Soraya Maria Pandolfi Koch Hack; Vera Regina Röhnelt Ramires
7 de novembro de 2011
Adolescência e divórcio parental: continuidades e rupturas dos relacionamentos
Adolescence and parental divorce: relationship continuity and rupture
Soraya Maria Pandolfi Koch HackI; Vera Regina Röhnelt RamiresII
IPsicóloga; Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
IIPsicóloga; Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP); Professora, Pesquisadora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão da literatura científica que aborda os relacionamentos pais-filhos no contexto das transições familiares relacionadas à separação e/ou divórcio parental, enfocando reações, experiências, concepções e sentimentos dos filhos, especialmente os adolescentes. Primeiramente, é apresentada uma revisão geral dos estudos do divórcio, seguida de pesquisas que especificamente associam adolescência e transições familiares. A maioria dos estudos destaca a importância da qualidade da parentalidade e manutenção dos relacionamentos entre pais e filhos após a separação. As repercussões que as continuidades e rupturas têm sobre os relacionamentos entre pais e filhos são discutidas.
Palavras-chave: transições familiares, divórcio, adolescência, relacionamentos.
ABSTRACT
The goal of this article is to present a scientific literature revision about the relationship between parents and children in the divorce context, focusing on reactions, experiences, conceptions and feelings, particularly those of teenagers. First, we present a general revision on divorce studies, followed by researches that specifically associate adolescence and family transitions. Most of the studies highlight the importance of parental quality and maintenance of the relationship between parents and sons/daughters after separation. The repercussion that continuities and ruptures have on the relationship between parents and sons/daughters is discussed.
Keywords: family transitions, divorce, adolescence, relationships.
O objetivo deste artigo é o de apresentar uma revisão da literatura que aborda os relacionamentos pais-filhos no contexto das transições familiares relacionadas à separação e/ou divórcio parental, enfocando as reações, as experiências, as concepções, os sentimentos dos filhos, especialmente dos adolescentes. Para isso foram acessadas as seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (incluindo Lilacs, Medline, Scielo), Indexpsi, Ibict, Psicoinfo e Pubmed. Foi possível constatar a existência de pesquisas que trouxeram contribuições a respeito das repercussões da separação dos pais sobre as crianças e os adolescentes (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly & Emery, 2003; Ramires, 2004; Souza, 2000; Wagner & Féres-Carneiro, 1998; Wallerstein & Kelly, 1998), além de estudos voltados especificamente ao adolescente (Dunlop, Burns & Bermingham, 2001; Hines, 2007; Ruschena, Prior, Sanson & Smart, 2005; Sourander & Helstelä, 2005; Souza, 2000; Storken, Roysamb, Moum & Tambs, 2005; Wagner, Falcke & Meza, 1997).
Os estudos revisados têm concluído que as crianças mais jovens podem ser as mais afetadas pelo divórcio parental, porque são menos capazes de compreender os eventos familiares, mais propensas a se culpar e a se sentir abandonadas e têm menos acesso a possíveis apoios por meio de relacionamentos fora da família (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Wallerstein & Kelly, 1998). O adolescente tem mais condições de aceitar e perceber o divórcio de seus pais de uma forma mais objetiva. No entanto, a compreensão mais realista da situação não impede o surgimento de ressentimentos e, consequentemente, de sintomas. Como escreve Souza (2000), os adolescentes percebem muitas vezes o divórcio como uma boa solução para a família, mas, por outro lado, alguns relatam sentir solidão, isolamento ou incapacidade de buscar fontes de apoio.
Sabe-se que a adolescência é uma fase peculiar do desenvolvimento do indivíduo que marca a transição entre o mundo infantil e o mundo adulto. Em meados de 1950, Winnicott ([1957] 1997) propunha que uma das grandes tarefas da adolescência seria buscar a independência emocional dos pais, processo esse marcado por momentos alternados entre uma independência rebelde e uma dependência regressiva. Segundo este autor, não seria para os pais uma tarefa simples: as oscilações do adolescente necessitariam encontrar persistência e continuidade dos cuidados parentais. Fazendo uma leitura contemporânea da adolescência, Outeiral (2008) acrescenta que, independentemente da cultura na qual o adolescente está inserido, a transformação dos vínculos infantis com os pais para outro tipo de vínculo mais maduro não significa uma ruptura do adolescente com a família.
