Artigos Científicos

TRANSTORNOS DE CONDUTA

Susan Mondoni

3 de dezembro de 2006

TRANSTORNOS DE CONDUTA

                                                                                  Susan Mondoni[1]

 

 

 

INTRODUÇÃO

Certos comportamentos, como mentir e matar aula podem ser observados no curso do desenvolvimento normal de crianças e adolescentes. Do ponto de vista legal, comportamentos que transgridem a lei constituem a delinqüência. Do ponto de vista psiquiátrico, os atos anti-sociais são mais abrangentes, referindo-se a comportamentos condenados pela sociedade, com ou sem transgressão das Leis do Estado.

O Transtorno de Conduta (TC) é o distúrbio psiquiátrico mais freqüente na infância e adolescência e a primeira causa de encaminhamento ao Psiquiatra Infantil. Constitui-se de uma constelação de comportamentos anti-sociais e agressivos, que podem se tornar proeminentes já numa fase muito precoce da infância (Assumpção, 2003).

Os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento do transtorno, segundo o estudo de Ontário são:

·        Disfunção no funcionamento familiar;

·        Doença mental dos pais;

·        Baixa renda (para crianças de 4 a 11 anos, mas não para adolescentes) (Offord et al, 1987).

 

DIAGNÓSTICO

Neste transtorno há uma tendência permanente para apresentar comportamentos que incomodam e perturbam, além do envolvimento em atividades perigosas e até mesmo ilegais. Estes jovens não apresentam sofrimento psíquico ou constrangimento com as próprias atitudes e não se importam em ferir os sentimentos das pessoas ou desrespeitar seus direitos. Não possuem capacidade de aprender com as conseqüências negativas dos seus próprios atos.

 

Para o diagnóstico, o DSM-IV propõe os seguintes critérios:

A – Padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos básicos dos outros ou normas ou regras sociais importantes apropriadas à idade, manifestado pela presença de 3 ou + dos seguintes critérios nos últimos 12 meses, com pelo menos um critério presente nos últimos 6 meses:

Agressão a pessoas e animais

(1)    Freqüentemente provoca, ameaça ou intimida outros

(2)    Freqüentemente inicia lutas corporais

(3)    Utilizou uma arma capaz de causar sério dano físico a outros (p.ex. bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, arma de fogo)

(4)    Foi fisicamente cruel com pessoas

(5)    Foi fisicamente cruel com animais

(6)    Roubou com confronto com a vítima (p.ex. bater carteira, arrancar bolsa, extorsão, assalto à mão armada)

(7)    Forçou alguém a ter atividade sexual consigo

Destruição de propriedade

(8)    Envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndio com a intenção de causar sérios danos

(9)    Destruiu deliberadamente a propriedade alheia (diferente de provocação de incêndio)

 Defraudação ou furto

(10)                       Arrombou residência, prédio ou automóvel alheios.

(11)                       Mente com freqüência para obter bens ou favores ou para evitar obrigações legais (isto é, ludibria outras pessoas)

(12)                       Roubou objetos de valor sem confronto com a vítima (p.ex. furto em lojas, mas sem arrombar e invadir; falsificação)

Sérias violações de regras

(13)                       Freqüentemente permanece na rua à noite, apesar de proibições dos pais, iniciando antes dos 13 anos de idade.

(14)                       Fugiu  de casa à noite pelo menos 2 vezes, enquanto vivia na casa dos pais ou lar adotivo (ou uma vez, sem retornar por um extenso período)

(15)                       Freqüentemente gazeteia à escola, iniciando antes dos 13 anos de idade.

B – A perturbação no comportamento causa prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.

C – Se o indivíduo tem 18 anos ou mais, não são satisfeitos os critérios para o Transtorno de Personalidade Anti-social (DSM-IV, 1995).

 

O DSM-IV especifica se é do tipo com início na infância (menor de 10 anos) ou com início na adolescência, enquanto o CID-10 o subdivide em tipos socializado e não-socializado (CID-10, 1993).

Também há, nos 2 sistemas, a diferenciação entre transtorno de conduta e transtorno desafiador e de oposição (TDO), que se caracterizaria por um padrão persistente de resistência e negativismo. Contudo, o diagnóstico de transtorno de conduta é soberano e dispense o diagnóstico do TDO para os casos em que haja concomitância dos sintomas.

Alguns autores postulam que o TDO seja uma forma intermediária, um precursor do TC. Entendem o comportamento de negativismo como uma expressão mais primitiva e mais segura de antagonismo, em comparação com a agressividade (Rutter, 2002).

 

            Outros autores propõem o uso do termo transtorno de personalidade também para as crianças (Kernberg, P.F. et al, 2003). Segundo estes estudos, haveria cinco fatores que poderiam descrever o temperamento das crianças, que é o traço de personalidade que mais precocemente surge na vida. Estes fatores seriam o neuroticismo, que é o nível típico de ajustamento emocional do indivíduo, extroversão, que se refere à necessidade de estimulação do indivíduo, seu estilo de interação interpessoal e sua experiência de prazer, abertura, ou seja, a curiosidade do indivíduo e sua busca por novidades, amabilidade, que seria a forma como os indivíduos se relacionam uns com os outros e a consciência, que se refere à organização e à persistência do indivíduo quando persegue um objetivo. A presença de certas destas características associado a determinada situaçäo ambiental poderia configurar o transtorno (Goldberg e Rosolack, 1994; Paul Costa e Robert Mcrae, 1998; J. Digman, 1994 – in: Kernberg, P.F. et al, 2003 ).

