Valéria Garcia Caputo; Isabel Altenfelder Bordin
24 de novembro de 2009
Problemas de saúde mental entre jovens grávidas e não-grávidas
Valéria Garcia CaputoI; Isabel Altenfelder BordinII
IDisciplina de Psiquiatria. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil
IIDepartamento de Psiquiatria. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Estimar a prevalência de problemas de saúde mental em adolescentes primigestas e comparar seu perfil de saúde mental com o daquelas sexualmente ativas que nunca engravidaram.
MÉTODOS: Estudo de corte transversal, comparativo entre dois grupos de adolescentes de 13 a 17 anos, em Marília, Estado de São Paulo, 2003-2004. A amostra incluiu 207 primigestas atendidas em programas de pré-natal de serviços públicos municipais urbanos e 308 estudantes de escolas estaduais, sexualmente ativas, que nunca engravidaram. Foram aplicados um instrumento de rastreamento para problemas de saúde mental em adolescentes (versão brasileira do Youth Self-Report) e um questionário sobre fatores de risco para gravidez na adolescência. A análise estatística incluiu testes de qui-quadrado, exato de Fisher, U de Mann Whitney e modelos de regressão logística.
RESULTADOS: Adolescentes grávidas e não-grávidas não diferiram quanto à prevalência do total de problemas de saúde mental (24,6% vs. 27,3%; p=0,50). Comparado às adolescentes não-grávidas, o grupo das primigestas apresentou maior prevalência de sintomas de ansiedade/depressão (24,2% vs. 15,3%; p=0,01) e sintomas de retraimento/depressão (13,0% vs, 4,5%; p<0,001), além de maior número de fumantes (21,3% vs. 11,0%; p=0,002). Estas diferenças foram confirmadas em modelos de regressão logística, controlados para escolaridade da mãe.
CONCLUSÕES: Foram mais freqüentes os sintomas de ansiedade e depressão e uso de tabaco em adolescentes primigestas em comparação com as adolescentes não-grávidas. Esses problemas requerem especial atenção dos serviços de pré-natal a fim de evitar possíveis prejuízos para a saúde das mães e de seus filhos.
Descritores: Gravidez na adolescência, psicologia. Psicologia do adolescente. Psiquiatria do adolescente. Saúde mental. Estudos transversais. Depressão.
INTRODUÇÃO
Em cada cinco pessoas no mundo, uma é adolescente, com idade entre dez e 19 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A população mundial de adolescentes já passou de um bilhão e anualmente, 60 em 1.000 meninas nessa faixa etária tornam-se mães, correspondendo ao nascimento de 17 milhões de bebês a cada ano.1
A adolescência é uma fase de grandes mudanças físicas e psicológicas e caracteriza, principalmente nas culturas ocidentais, a passagem da infância para a vida adulta.17 A maturação sexual é acompanhada por reações emocionais mistas (ansiedade, temor, excitação, prazer) e mudanças freqüentes de humor, alternando-se desânimo e entusiasmo. O nível de estresse do adolescente também está aumentando à medida que a sociedade se torna mais complexa, exigindo mecanismos psicológicos adaptativos mais elaborados. Citam-se, por exemplo, as novas exigências educacionais e profissionais da atual era tecnológica, ou as implicações da Aids sobre o relacionamento sexual e afetivo do adolescente. Ele inicia os relacionamentos sexuais e estabelece relações afetivas gradativamente mais profundas e duradouras, para futuramente iniciar um novo núcleo familiar.2 Segundo Aguiar,1 a atividade sexual na adolescência pode cumprir papéis diversos como: aliviar angústia, meio de obter uma aceitação perante o(a) parceiro(a) ou grupo, forma de suprir carências de afeto, instrumento para conseguir auto-afirmação, maneira de manifestar inconformismo e rebeldia e tentativa de alcançar um maior grau de independência.
