Gabriel Coutinho; Paulo Mattos; Marcelo Schmitz; Didia Fortes; Manuela Borges
17 de junho de 2010
Concordância entre relato de pais e professores para sintomas de TDAH: resultados de uma amostra clínica brasileira
Gabriel CoutinhoI; Paulo MattosII; Marcelo SchmitzIII; Didia FortesVI; Manuela BorgesV
IPsychologist and postgraduate student at the Institute of Psychiatry of the Federal University of Rio de Janeiro (IPUB)
IIMD, MSc, DSc. Professor of psychiatry and a researcher at IPUB
IIIMD, Ph.D. Professor of Child and Adolescent Psychiatry and researcher at Federal University of Rio Grande do Sul
IVPsychiatrist and part of a research team on ADHD at IPUB
VPsychologist and postgraduate student at the Institute of Psychiatry of the Federal University of Rio de Janeiro (IPUB)
RESUMO
CONTEXTO: O diagnóstico de TDAH em crianças e adolescentes, segundo os critérios do DSM-IV, requer que os sintomas estejam presentes em, ao menos, dois ambientes distintos (principalmente escola e casa). Apesar da importância do relato de pais e professores, esse tema tem sido pouco investigado no Brasil.
OBJETIVO: Investigar a concordância entre os relatos de pais e professores de uma amostra clínica de crianças e adolescentes com diagnóstico de TDAH.
MÉTODOS: A amostra era composta por 44 crianças e adolescentes com idades variando entre 6 e 16 anos (40 meninos e 4 meninas), com diagnóstico clínico de TDAH. Foram comparadas as respostas de pais e professores no questionário SNAP-IV, visando a calcular taxas de concordância entre diferentes fontes de informação para sintomas de TDAH.
RESULTADOS: Concordância para o diagnóstico de TDAH ocorreu em aproximadamente metade dos casos; pais relataram mais sintomas de TDAH que professores.
CONCLUSÃO: Os achados aqui apresentados podem mostrar que informações acerca da sintomatologia de TDAH não são bem divulgadas para professores brasileiros, indicando a necessidade de se investir em sessões educacionais sobre o transtorno, tendo em vista a importância do relato de profissionais de educação para o diagnóstico de TDAH.
Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, TDAH, diagnóstico, fontes de informação.
Introdução
O diagnóstico de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças e adolescentes exige não somente que a criança seja examinada, mas também que seja realizada entrevista com os pais, além de obtenção de informações com a escola. Crianças geralmente apresentam relato pouco preciso acerca de seu comportamento, ao passo que adolescentes tendem a subestimar seus sintomas de TDAH1; pais geralmente são questionados sobre a manifestação de sintomas de TDAH não apenas em casa, mas também no ambiente escolar. A obtenção de informações utilizando apenas pais ou professores modifica significativamente a prevalência de TDAH2. Professores frequentemente são os primeiros a sugerir que existe possível TDAH em crianças e adolescentes em idades escolares3, reforçando a importância de relato proveniente da escola para tal diagnóstico. Alguns estudos demonstraram que a correlação entre relatos de pais e professores é apenas modesta4, e informantes apresentam melhor relato quando se referem a comportamentos restritos a seu ambiente de origem (isto é, pais relatam sobre comportamento em casa e professores relatam sobre comportamento na escola)5. Mais ainda, crianças com TDAH frequentemente apresentam comportamentos distintos, de acordo com o ambiente em questão (escola ou casa), o que sugere que relatos de pais acerca de comportamento na escola podem ser pouco precisos.
Relatos de pais e professores com frequência diver-gem quanto à classificação do TDAH por subtipos2,6. Estudo com amostra clínica de crianças com TDAH demonstrou que taxas de concordância entre pais e professores eram melhores para sintomas de desatenção, transtorno de oposição e desafio (TOD) e transtorno de conduta (TC) do que para sintomas de hiperatividade7. Discordância entre as diferentes fontes de informação também foi demonstrada em um estudo com amostra não clínica, no qual mães relataram maior número de sintomas de hiperatividade, ao passo que professores referiram mais sintomas de desatenção e de comportamento disruptivo8.
Com base na revisão feita, apenas um estudo brasileiro contemplou esse tema. Serra-Pinheiro et al.9 avaliaram concordância entre pais e professores em amostra não clínica; os resultados demonstraram que professores relatavam mais sintomas de desatenção, ao passo que pais referiam mais sintomas de hiperatividade. Além disso, quando o diagnóstico de TDAH foi considerado de forma categorial (presente ou ausente), obteve-se baixa concordância.
O objetivo do presente estudo foi avaliar taxas de concordância entre relatos de pais e professores para sintomas de TDAH em uma amostra clínica brasileira de crianças e adolescentes com diagnóstico clínico de TDAH, utilizando desenho que busca representar o dia a dia clínico. Com base em revisão de literatura e em recente estudo que demonstrou que profissionais brasileiros da área de educação apresentam baixo conhecimento acerca da sintomatologia do TDAH10, a hipótese deste estudo foi de que a concordância entre pais e professores para diagnóstico de TDAH seria entre baixa e moderada.
Métodos
Realizou-se análise retrospectiva do banco de dados de uma clínica privada especializada em TDAH e transtornos da aprendizagem, localizada na cidade do Rio de Janeiro (Centro de Neuropsicologia Aplicada). Todas as crianças e os adolescentes com idades entre 6 e 16 anos que receberam diagnóstico de TDAH no ano de 2005 foram incluídas nas análises. A maior parte dos pacientes foi encaminhada por médicos (psiquiatras e neurologistas) e por psicólogos; poucos foram encaminhados por escolas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os pais dos pacientes foram submetidos à entrevista semiestruturada, baseada em critérios do DSM-IV, visando à investigação de diagnóstico de TDAH e outros transtornos comórbidos. As entrevistas foram conduzidas por psicólogo treinado (GC), que também realizou coleta detalhada de dados acerca de sintomatologia e histórico. Todos os dados coletados foram considerados para o diagnóstico final realizado por psiquiatra especialista (PM).
