Artigos Científicos

Influência da autoestima, da regulação emocional e do gênero no bem-estar subjetivo e psicológico de adolescentes

Teresa Freire; Dionísia Tavares

7 de novembro de 2011

Rev. psiquiatr. clín. vol.38 no.5 São Paulo  2011 

Influência da autoestima, da regulação emocional e do gênero no bem-estar subjetivo e psicológico de adolescentes

 

Influence of self-esteem and emotion regulation in subjective and psychological well-being of adolescents: contributions to clinical psychology

 

 

Teresa Freire; Dionísia Tavares

Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A literatura científica tem evidenciado que a autoestima e a capacidade de regulação emocional estão presentes em vários quadros psicopatológicos, contudo a influência dessas variáveis no bem-estar tem sido pouco estudada teórica e empiricamente. 
OBJETIVO: Pretende-se analisar a relação dessas variáveis com o bem-estar subjetivo (satisfação com a vida) e com o bem-estar psicológico (felicidade e significado). Pretende-se, ainda, verificar a capacidade de predição do gênero, da autoestima e das estratégias de regulação emocional (supressão emocional e reavaliação cognitiva) nos diferentes componentes do bem-estar. 
MÉTODOS: Participaram do estudo 216 adolescentes de uma população normativa de ambos os sexos. Foram administrados, a todos os participantes, quatro instrumentos para avaliar a autoestima, a capacidade de regulação emocional, o bem-estar subjetivo e psicológico. 
RESULTADOS: A supressão emocional correlacionou-se negativamente com todas as medidas de bem-estar, enquanto a reavaliação cognitiva evidenciou correlação positiva mais significativa com os níveis de felicidade. A autoestima revelou correlação positiva forte com a satisfação com a vida e maior capacidade de predição do bem-estar do que as estratégias de regulação emocional. 
CONCLUSÃO: A autoestima revela ser uma variável importante na promoção do bem-estar dos adolescentes, assumindo-se como elemento fundamental numa intervenção clínica positiva e preventiva.

Palavras-chave: Bem-estar, felicidade, autoestima, regulação emocional, adolescência.


ABSTRACT

BACKGROUND: Scientific literature has shown that self-esteem and emotion regulation are related to various psychopatological disorders, although, few studies have investigated the influence of these variables in well-being. 
OBJECTIVE: The aim of this study is to analyze the relations of these variables with subjective well-being (life satisfaction) and psychological well-being (happiness and meaning). It also wants to investigate the predictive value of gender, self-esteem and emotion regulation strategies (suppression and cognitive reavaluation) on the different components of well-being. 
METHODS: A normative sample of 216 adolescents, from both sexes, has answered four instruments that evaluated self-esteem, the emotion regulation capacity, subjective and psychological well-being. 
RESULTS: Suppression has correlated negatively with all the measures of well-being meanwhile cognitive reavaluation has correlated positively and more strongly with levels of happiness. Self-esteem had showed a strong and positive relation with life satisfaction and a higher predictive value of well-being than emotion regulation strategies. 
DISCUSSION: Self-esteem has revealed being an important variable in the promotion of adolescent well-being, assuming a primary role in the field of a more positive and preventive clinical practice.

Keywords: Well-being, happiness, self-esteem, emotion regulation, adolescence.


 

 

Introdução

A psicologia clínica tem procurado incorporar conceitos da psicologia positiva na compreensão dos fenômenos psicopatológicos ou disfuncionais, de forma a aliviar o sofrimento humano, prevenir o desenvolvimento de patologias e promover o funcionamento ótimo do indivíduo1. Nesse domínio, várias intervenções têm revelado ser eficazes em populações clínicas na diminuição dos sintomas depressivos e no aumento dos níveis de felicidade ou de bem-estar2.

A literatura científica tem procurado estudar o bem-estar sob duas perspectivas: o bem-estar subjetivo (hedonia) e o bem-estar psicológico (eudaimonia).

Segundo Myers e Diener3, o bem-estar subjetivo, ao qual subjaz uma lógica hedônica de prazer e de gratificação mais imediatos, traduz-se na presença de emoções positivas e ausência de emoções negativas e na avaliação global da satisfação com a vida. Maior satisfação com a vida parece estar relacionada com indicadores de funcionamento positivo e menor satisfação com a vida tem sido associada à maior sintomatologia depressiva, à rejeição interpessoal e a comportamento agressivo4. No presente estudo, o bem-estar subjetivo é entendido como o nível de satisfação com a vida do indivíduo.