Nesse contexto do exercício da sexualidade, a gravidez na adolescência, planejada ou não, torna-se importante e tem merecido atenção por parte da comunidade científica, estimulando pesquisas que possam colaborar para a melhor assistência aos jovens. Dentre alguns aspectos de relevância encontra-se a saúde mental das adolescentes grávidas. Alguns estudos sugerem que mães adolescentes estão mais sujeitas a apresentar problemas de saúde mental do que mães adultas.16,18 Da mesma forma, adolescentes de ambos os sexos com problemas de saúde mental estão mais sujeitos à maternidade e paternidade na adolescência que os adolescentes sem problemas.11 No Reino Unido, uma coorte de 1.116 mães que deram à luz em 1994/1995, foi acompanhada por cinco anos, verificando-se maiores taxas de problemas de saúde mental tanto nas mães como nas crianças do grupo das mães adolescentes, em relação às mães mais velhas.16
Dados sobre a saúde mental das adolescentes grávidas, a partir de estudos comparativos com adolescentes sexualmente ativas que nunca engravidaram são escassos na literatura científica. Na América Latina e Caribe, a maioria dos estudos baseia-se em análise descritiva de populações de grávidas, e quando o estudo inclui grupo comparativo, este se refere às mulheres adultas grávidas. Em exaustiva revisão da literatura, não foram localizados estudos comparando diferentes populações de adolescentes, com exceção de uma dissertação de mestrado. Nessa dissertação realizada em Montes Claros, Minas Gerais (MG), duas amostras independentes de adolescentes de 13 a 17 anos foram comparadas: grávidas primigestas atendidas em clínicas públicas de pré-natal e não-grávidas sexualmente ativas, sem antecedentes de gravidez provenientes de escolas públicas.2
O objetivo da presente pesquisa foi estimar a prevalência de problemas de saúde mental em adolescentes primigestas e comparar seu perfil de saúde mental com o de estudantes na mesma faixa etária, sexualmente ativas e que nunca engravidaram.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo transversal comparativo na zona urbana do município de Marília, interior do Estado de São Paulo (SP), situado a 450 km da capital, com população estimada de 220.000 habitantes.3 Segundo o Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no ano de 1999, Marília encontrava-se entre os dez melhores municípios do Brasil quanto ao Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) em cujo cálculo são usados os indicadores de saúde e educação.4 A taxa de nascidos vivos de mães adolescentes no município foi de 16,2% no ano de 2003.5 O atendimento às gestantes no sistema público ocorre por meio de um programa de pré-natal, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nas Unidades de Saúde da Família (USF). As gestações de alto risco são acompanhadas nos ambulatórios universitários.
O estudo comparou duas amostras independentes de adolescentes do sexo feminino entre 13 e 17 anos: 207 primigestas, de qualquer idade gestacional, recrutadas consecutivamente durante 12 meses em cada uma das UBS e USF do município e 308 adolescentes sexualmente ativas que nunca haviam engravidado, estudantes da oitava série do ensino fundamental à terceira série do ensino médio de escolas estaduais. Esclarece-se que em Marília, apenas as escolas estaduais poderiam fornecer adolescentes para o grupo comparativo.
Entre as grávidas, a coleta de dados ocorreu no período de fevereiro de 2003 a outubro de 2004, por meio de entrevista individual nas unidades onde realizavam o pré-natal. Foram identificadas todas as adolescentes primigestas cadastradas nos serviços públicos de pré-natal na área urbana. Dentre elas, 239 preencheram os critérios de inclusão (primigesta de 13 a 17 anos, de qualquer idade gestacional, realizando pré-natal em UBS ou USF do município) e foram convidadas a participar do estudo. Houve perda de 13,4% do total de elegíveis devido à recusa (n=3), faltas ou interrupção do seguimento por razões desconhecidas (n=29).