Pais e professores foram solicitados a preencher a versão brasileira do questionário SNAP-IV11. Crianças e adolescentes com quociente de inteligência (QI) estimado (WISC-III)12 abaixo de 80 foram excluídos das análises. Nenhum dos participantes havia realizado tratamento prévio para TDAH. Todos os dados apresentados no presente estudo foram coletados em 2005 e avaliados de forma retrospectiva através do banco de dados do Centro de Neuropsicologia Aplicada.
Comparações entre relatos de pais e professores foram realizadas utilizando o teste de qui-quadrado de Pearson.
Resultados
Quarenta e quatro (40 meninos e quatro meninas) receberam diagnóstico de TDAH de acordo com os critérios do DSM-IV. A idade média era de 10 anos (DP = 3,03), com escolaridade média de 3,41 (DP = 2,28). Da amostra total, apenas 29 crianças (65,9%; 27 meninos e duas meninas) receberiam diagnóstico de TDAH, considerando apenas relato de professores. Por outro lado, ao considerar apenas o relato de pais, 40 dos 44 pacientes (90,90%; 37 meninos e três meninas) receberiam o diagnóstico correto. O perfil da amostra total e da amostra baseada apenas em relato de pais ou professores está descrito na tabela 1. O grupo de portadores de TDAH com base apenas em relato de professores não difere em idade, QI, gênero e anos de estudo em relação ao grupo de portadores com base em relato e pais (Tabela 1).
Vinte e seis dos 44 pacientes (59,09%) foram classificados como portadores de TDAH tanto por pais quanto por professores. Pais relataram diagnóstico positivo em discordância de professores em 14 casos (31,82%), ao passo que apenas em três casos houve relato positivo de professores em divergência de pais (Tabela 2). A divergência entre as diferentes fontes de informação não atingiu níveis significantes.
Em 34 pacientes (77,27%), pais relataram número significativo de sintomas de desatenção, em concordância com relato de professores em 21 casos (61,7%). Apenas em cinco casos (11,36% da amostra total) professores relataram número de sintomas de desatenção em discordância dos pais. Em 24 indivíduos da amostra (54,54%), pais relataram sintomas de hiperatividade-impulsividade em número significativo; em 12 (50%) desses casos houve concordância com professores. Apenas em seis casos (16,64% da amostra) professores relataram número significativo de sintomas de hiperatividade-impulsividade em discordância de pais.
Discussão
A amostra do presente estudo era predominantemente masculina (dez meninos para cada menina), conforme esperado em amostras clínicas de TDAH de crianças e adolescentes13,14. A concordância para o diagnóstico revelou-se moderada, ocorrendo em mais da metade dos casos (59,09%). Considerando apenas relato de pais, 90,90% da amostra seria diagnosticada como portadora de TDAH. Por outro lado, apenas 65,90% das crianças tiveram diagnóstico positivo, consoante relato de professores. Nossos resultados corroboram os achados de outros estudos2,13, nos quais pais referiram maior prevalência de TDAH em comparação com relato de professores.
Quando sintomas de desatenção foram considerados separadamente, a taxa de concordância obtida foi razoável. No entanto, considerando apenas sintomas de hiperatividade-impulsividade, a concordância revelou-se baixa. Esses resultados corroboram os achados de outro estudo7 que demonstrou que pais e professores apresentam melhor concordância para sintomas de desatenção TOD e TC do que para sintomas de hiperatividade.
Apenas um estudo brasileiro havia investigado taxas de concordância entre pais e professores para sintomas de TDAH9. Utilizando amostra não clínica, aquele estudo demonstrou que professores relatam mais sintomas de desatenção, ao passo que pais relatam mais sintomas de hiperatividade. De forma não surpreendente, o presente estudo com amostra clínica demonstrou que pais referiam mais sintomas em ambos os domínios (desatenção e hiperatividade). Pode-se presumir que esses pais apresentam queixas acerca do comportamento ou do desempenho acadêmico de sua prole, o que poderia explicar essas altas taxas de sintomas relatados em comparação com os professores.
Limitações
Os achados do presente estudo devem ser entendidos à luz de algumas limitações. A amostra é composta por indivíduos de alto nível socioeconômico, sugerindo que os resultados não podem ser generalizados para a população brasileira; centros privados no Brasil são compostos apenas por pacientes com condições financeiras que permitem o pagamento de serviços mais caros, tendo em vista que planos de saúde não cobrem avaliação e tratamento de TDAH e transtornos da aprendizagem. Além disso, resultados de estudos baseados em amostras referidas não se equivalem a achados de amostras comunitárias. Entretanto, estudos com amostras clínicas podem apresentar algumas vantagens, uma vez que esse tipo de amostra permite aproximação ao dia a dia observado por clínicos.
Implicações clínicas
Os resultados deste estudo estão de acordo com os resultados de estudo recente realizado no Brasil, que demonstrou que professores apresentam pouco conhecimento acerca da sintomatologia do TDAH9. Considerando-se a importância de relato de professores para melhor investigação de sintomas de TDAH, torna-se razoável ponderar a possibilidade de breves treinamentos informativos sobre o transtorno, tendo em vista que esse tipo de intervenção teve bons resultados quando aplicado em outros países, onde professores puderam aprimorar a capacidade de identificar crianças com possível TDAH15.
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Endereço para correspondência:
Gabriel Coutinho
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