Diferentemente do século passado, os adolescentes enfrentam hoje não só suas próprias crises, mas também as mudanças constantes no cenário sociocultural e na estrutura da família, que apresenta diversas possibilidades de configuração. É neste cenário de mudanças que ocorre a transição adolescente. Em 1997, Wagner et al. ressaltavam que integrar todas as demandas da fase adolescente num cenário cultural e familiar multifacetado e em pleno processo de modificação muitas vezes significava deparar-se com um agravamento das crises inerentes à adolescência e ao ciclo evolutivo do sistema familiar. Esta ideia parece também pertinente nos dias de hoje.
TRANSIÇÕES FAMILIARES RELACIONADAS AO DIVÓRCIO: HISTÓRIA E PESQUISAS
Nas últimas décadas, assistimos a uma mudança no cenário sociocultural, provocada, entre outros fatores, pelas alterações na estrutura familiar. Na sociedade ocidental, esperava-se da família que ela permanecesse indissolúvel, independentemente de seus conflitos. O crescente aumento de separações conjugais e posteriores recasamentos e a inserção da mulher no campo de trabalho introduziram mudanças nos papéis familiares básicos (Wagner & Féres-Carneiro, 1998). Com isso, na era da chamada pós-modernidade, não encontramos mais um modelo único de família, com pai, mãe e filhos biológicos morando juntos. O divórcio trouxe um leque de novas configurações e organizações familiares.
Em relação à frequência, nos EUA, o divórcio parental é experienciado por 1,5 milhão de crianças a cada ano (Wolchik et al., 2002). No Brasil, o IBGE aponta que, em 2005, foram registrados 717.650 casamentos e 150.714 divórcios. Neste mesmo ano, o registro total de filhos de casais envolvidos em divórcios somou 227.580. Sabemos que estes são os dados notificados, mas também temos conhecimento de uniões e separações não oficializadas que não estão enquadradas nestas estatísticas. Talvez a alta incidência do divórcio justifique o grande interesse atual dos pesquisadores por este assunto na atualidade. No entanto, entre 1980 e 1990, Amato (2001) detectou uma lacuna de pesquisas.
Numa revisão de pesquisas realizadas nas décadas de 1960 e 1970, Hetherington e Stanley-Hagan (1999) constaram que eram baseadas num modelo de déficit; ou seja, o divórcio era encarado como um evento traumático, partindo-se do pressuposto de que a saída de um dos pais do lar implicaria em sérias consequências para os filhos. Podemos entender que esta posição refletia, em parte, a própria resistência da sociedade da época em aceitar que as famílias pudessem ter outras configurações e romper assim o mito da "família indissolúvel". Os estudos dessas autoras, entre outros, contribuíram para uma mudança no rumo das pesquisas sobre o divórcio, focalizando a importância da diversidade dos padrões de ajustamento dos filhos como resultado da interação entre fatores individuais, familiares e extrafamiliares.
O aumento das taxas de separação conjugal em diversos países contrasta com o reduzido número de pesquisas qualitativas sobre esse tema (Brito, 2007). Constata-se que em grande parte dos estudos predomina a metodologia quantitativa e o enfoque sistêmico (Freeman & Newland, 2002; Harland, Reijneuveld, Brugman, Verloove-Vanhorick & Verhulst, 2002; Mahon, Yarcheski & Yarcheski, 2003; Sourander & Helstelã, 2005; Storken et al., 2005). Encontramos no Brasil estudos qualitativos, trazendo uma compreensão mais psicanalítica (Ramires, 2004), sistêmica (Almeida, Peres, Garcia & Pellizzar, 2000; Wagner et al., 1997), como também baseada na Psicologia do Desenvolvimento (Souza, 2000).
Chama atenção a frequência dos estudos comparativos: entre filhos que vivem com suas famílias originalmente constituídas e de famílias divorciadas (Freeman & Newland, 2002; Dunlop et al., 2001; Harland et al., 2002; Mahon et al., 2003; Ruschena et al., 2005; Storken et al., 2005; Wagner et al., 1997; Wolchik et al., 2002); e entre filhos de gêneros diferentes (Hines, 2007; Mahon et al., 2003; Ruschena et al., 2005; Storken et al., 2005). É possível também encontrar estudos longitudinais que se preocuparam em analisar as consequências do divórcio a médio e a longo prazo (Almeida et al., 2000; Amato & Afifi, 2006; Dunlop et al., 2001; Ruschena et al. 2005; Storken et al., 2005; Wolchik et al., 2002).
