Artigos Científicos

Estudo antropométrico do crânio de recém-nascidos normais em Sergipe

Hélio A. Oliveira; Antonio C. da Paixão; Marcelo de Oliveira R. Paixão; Vanessa Cristina F. Barros

23 de março de 2010

Arq. Neuro-Psiquiatr. v.65 n.3b São Paulo set. 2007 

Estudo antropométrico do crânio de recém-nascidos normais em Sergipe

 

Anthropometric cranial measurements of normal newborn in Sergipe - Northeast of Brazil

 

Hélio A. OliveiraI; Antonio C. da PaixãoI; Marcelo de Oliveira R. PaixãoII; Vanessa Cristina F. BarrosII

Departamento de Medicina - CCBS; Universidade Federal de Sergipe, Aracaju SE, Brasil (UFS):
IProfessor Adjunto do Departamento de Medicina - CCBS
IIAcadêmico do Curso de Medicina - UFS


RESUMO

O estudo antropométrico do crânio é fundamental para a avaliação do recém-nascido. As medidas antropométricas usadas na atualidade são baseadas em resultados obtidos há mais de cinco décadas, os quais não são capazes de determinar um padrão nacional em decorrência de possíveis influências de algumas etnias. Realizamos estudo descritivo analítico em uma Maternidade em Aracaju-SE, com medidas de perímetro cefálico, distancia biauricular e anteroposterior, índice cefálico e medida da fontanela; foram examinadas 450 recém-nascidos com idade gestacional entre 37 e 42 semanas; 49,3% era do gênero masculino e 50,6% do feminino. O perímetro cefálico variou entre 30,0 cm e 39,8 cm com média de 34,14±2,48 com P50 34 cm. O índice cefálico variou entre 0,69 e 1,13 com média de 0,98±0,06 com P50 1. Foi feito uma comparação entre os estudos estrangeiros e brasileiros; o recém-nascido sergipano aproxima-se mais dos resultados obtidos nos estudos da região sudeste do que dos resultados da região nordeste, geograficamente semelhante. A possibilidade de influencias étnicas foi levantada, como também a necessidade de realizar um estudo multicêntrico para criar um perfil antropométrico do recém-nascido brasileiro.

Palavras-chave: perímetro cefálico, distancia biauricular, distancia anteroposterior índice cefálico.


ABSTRACT

The anthropometric mesureaments of the skull is essential for the evaluation of the newborn. The anthropometrics measureaments utilized at the present time are based in the results obtained for more than five decades, which are not able to determine a national pattern mostly likely due to some ethnic influences. We carried out an analytical descriptive study in a maternity hospital in Aracaju-Sergipe, Northeast of Brazil. Measurements of cephalic perimeter, biauricular and anteroposterior distances, cephalic index and fontanels were obtained from 450 newborns with gestacional age from 37 and 42 weeks; 49.3% were male and 50.6% female. The cephalic perimeter ranged from 30.0 cm to 39.8 cm with mean value of 34.14±2.48 P50 34 cm, and cephalic index ranged from 0.69 and 1.13 with mean value of 0.98±0.06 P50 1. A comparison was made between brazilian and foreign studies; the results of the newborn from Sergipe were closer to results obtained in the southeast region than the ones obtained in the northeast region itself. The possibility of ethnical influences was raised as well as the need to design a multicentric study in order to define an anthropometric profile of the brazilian newborn.

Key words: cephalic perimeter, biauricular distance, anteroposterior distance, cephalic index.


