que tais procedimentos não visam anular o caráter subjetivo do estudo qualitativo. Essa formulação, ao contrário, procura ser uma forma de conferir credibilidade a tais formas de pesquisa e propiciar que outros pesquisadores possam criticá-las, reproduzi-las e compará-las, ampliando assim as interpretações e achados resultantes de um determinado estudo.
A abordagem antropológica no campo da saúde mental propõe uma análise cultural das doenças mentais, a partir da apreensão de um determinado fenômeno pelo leigo, inserido em um determinado contexto sócio-cultural. Esta perspectiva significa uma integração de conceitos etnográficos ao campo de conhecimento da psiquiatria, em questões fundamentais tais como curso e evolução de distúrbios mentais e suas relações sócio-culturais.
A integração das abordagens “populares” e “científicas” de determinado fenômeno, realizado pelo antropólogo quando este confronta o conhecimento do nativo com suas próprias interpretações, possibilita a emergência de uma leitura mais válida, ainda que incompleta da elaboração cultural das experiências pessoais, abrindo espaço para a integração das narrativas e do conhecimento expressos nessas experiências às hipóteses científicas e enfoques pertinentes aos processos biológicos.
Segundo KLEINMAN (1988), o enfoque metodológico atual da antropologia cultural deve concentrar-se em estudar as bases cognitivas do comportamento cultural e explorar as particularidades de um fenômeno que é ao mesmo tempo social e psicológico, compartilhado por um grupo de pessoas de uma mesma cultura e contrastante entre grupos diferentes.
O conceito de modelos explanatórios
KLEINMAN (1980) desenvolveu o conceito de modelos explanatórios para descrever o conjunto de crenças sobre a doença formuladas por indivíduos em uma determinada cultura. Constituem-se por processos cognitivos e comunicacionais construídos para, de alguma forma, ordenar e dar significado à experiência de uma determinada doença. Não se equivalem, entretanto às crenças mais gerais sobre uma determinada doença, uma vez que estas noções estão atreladas às ideologias de saúde de um determinado sistema, existem previamente e independente da experiência da doença; os modelos explanatórios são elaborados em resposta a situações específicas, sendo por isso heterogêneos e instáveis, variando mesmo dentro de um determinado grupo cultural conforme se modificam as reações à experiência e ao contato entre o doente, seus familiares e conhecidos, e os profissionais de saúde.
Os modelos explanatórios são constructos que reúnem conjuntos de idéias idiossincráticas que cada indivíduo elabora usando componentes de sistemas distintos de crença, sendo essencialmente ambíguos. Estão relacionados com as concepções de tratamento e funcionam como elementos de controle e avaliação da evolução dos processos vividos, tanto para significá-los como para tentar prever seu desfecho. Os mesmos são utilizados por profissionais de saúde mental ou curandeiros e orientam as hipóteses sobre etiologia, patoplastia e curso da doença. A principal diferença dos modelos explanatórios “profissionais” e “leigos” seriam a estruturação da abordagem da doença pelos primeiros, e os últimos, de acordo com aspectos pessoais.
Etnografia
A antropologia cultural estabelece suas bases a partir da etnografia, através da observação, descrição e análise dos sistemas culturais a partir do ponto de vista de seus integrantes. Segundo GEERTZ (1973) a cultura pode ser melhor compreendida se a vemos como um contexto, um sistema simbólico coerente e generalizado de símbolos e significados que os indivíduos criam e recriam para si próprios no processo de interação social.
A etnografia, como interpretação descritiva do fluxo de um discurso social ou realidade social, pode se aproximar do método clínico em sua descrição cuidadosa e aprofundada dos fenômenos observados, porém sempre inserida em um contexto definido por KLEINMAN (1988) como o universo de relações e experiências constituintes de determinado grupo cultural e social.
A localização dos dados produzidos só tem validade se for ancorada no tempo, no espaço, e num determinado sistema social, o que impõe restrições às generalizações dos resultados, sendo esta uma condição inerente à proposta de abordagem etnográfica. Não se relevando tais fatores, corre-se o risco de dispender tempo e energia para produzir análises levianas, sem qualquer consistência.
4.2 Procedimentos do estudo
Este estudo envolveu a e entrevistas em profundidade com análise de seus conteúdos de quatro membros da União do Vegetal, além da realização de observações participantes em cerca de dez rituais. Tais procedimentos aconteceram no núcleo da UDV de Araçariguama, interior de São Paulo, a cerca de cinquenta quilômetros da capital.
A população entrevistada neste estudo foi composta por quatro indivíduos do sexo masculino que frequentavam regularmente os rituais religiosos da União do Vegetal há cerca de dois anos, e que haviam apresentado dependência por álcool no período anterior às suas entradas na União do Vegetal, e não apresentavam outros diagnósticos psiquiátricos no período anterior ou no momento atual da entrevista. Estes indivíduos apresentavam entre 18 e 40 anos de idade e todos frequentavam os rituais religiosos da UDV há pelo menos três anos, em uma frequência quinzenal. A escolaridade média encontrada foi de 13,2 anos; dois dos entrevistados eram casados e todos apresentavam um nível sócio-econômico médio. Três dos entrevistados eram trabalhadores ativos e um era estudante. As entrevistas foram individuais e foram transcritas e analisadas cerca de quatro horas com cada um dos indivíduos. Essas entrevistas não possuíam um roteiro prévio de perguntas, para permitir uma maior expressão das vivências e associações espontâneas desses indivíduos.
