Daniel Guzinski Rodrigues; Cátula Pelisoli
8 de abril de 2010
Ansiedade em vestibulandos: um estudo exploratório
Anxiety in candidates for university entrance examinations: an exploratory study
Daniel Guzinski RodriguesI; Cátula PelisoliII
IMédico psiquiatra do Móttola Pré-Vestibular pelo Centro Clínico Gaúcho
IIPsicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Atenção Psicossocial Casa Aberta (SMS Osório/RS)
RESUMO
CONTEXTO: Apesar do crescente interesse e da literatura existente sobre adolescentes em preparação para o vestibular, ainda é escasso o conhecimento sobre essa população.
OBJETIVOS: Verificar a prevalência de indicadores de ansiedade em alunos de cursos pré-vestibulares na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
MÉTODOS: Foram avaliados 1.046 estudantes que se preparavam para o vestibular; 390 (37,3%) eram do sexo masculino e 656 (62,7%), do sexo feminino. A média de idade da amostra foi 18 anos (DP 2,71). Os participantes responderam a um questionário estruturado, com questões sociodemográficas, e à Escala Beck de Ansiedade.
RESULTADOS: 23,5% dos vestibulandos apresentaram ansiedade considerada moderada ou grave; candidatas do sexo feminino apresentaram significativamente níveis mais elevados do que os candidatos do sexo masculino; os cursos cujos candidatos apresentaram maior ansiedade foram Publicidade e Propaganda, Farmácia, Medicina Veterinária, Medicina e Odontologia; a sensação de obrigação de prestar vestibular e o fato de considerá-lo como algo decisivo em sua vida fizeram que os adolescentes sentissem mais ansiedade.
CONCLUSÕES: Há necessidade premente de atenção psiquiátrica/psicológica a esses candidatos. Outros estudos devem ser realizados, ampliando o conhecimento e baseando em evidências as futuras intervenções dirigidas a essa população.
Palavras-chave: Adolescentes, ansiedade, vestibular.
ABSTRACT
BACKGROUND: Despite the growing interest and the existing literature about adolescents in preparation for the university entrance examinations, the knowledge about this population is still scarce.
OBJECTIVES: To verify the prevalence of anxiety indicators in students of courses for preparation for entrance examinations in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
METHODS: 1,046 students were evaluated who were preparing for the entrance exam, among them 390 (37.3%) were male and 656 (62.7%) were female. The average age for the sample was 18 years old (SD 2.71). The participants answered a structuralized questionnaire, with sociodemographic questions and the Anxiety Beck Scale.
RESULTS: 23.5% of the students presented moderate or severe anxiety; the female candidates had significantly higher levels than the male candidates; the courses whose candidates presented greater anxiety were Advertising, Pharmacy, Veterinary Medicine, Medicine and Dentistry; the feelings of obligation to take the exam and the fact of considering it as something decisive in their lives made the adolescents feel more anxiety.
DISCUSSION: There is an urgent need for psychiatric/psychological attention to these candidates. Other studies must be carried out, enhancing the knowledge and basing on evidence the future interventions aimed at this population.
Key-words: Adolescents, anxiety, university entrance examinations.
Introdução
O objetivo deste trabalho foi verificar a prevalência de indicadores de ansiedade em alunos de cursos pré-vestibulares na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O universo dos vestibulares não tem tido a atenção necessária na literatura científica no Brasil. Uma pesquisa nos bancos de dados Scielo e BVS-PSI com as palavras-chave vestibular, vestibulares e vestibulandos apresentou um total de 13 artigos sobre o assunto. Os temas investigados nesses trabalhos incluíram o sistema de cotas nos processos seletivos1-3, as tendências da demanda pelo ensino superior4, a importância atribuída ao ingresso na educação superior5, cursos pré-vestibulares comunitários6-8, leitura em língua estrangeira como um conhecimento exigido nas provas9 e experiência de vestibular seriado em Santa Catarina10. Apenas dois trabalhos encontrados focalizaram sua investigação no candidato ao vestibular: o estudo de Ferreira11, que analisou a associação entre capital cultural e estilo de vida de vestibulandos do Rio de Janeiro, e o de Rocha et al.12, que investigou sintomas depressivos em estudantes de ensino médio e cursinhos pré-vestibulares.