 

O estudo antropométrico do crânio tem importância fundamental na avaliação do recém-nascido (RN) uma vez que determina critérios de normalidade ou anormalidade da criança e pode contribuir para uma orientação mais precisa quando da existência de uma anormalidade. No homem o período de desenvolvimento encefálico mais acelerado ocorre da 12ª a 18ª semana gestacional decorrente da grande multiplicação neuronal. Outro pico de grande desenvolvimento ocorre da 28ª semana gestacional até em torno do terceiro ano de vida pós-natal. As alterações do período peri-natal podem determinar com maior facilidade, comprometimento anátomo-funcional das estruturas do sistema nervoso central (SNC)1,2. Ao nascer o crânio do RN tem 45 elementos ósseos separados por cartilagem ou tecido conjuntivo. Existe uma variação grande da localização dos pontos de ossificação individuais dos ossos do crânio o que faz com que haja uma variação não só do tamanho, mas também do grau de ossificação gerando diferenças no volume e forma do crânio3.

Todo embasamento científico das medidas antropométricas é feito em cima de gráficos e escalas previamente estabelecidos e originados a mais de cinco décadas4. O produto destas avaliações antropométricas foi obtido a partir de estudos gerados em outros países ou a partir de observações feitas em regiões específicas do nosso país como o sudeste e o sul, onde a influência da imigração européia e asiática é muito grande. As medidas antropométricas utilizadas na pratica médica não condizem com a realidade nacional. A literatura nacional é restrita em oferecer dados atualizados sendo o mais importante os resultantes do trabalho de Lefèvre na década de 50. Outro aspecto a ser considerado é a grande extensão territorial do Brasil, com regiões diversas gerando biótipos com características diferentes, decorrentes não só da miscigenação étnica, mas também da migração e da imigração. Recentemente pesquisa realizada na Bahia6 sugere a necessidade de serem realizados estudos multicêntricos regionais com o objetivo de definir o perfil antropométrico do RN brasileiro.

Realizamos estudo descritivo analítico, não experimental do tipo transversal puro onde variáveis tiveram observação sistemática e simultânea sem entretanto serem manipuladas. O estudo foi realizado em uma Maternidade da capital do Estado a qual atende o maior contingente de nascidos vivos tendo portanto a chance de refletir a realidade geral do estado de Sergipe, uma vez que a demanda atendida é proveniente não só da capital como do interior.

 

MÉTODO

A pesquisa foi realizada na Maternidade João Firpo-Hospital Santa Izabel, Aracaju - SE, fundação privada conveniada com o SUS que a considera como maternidade de referência do Estado. A média de nascidos vivos por ano em Aracaju - SE segundo dados do SINASC é de 20000. Durante pesquisa sobre prevalência de anóxia perinatal nas maternidades do Estado realizada no período de 2002 a 2003 constatou-se que na Maternidade João Firpo houve 7802 nascidos vivos correspondendo a 39% dos nascimentos do Estado. Na ausência de estudos de prevalência das medidas lineares cranianas a nível nacional ou regional, foi empregado para o cálculo de tamanho da amostra uma prevalência de 25,9%±5,0% registrada na pesquisa sobre dimensões lineares das fontanelas em crianças nascidas a termo e pré-termo, do nascimento até 12 meses de vida em Ribeirão Preto3 e um grau de confiança de 95% o que determina uma amostra em torno de 450 RN a termo. Foram incluídos na pesquisa os RN que não apresentavam qualquer fator de risco pré, peri e pós-natal ou alterações detectadas no exame neurológico; com idade gestacional entre 37 e 42 semanas ou com idade gestacional maior que 36 semanas e menor que 43 semanas; a idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação ou por meio de escalas específicas. Todos os RN foram examinados até 72 horas após o nascimento, sempre pelo mesmo examinador e o material usado nas medidas tiveram o mesmo padrão. O exame foi realizado com a criança em decúbito dorsal tendo-se o cuidado de se manter a fita métrica tensa, mas sem comprimir os tecidos. O perímetro cefálico (PC) foi obtido circundando-se o crânio em plano horizontal com fita métrica, utilizando-se como pontos de referência a glabela anteriormente e a protuberância occipital posteriormente, passando pela implantação superior das orelhas. A distância biauricular (DBA) teve como pontos de referência os ângulos de inserção superior de ambas as orelhas, passando a fita métrica perpendicular à sutura sagital. A distância anteroposterior (DAP) foi medida desde a glabela anteriormente até a protuberância occipital posteriormente passando a fita pela sutura interparietal. O índice cefálico (IC) foi obtido a partir da razão entre a distância biauricular e a distância anteroposterior. A fontanela anterior (FONT) foi medida a partir do seu maior diâmetro. Os dados de comprimento e peso foram obtidos a partir das anotações da ficha da sala de parto. Foi utilizado um questionário que era respondido pelas mães no qual foram coletados dados referentes à data da última menstruação, condições da gestação e o pré-natal. A análise estatística feita pelo programa SPSS.11 e os resultados expressos em média± desvio padrão. Foi considerado intervalo de confiança de 95% e significância estatística quando p<0,05. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Universitário - UFS (Proc 075/05).