5. RESULTADOS
5.1 Contextualizando a análise
O contexto religioso e cultural da UDV
Sabe-se hoje que cerca de cinco mil pessoas estão ligadas à UDV, em várias cidades do país. Seus participantes ingerem o chá em sessões regulares quinzenais e em sessões anuais, como o aniversário do Mestre Gabriel, algumas datas comemorativas cristãs, como o dia de São João Batista e Natal, por exemplo.
Durante esses rituais, a doutrina religiosa e cultural seguida por seus membros é transmitida oralmente, e essa doutrina poderia ser denominada de cristianismo espiritualista, com influências orientais e de outras religiões. No único livro oficial publicado pela instituição: União Do Vegetal - Hoasca - Fundamentos e Objetivos, do Centro de Memória e Documentação da UDV (1989), podemos perceber tal orientação no seguinte trecho das pag. 22 e 23: “ Nesses termos, a União Do Vegetal sustenta que todas as religiões que pregam a existência de um Ser Superior (Deus) e orientam seus adeptos na prática do bem cumprem uma mesma e necessária missão espiritual, atendendo aos diversos graus de compreensão da humanidade.
A União Do Vegetal professa os mandamentos do Cristianismo, resgatando-os em sua pureza e integridade originais, livres das distorções que lhes imprimiu, ao longo dos séculos, a mão humana. Os Evangelhos bíblicos do Novo Testamento fornecem parte dessa orientação, que moldou e inspirou o comportamento dos cristãos nos três primeiros séculos da era atual. A partir daí, especialmente após os sete primeiro concílios (em Nicéia, em 325; em Constantinopla, em 381; em Eféso, em 431; em Caledônia em 451; e em Constantinopla, em 553 e 680), outros interesses de natureza secular, passaram a dividir a orientação da cúpula dirigente dos cristãos.
A consequência mais grave desse fenômeno - um sub-produto da institucionalização do Cristianismo - foi o desvio doutrinário, que resultou na exclusão de pelo menos uma Verdade de Fé da doutrina de Jesus Cristo, fundamental para a perfeita compreensão do conceito de Justiça Divina: a reencarnação. “
Além da crença nessas idéias, a instituição aos poucos foi desenvolvendo um conjunto de regras, sanções e valores morais que segundo seus membros, facilitam a evolução espiritual. A infidelidade conjugal e o uso de álcool e outras substâncias psicoaticas, são exemplos de práticas desaconselhadas por seus membros.
A instituição lentamente foi se hierarquizando e hoje seus membros estão divididos em mestres, conselheiros e discípulos. Os rituais são dirigidos pelo Mestre Geral Representante de cada núcleo, e não existem mulheres nesta função. Esta diferença hierárquica existe também na divisão de atividades do núcleo, como as atividades de preparo do chá e lanches e refeições que são servidos nos dias de trabalhos e rituais.
O uso da ayahuasca pelos seus membros é vista como uma forma de atingir um estado de êxtase e lucidez espiritual: “ O efeito do chá pode ser comparado ao êxtase religioso, fartamente definido pela literatura sacra oriental e ocidental. Para chegar-se ao êxtase - um estado de lucidez contemplativa, que coloca a pessoa em contato direto com o plano espiritual, ensinam a história dos santos, a Bíblia e a tradição oriental, percorriam-se difíceis e variados caminhos”
A UDV se originou na floresta, a partir do contato de José Gabriel da Costa e amigos com seringueiros e índios na Amazônia boliviana e brasileira, organizando seus valores, rituais e crenças religiosas com influências marcantes do Cristianismo e talvez somente a tradição oral de perpetuação de seus conhecimentos se assemelhe com a forma adotada pelos dos povos indígenas daquela região, apesar de sabermos que até o século III d.C , a Igreja Católica também seguia esta forma de transmissão de suas idéias e valores. (União Do Vegetal - Hoasca - Fundamentos e Objetivos, Centro de Documentação e Memória da UDV).
Durante os rituais, ocorre a distribuição do chá aos participantes pelo Mestre Geral, individualmente. O Mestre dosa, segundo sua impressão, a quantidade que cada indivíduo deve receber, não excedendo a um copo americano ( 150 - 200 ml.). Após isso, todos os participantes se sentam e procuram permanecer em silêncio. Após um certo tempo, o mestre autoriza as pessoas a perguntarem-no sobre as mais variadas questões e temas, religiosos ou não. O mestre pode respondê-las ou solicitar que outra pessoa procure responder a dúvida levantada. Ocorrem também rituais de preparo do chá, que duram às vezes, dois ou mais dias. Neste ritual, as pessoas permanecem geralmente em um lugar mais aberto e com locais adequados para o acondicionamento das grandes tinas onde são preparados o chá.