 

Teorias embasadas na visão psicodinâmica como a psicanálise por exemplo, postulam que estas crianças apresentariam deficiências estruturais nos constituintes de seu mundo psíquico; teriam assim uma tendência a internalizar imagens parentais negativas, associá-las com sentimentos negativos e projetá-los para o mundo externo de maneira concreta, fazendo enxergando portanto as pessoas de seu convívio como agressivas e rejeitadoras. Suas fantasias de temor de abandono, rejeição e desamor não são percebidas como fantasias e sim como fato claro da realidade, ao qual elas reagem agressivamente (Kernberg e cols., 1992).

 

Além dos desvios da formação da personalidade, muitos estudos demonstram nesta população, uma maior susceptibilidade à formação de outros transtornos mentais. Vários trabalhos na área da delinqüência apontam esta associação: Abram e cols. (2003) por exemplo, estudaram uma população de detentos (1172 garotos e 657 garotas - idades entre 10 e 18 anos) e encontraram que 56,5% das meninas e 45,9% dos meninos apresentavam critérios diagnósticos (DSM-IIIR) para pelo menos 2 transtornos psiquiátricos.

 

Não devemos nos esquecer de que crianças vítimas de violência podem apresentar comportamentos anti-sociais como reação de estresse. Assim, o diagnóstico deverá ser feito afastando-se todos os fatores ambientais possivelmente desencadeantes deste tipo de comportamento, assim como outros transtornos mentais que possam ser diagnóstico diferencial com TC.

           

COMORBIDADES

  • TDAH (43%, mais comum na infância e nos meninos; maior incidência de persistência dos comportamentos anti-sociais na vida adulta);
  • Ansiedade, depressão e TOC (33%, mais comum na adolescência e nas meninas).
  • O transtorno de conduta está associado a baixo rendimento escolar e a problemas de relacionamento com colegas.
  • Fatores Associados: ser do sexo masculino, receber cuidados maternos e paternos inadequados, viver em meio a discórdia conjugal, ser criado por pais agressivos e violentos, ter mãe com problemas de saúde mental, residir em áreas urbanas e ter nível sócio-econômico baixo. Para homens, o fator de risco mais importante parece ser pais com problemas de saúde mental e para mulheres, abuso sexual na infância e o fato de terem sido criadas por pais com comportamento anti-social ou abuso de álcool/ drogas.

 

            PREVALÊNCIA

No geral, aproximadamente metade das crianças que iniciam comportamentos agressivos precocemente (pré-escolar) desenvolverão problemas persistentes ao longo de suas vidas.

Quanto ao Transtorno de Conduta, sua prevalência varia de acordo com os vários estudos da área, ficando entre 5 e 10%, sendo 2 a 3 vezes mais comum entre os meninos, embora esta proporção venha diminuindo ao longo dos últimos anos. É o diagnóstico mais freqüente na população de meninos e responsável por quase ¾ de todos os transtornos diagnosticados nesta população. A situação sócio-econômica interfere nestes dados, sendo observada uma duplicação nos índices de TC para populações mais pobres. Acompanhando-se o desenvolvimento destas crianças, observa-se uma diminuição na freqüência de sintomas de menor gravidade com a idade e aumento daqueles de natureza mais séria (vandalismo, tentar machucar alguém, crueldade com animais) a medida em que vão se tornando mais velhos (Rutter, 2002).

 

            TRATAMENTO

Detecção precoce, ação preventiva, intervenções psicossociais junto aos pais e à escola.

Com relação aos psicofármacos, estes são indicados quando há comorbidades ou para alguns sintomas alvo (ex: idéias paranóides associadas a agressividade, convulsões).

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Abram, Karen M.; Teplin, L.A.; McClelland, G.M.; Dulcan, M.K. (2003). Comorbid Psychiatric Disorders in Youth in Juvenile Detention. Archives of General Psychiatry, 60:  1097-1108.
  • Assumpção Jr., F.B.; Kuczynski, E. (2003) Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Ed. Atheneu.
  • CID-10 – Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento. Descrições clínicas e Diretrizes Diagnósticas. (1993). Editora Artes Médicas.
  • DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico. 4ª. edição. (1995) Editora Artes Médicas.
  • Kernberg, Paulina; Chazan, S. e cols. (1992). Crianças com Transtornos de Comportamento – Manual de Psicoterapia. Editora Artes Médicas.
  • Kernberg, Paulina F.; Weiner, A.S.; Bardenstein, K.K. (2003). Transtornos de Personalidade em Crianças e Adolescentes. Ed: Artmed.
  • Offord, D.R.; Boyle, M.H.; Szatmari, P. et al. (1987) Ontario Child Health Study.1. Six-month prevalence of disorder and service utilization. Archives of General Psychiatry, 44: 832-836.
  • Rutter, M.; Taylor, E. (2002) Child and Adolescent Psychiatry – fourth edition. Blackwell Science.

 

 



[1] Psiquiatra Infantil, participante do Programa Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da USP

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