 

RESULTADOS

Foram examinados 450 RN com idade gestacional entre 37 e 42 semanas calculadas a partir da data da última menstruação. Destes, 222 (49,3%) eram do gênero masculino e 228 (50,6%) do feminino. O PC variou entre 30,0 cm e 39,8 cm com média de 34,14± 2,48 com P25 33,37 cm P50 34 cm e P75 35 cm. A DBA variou entre 15,5 cm a 22,0 cm com média de 18,57± 1,43 com P25 18 cm P 50 18,5 e P 75 19,5. A DAP variou entre 15,0 a 29.0 com média de 18,94±1,38 com P 25 18, P 50 19 P75 20. O IC variou entre 0,69 a 1,13 com média de 0,98±0,06 com P25 0,69 P50 1 P75 1 . O tamanho da fontanela variou entre 1,0 a 7,0 cm com média de 3,23±1,36 com P25 2,0 P 50 3,15 P 75 4,0. As medidas comparativas entre os gêneros masculino e feminino estão contidas na Tabela, em que observamos que apenas a DBA e a DAP mostraram diferença significativa. O peso variou entre 2020 g a 4550 g com média de 3278±462,3 com P25 2990 P50 3270 P75 3560. Nos RN masculinos a média foi de 3338±463,2 com P25 2910 P50 3350 P75 3600 e nos RN femininos a média foi de 3219±454,3 com P25 2910 P 50 3220 P75 3510. O comprimento variou entre 41,0 a 56 cm com média de 48,82±3,35 com P25 47,5 P 50 49 P 75 50. Nos RN masculinos a media do comprimento foi 49,18±3,08 com P25 48 P 50 50 P75 5l. Nos RN femininos a media de comprimento foi 48,46±3,57 com P25 47 P 50 49 P75 50. A relação entre o PC e o comprimento foi considerado significante (p=0,001).

 

DISCUSSÃO

As medidas antropométricas do crânio são de grande importância uma vez que as alterações da forma e do volume craniano fornecem elementos para a orientação diagnóstica, permitindo a confirmação de microcefalia, tão comum nos casos de encefalopatias congênitas por disfunção do sistema nervoso central, bem como das macrocefalias5.

Os relatos da literatura referem índices diferentes quando consideram os gêneros. Os dados obtidos através das curvas clássicas de Nellhaus7, mostram um PC de 34,61±1,043 para o gênero masculino e 34,55± 1,042 para o feminino com variação de 32,14 cm a 37,08 cm. Estes dados têm norteado toda e qualquer avaliação da antropometria craniana, existindo entretanto críticas por não estarem inseridos em um contexto internacional ou inter-racial8, entretanto são unânimes quando consideram como aquele autor que o crânio das crianças do gênero masculino é maior do que o crânio das crianças do gênero feminino. Assim temos encontrado na literatura pertinente tentativas de apresentação de dados regionais onde os aspectos étnicos são levados em consideração9-11. No Brasil os trabalhos sobre antropometria craniana de RN normais têm sido realizados em determinadas regiões, mas sem expressar a realidade da população do pais2,4,12,13. Este fato decorre da existência de determinadas regiões onde predomina a influência da etnia européia e asiática, como o sul e o sudeste, enquanto em outras predomina a influência da etnia africana e indígena, como o norte, nordeste e centro-oeste. Os estudos iniciais da antropometria craniana em nosso meio são da década de 504, cujas médias e escore desvio padrão do PC são semelhantes aos dados apresentados por Nellhaus7. Outros trabalhos desenvolvidos na região sudeste, mostram dados semelhantes aos anteriores e uma predominância também das medidas do crânio nos RN do gênero masculino sobre o feminino2,12-14. Estudo recente realizado na cidade de Salvador - BA6 mostra dados semelhantes apenas na predominância das medidas do crânio de RN do gênero masculino sobre o feminino; enquanto em relação às outras medidas padronizadas, observamos que nos RN de Salvador - BA há uma tendência a apresentarem medidas com resultados superiores aos observados na região sudeste configurando uma morfologia craniana diferente onde predomina os valores da DAP.