5.2 Análise dos dados obtidos
5.2.1 A estruturação e regulação dos rituais e sanções sociais existentes na UDV.
O uso de alucinógenos é uma atividade quase exclusivamente grupal nos diversas organizações que os usam nas culturas ditas desenvolvidas. A existência de um ritual bem estabelecido e conhecido por seus participantes os exclui da necessidade de cuidados com o contexto que outros usuários se preocupam em preparar em outros contextos. Por exemplo, boa parte dos usuários tem muito cuidado na escolha das pessoas e do local onde será realizada a experiência. Na presença de pessoas iniciantes ou pouco conhecidas pelo grupo, geralmente esses realizam uma preleção coletiva com a finalidade de atenuar ao máximo a possibilidade do surgimento de reações adversas e para proteção da experiência grupal. Mesmo quando um grupo já passou junto por uma experiência de usar um determinado alucinógeno, essa preleção é realizada para que haja um
planejamento de um “ritual informal”, com regras e combinações prévias daquilo que os participantes podem realizar, um preparo prévio da alimentação que será ingerida durante ou após o ritual, se serão utilizadas ou não tranquilizantes para pessoas que passem por uma “bad trip”, e se haverá ou não algum tipo de comunicação verbal entre os participantes, durante a experiência.
Outra sanção social internalizada pelos usuários de ayahuasca e outros alucinógenos se refere ao cuidado em não participar de uma experiência com estas substâncias sem estar eutímico e descansado. Planejar-se para ter o dia seguinte livre após o ritual também é uma sanção naturalmente adotada pelos entrevistados, sensivelmente incorporada, a fim de evitar consequências destrutivas.
Em grupos informais de usuários de alucinógenos outra sanção incorporada à experiência é a necessidade de um iniciante estar sempre acompanhado de um usuário experiente. No contexto religioso da UDV tal sanção acontece através de uma conversa com as pessoas que pretendem ter uma primeira experiência com ayahuasca e através de referências do membro que trouxe o iniciante.
O nome completo da UDV é Centro Espírita Beneficente União Do Vegetal e muitos de seus elementos demonstram a influência do Espiritismo em sua doutrina e símbolos. Um deles é a existência de uma mesa central para se realizar o que se chama sessão. É necessário que ambas as pontas da mesa estejam sempre ocupadas para se prevenir a presença de influências maléficas. Além disso, durante o ritual se realizam chamadas para os espíritos tutelares, como o Mestre Caiano.
Elementos oriundos do Cristianismo também são numerosos e apresentam-se incorporados ao culto: orações como o Pai-Nosso, o sinal da Cruz, e uma preocupação excessiva com a atitude moral e com a caridade. No entanto o ritual parece não manifestar em sua estrutura as crenças e valores religiosos teóricos da instituição. No Santo Daime, aspectos religiosos cristãos, espíritas, indígenas e africanos apresentam-se mais incorporados e presentes em seus rituais. Os hinos, o bailado e o uso de “maracás” são exemplos dessas práticas ( HENMAN, 1986).
Os rituais acontecem geralmente ao anoitecer, aos sábados quinzenalmente e em alguns outros dias de comemorações anuais, como o aniversário do fundador, Natal, e o dia de São João. No alto de uma das extremidades da mesa central há uma foto do Mestre Gabriel e as demais pessoas sentam-se circularmente em relação a esta mesa. No início do ritual o mestre pede a todos que fiquem de pé, realiza uma pequena oração e posteriormente as pessoas se aproximam da mesa para tomarem sua dose da bebida, que é servida a cada um pelo mestre. Primeiramente bebem os mestres e conselheiros e posteriormente os novatos. Durante a primeira meia hora são lidos os estatutos e regimentos da UDV, onde são ditas algumas regras da instituição como não ter relações sexuais nos três dias anteriores ao ritual, não beber ou fumar durante o ritual, usar o jaleco verde da UDV durante os rituais, além de uma referência ao episódio policial envolvendo a instituição em 1970, e que teve uma resolução favorável à mesma.
Quando os efeitos começam a surgir, o mestre começa a circular entre os participantes perguntando a cada um deles duas questões: Se há borracheira, e se há luz. Durante as duas próximas horas ocorrem vários períodos de silêncio, que são interrompidos por chamadas ou canções que evocam os espíritos protetores, cantadas geralmente por um dos mestres. Quase todos se mantém sentados, de olhos fechados. Se alguém deseja sair, deve solicitar permissão ao mestre e deve seguir o sentido anti-horário em relação à mesa central. À medida que os efeitos vão diminuindo, aumentam os diálogos e é comum haver a reprodução de algumas músicas através de aparelhos fonográficos.
Ao final, o mestre novamente passa por todos os participantes e pergunta novamente como foi a “borracheira”. Posteriormente, geralmente é servido um lanche e todos os participantes conversam sobre suas experiências em pequenos círculos, muito semelhantes a outras formas de reunião social.
O trecho abaixo, de uma das entrevistas realizadas, demonstra como a instituição foi organizando suas sanções e rituais sociais.
“...Existe uma rigidez na doutrina, mas que eu não sei se não existia a possibilidade da coisa fugir do controle, e eu acho que isso está ligado a nossa incapacidade como dirigentes , ligada a uma insegurança de não conseguir trabalhar com algumas coisas na consciência. A gente tem uma consciência de que a gente não pode deixar acontecer algumas coisas. Na UDV, a gente sente como uma religião muito viva, acontecendo de uma de uma maneira muito humana, com acertos com erros, com limitações , tentando se rever o que se fez....”
5.2.2 Acerca dos efeitos subjetivos relacionados à experiência com ayahuasca
As experiências relatadas sobre o impacto e intensidade das experiências são frequentes e marcantes para os indivíduos entrevistados.