Para se identificar os sujeitos da amostra de adolescentes sexualmente ativas que nunca haviam engravidado, foram selecionadas 12 escolas estaduais urbanas, consideradas elegíveis para o estudo, de acordo com os seguintes critérios: ter classes de oitava série do ensino fundamental e de ensino médio e situar-se nas proximidades das unidades de saúde. Uma escola recusou-se a participar e três não foram abordadas. Nas oito escolas ocorreu inicialmente uma atividade educativa, procurando garantir a representatividade das quatro macro-regiões administrativas do município (Tabela 1). Essa atividade foi coordenada por uma psicóloga e consistia em assistir a um vídeo abordando o tema gravidez na adolescência e uma discussão livre sobre o assunto. Em seguida, foram distribuídos questionários para auto-preenchimento. A atividade foi inserida no programa de educação sexual, que faz parte do conteúdo transversal do currículo oficial das escolas.
Nas escolas que participaram do estudo foram sorteadas 70% das classes de cada série para realização da atividade educativa e aplicação do questionário. Do total de questionários preenchidos foram excluídos os respondidos pelas meninas maiores de 17 anos e pelos meninos. Entre as 2.454 alunas de 13 a 17 anos que freqüentavam as quatro séries de interesse para o estudo nas oito escolas, segundo listas de presença, 1.295 (52,8%) preencheram os questionários da pesquisa. Destas, 308 eram sexualmente ativas e nunca haviam engravidado, constituindo o grupo comparativo (três adolescentes haviam sido excluídas por apresentarem dados incompletos em relação à saúde mental).
Foram utilizados dois instrumentos padronizados para a coleta de dados: (1) Questionário sobre características sociodemográficas e fatores de risco para gravidez na adolescência, elaborado pelas pesquisadoras; e (2) Versão brasileira do Youth Self Report (YSR –Inventário de Comportamentos Auto-Referidos para Jovens)6 para rastreamento de problemas de saúde mental em adolescentes, utilizado internacionalmente e com propriedades psicométricas satisfatórias.7 O YSR (versão 2001) fornece o perfil comportamental do adolescente com base em 118 itens, que agrupados permitem a identificação de oito síndromes (subescalas): ansiedade/depressão; retraimento/depressão; queixas somáticas; problemas com o contato social; problemas com o pensamento; problemas com a atenção; violação de regras e comportamento agressivo. A soma das três primeiras subescalas corresponde à escala de comportamentos do tipo internalização (internalizing), enquanto a soma das últimas duas subescalas corresponde à escala de comportamentos do tipo externalização (externalizing). O conjunto de itens de todas as subescalas corresponde à escala "total de problemas de saúde mental".
Os termos internalizing e externalizing são largamente utilizados no meio científico internacional, porém não têm uma tradução exata em português. O termo internalizing corresponde a sintomas emocionais, subjetivos e pouco observáveis, porém causadores de sofrimento aos próprios indivíduos (ex.: idéias de suicídio), ou seja, o impacto é interno (sintomas "voltados para dentro"). O termo externalizing corresponde a sintomas comportamentais causadores de incômodo nas outras pessoas (ex.: roubo, atos de vandalismo), ou seja, o impacto se dá no meio externo (sintomas "voltados para o exterior"). Portanto, os sintomas de ansiedade e/ou depressão em nível clínico (mais freqüentes que o esperado para o sexo e a idade do adolescente) constituem problemas de saúde mental do tipo internalização. Por outro lado, o comportamento agressivo e a violação de regras em nível clínico (mais freqüentes que o esperado para o sexo e a idade do adolescente) constituem problemas de saúde mental do tipo externalização.
O YSR fornece escores brutos, que ao serem transformados em escores T, revelam se os adolescentes apresentam comportamento desviante em relação ao esperado para sua idade e sexo. Com base em pontos de corte para os escores T, a amostra é classificada em três categorias: clínica, limítrofe e não clínica. No estudo, foi considerado o ponto de corte correspondente à categoria clínica, tanto das escalas de internalização e externalização (escore T>64), como das oito subescalas (escore T>70) do YSR. Os casos limítrofes foram considerados como não clínicos.