Rocha et al.12 investigaram alunos de segundo e terceiro anos do ensino médio e alunos de cursinhos pré-vestibulares que já haviam concluído o terceiro ano. Avaliados a partir do instrumento Self Reporting Questionnaire (SRQ), que permite o rastreamento de transtornos de humor, os autores encontraram a presença de indicadores de transtorno depressivo em 45,7% dos estudantes. Entre estes, destacou-se a prevalência mais elevada em meninas (59,3%) do que em meninos (28,4%). Um resultado interessante desse estudo foi o comparativo realizado entre os três grupos de participantes (segundo ano, terceiro ano e pré-vestibular), que mostrou que os alunos de cursinhos pré-vestibulares apresentavam indicadores de depressão em 59,4% dos casos, os de terceiro ano, em 51,4%, enquanto os de segundo ano, em 35,8%. Esses autores encontraram um crescimento correlacionado desses sintomas com a idade e o decorrer do progresso acadêmico, demonstrando que quanto mais velho e mais próximo do vestibular, mais sintomas depressivos apresentava o sujeito.
Investigando estresse em adultos jovens de diferentes níveis de escolaridade, Callais et al.13, utilizando o Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp, encontraram maiores escores de estresse em estudantes de cursos pré-vestibular, comparados a estudantes de primeiro e terceiro anos do ensino médio e primeiro e quarto anos do ensino superior. Neste trabalho, os autores consideram o período de preparo para o vestibular como um estressor de grande porte para os jovens, que se submetem a um sistema competitivo para ter direito de estudar. Sentir-se despreparado para a prova parece influenciar o processo de ansiedade, conforme se verificou em estudo de D'Avila e Soares14. Dificuldade de concentração, inquietação, dores de cabeça e musculares e tonturas foram sintomas típicos de ansiedade em estudantes que se preparavam para o vestibular, quando questionados um mês antes da realização da prova. O medo da reprovação, o elevado número de candidatos por vaga e os fatores específicos da escolha profissional também são aspectos ansiogênicos.
A escolha profissional, que é uma das tarefas a serem concretizadas na adolescência, pode ter a função de motivar o adolescente a estudar e definir um planejamento que o leve ao sucesso no vestibular. Por outro lado, pode ser também um importante fator ansiogênico: escolher a profissão exige o conhecimento de área de atuação, mercado de trabalho, rotina, salário e tudo o que acompanha a vida profissional. Além disso, a influência da família é muitas vezes determinante na escolha, podendo ou não estar de acordo com os reais desejos e a vocação do adolescente. Embora a influência da família não seja clara, é nesse contexto que vão ocorrer negociações objetivas e subjetivas entre os diversos aspectos envolvidos nesse processo15.
A escolha profissional é multifatorial: é influenciada por aspectos políticos, econômicos, sociais, educacionais, familiares e psicológicos16. Além disso, nas diferentes culturas existem muitas ofertas, tanto no mundo do trabalho quanto no dos estudos, que caracterizam um momento histórico, em que os sujeitos, condicionados por suas condições materiais, têm de eleger, selecionar e decidir sobre seus objetos de preferência17. A escolha está permeada por um processo maior, que é o de desenvolvimento de carreira. Visto como um processo que se dá em etapas, o desenvolvimento de carreira inclui um momento de cristalização das preferências vocacionais, que geralmente ocorre entre os 14 e os 18 anos18. A cristalização depende de fatores pessoais e ambientais, contingências econômicas, consciência de atividades pré-profissionais, preferências, interesses e valores. Expectativas e projetos de vida dos pais para os filhos também desencadeiam angústia e ansiedade14. Para D'Avila e Soares14, a ansiedade interfere na dinâmica não só do indivíduo, mas de toda a família, nos momentos que antecedem a realização da prova.