“...Eu lembro que a minha primeira “borracheira” (estado de consciência induzido pela ayahuasca) foi muito forte, eu nunca tinha sentido nada tão intenso e claro, e eu percebi muitas coisas sobre a minha vida, e a impressão que eu tive foi que eu consegui pensar coisas que eu levaria dias pra conseguir ter acesso num estado normal. E eu acho que eu parei aquela época por não querer continuar enxergando aquelas coisas tão reais...”
“ ... O aumento da sensibilidade, o aumento da percepção das coisas, a fluidez com que você pensa, com que você passa a examinar determinados aspectos da sua vida, são realmente muito fortes durante a borracheira...”
Uma possibilidade muito intensa de transformação de atitudes e de personalidade eram frequentemente ressaltadas, como consequência da adesão ao ritual e aos insights vivenciados durante a experiência com o chá. Os relatos dos indivíduos entrevistados neste trabalho demonstram que a experiência com ayahuasca trouxe modificações importantes em suas vidas, e todos afirmaram que essas mudanças aconteceram a partir da percepção de elementos da realidade que atravessavam quando bebiam compulsivamente. No entanto, todos os entrevistados ressaltaram também que as modificações aconteceram lentamente e através de uma tentativa concreta de mudança de atitudes e hábitos cotidianos.
O estabelecimento de uma cumplicidade entre os participantes dos rituais, surge intensamente e é percebida como uma possibilidade de aproximação maior e uma melhora nas relações interpessoais. Compartilhar a experiência propicia, segundo eles, um sentimento de ligação muito forte com os demais, contrastando paradoxalmente com uma outra impressão também relatada de que as experiências fortaleciam e reforçavam a importância do desenvolvimento de características individuais de personalidade.
5.2.3 Acerca da experiência religiosa
Outra percepção também permeou o relato dos indivíduos entrevistados neste trabalho: a possibilidade de ter insights pessoais profundos que influenciaram e transformaram vários aspectos de suas vidas. Segundo os indivíduos entrevistados, a busca religiosa está diretamente relacionada com o desenvolvimento e ampliação da consciência, vivenciada através de mudanças profundas de atitudes e comportamento. O trecho abaixo retrata esta forma de perceber a realidade:
“...Ou então aquela pessoa que vai na missa no domingo e acha que ja cumpriu o que deveria para aquela semana, e eu ja achava que a religiosidade era uma coisa mais ativa, que envolvia uma busca mais engajada da pessoa. Eu acho que o que mais mudou em mim foi ver que eu precisava ter muita fé e acreditar que havia um poder dentro de mim, e que envolve uma busca superior. E até hoje eu sinto que estas verdades têm se mantido muito fortes dentro de mim aqui na UDV...”
Outro relato muito frequente é a sensação de estar em contato com Deus intensamente, durante o estado de consciência induzido pela ayahuasca. Essa sensação parece trazer mudanças psicológicas importantes para os indivíduos entrevistados. Os trechos seguintes demonstram claramente essa percepção:
“É engraçado, porque algumas coisas que eu descobri aqui eu não tenho como voltar o filme e esquecer essas coisas, por exemplo, a partir do momento que você sentiu a presença de Deus você não consegue mais esquecer deste sentimento e dizer que ele não existe...”
“... Quando eu fazia alguma coisa errada eu ouvia sempre uma vozinha lá dentro me dizer que aquilo não era certo, mas a gente às vezes insiste em não ouvir essa voz, mas eu fico me pensando quem é essa vozinha, e eu acho ela vem de algo superior que a gente tá procurando restabelecer contacto e que eu acho que é uma forma de contacto com Deus, até porque eu acho que a gente é um pouco dele. É difícil falar dessas coisas...”
5.2.4 Relações entre o uso anterior de álcool e o uso posterior de ayahuasca.
Através das entrevistas foi possível perceber que os indivíduos entrevistados relatavam que no período em que estavam usando álcool e outras drogas sentiam muita ansiedade e apresentavam dificuldades emocionais importantes em suas vidas. No entanto, ao começarem a frequentar os rituais da UDV e beberem a ayahuasca, referiram que passaram por mudanças profundas a partir de um contato direto com aspectos difíceis de suas personalidades. Neste sentido, a experiência com a ayahuasca parece não reproduzir um aspecto presente na experiência e na busca dos farmacodependentes, onde o uso das diferentes substâncias, como o álcool e a cocaína, acontece motivado por uma vontade de obter prazer e se distanciar da realidade. Segundo os relatos dos indivíduos entrevistados neste trabalho, o uso de ayahuasca parece bastante distinto. Os trechos abaixo relatam essa experiência:
“...Neste sentido, as duas substâncias que eu usei deixam a pessoa iludida mesmo com relação ao que ela é, e o vegetal é o oposto disso, a pessoa acorda realmente para aquilo que ela é mesmo. Eu acho que tem muita gente que não vê assim , que pensa que o vegetal é como as outras drogas, a diferença é que com o vegetal a gente vê a realidade... “
“...Quando eu comecei a beber o chá eu saquei que aquela podia ser uma forma parecida de poder me tratar, mudar minha personalidade. Eu sinto que esse período que eu comecei a beber provocou mudanças muito fortes na minha vida. Eu sinto que houve uma depuração dos meus conceitos, porque uma característica importante do chá é aprimorar o espírito, com isso fica melhor o meu critério, melhorar meu relacionamento profissional , com a família. O chá permite que cada um se veja num espelho sem nenhuma interferência, muito claramente, e o chá só traz pra gente aquilo que a gente pode assimilar, pode ver....”