Independentemente da metodologia ou do referencial teórico utilizado, as pesquisas têm apontado para a relevância do estudo do divórcio parental e as implicações para o desenvolvimento dos filhos. A separação dos pais muitas vezes implica em descontinuidades, rupturas no holding familiar, gerando sentimentos de perda e desamparo. No entanto, essa concepção deve ser distinguida do modelo do déficit, como já foi citado, contido nas pesquisas iniciais sobre o divórcio, que trazia implícita uma ideia preconcebida e determinista a respeito das consequências do divórcio.
Os efeitos do divórcio não são necessariamente adversos (Hetherington & Kelly, 2002; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). Muitos filhos que se movem de uma situação familiar conflituosa para uma situação mais harmônica mostram inclusive uma diminuição de problemas após a separação de seus pais (Kelly & Emery, 2003). Não é necessariamente a presença do casal parental vivendo juntos que promove a saúde mental. Às vezes, conviver com pais em constante conflito prejudica o desenvolvimento dos filhos (Amato & Afifi, 2006; Benetti, 2006).
Portanto, como colocam Souza e Ramires (2006), não é possível estabelecermos uma relação linear de causa e efeito entre divórcio e consequências negativas. É importante que se compreenda a complexidade e a multiplicidade dos fatores envolvidos, que poderão conduzir a inúmeros desfechos, desde os mais adaptativos e integrados até os mais conflitivos e sintomáticos.
DIVÓRCIO... E DEPOIS?
A saída de um dos pais da residência não é a única mudança na vida dos filhos que acompanha o divórcio parental. Podem acontecer: declínio econômico, mudança de casa e de escola e afastamento de amigos (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). Souza (1999) acrescenta: menos acesso a avós, menos contato com um dos pais, instabilidade produzida e o possível prolongamento do conflito parental através de disputas de guarda e pensão. O recasamento também pode ser encarado como uma das possíveis consequências, criando uma teia complexa de relacionamentos (Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004).
A literatura científica tem explorado e descrito numerosos fatores que contribuem para as vicissitudes que o ajustamento de crianças e adolescentes pós-divórcio enfrentará: o tempo de separação, as características da personalidade das crianças e adolescentes, sua idade na ocasião da separação, o gênero, o nível de conflito entre os pais e a qualidade da parentalidade.
No período inicial da separação é mais comum aparecerem nos filhos dificuldades, preocupações e sintomas. Diante da separação, "os filhos têm que enfrentar o medo de também serem separados: perder o contato com uma das figuras parentais. Serem, de fato, abandonados" (Souza & Ramires, 2006: 199). O medo de perder o contato com o pai que está indo embora é o principal desajuste causado pelo divórcio (Almeida et al., 2000). É comum os filhos sentirem-se mais deprimidos e irritados, podendo apresentar queda no rendimento escolar, problemas de ajustamento e de relacionamento interpessoal (Amato, 2001; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002). Efeitos mais drásticos incluem comportamentos antissociais, agressivos, oposicionistas, falta de autocontrole, baixa responsabilidade social e diminuição do desempenho cognitivo (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). Os problemas de comportamento têm sido também referidos por vários outros autores (Almeida et al., 2000; Harland et al., 2002; Sourander & Helstelä, 2005). Além desses podem surgir: distração, ansiedade, raiva, comoção e descrença (Kelly & Emery, 2003), problemas de internalização e de externalização e problemas psicossomáticos (Cohen, 2002).
A readaptação à nova situação e a diminuição dos sintomas se dão num período de 1 a 3 anos (Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003; Ramires, 1999). Podemos acrescentar que a retomada do desenvolvimento pode estar associada também à constatação de que a separação que se efetivou é conjugal e não parental. Mas certamente outras variáveis interferem na potencialização ou desaparecimento dos sintomas. Além disso, as transições conjugais tendem a exacerbar problemas nas crianças que já apresentavam conflitos e desajustes anteriores.