Depois de tomar essa difícil decisão, a próxima etapa para muitos jovens é o vestibular. Sabe-se que, em nossa sociedade, uma parcela restrita e privilegiada dos adolescentes cumpre essa etapa. Do termo grego vestibulum (átrio, portal, entrada), o vestibular é o processo seletivo que existe para o ingresso nas Universidades, obrigatório no Brasil. Visto como um ritual de passagem da sociedade moderna, o vestibular simboliza a entrada do jovem para o mundo adulto e do trabalho. Os rituais de passagem foram criados pela sociedade humana desde os primórdios da civilização: certos ritos ou cerimônias assinalam mudanças críticas na evolução de seus membros e instituições19. Entretanto, alguns autores tratam-no como um pseudo-ritual, já que muitos adolescentes permanecem em simbiose com a família, sendo mantidos e sustentados por seus pais, muitos anos após o processo seletivo20.
Durante a preparação para o vestibular, o adolescente enfrenta, além das incertezas e inseguranças inerentes à sua condição desenvolvimental, a cobrança da família, de amigos e da própria sociedade para que ele obtenha a aprovação. Esse contexto contribui para o surgimento da ansiedade, que, em muitos casos, ultrapassa os limites da normalidade e pode prejudicar o desempenho do candidato durante a prova. Em termos teóricos, a ansiedade com o medo e o pânico são emoções relacionadas à presença de ameaça: trata-se de uma emoção relacionada ao comportamento de avaliação de risco que é evocado em situações em que o perigo é incerto, seja porque o contexto é novo, seja porque o estímulo do perigo esteve presente no passado, mas não está mais no meio ambiente21. A ansiedade é definida como um padrão de resposta incondicionado caracterizado por um conjunto de reações fisiológicas referentes à emissão de comportamentos de luta ou fuga, diante de situações de perigo22. Em termos clínicos, a ansiedade é um dos principais problemas psiquiátricos, com altos custos sociais e individuais23. Sendo assim, possui elevada demanda de assistência, demonstrando sua importância em termos de saúde pública. Os transtornos de ansiedade atingem todas as classes socioeconômicas em todo o mundo. Com predomínio em mulheres e em indivíduos acima de 18 anos, a ansiedade é uma condição associada a fatores genéticos, ambientais e relacionada a experiências sofridas24. Nos estudos de prevalência, as mulheres apresentam risco significativamente maior comparado aos homens para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade ao longo da vida, assim como maior gravidade dos sintomas, cronicidade e prejuízo funcional25.
Tendo em vista a complexidade do momento de vida em que os adolescentes candidatos ao vestibular encontram-se, ressalta-se a importância de estudos sobre essa população. A espera e a preparação até o dia da prova, o fato de esse processo seletivo se caracterizar como uma competição e a idéia de que somente os melhores obtêm aprovação e de que o sucesso depende não somente do próprio esforço do candidato, mas também do desempenho dos outros candidatos, são fatores que contribuem para a formação e manutenção de um processo ansioso. Particularmente neste trabalho, objetivou-se verificar a prevalência de indicadores de ansiedade em alunos de cursos pré-vestibulares na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Mais especificamente, este trabalho investigou uma possível associação entre a variável ansiedade e as variáveis escolha profissional, sexo, curso pretendido e profissão dos pais.
Métodos
Delineamento e procedimentos
Esta investigação caracterizou-se por ser um estudo transversal. A amostra foi por conveniência, sendo selecionada a partir de quatro grandes cursos pré-vestibulares da cidade de Porto Alegre. Os adolescentes foram contatados em sala de aula e convidados a participar do estudo. Explicaram-se os objetivos e os procedimentos da pesquisa e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar da pesquisa26. Após o cumprimento dos requisitos éticos, foram dadas as instruções para o preenchimento dos instrumentos. A digitação dos dados foi realizada por dois digitadores (digitação dupla), que estavam cegos quanto ao objetivo da pesquisa.
Instrumentos
Para fazer a avaliação dos candidatos, utilizaram-se um questionário estruturado e a Escala Beck de Ansiedade (BAI)27. O questionário estruturado era composto de 24 questões que abordavam o perfil sociodemográfico e a escolha profissional. A BAI é uma escala de auto-relato, que mede a intensidade de sintomas de ansiedade. O inventário é constituído de 21 itens, que são afirmações descritivas de sintomas de ansiedade, e que devem ser avaliados pelo sujeito com referência a si mesmo, numa escala Likert de quatro pontos (de "absolutamente não" a "gravemente: dificilmente pude suportar").