“...Eu acho que a UDV me trouxe um caminho de perceber esse vazio, e que a hora que eu resolvi encarar esse vazio, a UDV foi muito importante porque me ajudava a ver claramente que coisas eu tinha que mudar na vida, e via que aquele caminho antigo não era bom....”
Através desses relatos e de outras observações foi possível concluir que os indivíduos entrevistados não haviam transferido a relação compulsiva que mantinham com o álcool para a relação que depois estabeleceram com a ayahuasca ou com a instituição religiosa.
6. DISCUSSÃO
A compreensão das reais motivações que têm levado o homem a usar substâncias exógenas com a finalidade de promover alterações importantes do estado de consciência permanece ainda muito obscura. Este uso aconteceu ao longo de toda a história da humanidade desde seus tempos remotos e sempre foi restrito a rituais bem delimitados, com finalidades bem claras e fortemente inseridos na cultura dos povos primitivos.
É possível saber que este uso era sempre muito ritualizado e em quase todos os povos era restrito aos homens em rituais iniciáticos e ou ao pajé e seus “pacientes” em rituais de cura. Os rituais iniciáticos aconteciam muitas vezes longe da tribo onde estes indivíduos habitavam, por serem secretos e visavam introduzir os adolescentes no mundo dos adultos. Para isto os homens permaneciam, muitas vezes, dias na floresta com estes jovens ingerindo tais substâncias, muitas vezes sem se alimentarem. O ritual existia para que o jovem pudesse demarcar claramente a passagem e as transformações que eram exigidas para que adentrasse no mundo dos homens. O ritual iniciático propiciava que o jovem realizasse simbolicamente a morte de muitos valores e atitudes que tinha até aquele momento e renascesse num universo de novos valores e responsabilidades que passava a ter após o ritual. Neste sentido a “coincidência” que verificamos frente a escolha quase unânime de substâncias alucinogênicas por estes povos é um fato importante que deve ser destacado.
Os quatro indivíduos entrevistados neste trabalho apresentavam dependências importantes ao álcool, e dois deles também de cocaína, no período anterior à entrada na UDV e aparecem em seus relatos a busca de algo nessas drogas que não era satisfeito após o seu uso. No entanto quando entram em contacto com a ayahuasca em um ritual religioso, esta experiência é vivenciada como um estado de clareza acerca da realidade interna, bastante distinta das experiências com o álcool e demais substâncias. Esta nova vivência parece reproduzir aspectos das experiências iniciáticas dos povos primitivos apresentando contornos e desdobramentos bastante distintos quando comparadas com o uso anterior de álcool e outras substâncias.
A religiosidade presente nos indivíduos que frequentam a UDV é bastante sincrética, semelhantemente às manifestações religiosas no país. Há um ecletismo quanto a diferentes abordagens e concepções de diferentes religiões, predominando uma admiração e devoção ao fundador da instituição, Mestre Gabriel. Ele e seus mais próximos discípulos fundadores, são vistos como figuras importantes e dignas de um
respeito solene pelo que foram e pelo que representam para os atuais participantes da UDV. Estas características são reforçadas a partir da transmissão oral dos conhecimentos dos mais velhos, que acontece durante os rituais pelo mestre representante e demais membros mais antigos. Estas duas características importantes reproduzem valores presentes nas culturas primitivas.
Religião, como diria OTTO (1917), pode ser definida como uma acurada e conscienciosa observação do “numinoso”, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato voluntário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o indivíduo. De qualquer modo as doutrinas religiosas procuram relacionar este estado a uma causa externa. No entanto o numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência. As práticas rituais são executadas unicamente com a finalidade de promover o efeito do numinoso, mediante certos artifícios como a invocação, o encantamento, o sacrifício, a meditação e outras formas. Contudo, geralmente a existência de um sistema doutrinário religioso precede essas práticas rituais (JUNG, 1971).
Os rituais se estabelecem a partir da experiência de um ou mais indivíduos que concebem o numinoso e organizam dogmas e práticas que facilitem sua manifestação. Paralelamente aos rituais, a crença exerce um papel fundamental no estabelecimento de uma ligação religiosa. A crença supõe uma classificação das coisas reais ou ideais em duas polaridades opostas que são o profano e o sagrado. Essa distinção varia de cultura para cultura, e consequentemente dentro de cada sistema religioso (DURKHEIM,1912). No entanto, o conhecimento e incorporação dessa distinção somente pode acontecer a partir de uma transformação da consciência que, a partir de determinadas circunstâncias, pode passar a distinguir estas duas polaridades.
Neste sentido, as experiências com ayahuasca dentro de um ritual religioso com práticas e valores bem delimitados promovem um despertar da consciência para essa polaridade, e também de contato com o numinoso. Assim poderíamos pensar que o chá pode funcionar como um facilitador dessas vivências, que não podem mais ser encontradas nos cultos tradicionais da Igreja Católica, por sua excessiva dogmatização e dessacralização progressiva de seus rituais. Notamos assim, que os sistemas religiosos concebidos inicialmente pela UDV e pelo Santo Daime, apresentam um sincretismo muito sintônico com a religiosidade da cultura brasileira ao incorporar uma prática da cultura indígena, o uso da ayahuasca ritualmente e, adotando valores, deuses, santos e conceitos do Cristianismo, com uma diferença importante no que concerne à reencarnação.