A personalidade é encarada com um fator facilitador ou não na adaptação pós-divórcio, despertando ou não suporte por parte do ambiente (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Ruschena et al., 2005). A personalidade e a psicopatologia dos pais também é considerada um fator de importante influência nesse processo (Cohen, 2002), contribuindo para a comunicação posterior do casal a serviço da parentalidade.
O nível de conflito parental é um fator significativo para a adaptação dos filhos (Souza, 2000) e para o relacionamento pais-filhos. Separações litigiosas, falta de diálogo e o não-cumprimento das combinações que envolvem os filhos dificultam o processo. Schabbel (2005) considera que o período pós-divórcio constitui o fator mais crítico no funcionamento da família.
Neste tipo de contexto, é possível o surgimento do fenômeno que vem sendo descrito como PAS (Síndrome de Alienação Parental), que diz respeito ao afastamento do pai, por indução da mãe, que impede o contato e manipula o filho contra o pai (Boch-Galhau, 2002). Talvez seja possível fazer uma conexão da PAS com as ideias de Dolto ([1988] 2003). Esta autora comenta que algumas mães tratam seus filhos como se fossem delas, caindo na armadilha de sua própria possessividade. Acrescentamos que o divórcio pode potencializar algo que já se instituiu na história vincular entre mãe e filho.
Independentemente do conflito conjugal, após o divórcio pode haver uma diminuição da qualidade da parentalidade. Com o afastamento entre pais e filhos após a separação, a quantidade de tempo não é suficiente, embora seja difícil mensurar o que seria "tempo suficiente". O problema se instala quando os pais, além de considerarem os cônjuges como "ex", passam a enquadrar suas crianças na categoria de "ex-filhos" (Dantas et al., 2004). Na literatura consultada encontramos mais referências aos riscos de afastamento paterno do que materno (Kelly & Emery, 2003; Storken et al., 2005). Lembramos que em nossa cultura normalmente é a mãe quem detém a guarda dos filhos. No entanto, segundo Kelly e Emery (2003), as mães não residentes costumam visitar mais seus filhos do que os pais não residentes, que tradicionalmente ficam mais tempo com seus filhos meninos do que com as meninas.
Amato (2001) refere não ser significativa a diferença entre as reações de meninos e meninas. No entanto, é possível encontrar estudos indicando que os meninos no primeiro ano do divórcio apresentam mais problemas comportamentais que as meninas (Kelly & Emery, 2003). Tais conclusões parecem pertinentes, pois, como dizem Hetherington e Kelly (2002), o ajustamento do menino é complicado com a perda da presença da figura masculina, mais frequente na nossa cultura. As meninas são consideradas mais resilientes face aos estressores da disrupção do casal, mas não estão isentas de dificuldades na adolescência, como será abordado mais adiante.
As revisões realizadas por Amato (2001) e Dunn (2004) revelam que a qualidade de relacionamento pais-filhos é consistentemente relatada, nas pesquisas sobre divórcio, como um fator diretamente associado ao comportamento dos filhos. Estes precisam sentir que as ligações afetivas permanecem e que a separação dá conta do conflito, gerando qualidade de vida e de relacionamento (Souza, 1999). A capacidade dos filhos em lidar com a separação dos pais vai depender sobretudo da relação estabelecida entre os pais e da capacidade destes de distinguir a função conjugal da função parental (Féres-Carneiro, 1998). Uma das alternativas que alguns estudos apontam é a guarda compartilhada, referida como um fator de proteção, proporcionando para os filhos um melhor ajustamento emocional e comportamental (Bauserman, 2002; Zimmermann & Coltro, 2002).
Considerar em que momento evolutivo os filhos vivenciaram o divórcio parental é outro aspecto fundamental para entendermos a complexidade do processo e a representação que este tem para eles. Diferentes percepções, fantasias e sentimentos geram diferentes reações. Cohen (2002) constatou que entre 3 e 5 anos as crianças podem manifestar agressão, regressão, ansiedade de separação e problemas somáticos. Ramires (2004), em um dos raros estudos qualitativos realizados com crianças, encontrou entre 5 e 6 anos um desejo/fantasia de reunir os pais novamente, com a separação sendo vivida como algo ameaçador e destrutivo. Neste estudo, aos 8-9 anos as crianças revelaram ansiedade de separação, sentimentos de perda, pesar e dor intensa e fantasias de abandono. Também para Cohen (2002), na idade escolar aparece o medo da rejeição pela abstenção parental. Assim, há o aparecimento de outros sintomas: mau-humor, acting-out e decréscimo na performance escolar. Entre 10 e 13 anos, os participantes do estudo de Ramires (2004) demonstraram maior aceitação da nova união dos pais. Ao mesmo tempo também revelaram sentimentos de culpa e temores de retaliação em relação ao genitor não residente, raiva e tristeza.