Os itens incluem: 1) dormência ou formigamento; 2) sensação de calor; 3) tremores nas pernas; 4) incapaz de relaxar; 5) medo que aconteça o pior; 6) atordoado ou tonto; 7) palpitação ou aceleração do coração; 8) sem equilíbrio; 9) aterrorizado; 10) nervoso; 11) sensação de sufocação; 12) tremores nas mãos; 13) trêmulo; 14) medo de perder o controle; 15) dificuldade de respirar; 16) dedo de morrer; 17) assustado; 18) indigestão ou desconforto no abdômen; 19) sensação de desmaio; 20) rosto afogueado; 21) suor (não devido ao calor). O escore total é o resultado da soma dos escores dos itens individuais e permite a classificação em níveis de intensidade da ansiedade: mínimo, leve, moderado e grave. A BAI pode ser administrada a grupos e exige a leitura de instruções sobre o seu correto preenchimento. A aplicação inclui a leitura de um cabeçalho, levando em torno de cinco minutos para ser respondida.
Análise de dados
O banco de dados foi montado no programa EpiInfo e a posterior análise foi feita no programa SPSS 13.0. Utilizaram-se o Teste do Qui-Quadrado, Teste t, Análise de Variância (ANOVA) e Teste de Duncan.
Participantes
Participaram deste estudo 1.046 estudantes que se preparavam para o vestibular; 390 (37,3%) eram do sexo masculino e 656 (62,7%), do sexo feminino. A média de idade da amostra foi de 18 anos (DP 2,71). A distribuição da amostra de acordo com a atividade funcional revelou que 922 (88,1%) apenas estudavam, 17 (1,6%) estudavam e trabalhavam, 59 (5,7%) exerciam outras atividades e 48 (4,6%) não responderam. Quanto ao estado civil dos participantes, 1.022 (97,7%) eram solteiros, 13 (1,2%), casados, 5 (0,5%), divorciados, 3 (0,3%), viúvos e 3 (0,3%) não responderam. Em relação ao grau de escolaridade dos participantes da amostra, 915 (87,5%) tinham o 2º grau completo, 69 (6,6%), superior incompleto, 17 (1,6%), superior completo, 14 (1,3%), 2º grau incompleto e 31 (0,3%) não responderam.
Resultados
A distribuição dos escores dos participantes na BAI indicou que 456 vestibulandos (43,6%) apresentaram nível mínimo de ansiedade, 343 (32,8%) apresentaram nível leve, 185 (17,7%), moderado e 61 (5,8%) apresentaram ansiedade considerada grave, de acordo com a classificação proposta pelo autor da escala27.
Entre os sintomas que compõem a Escala Beck, os cinco mais referidos na amostra foram, por ordem de freqüência: nervosismo, medo que aconteça o pior, incapacidade de relaxar, sensação de calor e indigestão. A média total no escore da BAI foi de 13,6 pontos, considerando os participantes de ambos os sexos. Entretanto, quando a ansiedade total foi comparada por sexo, por meio do Teste do Qui-Quadrado, verificou-se uma diferença significativa (X2 = 12,42; gl = 1021; p < 0,001), mostrando que as mulheres sofrem mais de ansiedade (m = 16,13; dp = 11,15) que os homens (m = 9,39; dp = 7,67). Uma outra forma de verificar essa diferença é quando se observa a distribuição entre os sexos dos níveis de ansiedade investigados, como se pode ver na figura 1.
Três faixas etárias foram consideradas para a análise: (a) até 18 anos (n = 578; 55,3%); (b) de 19 a 25 anos (n = 435; 41,6%); e (c) de 26 até 49 anos (n = 32; 3%). Entretanto, uma análise de variância (ANOVA) não mostrou diferenças significativas nos níveis de ansiedade em relação às faixas etárias, indicando que, nessa amostra, a ansiedade não estaria relacionada à idade do participante (F = 1,535; p = 0,215).
