Fernanda Dreux Miranda Fernandes
3 de novembro de 2009
Famílias com crianças autistas na literatura internacional
Families with autistic children: international literature
Fernanda Dreux Miranda Fernandes
Professor associado do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil
RESUMO
Esse artigo revisou os 39 artigos publicados nos últimos cinco anos em três periódicos (Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders e Autism) a respeito de famílias com crianças autistas. Ele aponta para cinco grandes temas abordados: estresse e dificuldades emocionais, grupos de suporte e qualidade de vida, características das famílias, perspectivas das famílias a respeito da criança autista, e resultados de intervenção.
Descritores: Transtorno autístico; Família; Relações familiares; Stress; Qualidade de vida
ABSTRACT
This article reviewed the 39 papers published in the last five years in three journals (Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders and Autism) about families with autistic children. It points out to five main issues that were studied: stress and emotional disorders, support groups and quality of life, characteristics of the families, family's perspectives about the autistic child, and intervention results.
Keywords: Autistic disorder; Family; Family relations; Stress; Quality of life
INTRODUÇÃO
O autismo infantil é um distúrbio global de desenvolvimento que, por definição, envolve alterações severas e precoces nas áreas de socialização, comunicação e cognição. Os quadros resultantes são, em geral, severos e persistentes, com grandes variações individuais. Dessa forma, seu impacto nas famílias não é desprezível.
Por outro lado, a intervenção dirigida a crianças autistas precisa ser intensiva, abrangente e duradoura. Isso leva à consideração de que a participação das famílias nesse processo deveria ser um foco sistemático dos estudos e propostas de intervenção envolvendo crianças autistas.
A proposta do presente artigo é identificar, na literatura internacional especializada, qual o impacto dos estudos que envolvem famílias de crianças autistas.
Para isso foi realizada a revisão dos artigos publicados nos últimos cinco anos nos três periódicos mais tradicionais especificamente dirigidos aos estudos sobre o autismo infantil.
Os periódicos incluídos no estudo são: Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders e Autism.
Um novo periódico, Research in Autism Spectrum Disorders, começou a ser publicado em janeiro de 2007 e não será detalhadamente incluído neste estudo, pois não tem o mesmo tempo de existência dos outros.
REVISÃO DA LITERATURA
O Journal of Autism and Developmental Disorders é o mais antigo deles e, até a década de 1980, chamava-se Journal of Autism and Infantile Schizophrenia. Entre janeiro de 2005 e junho de 2009, foram publicados 39 números e um total de 746 artigos, dos quais 18 (2,4%) tiveram as famílias como tema.
O Quadro 1 sintetiza o tema, casuística, aspectos de método e conclusões desses estudos.
O periódico Focus on Autism and Other Developmental Disorders publicou, no mesmo período (de janeiro de 2005 a junho de 2009) um total de 18 números, com 121 artigos, sendo sete deles (5,7%) a respeito de famílias de crianças autistas.
O Quadro 2 sintetiza o tema, casuística, aspectos de método e conclusões desses estudos.
O jornal Autism é uma publicação da National Autistic Society e, entre janeiro de 2005 e junho de 2009, publicou 26 números, com 229 artigos, dos quais, 14 (6,1%) abordaram questões referentes às famílias de crianças autistas.
O Quadro 3 sintetiza o tema, casuística, aspectos de método e conclusões desses estudos.
O jornal Research in Autism Spectrum Disorders publicou, entre janeiro de 2007 e junho de 2009, 152 artigos, dos quais 13 (8,5%) com temas envolvendo famílias de crianças autistas. Esses artigos não são abordados na presente revisão pois o periódico tem um tempo de existência muito inferior aos outros.
DISCUSSÃO
Esse levantamento evidencia que o número de estudos envolvendo as famílias de crianças autistas não corresponde ao que seria esperado, quando se considera o impacto da criança autista na dinâmica familiar ou a importância da participação familiar para o diagnóstico e os processos de intervenção e educação. Considerando-se apenas os três periódicos com mais de cinco anos de existência, menos de 5% dos artigos publicados abordam essa temática. Por outro lado, é interessante observar que mais da metade desses artigos foram publicados nos últimos 18 meses.
Os temas desses estudos podem ser agrupados em: questões envolvendo estresse e dificuldades emocionais(1,10-11,13,18-19,22,25-29,35); grupos de apoio e qualidade de vida(2,12,21,23,27,33,36), caracterização das famílias e seus membros(5-6,9,20,24,36,38); processos de intervenção e seus resultados(7,14-15,17,34); como os pais vêem seus filhos autistas(3-4,8,30-32,37). Embora alguns artigos abordem diversos desses temas, ainda assim causa impacto o número reduzido de trabalhos envolvendo processos de intervenção, baseados nas famílias ou que incluam sua participação sistemática. Apenas cinco trabalhos descrevem ou avaliam os resultados da participação dos pais em programas terapêuticos. Dois deles(7,15) descrevem os resultados de programas residenciais de intervenção comportamental baseados na atuação paterna, com, respectivamente, 27 e 53 participantes. Em ambos, os pais relatam bons resultados, que são melhores em programas mais longos. Outras duas pesquisas(14,17), com 18 e 33 sujeitos respectivamente, abordam a colaboração paterna em processos de terapia, enfocando interação e habilidades sociais. Os resultados descrevem progressos e manejo de áreas de maior interesse. O último estudo tem 68 participantes e descreve um programa de intervenção residencial diário chamado floor-time, com duração entre oito e 12 meses, que apresenta bons resultados, mas tem como fator complicador o custo elevado.
COMENTÁRIOS FINAIS
Esta revisão de literatura, por fatores de espaço, limitou-se aos periódicos dedicados exclusivamente aos quadros do espectro autístico e isso seguramente constitui uma limitação. Não foram incluídos os trabalhos publicados em periódicos das áreas de Educação, Fonoaudiologia ou Psicologia, nos quais provavelmente podem ser encontrados outros estudos a respeito do tema.
Mas é seguramente um fator de destaque a pouca participação dos estudos envolvendo as famílias de crianças autistas, nos periódicos que se dedicam exclusivamente a esse distúrbio.
A sistematização dos processos de intervenção, assim como a investigação cuidadosa dessas famílias, não são tarefas simples; mas o tema certamente merece atenção dos pesquisadores da área.
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Endereço para correspondência:
Fernanda Dreux Miranda Fernandes
R. do Mangericão, 301, Granja Vianna
Cotia (SP), Brasil, CEP: 06706-240
E-mail: fernandadreux@usp.br
Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.
Artigo original:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342009000300022&lng=pt&nrm=iso