Foi utilizado o programa SPSS 10.0 para elaboração do banco de dados e análise estatística. Realizou-se a análise univariada, utilizando os testes de qui-quadrado, exato de Fisher e U de Mann-Whitney. Foi calculada a odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Os problemas de saúde mental e os comportamentos isolados (itens específicos do YSR) que apresentaram diferença estatisticamente significante entre os dois grupos (p<0,05), foram incluídos individualmente em modelos de regressão logística, controlados para escolaridade da mãe. Esta variável foi considerada como indicador da condição socioeconômica familiar, já que quanto menor o nível socioeconômico, maior a porcentagem de mulheres adultas analfabetas.8 Além disso, a escolaridade materna é um potencial fator de confundimento, pois na adolescência, tanto a gravidez como os problemas de saúde mental estão associados à baixa escolaridade materna.3,7 A renda familiar per capita foi excluída dos modelos por não ter sido informada em 12,6% das grávidas e 17,9% das não-grávidas. Os modelos de regressão logística incluíram somente variáveis independentes sem colinearidade com a variável confundidora.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Projeto nº 0841/03); Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Marília (Projeto nº 173/01) e Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Higiene e Saúde de Marília. A pesquisa foi realizada nas escolas com o consentimento da Diretoria de Ensino-Região de Marília. Em três das escolas, os diretores, coordenadores e/ou professores assinaram o termo de consentimento como responsáveis pelos adolescentes, dispensando a assinatura dos pais, desde que o aluno estivesse de acordo em responder ao questionário. Nas outras cinco escolas, a direção enviou o termo aos pais, porém aceitou a assinatura de pais e/ou professores, desde que o aluno desejasse participar da pesquisa.
RESULTADOS
A mediana de idade nos dois grupos de adolescentes foi de 16 anos e a mediana da renda familiar mensal per capita das grávidas foi inferior a das não-grávidas, sendo R$120,00 e R$200,00 respectivamente (p<0,001). Entre as grávidas, 107 (51,3%) encontravam-se fora da escola, das quais 49 (45,8%) já a haviam abandonado há um ano ou mais, ou seja, antes de engravidar. As principais características sociodemográficas dos dois grupos estudados são apresentadas na Tabela 2.
Na análise univariada (Tabela 3), observou-se que nas escalas de total de problemas de saúde mental e comportamentos do tipo internalização, nenhuma diferença significante foi constatada entre os dois grupos. No entanto, as não-grávidas apresentaram mais comportamentos do tipo externalização (20,8% vs. 13,0%; p<0,001) quando comparadas às grávidas. Quanto aos problemas de saúde mental, identificados pelas subescalas do YSR, as grávidas apresentaram mais sintomas de ansiedade/depressão (24,2% vs. 15,3%; p<0,001) e retraimento/depressão (13,0% vs. 4,5%; p<0,001) do que as escolares não-grávidas. Por sua vez, as não-grávidas apresentaram mais queixas somáticas (6,5% vs. 0,0%; p<0,001) do que as grávidas. Com relação aos problemas com o pensamento, observou-se maior freqüência entre as não-grávidas (3,4% vs. 7,5%; p=0,052). Fumar tabaco foi mais freqüente entre as grávidas (21,3% vs. 11,0%), enquanto a ideação suicida (9,2% vs. 22,7%) e a atitude de beber sem a permissão dos pais (17,4% vs. 45%) foram mais comuns entre as não-grávidas.
Ao levar-se em conta a influência da escolaridade materna, considerada como variável confundidora na análise multivariada (Tabela 4), confirmou-se a maior freqüência de sintomas de ansiedade/depressão (p=0,01) e retraimento/depressão (p=0,001) entre as grávidas, e problemas relacionados ao pensamento (p=0,04) entre as não-grávidas. Fumar tabaco permaneceu como sendo mais freqüente entre as grávidas (p=0,004), enquanto apenas a ideação suicida permaneceu mais freqüente entre as não-grávidas (p<0,001). A variável ingerir bebida alcoólica sem a permissão dos pais não pôde ser avaliada em modelo de regressão logística, pois mostrou relação de colinearidade com a variável escolaridade da mãe.