Ryff5 considera, contudo, que o estudo do funcionamento positivo dos indivíduos deverá incorporar aspectos da vida mais desafiantes e duradouros como ter um propósito na vida, alcançar relações satisfatórias e atingir um sentimento de autorrealização, introduzindo, assim, o conceito de bem-estar psicológico ou eudaimonia. Baseados na teoria de Ryff5 e em outras teorias como a autodeterminação de Ryan e Deci6 e a seleção psicológica de Csikszentmihalyi e Massimini7, Delle Fave et al.8 têm também procurado investigar um conceito de felicidade mais eudaimônico, conceitualizado como processo de crescimento e de autoatualização a longo prazo, relacionado com a construção de significados. Para tal, os autores questionam os indivíduos sobre os aspectos mais significativos e os objetivos mais importantes na sua vida e sobre os seus níveis de felicidade e de significado, em diferentes domínios de vida8. No presente estudo, esses níveis de felicidade e de significado representam o denominado bem-estar psicológico.

A evidência empírica tem demonstrado que o bem-estar será mais bem entendido como fenômeno multidimensional que inclui aspectos de ambas as concepções de bem-estar6,8.

Numa revisão da literatura, Diener9 verificou que as variáveis demográficas não explicavam mais do que 15% da variância nos níveis de felicidade. Ferraz et al.10 evidenciam, na sua revisão da literatura nesse domínio, que os estudos revelam que a correlação entre idade e bem-estar é praticamente nula e que o gênero contribui menos de 1% para a variação dos índices de felicidade. Perante esses resultados, os investigadores começaram a debruçar-se sobre o estudo das variáveis psicológicas implicadas nesse fenômeno.

A autoestima foi identificada como uma das características mais associadas aos indivíduos mais felizes3. A evidência empírica revela que essa característica individual poderá estar associada, quer a resultados negativos como a ansiedade, a depressão e a agressão, quer a indicadores de funcionamento positivo11. Apesar de alguma controvérsia no estudo da autoestima, a sua definição é mais ou menos consensual. A autoestima é definida como a avaliação afetiva do valor, apreço ou importância que cada um faz de si próprio12. Alguns autores13,14descobriram que a autoestima está relacionada de forma significativa com o bem-estar, mas que essa relação é mais forte em países caracterizados pelo individualismo do que pelo coletivismo6.

Outra variável que tem sido associada ao bem-estar é a capacidade de regulação emocional. Os avanços na neurociência têm permitido um conhecimento mais preciso das conexões e circuitos neurobiológicos associados às emoções15, além da sua implicação na tomada de decisões em diferentes situações da vida cotidiana16. No âmbito da psicologia clínica, as emoções e a capacidade de regulação emocional estão presentes num vasto conjunto de perturbações psicológicas17,18. A relação entre a capacidade de regulação emocional e o bem-estar tem sido, sobretudo, objeto de investigação em populações adultas, daí a importância de estudar essa relação na adolescência.

Segundo a definição de John e Gross18, a regulação emocional refere-se aos processos pelos quais os indivíduos influenciam, que tipos de emoções têm, quando as têm e como as experienciam e expressam. O modelo processual da regulação emocional, desenvolvido por esses autores, distingue diferentes estratégias de regulação emocional, sendo as mais estudadas a reavaliação cognitiva e a supressão emocional.

A reavaliação cognitiva envolve modificar o significado da situa­ção de uma forma que altera o seu impacto emocional. A evidência empírica revela que o uso dessa estratégia permite a experienciação de mais emoções positivas e menos emoções negativas, melhor funcionamento emocional e interpessoal, menor sintomatologia depressiva, maior satisfação com a vida, mais otimismo e maior autoestima. Relativamente ao bem-estar psicológico, permite maiores níveis de crescimento pessoal, autoaceitação, objetivos de vida melhor definidos e maior autonomia18.

A supressão emocional, por sua vez, inibe o comportamento emocional expressivo, mas não a experienciação da emoção negativa. Suprimir a expressão das emoções parece conduzir à menor experienciação de emoções positivas e à maior experienciação de emoções negativas, a um afastamento social, a níveis mais elevados de sintomatologia depressiva e a níveis reduzidos de satisfação com a vida, autoestima e otimismo18.