O ADOLESCENTE FRENTE AO DIVÓRCIO PARENTAL
Segundo a revisão de Cohen (2002), diante do divórcio parental o adolescente pode desenvolver uma autonomia prematura, com desidealização de cada pai. Também sentimentos de raiva e confusão podem levar a problemas de relacionamento, uso de substâncias, decréscimo do desempenho escolar, conduta sexual inadequada, depressão, agressividade e comportamento delinquente. Problemas acadêmicos e dificuldades de relacionamento também apareceram na revisão de Kelly e Emery (2003). O estudo de corte realizado por Harland et al. (2002) detectou um índice maior de problemas comportamentais entre 12 e 16 anos nos filhos provenientes de famílias com pais divorciados. Mahon et al. (2003) não encontraram diferenças no estudo comparativo com adolescentes iniciais quanto à ansiedade e à depressão, porém a cólera é significativamente maior nos adolescentes com famílias de pais divorciados.
Rushena et al. (2005), em um estudo longitudinal comparativo, avaliaram adolescentes entre 17-18 anos que vivenciaram o divórcio parental na infância, concluindo que as diferenças comportamentais entre filhos de pais divorciados e pais casados diminuem consideravelmente com o tempo. As dificuldades aparecem nas circunstâncias em que houve afastamento parental, com uma história de vínculos mais distantes, antes mesmo da separação. Esta confirmação é encontrada no estudo longitudinal de Wolchik et al. (2002) com adolescentes, de 10 a 17 anos, de famílias em segunda, terceira ou mais uniões. Parte do grupo de mães participou de intervenções que tinham como objetivo melhorar o relacionamento com seus filhos. No final dessa pesquisa, esses filhos obtiveram índices menores de sintomas de desordem mental, problemas externalizantes, uso de maconha, álcool e troca de parceiros sexuais, comparados ao grupo que não participou da intervenção.
O estudo qualitativo de Souza (2000), que avaliou as percepções de adolescentes entre 14 e 18 anos sobre divórcio, confirma que as maiores dificuldades e fontes de sofrimento dizem respeito à saída de casa de uma das figuras parentais e à falta de previsibilidade de eventos da vida cotidiana. Estas conclusões explicam em parte o aparecimento dos sintomas citados nas pesquisas já referidas.
A autoestima do adolescente está associada a um alto cuidado parental, sem que isso signifique um controle excessivo por parte dos pais, visto que aquele necessita também de autonomia e individuação. Esta é a conclusão do estudo comparativo longitudinal de Dunlop et al. (2001) com adolescentes de 13 a 16 anos. Embora tais aspectos independam da estrutura familiar e do gênero dos filhos, observaram-se nesta pesquisa relacionamentos mais inconsistentes nas famílias com pais divorciados. Investigando a percepção de estudantes no início da adolescência sobre os cuidados parentais, o estudo comparativo de Freeman e Newland (2002) não encontrou diferenças entre os grupos. Todos referem um declínio no controle dos pais sobre o comportamento dos filhos, mas não de responsabilidade parental. No entanto, esses autores alertam para a prematura independência do jovem na família com um dos pais, inclusive com risco de prejudicar a individuação adolescente.
Os estudos reforçam, portanto, que a manutenção dos relacionamentos pais-filhos é importante também para o adolescente, porém é preciso considerar a sua necessidade de autonomia. Nesse sentido, Mahon et al. (2003) recomendam que os pais, no contexto do divórcio, permitam que os jovens possam ter visitações flexíveis de acordo com seus horários de ocupação, desenvolvendo cordiais respostas cooperativas a respeito das demandas, criando planos estruturados que facilitem os empreendimentos de suas metas e progressos enquanto adolescentes.