DISCUSSÃO
O presente estudo traz informações relevantes para o cuidado mais adequado às necessidades de saúde das gestantes adolescentes, bem como para orientar o planejamento de ações de saúde pública e saúde mental na adolescência em nível regional. É o segundo estudo brasileiro que inclui um grupo comparativo constituído de adolescentes sexualmente ativas que nunca engravidaram com o fim de estudar o perfil de saúde mental. Porém, com a vantagem de utilizar um instrumento de rastreamento mais detalhado, utilizado há mais de 20 anos e que constitui referência internacional para a avaliação da saúde mental de adolescentes.
Entretanto, há algumas limitações metodológicas a serem consideradas, como a diferença de procedimentos na aplicação dos questionários para os dois grupos de adolescentes e a não participação de quatro das 12 escolas estaduais elegíveis. A aplicação do questionário por meio de entrevista foi necessária para as grávidas devido ao baixo grau de escolaridade de algumas, o que certamente prejudicaria a coleta de dados por instrumento auto-aplicado. Por outro lado, entrevistar individualmente mais de mil meninas nas escolas seria inviável pelo alto grau de interferência na rotina escolar por tempo prolongado. Embora o ideal fosse uma amostra incluindo estudantes de todas as escolas elegíveis, a amostra de escolares reunida foi representativa das quatro macrorregiões de Marília (Tabela 1). As escolas que não participaram do estudo não diferem das demais quanto ao conteúdo programático das séries de interesse, nem quanto às características socioeconômicas dos estudantes, mas nenhum teste estatístico foi aplicado para comprovar esta afirmação.
O questionário utilizado para avaliar a saúde mental das adolescentes foi desenvolvido para ser auto-aplicado em jovens sem atraso escolar significativo. No entanto, os pontos de corte usados para determinar a categoria clínica dos escores obtidos a partir das escalas e subescalas do YSR foram estabelecidos de acordo com os dados normativos americanos devido à falta de dados normativos brasileiros.
Quanto ao perfil de saúde mental das adolescentes grávidas, vários estudos sugerem que a delinqüência juvenil está relacionada à gravidez precoce.6,8 Hope et al9 conduziram um estudo com a finalidade de examinar a relação entre gravidez na adolescência, tipo de resolução da gravidez e delinqüência juvenil. Esses autores estudaram amostra do National Longitudinal Study of Adolescent Health e verificaram que as adolescentes que engravidaram apresentavam maior escore para delinqüência juvenil do que as que não engravidaram (0,36 vs. 0,2; p<0,001). Porém, quando se avaliou separadamente cada uma das formas de resolução da gravidez, percebeu-se que esta diferença ocorria em função das jovens que decidiam pelo aborto (0,65 vs. 0,2; p<0,001) ou entregavam seus filhos para adoção (3,68 vs. 0,2; p<0,001). As adolescentes que resolveram levar até o final sua gestação e assumir a maternidade apresentaram escores de delinqüência iguais aos das que não engravidaram. Considera-se que esta população tem semelhança com a do presente estudo no que se refere à opção pela maternidade, independente das diferenças socioeconômicas e culturais. No presente estudo, também não foi encontrada diferença significante entre os dois grupos quanto à violação de regras, comportamento agressivo e comportamentos do tipo externalização.