Outra variável investigada foi o curso pretendido pelos participantes da pesquisa. Entre os cursos, Medicina (n = 246; 23,5%), Direito (n = 112; 10,7%), Administração (n = 68; 6,5%) e Odontologia (n = 63; 6%) se destacaram como os mais procurados cursos de ensino superior nessa amostra de vestibulandos. O escore da BAI ficou distribuído entre os cursos pretendidos, como se pode ver na tabela 1. Os adolescentes que foram mais classificados como moderada e gravemente ansiosos foram os candidatos aos cursos de Publicidade e Propaganda (36,7%), Farmácia e Medicina Veterinária (28,1%), Medicina (25,6%) e Odontologia (23,8%). Uma análise de variância (ANOVA) foi realizada a fim de verificar se houve diferença entre as médias dos participantes em relação ao curso para o qual prestaria vestibular (Tabela 2). Entre os principais resultados, destaca-se que os estudantes que prestariam vestibular para o curso de Administração apresentaram médias inferiores de ansiedade, comparadas às de outros estudantes. Para complementação dos resultados da análise da variância (ANOVA), realizou-se teste post-hoc denominado Duncan. Esse teste permite identificar quais cursos diferem com relação ao escore de ansiedade, divididos em subgrupos homogêneos (Tabela 3).
A certeza da escolha do curso não influenciou, neste estudo, o escore da Escala Beck de Ansiedade (t = 1,007; gl = 802; p = 0,314). Os participantes da amostra que declararam ter certeza da escolha do curso não mostraram aumento no escore da BAI (m = 14,47; DP = 10,94) em relação aos que não declararam certeza (m = 15,28; DP = 10,06).
Outra variável investigada foi a influência da profissão dos pais. Neste resultado, o escore da BAI não mostrou alterações significativas nos candidatos que fariam vestibular para o mesmo curso de seus pais em relação aos que não fariam (X2 = 0,264; gl = 1.038; p = 0,792). O escore médio foi de 13,48 no grupo que faria para o mesmo curso e 13,98 para o grupo que não faria vestibular para o mesmo curso dos pais.
Entretanto, duas outras variáveis tiveram efeito na ansiedade dos vestibulandos: o sentimento de obrigação de prestar vestibular e o fato de considerá-lo algo decisivo na vida. Os participantes que se sentiam obrigados a prestar vestibular para determinado curso apresentaram significativamente mais ansiedade (X2 = 696,073; gl = 1.046; p < 0,001), com um escore de 16,97 comparados aos 13,45 dos que não se sentiam obrigados. Aqueles que consideram o vestibular decisivo em sua vida também apresentaram níveis mais elevados (X2 = 2926,639; gl = 1.046; p < 0,001), com um escore de 14,28, comparados ao escore de 11,09 daqueles que não o consideravam.
De todos os participantes da amostra, 947 (90,5%) responderam que o vestibular alterou seus hábitos de vida, 92 (8,8%) responderam que não tiveram seus hábitos alterados e 7 (0,7%) não responderam. Os principais hábitos de vida alterados na amostra estudada foram: vida social com amigos (n = 742; 78,4%), sono (n = 693; 73,2%), atividade física (n = 679; 71,7%), alimentação (n = 452; 47,7%), relacionamento familiar (n = 445; 47%) e namoro (n = 429; 45,3%). A tabela 4 apresenta as alterações dos hábitos de vida segundo o curso pretendido.
Discussão
Esse estudo possibilitou a ampliação do conhecimento acerca dos adolescentes candidatos ao vestibular, população negligenciada pela literatura científica. A complexidade dessa etapa do ciclo vital é indiscutível, já que envolve fatores biológicos, psicológicos, sociais, familiares e econômicos. O processo seletivo obrigatório para a entrada na universidade parece maximizar a ansiedade, como se observou neste estudo.
O vestibular é uma tarefa que faz parte de um número significativo de jovens brasileiros. Por muitos considerado uma forma cruel de selecionar os alunos mais capazes, esse processo seletivo gera uma série de emoções e expectativas. A depressão12 e a ansiedade14 parecem ser fatores complicadores desse processo, especialmente nas meninas. Assim como na população geral, tais problemas têm sido mais prevalentes nas mulheres, comparadas aos homens24,25,28, e também em meninas, comparadas aos meninos15.