Nossos dados, no geral, se aproximam dos dados do estudo de Salvador - BA mostrando, entretanto, algumas diferenças para menos, principalmente se considerarmos os valores correspondentes ao P50 de algumas medidas, sendo menos evidente nas medidas do PC (com uma diferença de 0,25 cm) e mais evidente nas medidas da DBA (com uma diferença de 1,0 cm para o gênero masculino e 0,5 cm para o feminino) e da DAP (com uma diferença de 2,0 cm para ambos os gêneros) (Tabela). A literatura tem demonstrado que existe uma relação constante entre o comprimento e o PC que ajuda na avaliação das proporções corporais2. Nos nossos resultados observamos que o comprimento apresenta uma variação não muito diferente do que já foi referido por outros autores. Comparando os nossos dados com os dados obtidos no estudo da Bahia6 observamos que o PC é menor do que aqueles do mesmo modo que o comprimento, apresentando uma diferença de 1 cm nos RN masculinos e 2 cm nos RN femininos com uma demonstração entretanto de uma proporcionalidade referida na literatura pertinente.

Esses dados nos levam a considerar a existência de diferença na conformação do crânio dos RN destas duas regiões, apesar de estarem localizadas em áreas geográficas idênticas e próximas, sofreram interferência do processo de miscigenação étnica na mesma época (período colonial) mas com predominâncias diferentes. Em Sergipe a prevalência da etnia africana está concentrada em uma região definida (Vale do Cotinguiba) onde se desenvolveu a cultura da cana de açúcar, enquanto a influência da etnia européia se espalhou em várias regiões decorrente da expansão da pecuária; a influência da etnia indígena é menos marcante uma vez que o processo de conquista do território sergipano dizimou um grande contingente das nações indígenas aqui existentes15. Acreditamos que estas evidências justificam o fato de que os nossos resultados se aproximem mais dos resultados dos dados obtidos na região sudeste do que do estudo de Salvador - BA. Quando comparamos os valores do P50 do PC com os valores de outros estudos, observamos que os nossos dados (P50 34,75) se aproximam mais dos resultados obtidos em estudo realizado em Ribeirão Preto-SP (P50 34,41) do que dos dados obtidos no estudo realizado em Salvador - BA (P50 35,0) colaborando com a teoria de que a influência da etnia africana talvez não tenha sido tão intensa em nosso Estado como no estado da Bahia15.

Podemos observar que a questão da miscigenação étnica no Brasil é de grande importância para definir dados representativos da população quanto à antropometria craniana. Acreditamos ser necessária a realização de vários estudos multicêntricos, onde as questões relacionadas com a colonização, processos migratórios e imigratórios possam ser analisados e desta forma serem estabelecidos dados antropométricos que definam a realidade brasileira.

 

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15. Bezerra F. Etnias sergipanas: contribuição ao seu estudo Aracaju: Editora J Andrade, 1984.

 

 

Dr. Hélio A. Oliveira - Rua Reginaldo Passos Pina 261 - 49040-720 Aracaju SE - Brasil. E-mail: helio@infonet.com.br


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2007000500034&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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