Wiemann et al20 compararam dois grupos de adolescentes (<18 anos) das camadas mais desfavorecidas da população americana que freqüentavam serviços públicos de saúde: 185 grávidas primigestas provenientes de serviços de pré-natal e 126 adolescentes participantes de programas de planejamento familiar, que nunca haviam engravidado. No entanto, não havia informação sobre vida sexual ativa no grupo das não-grávidas. Quanto aos problemas de saúde mental, identificados pelo YSR, as não-grávidas apresentaram comportamento delinqüente mais freqüente, quando comparadas às grávidas (28.6% vs. 7.1%; p<0,001). Comparando com o presente estudo, Wiemann et al20 utilizaram versão mais antiga do YSR, incluíram casos limítrofes na categoria clínica e não utilizaram análise multivariada para avaliar a influência de fatores confundidores, o que possivelmente justifica as diferenças nos resultados encontrados.
No Brasil, altas taxas de ansiedade (23,3%), depressão (20,8%) e ideação suicida (16,7%), foram encontradas em amostra aleatória de 120 adolescentes grávidas (14-18 anos) atendidas em um centro de saúde de Piracicaba, SP.5 Estudo realizado com amostra populacional (n=813, ambos os sexos, 0-17 anos) de um bairro de baixa renda do município de Embu, SP, encontrou taxas inferiores de ansiedade/depressão (7,4%), retraimento/depressão (2,1%) e de uso de tabaco (5,4%) em meninas de 13 a 17 anos (N=92), utilizando o YSR.9 Como esperado, os resultados encontrados no presente estudo estão mais próximos dos obtidos na amostra de adolescentes grávidas atendidas em serviço público de saúde do que no estudo populacional. Entretanto, o estudo de Freitas et al5 utilizou instrumentos diferentes para a classificação dos quadros psicopatológicos e foi realizado com três amostras transversais de adolescentes (40 para cada trimestre de gestação).
Na cidade de Montes Claros (MG), foi conduzido um estudo sobre gravidez na faixa etária de 13 a 17 anos, com metodologia semelhante à utilizada no presente estudo. As primigestas (n=196) apresentaram mais sintomas de ansiedade e/ou depressão que as escolares não-grávidas sexualmente ativas que nunca haviam engravidado (56,6% vs. 43,2%; OR=1,7; IC 95%: 1,1–2,6; p=0,01).2 A taxa de ansiedade/depressão entre as grávidas de Montes Claros foi duas vezes maior que a do presente estudo. Esta diferença pode ser devida em parte ao fato de o estudo mineiro ter utilizado outro instrumento para o rastreamento de problemas de saúde mental (Questionário de Capacidades e Dificuldades – SDQ),4 tendo incluído os casos limítrofes na categoria clínica. Porém, ambos os estudos são coincidentes na constatação de maior freqüência de sintomas de ansiedade e/ou depressão no grupo das grávidas.
Apesar da esperada ansiedade e/ou depressão em decorrência de uma possível gravidez não prevista, aliada a natural imaturidade emocional de muitas adolescentes para lidar com a gravidez, é possível questionar se as mães adolescentes já não apresentariam esses sintomas antes de engravidar. Pesquisas da década de 90 avaliaram se problemas de saúde mental na infância seriam fatores preditivos de gravidez na adolescência.12,21 Um desses estudos, realizado em Pittsburgh (Estados Unidos), 12 acompanhou uma amostra de 83 meninas com idade entre oito e 13 anos encaminhadas a uma clínica de psiquiatria infantil ou serviço de saúde. O objetivo foi verificar se transtornos depressivos e/ou transtornos de conduta presentes na infância ou adolescência, aumentariam o risco de gravidez antes dos 19 anos. A análise multivariada mostrou que apenas os transtornos de conduta e ser da raça negra estiveram associados à gravidez na adolescência. Na presente pesquisa, conclusões no sentido de causalidade não são possíveis, visto que realizamos um estudo transversal, que não estabelece seqüência temporal entre os fatores estudados. Além disso, a comparabilidade de resultados fica dificultada pelas diferenças na composição das amostras, pois no estudo citado foram estudadas adolescentes atendidas em uma clínica de psiquiatria infantil ou serviço de saúde, enquanto o presente estudo foi composto por clientela de serviços de pré-natal e estudantes.