Quando um certo número de coisas sagradas mantém entre si relações de coordenação e subordinação, de maneira a formar um sistema dotado de uma certa unidade, mas que não participa ele próprio de nenhum outro sistema do mesmo gênero, o conjunto das crenças e dos ritos correspondentes constitui uma religião. Assim uma religião não se reduz geralmente a um culto único, mas consiste em um sistema de cultos dotados de certa autonomia e com diferenças internas entre si importantes. No Santo Daime, por exemplo existem vários rituais distintos que se conjugam dentro do sistema, complementando-se.
As primeiras experiências com drogas e o estabelecimento de regras e limites para o uso.
As primeiras experiências com substâncias ilegais trazem, em geral, grande apreensão e expectativa ao iniciante. Muitos mitos e informações exageradas sobre o uso de drogas permeiam e influenciam na ansiedade presente nos momentos antecedentes aos primeiros contatos com uma determinada droga. O trabalho de Becker H.S. de 1953, “Becoming a marihuana user” retrata claramente às expectativas e temores criados no período anterior às primeiras experiências de uso de uma substância ilícita.
Especificamente em relação à cannabis e os alucinógenos, ambos pertencentes a uma classe farmacológica idêntica, mas com intensidade de efeitos distintas, há o relato frequente do aparecimento de efeitos atípicos nas primeiras vezes de uso, que sugerem a importância do estado psicológico do indivíduo no período anterior às primeiras experiências.
Alguns trabalhos também puderam evidenciar (HARDING, 1977), que os iniciantes se organizam para estarem acompanhados de usuários experientes nas primeiras experiências, numa tentativa de amenizar as fantasias e temores referentes às experiências que pudessem surgir sob efeito do psicotrópico.
Classificação dos diferentes padrões de uso de substâncias psicoativas
Paralelamente às tentativas formais de definição e objetivação do fenômeno, alguns termos têm sido mais utilizados e incorporados à prática de pesquisadores e psiquiatras que lidam com a questão. São eles o uso recreativo e o abuso. O primeiro concerne ao uso esporádico de uma determinada substância, evidenciando-se a ausência de prejuízos em qualquer esfera da vida do indivíduo. OLIEVENSTEIN (1983) coloca que: “ Para as pessoas que fazem uso esporádico ou recreativo, o uso da droga aparece como mais uma escolha, sem prejuízo de outros campos do desenvolvimento da personalidade. Representa uma reação comum aos adolescentes e adultos jovens, que mais tipicamente transgridem em busca do prazer de transformação da realidade externa e individual de um processo normal de desenvolvimento e de construção da identidade” O abuso seria definido como um uso mais intenso que o recreativo e que ocupa um espaço maior na vida do indivíduo podendo chegar a prejudicá-lo em algumas áreas em determinadas situações. No entanto esse padrão de uso deve ser avaliado caso a caso, já que as características individuais e do contexto onde a droga é utilizada trazem dados singulares que não podem ser generalizados num conceito rígido. A dependência seria caracterizada por prejuízos significativos em várias áreas da vida do indivíduo e uma compulsão intensa na relação com a substância ou as substâncias.
As definições oficiais para os diferentes padrões de uso privilegiam aspectos quantitativos, tais como a intensidade, a frequência, e a dose utilizada; e não valorizam aspectos qualitativos das experiências dos indivíduos, como a maneira e condições em que a droga é usada e o contexto social: como por exemplo , o local, finalidades pessoais para o uso, sanções e rituais específicos para usuários de substâncias específicas, e se o uso acontece solitariamente ou em grupo.
Para os primeiros, a experiência é comumente referida como um aumento na senso-percepção de todos os sentidos e também em relação à realidade subjetiva individual e coletiva. Esta vivência pode ou não ser acompanhada de ilusões visuais, auditivas, olfativas e dos demais sentidos. Uma manifestação específica é também frequentemente citada: seriam a presença de “mirações” que segundo o relato destes indivíduos parece ser um processo de evocação de imagens, como se fosse um “sonho acordado”. É interessante notar que essas vivências são relatadas como portadoras de uma forte carga emocional vivenciada como representações simbólicas da realidade subjetiva destes indivíduos. Este estado também é caracterizado por uma intensa sugestionabilidade. No contexto religioso que acompanhamos há um incentivo e uma ideologia básica de se submeter a experiência com a finalidade de ampliação da consciência e crescimento espiritual que estariam ligados à incorporação gradual dos conteúdos subjetivos advindos durante a experiência.
Já para aqueles que se aventuram a usar um alucinógeno sem um contexto adequado, as experiências parecem não repercutir de maneira satisfatória. Não é infrequente o surgimento de sintomas psicóticos, ansiosos e fenômenos de despersonalização, além do aparecimento posterior de “flashbacks”, que são reminiscências da experiência alucinogênica mas que quando surgem na consciência evocam muito medo e uma sensação de que toda a experiência vivida com o alucinógeno possa retornar subitamente. Os “flashbacks”geralmente são carregados por conteúdos da experiência, contém uma forte carga emocional e podem surgir na consciência vários meses após o uso do alucinógeno.