O estudo da autoestima e da capacidade de regulação emocional na adolescência adquire significado importante, sendo essa uma fase desenvolvimental caracterizada por fortes mudanças no nível cognitivo e afetivo. Compreender o comportamento dessas variáveis nos índices de funcionamento de uma população normativa poderá informar a psicologia clínica sobre as características individuais e os processos que deverão ser trabalhados no contexto terapêutico para promover um funcionamento mais positivo com os pacientes.

Desse modo, o presente estudo tem como objetivos analisar a relação da regulação emocional e da autoestima com as medidas de bem-estar subjetivo (níveis de satisfação com a vida) e de bem-estar psicológico (níveis de felicidade e de significado) e avaliar a capacidade de predição da variável gênero, das estratégias de regulação emocional e da autoestima no bem-estar subjetivo e psicológico.

Com base na revisão da literatura efetuada, é esperado que se encontrem: a) correlações positivas entre a estratégia de reavaliação cognitiva e as medidas de bem-estar; correlações negativas entre a supressão emocional e as medidas de bem-estar; correlações positivas entre os níveis de autoestima e as medidas de bem-estar. É igualmente esperado que: b) ambas as variáveis psicológicas (autoestima e regulação emocional) tenham valor preditivo maior do que a variável gênero nas medidas de bem-estar, e a autoestima explicará a maior parte da variância no modelo de predição.

 

Método

Participantes

Participou no estudo um total de 216 indivíduos, 148 do sexo feminino (68,5%) e 68 do sexo masculino (31,5%), com idades compreendidas entre 15 e 19 anos (M = 16,6; DP = 1,2). Todos os participantes são estudantes de uma escola do norte de Portugal e integram o ensino secundário (ciclo de estudos de três anos). Cerca de 37% (N = 80) frequentam o 10º ano de escolaridade, 29,6% (N = 64) frequentam o 11º ano e 33,3% (N = 72) frequentam o 12º ano. Nenhum participante do estudo foi sinalizado pela escola com evidência de índices psicopatológicos.

Instrumentos

a) Questionário Sociodemográfico

Este questionário foi desenvolvido para obter informação sobre as características sociodemográficas da amostra em estudo, tais como sexo, idade e ano de escolaridade.

b) Inventário de Felicidade Eudaimônica e Hedônica – versão portuguesa (Eudaimonic and Hedonic Happiness Investigation – EHHI)8

Para além de questões de resposta aberta que pretendem avaliar a felicidade nas suas várias dimensões, esse instrumento inclui duas escalas de resposta tipo Likert. Essas escalas pretendem avaliar: (1) os níveis de felicidade e (2) os níveis de significado, ambos experienciados em 11 domínios de vida (Trabalho, Família, Nível de vida, Relações interpessoais, Saúde, Crescimento pessoal, Lazer/tempo livre, Espiritualidade/religião, Comunidade, Sociedade e Vida em geral), considerados indicadores dos níveis de bem-estar psicológico (perspectiva eudaimônica). Cada escala inclui 12 itens que podem ser pontuados de 1 a 7 pontos (níveis de felicidade: 1 = extremamente baixo, 7 = extremamente elevado; níveis de significado: 1 = nada significativo, 7 = extremamente significativo). A pontuação varia entre 12 e 84 pontos, e uma pontuação mais elevada indica maior felicidade ou significado em determinado domínio de vida. Essas duas escalas revelaram bom nível de consistência interna, tendo-se obtido alpha de Cronbach de .85 para a escala dos níveis de felicidade e de .81 para a escala dos níveis de significado.

c) Escala de Satisfação com a Vida19 – adaptação, para a população adolescente portuguesa, da Satisfaction With Life Scale (SWLS)20

Essa escala pretende medir o nível de satisfação com a vida, considerada a componente cognitiva do bem-estar subjetivo. 
A escala é unidimensional e composta por cinco itens que pontuam numa escala tipo Likert de 7 pontos (1 = fortemente em desacordo, 7 = fortemente de acordo), resultando numa pontuação total que pode variar entre 5 e 35, sendo mais pontos indicadores de maior satisfação por parte do inquirido. A escala revelou boa consistência interna, tendo obtido alpha de Cronbach de 0,78.

d) Questionário de Regulação Emocional – Crianças e Adolescentes (QRE-CA)21 – adaptação, para a população portuguesa, do Emotion Regulation Questionnaire – Children and Adolescents (ERQ-CA)22