Quanto ao hábito de fumar, estudo comparativo realizado em Taiwan19 com 122 adolescentes grávidas e 196 jovens sexualmente ativas que nunca haviam engravidado, referiu taxas de uso de tabaco de 36,9% e 27% respectivamente, porém esta diferença não foi estatisticamente significante.19 Como aquele estudo utilizou metodologia semelhante à da presente pesquisa, a ausência de associação entre hábito de fumar e gravidez poderia ser explicada pelas diferenças nas características socioambientais, já que o estudo tailandês não se restringiu à população de baixa renda. Em Pelotas (Rio Grande do Sul), estudo de coorte com amostra sistemática de 473 adolescentes do sexo feminino de até 19 anos15 revelou que pertencer a famílias de baixa renda foi um dos fatores de risco para o hábito de fumar. Estudo transversal realizado com 5.539 gestantes maiores de 20 anos, atendidas em ambulatórios de pré-natal em hospitais públicos de seis capitais brasileiras, mostrou associação entre fumar e baixa escolaridade da gestante (inferior a nove anos de estudo).13 Como a baixa escolaridade materna pode ser considerada um marcador de baixa renda relacionado a diversas características psicossociais desfavoráveis,14 pode-se supor que as adolescentes vivendo em condições deficitárias não tenham sido suficientemente esclarecidas a respeito dos prejuízos do uso de tabaco, além da possibilidade da mãe fumante servir como modelo para as filhas adolescentes.
Considerando os achados do presente estudo, justifica-se a atenção ao pré-natal em programas específicos para as adolescentes grávidas, incluindo atenção em saúde mental e intervenções com a finalidade de prevenção e interrupção do hábito de fumar, evitando ou minimizando possíveis prejuízos à saúde das mães e de seus filhos.
AGRADECIMENTOS
A todos os adolescentes participantes do estudo, aos profissionais das escolas e das unidades de saúde onde os dados foram coletados, às psicólogas Juliana A. Silva, Silvana Modolo e Lígia Maria de Sousa, e às assistentes sociais Maria Helena C. Sartori e Sueli S.S. Macedo pelo auxílio na coleta dos dados.
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Correspondência:
Valéria Garcia Caputo
Núcleo de Ações em Saúde Baseadas em Evidências
Faculdade de Medicina de Marília
R. Lourival Freire, 240 – Fragata
17517-050 Marília, SP, Brasil
E-mail: vgcaputo@yahoo.com.br
Artigo baseado na tese de doutorado de VG Caputo, apresentada à Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, em 2006.
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2 Maia, EMGC. Características psicossociais da gravidez na adolescência na cidade de Montes Claros- MG. [dissertação de mestrado]. São Paulo: UNIFESP; 2003.
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5 Secretaria Municipal de Higiene e Saúde de Marília-SP. Relatório de Gestão 2003 -SMHS. Marília: 2003. Disponível em: http://www.famema.br/smhs/smhs2003.pdf [Acesso em 23 jan 2007]
6 Abreu SR, Bordin IAS, Paula CS, Nascimento S. Inventário de Comportamentos Auto-Referidos para Jovens (versão brasileira do Youth Self Report, 2001) São Paulo: Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo; 2002. [Não publicada] Os interessados poderão obter esta versão com a autora IAS Bordin, no seguinte endereço eletrônico: fbordin@dialdata.com.br
7 Achenbach TM, Rescorla LA. Manual for the ASEBA school-age forms and profiles. Burlington: University of Vermont, Research Center for Children, Youth, and Families; 2001.
8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais 2002. Rio de Janeiro; 2002. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/ sintesedeindicsociais2002.shtm [Acesso em 26 jan 2007]
9 Bordin IAS, Paula CS, Nascimento R, Abreu SR, Duarte CS. Estudo brasileiro de violência doméstica contra a criança e o adolescente (BrazilSAFE) [Relatório científico final apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - Processo nº 00/14555-4]. São Paulo: Fapesp; 2004.
Artigo original:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-891020070004