Artigos Científicos

Dependência de Internet: perspectivas em terapia cognitivo-comportamental

Cristina da Costa Pujol et al.

28 de outubro de 2009

Rev. Bras. Psiquiatr. vol.31 no.2 São Paulo jun. 2009 - CARTAS AOS EDITORES

 

Dependência de Internet: perspectivas em terapia cognitivo-comportamental

 

Internet addiction: perspectives on cognitive-behavioral therapy

 

Sr. Editor,

A dependência de internet (DI) é um conceito relativamente novo na psiquiatria, caracterizado principalmente pela incapacidade de controlar o próprio uso da Internet, que ocasiona ao indivíduo um sofrimento intenso e/ou prejuízo significativo em diversas áreas da vida (ver Tabela 1)1.

 

 

Na tentativa de melhor compreender esta condição, alguns modelos teóricos foram adaptados de outros transtornos mentais que também apresentam sintomas de dependência, impulsividade e compulsão, como os transtornos por uso de substâncias (TUS), jogo patológico (JP) e transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP).

Por ser bem sabido que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) mostra-se muito eficaz e muitas vezes é a abordagem psicoterápica de escolha para TUS, JP e TCAP, faz bastante sentido inferir que este modelo também possa ser efetivamente adaptado para o tratamento da DI. No entanto, a literatura existente até o momento é muito escassa.

Davis2, em 2001, apresentou um modelo teórico no qual vulnerabilidade individual, eventos de vida estressantes e distorções cognitivas estariam relacionados com a etiologia de um uso patológico de Internet, e propôs a reestruturação cognitiva como foco da intervenção.

Young3, em 2007, publicou os resultados de um ensaio aberto e não-controlado que avaliou a TCC em 114 adultos com diagnóstico de DI. A abordagem consistia principalmente em técnicas de reestruturação cognitiva, avaliação do conteúdo utilizado e reaprendizado do uso da Internet para fins específicos. Os participantes relataram melhor manejo do tempo gasto on-line, melhora dos relacionamentos sociais off-line e maior engajamento em outras atividades, num seguimento de seis meses.

É importante observar que nenhum dos dois artigos faz referência ao uso de técnicas de entrevista motivacional (EM) e apenas Young cita, brevemente, a aplicação do treino de habilidades sociais (THS).

A EM é comprovadamente eficaz para o tratamento de outros transtornos de comportamentos de dependência, como TUS, JP e TCAP4. Como a motivação para a mudança é um fator chave para o sucesso terapêutico nessas situações, acreditamos que o uso da EM, visando desenvolver a discrepância e estimular a autoeficácia, possa, da mesma forma, auxiliar no tratamento da DI.

O THS também pode ser particularmente importante uma vez que a inabilidade social é um fator de risco para o desenvolvimento de DI e muitas vezes pode ser a consequência desta5. A comorbidade entre DI e outros transtornos psiquiátricos é comum, principalmente com o transtorno de ansiedade social, que consagradamente responde ao THS. Outro fator que reforça esta indicação é a alta prevalência de DI na adolescência, período no qual as relações interpessoais são a base para um desenvolvimento saudável.

Assim, propomos que essas duas linhas de intervenção possam ser incorporadas ao modelo cognitivo-comportamental para dependentes de Internet, na busca de um tratamento ainda mais eficaz para este transtorno.

 

Cristina da Costa Pujol, Alexandre Schmidt, Aline Sokolovsky
Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT),
Porto Alegre (RS), Brasil

Rafael Gomes Karam, Daniel Tornaim Spritzer
Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT),
Porto Alegre (RS), Brasil
Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Porto Alegre (RS), Brasil

 


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Referências

1. Young KS. Internet addiction: the emergence of a new clinical disorder. Ciberpsychol Behav. 1998;1(3):237-44.

2. Davis RA. A cognitive-behavioral model of pathological Internet use. Comp Human Behav. 2001;17(2):187-95.

3. Young KS. Cognitive behavior therapy with internet addicts: treatment outcomes and implications. Cyberpsychol Behav. 2007;10(5):671-9.

4. Miller WR, Rollnick S. Entrevista motivacional: preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artmed; 2001.

5. Caballo VE. Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos; 2003.


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462009000200019&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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