Diferentemente de Hutz e Bardagi15 que verificaram correlação entre depressão e ansiedade com indecisão profissional, este estudo não apresentou tal associação. Ressalta-se o fato de que o presente trabalho não utilizou uma medida confiável para avaliar a indecisão, como fizeram Hutz e Bardagi15. Independentemente da idade, do quanto estão certos ou não da escolha profissional ou do fato de concorrerem à vaga do mesmo curso dos pais, a ansiedade parece ser um fator presente no processo de preparação para o vestibular nessa amostra de estudantes. A importância dada pelo adolescente a esse processo ao considerá-lo um momento decisivo em sua vida, entretanto, foi um aspecto que se associou à sensação de maior ansiedade por esses candidatos. Esse fato também se evidenciou para aqueles que se sentiram obrigados a prestar vestibular.
As particularidades de alguns cursos parecem ter influenciado as emoções de seus candidatos. Uma hipótese seria o elevado índice de candidatos por vaga nesses cursos, o que gera grande concorrência entre os vestibulandos. Em alguns casos, soma-se a isso a longa preparação que muitos estão realizando, com anos de estudos em cursinhos e muitas provas já realizadas. Os candidatos, de uma forma ou de outra, parecem estar particularmente conscientes de que terão que enfrentar alguns anos de estudo até conseguirem atingir seu objetivo e, por isso, mudam sua rotina e seus hábitos de vida.
O impacto do processo seletivo na vida do vestibulando ficou evidente neste estudo, quando mais de 90% dos participantes declararam que seus hábitos de vida foram alterados com a preparação para o processo seletivo. Tanto relacionamentos como atividades básicas, como sono e alimentação, tiveram um novo funcionamento a partir do momento em que esses adolescentes resolveram prestar vestibular. Vida social, namoro e interações com a família passam por processos de mudança, com o adolescente que está prestes a entrar na universidade e no mundo adulto.
Considerando os resultados deste estudo, destaca-se a necessidade de atenção acadêmica e profissional a esses adolescentes. Conforme demonstrado por D'Avila e Soares14, os jovens, mesmo sabendo que algo não vai bem com eles, não procuram ajuda para prepararem-se psicologicamente para a prova. Nesse sentido, a oferta de alternativas para dar conta dessas questões é uma necessidade da área profissional da psiquiatria e psicologia. Com esse objetivo, tem-se oferecido a jovens vestibulandos em preparação em um curso pré-vestibular da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, um processo em grupo terapêutico visando ao alívio da ansiedade e à preparação emocional. Essas intervenções vêm tendo uma crescente e considerável procura pelos adolescentes, demonstrando ainda mais que se trata de uma demanda descuidada pelos profissionais da saúde. Conforme apontam Callais et al.13, a habilidade para lidar com o estresse e a ansiedade talvez seja um elemento importante para o sucesso no vestibular, tanto ou mais do que a habilidade acadêmica ou o conhecimento.
Como limitações deste estudo, destaca-se que o uso do instrumento não implica um diagnóstico de transtorno de ansiedade, mas a presença ou ausência de indicadores ou sintomas. Além disso, os resultados parecem estar restritos a uma amostra da população de vestibulandos de classe social favorecida, tendo em vista que os cursos pré-vestibulares nos quais se realizou a coleta de dados eram particulares. A certeza da escolha da profissão não foi avaliada por qualquer escala, mas sim por auto-relato no questionário estruturado. Outras limitações que podem ser citadas são a ausência de comparação com um grupo-controle e a não-inclusão da variável número de vestibulares prestados, que poderia ter influência decisiva no grau de ansiedade em alguns cursos.
Diante de tais resultados, limitações e do número de vestibulandos no Brasil, destaca-se a necessidade premente de investigações que possibilitem o conhecimento sobre essa população. Tanto a psiquiatria quanto a psicologia procuram cada vez mais fundamentar suas ações psicoterapêuticas em evidências de pesquisas básicas e de efetividade. No caso dos adolescentes vestibulandos, essa tem sido uma tarefa complexa, já que o conhecimento é ainda escasso. Este trabalho demonstrou, principalmente, que vestibulandos e suas famílias devem ser foco de interesse acadêmico e clínico. A partir de uma maior compreensão do universo do vestibular, psiquiatras, psicólogos e outros profissionais poderão atuar com maior segurança e eficácia, contribuindo de forma mais substancial para com esses adolescentes e seus familiares.
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