Além das pesquisas já referidas, também são relevantes as que tratam especificamente da influência do gênero dos adolescentes no contexto do divórcio. Hines (2007), num estudo comparativo de jovens na fase da adolescência inicial, confirma que meninas são mais ajustadas nas características sociais e acadêmicas que meninos. Estes necessitam de um tempo maior para se adaptar, mostrando-se mais violentos. De acordo com Kelly e Emery (2003), o adolescente do sexo masculino tem mais riscos de apresentar problemas de ajustamento e problemas acadêmicos. No entanto, as adolescentes estão inclinadas a engravidar mais cedo. Os resultados também são reiterados no estudo comparativo longitudinal de Storken et al. (2005), com adolescentes medianos (de 14 a 18): com a ausência paterna, meninas adolescentes apresentam mais ansiedade e depressão diante da perspectiva de relacionamentos mais íntimos, ao passo que meninos têm mais problemas escolares. Para esses autores, o menino sente mais a falta da figura paterna, neste período, pela necessidade do modelo masculino.
OS RELACIONAMENTOS PAIS-FILHOS E O DIVÓRCIO PARENTAL
Constata-se na literatura consultada um predomínio de pesquisas quantitativas em detrimento das qualitativas. Ao mesmo tempo, observa-se a existência de muitos estudos comparativos com tendência a atribuir mais problemas aos filhos de pais divorciados, por vezes desconsiderando a complexidade dos fatores envolvidos.
Apesar disso, de modo geral, as pesquisas, independentemente da variável enfocada ou da metodologia utilizada, sugerem que o divórcio parental passa a ser um fator de risco para os filhos, caso tenha se consolidado um afastamento entre eles e as figuras parentais. A sensação de abandono e desamparo cria uma situação de vulnerabilidade, propiciando o aparecimento ou a potencialização de desajustes. Porém é preciso acrescentar que em muitos casos a fragilidade nos relacionamentos entre pais e filhos já é constatada muito antes do divórcio.
A natureza do vínculo estabelecido entre as crianças e seus pais, especialmente o apego, modifica-se com o tempo. "Tais mudanças tomarão como referência os modelos representacionais do ambiente e do self, estando alicerçadas nas interações vivenciadas" (Souza & Ramires, 2006: 39). Assim, reafirmamos a concepção de que o enfrentamento do divórcio por parte dos filhos depende em muito do relacionamento anterior estabelecido entre eles e os pais.
Ramires (2004) ressalta que o tipo de vínculo que as crianças estabelecem com seus pais é um importante fator de resiliência no enfrentamento das transições familiares. Também é preciso considerar a existência de uma "resiliência familiar" (Benghozi, 2005), ou seja, a capacidade da própria família de reconstruir os seus laços afetivos. Podemos acrescentar que, se o vínculo "suficientemente" positivo que o filho tem com seus pais é rompido, enfraquecido ou ameaçado, a resiliência presente até então pode se transformar num potencial de vulnerabilidade e, consequentemente, gerar sintomas, que descortinam um sentimento de perda, abandono e desamparo.
O divórcio parental é uma situação complexa, que envolve uma série de variáveis que precisam ser identificadas e estudadas em favor da saúde mental das pessoas envolvidas. Segundo Féres-Carneiro (1998), apesar da dor da perda despertada pelo processo de separação, os filhos são mais capazes de enfrentar a separação dos pais do que estes podem imaginar. O mais importante é a qualidade da relação que se estabelece entre os membros do casal e entre estes e os filhos. Portanto, é possível reiterar as palavras de Ramires (2004), destacando a importância dos vínculos estabelecidos entre pais e filhos antes, durante e depois da separação.
Essa afirmação é válida não só para as crianças, potencialmente mais dependentes de seus pais, mas também para os adolescentes. Estes, movidos por sua busca pela autonomia e com mais fontes de apoio fora da família, despertam muitas vezes a ideia de que vivem de forma mais independente, aparentemente alheios aos problemas familiares. É nesse campo que podem se estabelecer as vulnerabilidades que colocam em risco o processo de individuação em andamento. Ou seja, os adolescentes continuam, em qualquer estrutura familiar, a necessitar de apoio, limites, enfim, continuidade dos cuidados. Como as pesquisas mostraram, o desamparo e a ruptura dos relacionamentos predispõem ao aparecimento de desajustes, ou prematuridade. Portanto, destaca-se a importância da natureza das relações entre pais e filhos e a continuidade desses laços após a separação.
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