A vivência e a recordação de alguns componentes da experiência, aliados a particularidades farmacológicas parecem explicar a baixa prevalência de quadros de abuso e dependência de alucinógenos na cultura ocidental.
A questão do contexto referida anteriormente, parece exercer extrema importância para a segurança dos participantes de um ritual religioso em que fazem uso de um alucinógeno. A mesma conclusão é fornecida por pesquisadores que utilizaram estas substâncias em settings clínicos.
A abordagem antropológica do uso de substâncias psicoativas
A contribuição da antropologia para a compreensão desta problemática consiste em mostrar como existem diferentes maneiras de utilizar substâncias alteradoras da consciência, em função de variáveis culturais e sociológicas. Estas não só se somam como complexificam as distinções que possam existir farmacologicamente. Poder-se-á inclusive, perceber porque certas substâncias são mais toleradas do que outras mesmo quando em termos de sequelas pudessem ser até mais graves e violentas. Seria o caso por exemplo do alcoolismo e do uso regular de barbitúricos. O objetivo do cientista social deve ser procurar entender a relação entre o consumo de drogas com uma visão de mundo e estilo de vida ou, em outros termos, como uma construção social de realidade específica. Para compreender um determinado padrão de uso de uma determinada droga é necessário que sejam estabelecidos seus significados dentro da sub-cultura particular na qual existem. Há uma escala de valores específica e um “ethos” lúdico e hedonista e uma visão de mundo com uma noção de indivíduo e tempo distintas de outros grupos ou sub-culturas de nossa sociedade ( VELHO, 1980).
Alguns trabalhos etnográficos, como o de Zinberg e cols.(1984) , demonstram que os alucinógenos, a partir da década de sessenta do presente século, foram consumidos por americanos jovens em sua maioria, e a incidência e gravidade dos distúrbios psiquiátricos e psicológicos surgidos nos primeiros dez anos não se manteve nas décadas seguintes. Os autores atribuem isso ao estabelecimento cultural de sanções sociais e rituais que passaram a proteger a experiência alucinogênica, reduzindo assim as intercorrências a níveis ínfimos.
No estudo citado anteriormente, foram entrevistados com uma abordagem qualitativa, 39 pessoas que faziam uso de alucinógenos; 6 que foram classificados como usuários compulsivos, e 33 usuários controlados. Neste estudo três características básicas concernentes ao padrão de uso específicos dos alucinógenos ficaram evidentes: não causavam dependência, poderiam ser consideradas drogas de “alto impacto”, pela intensidade da experiência vivenciada, e seus usuários apresentavam rápida tolerância aos seus efeitos, se usados com uma frequência alta em um período curto de tempo. Essa tolerância possui mecanismos farmacocinéticos parcialmente estudados, e que são compatíveis com relatos clínicos e etnográficos de usuários frequentes de alucinógenos.
Além dos usuários de alucinógenos, foram entrevistados usuários de duas outras drogas : opiáceos e maconha, tendo sido avaliados 98 e 22 indivíduos, respectivamente. Foram muito evidentes as diferenças entre os usuários dos três grupos quanto à experiência subjetiva com a droga, contextos em que eram geralmente utilizadas, formas de controle do uso e intenções subjetivas para a busca da alteração de consciência obtida com aquela determinada substância.
Acerca dos efeitos subjetivos da experiência com ayahuasca no contexto a UDV.
Foi possível perceber através dos relatos deste trabalho que os participantes tinham dificuldade em reconhecer que a experiência com a ayahuasca pode ser muito interessante para pessoas, mas isso não acontece absolutamente para a maioria das pessoas, que preferem não se arriscarem. Um comprometimento muito grande com a vivência e com a instituição e um proselitismo ativo em relação a mesma permeiam o processo desses indivíduos.
Uma possibilidade muito intensa de transformação de atitudes e de personalidade eram frequentemente ressaltadas, como consequência da adesão ao ritual e aos insights vivenciados durante a experiência com o chá. Em estudos realizados na década de sessenta e setenta nos EUA com usuários de LSD observou-se o desenvolvimento de idéias e aplicações muito semelhantes para as experiências com estas substâncias.
Contudo, ao contrário do que aconteceu no Brasil com o surgimento dos grupos religiosos que usam a ayahuasca, muitos dos usuários americanos procuraram se organizar em torno de preceitos religiosos novos, mas que apresentavam modos de pensar bastante bizarros. Um fator fundamental para tal diferença cultural está
provavelmente na forma como ambas, as duas culturas, vêem predominantemente o uso das duas substâncias, e o lugar que esses grupos ocupam dentro das mesmas.
O estabelecimento de uma cumplicidade entre os participantes dos rituais, surge intensamente e é percebida como uma possibilidade de aproximação maior e uma melhora nas relações pessoais. Compartilhar a experiência propicia, segundo eles, um sentimento de ligação muito forte com os demais.
Outra percepeção também permeou o relato dos indivíduos entrevistados neste trabalho: a possibilidade de ter insights religiosos e filosóficos profundos que influenciaram e transformaram vários aspectos de suas vidas.
Ao contrário do que imaginávamos inicialmente, as questões relativas a estrutura pessoal de personalidade não se apresentaram como os fatores desencadeadores de “bad trips” ou outras complicações psiquiátricas. O contexto, o grupo, e as sanções sociais existentes parecem desempenhar uma função muito importante de contenção para as dificuldades pessoais dos participantes.