O questionário avalia a capacidade de regulação emocional, no uso de duas estratégias distintas. Assim, o questionário é composto por duas subescalas: a reavaliação cognitiva (itens 1, 3, 5, 7, 8 e 10) e a supressão emocional (itens 2, 4, 6 e 9). Por meio de um conjunto de 10 itens que pontuam numa escala tipo Likert de 5 pontos (1 = discordo fortemente, 5 = concordo fortemente), o inquirido pode obter entre 10 e 50 pontos, e uma pontuação mais elevada indica maior uso de determinada estratégia de regulação emocional. 
O questionário revelou bons níveis de consistência interna, próximos daqueles dos estudos originais (alpha de Cronbach de ,71 para a Reavaliação Cognitiva e de .62 para a Supressão Emocional).

d) Escala de Autoestima de Rosenberg23 – adaptação, para a população portuguesa, da Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES)24

O instrumento avalia os sentimentos globais de autoestima do self. É constituído por 10 itens que pontuam numa escala tipo Likert de 4 pontos (4 = concordo fortemente, 1 = discordo fortemente). Pontuação mais elevada representa autoestima mais elevada. Saliente-se que os itens 2, 5, 6, 8 e 9 estão invertidos. Essa escala apresenta bom nível de consistência interna (alpha de Cronbach de .86) e replica o modelo unidimensional da escala.

Procedimento

De forma aleatória, selecionaram-se três turmas de cada ano de escolaridade do ensino secundário (10º, 11º e 12º ano). Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em cada uma das nove turmas, tendo sido completados num período de 30 a 40 minutos, em contexto de sala de aula. A administração dos instrumentos foi contrabalanceada de forma a anularem-se possíveis efeitos de ordem e de fadiga nas respostas. Os dados recolhidos foram posteriormente submetidos a tratamento estatístico por meio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS – Pasw Statistics 18).

 

Resultados

Dados descritivos

A tabela 1 mostra as médias e os desvios-padrão das diferentes variáveis em estudo, para ambos os sexos.

 

 

Um teste de diferenças de médias para amostras independentes foi efetuado para avaliar se as diferenças encontradas entre os dois sexos são significativas e qual a magnitude dessas diferenças. Verificaram-se diferenças significativas de gênero nos níveis de autoestima (t (214) = -3,53, p < ,05) e no uso da estratégia de supressão emocional (t (174) = -2,13, p < ,05). Os homens parecem usar mais estratégias de supressão e revelam autoestima mais elevada do que as mulheres. Contudo, a magnitude das diferenças é moderada na autoestima (eta squared = ,06) e pequena na supressão (eta squared = ,02). Essas diferenças de gênero não serão objeto de estudo no âmbito deste artigo, contudo justificam a inclusão da variável gênero na regressão múltipla hierárquica adiante efetuada, de forma a avaliar a sua influência nas medidas de bem-estar.

Relação entre a autoestima e a regulação emocional e as medidas de bem-estar subjetivo e psicológico

Na tabela 2, apresentam-se as correlações entre as variáveis em estudo.

 

 

Tal como esperado, verifica-se correlação positiva significativa entre a estratégia de reavaliação cognitiva e a satisfação com a vida (r = ,17, n = 216, p < ,05) e entre a mesma estratégia e os níveis de felicidade (r = ,24, n= 216, p < .0005). No entanto, a magnitude dessas correlações é pequena (r = ,17 e r = ,24, respectivamente), segundo a classificação de Cohen25. Verifica-se, ainda, que a estratégia de reavaliação cognitiva não se correlaciona de forma significativa com os níveis de significado atribuídos aos diferentes domínios de vida (r = ,13,n = 216, p > ,05).

Relativamente à supressão emocional, o uso dessa estratégia apresenta correlação negativa com todas as medidas de bem-estar, tal como esperado: com a satisfação com a vida (r = ,13, n = 216, p < ,05), com os níveis de felicidade (r = ,17, n = 216, p < ,05) e com os níveis de significado (r = ,16, n = 215, p < ,05). Contudo, a magnitude das três correlações é pequena (r = ,13, r = ,17, r = ,16).

Por sua vez, tal como esperado, verifica-se correlação positiva elevada entre a autoestima e a satisfação com a vida (r = ,52, n = 216, p < ,0005), dado o coeficiente de Pearson estar acima do ,5025.

Verifica-se também correlação positiva entre a autoestima e os níveis de felicidade (r = ,39, n = 216, p < ,0005), sendo essa moderada, tendo em conta o valor do r de Pearson. Constata-se, ainda, correlação positiva entre a autoestima e os níveis de significado atribuídos aos vários domínios de vida (r = ,23, n = 215, p < ,01), apesar de a magnitude dessa correlação ser pequena (r = ,23).