Segundo TURNER (1980) os rituais transformam o obrigatório no desejável, colocando as normas éticas e jurídicas da sociedade em contato com fortes estímulos emocionais, e essas considerações parecem se adequar ao processo observado neste trabalho. Segundo este autor: “No ritual em ação, com a excitação social e os estímulos diretamente fisiológicos - música, canto, drogas, incenso - poderíamos dizer que o símbolo ritual efetua um intercâmbio de qualidade entre seus dois polos de sentido: as normas e valores se carregam de emoção, enquanto as emoções básicas e grosseiras se enobrecem através de seu contato com os valores sociais. O fastídio da repressão moral se converte no amor pela virtude”.
O estado de consciência induzido pela ayahuasca e outras formas de alteração da consciência.
É extremamente complexo exprimir as características comuns dos estados de consciência induzidos por alucinógenos. Seja pela elevada subjetividade subjacente à experiência por si só, mas também por outros fatores que serão expostos. O principal talvez seja a marcante influência da personalidade do indivíduo no momento em que este usa o alucinógeno. Outro fator estreitamente envolvido com a questão seria o contexto no qual este indivíduo teve a experiência. O estado de consciência induzido por alucinógenos promove alterações importantes no funcionamento psíquico, colocando o indivíduo em contato com níveis mais profundos de sua personalidade. Tais alterações podem trazer consequências graves se não acontecerem em um contexto protegido. A delimitação do contexto em que se dará o uso do alucinógeno, no caso da UDV parece promover essa contenção à experiência, e seus membros demonstram em seus relatos a percepção que têm a respeito da necessidade de cuidarem do “setting” em que usam o chá.
ZINBERG e cols (1984) em um trabalho qualitativo realizado nos EUA com três grupos distintos usuários de heroína, maconha e alucinógenos, concluíram que os dois fatores citados acima (características de personalidade e contexto), juntamente com as especifidades farmacológicas da substância usada seriam a tríade fundamental para avaliação de um usuário de alguma substância psicotrópica, ou seja, cada caso deve ser avaliado individualmente evitando generalizações.
Estes autores encontraram disposições pessoais, sensações e motivações semelhantes aos relatos dos indivíduos entrevistados em nosso trabalho. Naquele trabalho, os americanos referiam motivações religiosas e preparavam com antecedência um contexto apropriado para se submeterem à experiência, sem estarem, contudo, fazendo este uso ligados a algum grupo religioso. Este trabalho também confirmou a escassez de casos de abuso de alucinógenos, possivelmente por seus efeitos serem extremamente desagradáveis em contextos pouco delimitados.
O relato do compositor Caetano VELOSO (1997) sobre sua primeira experiência com ayahuasca há cerca de vinte anos em um ritual informal com alguns amigos exprime alguns aspectos importantes do estado de consciência induzido por esta substância: “...era-me evidente que o que eu via de olhos fechados era mais real do que o que eu via de olhos abertos. Mas o que quer dizer mais real? Eu podia me ver vendo o que via e, embora sabendo que tudo eram instâncias ilusórias, era capaz de julgar o que se aproximava mais do real absoluto. Não havia nenhuma desvalorização do real cotidiano: eu sabia de mim, dos meus e do mundo - e minha capacidade de amor por tudo isso estava muito aumentada. Apenas eu entrara em contato com um nível de realidade mais funda e mais intensa. E o fato de eu poder amar com mais força o que aí se apresentava contribuía para a intensificação do meu amor pelo mundano comum... ...De fato, por mais de um mês eu me senti vivendo como que um palmo acima de tudo o que existe. E por mais de um ano certos resquícios específicos se mantiveram. Na verdade, algo de essencial mudou em mim a partir daquela noite.”
7. CONCLUSÃO
A complexidade de estudar uma determinada doença mental, no caso a dependência ao álcool, e seu curso a partir da inserção em um grupo religioso que utiliza um alucinógeno em seus rituais foram fatores determinantes na escolha do método qualitativo. Este método, no entanto é gerador de hipóteses por definição e pela subjetividade inerente a seus instrumentos e formas de investigação. Além disso, não consideramos esgotadas as possibilidades de compreensão e aprofundamento científico dos temas e fenômenos estudados. Ao contrário, sabemos das grandes limitações que a palavra escrita possui, limitando a compreensão profunda das experiências humanas, tão ricas e muitas vezes incomunicáveis verbalmente. Acreditamos também que este estudo possa esclarecer algumas distorções e preconceitos em relação aos grupos religiosos que usam a ayahuasca ritualmente. Neste sentido, a principal conclusão do trabalho é que os indivíduos entrevistados não trocaram a dependência ao álcool por outra dependência. Ficou evidenciado que o uso de ayahuasca que esses indivíduos passaram a fazer periodicamente durante os rituais, não possuía contornos psicopatológicos de uma compulsão. Esta compulsão também não foi encontrada na relação destes indivíduos com a instituição religiosa, através de seus valores e práticas rituais, e com o grupo.
É evidente também, pelo desenho deste trabalho, e pelo tamanho da amostra estudada que estas conclusões não podem ser generalizadas, evidenciando a necessidade de estudos mais amplos.
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