Impacto das variáveis gênero, autoestima e regulação emocional nos níveis de bem-estar subjetivo e bem-estar psicológico

De forma a incluir todas as variáveis num único modelo de predição e verificar, comparativamente, o seu valor preditivo nas medidas de bem-estar, foram efetuadas algumas regressões múltiplas hierárquicas.

De forma a testar se o gênero, a autoestima e as estratégias de regulação emocional (reavaliação cognitiva e supressão emocional) têm algum valor preditivo nas medidas de bem-estar subjetivo (satisfação com a vida) e nas medidas de bem-estar psicológico (felicidade e significado) e se o valor preditivo das estratégias de regulação emocional se mantém depois de controlar os efeitos do gênero e da autoestima, foram realizadas três regressões múltiplas hierárquicas. Nessas análises de regressão, o gênero foi incluído no primeiro bloco de variáveis preditivas (step 1). Em seguida, a autoestima foi incluída no segundo bloco de variáveis preditivas (step 2), como a reavaliação e a supressão foram introduzidas no terceiro bloco de variáveis (step 3). A satisfação com a vida, a felicidade e o significado foram introduzidos em três regressões separadas enquanto variáveis dependentes. Os resultados são apresentados na tabela 3.

Os resultados revelam que o gênero, a autoestima e a regulação emocional assumem valor preditivo nas medidas de bem-estar, contudo a autoestima assume-se como a variável com maior poder preditivo nos modelos testados. Na primeira regressão múltipla hierárquica, verifica-se que a autoestima prediz 24% da variância da satisfação com a vida, enquanto o gênero explica apenas 3% da variância e as estratégias de regulação emocional (reavaliação e supressão) explicam apenas 2% da variância dessa medida. Esse modelo das três variáveis preditivas é significativo para explicar a variância na satisfação com a vida [F (4, 211) = 21,91, p < ,0005], mas a autoestima é a variável que dá contribuição mais direta e significativa (beta = ,50). A contribuição do gênero, apesar de significativa (beta = ,18), explica reduzida percentagem da variância da satisfação com a vida.

Analisando os resultados da segunda regressão múltipla, constata-se que a autoestima prediz 14% da variância dos níveis de felicidade nos adolescentes, as estratégias de regulação emocional predizem 6%, enquanto o gênero prediz apenas 1% da variância na mesma medida de bem-estar psicológico. O modelo é significativo no conjunto das variáveis psicológicas preditivas [F (4,211) = 7,05, 
p < .0005], e a autoestima (beta = ,39), a reavaliação cognitiva (beta = ,20) e a supressão (beta = -,14) contribuem diretamente para explicar os resultados na felicidade. O gênero não contribui significativamente para explicar a variância nos níveis de felicidade.

Apesar de o modelo de predição para os níveis de significado ser significativo [F (4, 210) = 2,23, p < ,01], as variáveis preditivas explicam uma parte diminuta da variância nessa medida de bem-estar psicológico. Assim, a autoestima explica apenas 6% dos níveis de significado que os adolescentes atribuem aos diferentes domínios da sua vida, as estratégias de regulação emocional explicam 3%, enquanto o gênero apresenta percentagem nula na explicação da variância dos níveis de felicidade.

 

Discussão

Dos resultados anteriormente apresentados, destaca-se a correlação positiva forte encontrada entre a autoestima e a satisfação com a vida, tal como Baumeister et al.14 encontraram na sua revisão da literatura de estudos com jovens e adultos. O presente estudo vem indicar que esse padrão correlacional também se reproduz na adolescência, o que parece revelar uma consistência na relação entre essas duas variáveis, ao longo das diferentes fases de desenvolvimento.

Esse resultado é interessante, pois a autoestima parece associar-se mais a uma medida de bem-estar subjetivo (satisfação com a vida) do que psicológico, o que pode estar relacionado com a própria definição e conceitualização dos constructos. A autoestima, como avaliação do self, e a satisfação com a vida, como avaliação da vida no seu todo, parecem ter em comum um componente valorativo e emocional: gostar de si ou da vida que tem. Esse componente emocional parece não estar presente nas medidas de bem-estar psicológico. 
A percepção dos níveis de felicidade e de significado que o adolescente faz em termos globais ou por domínios parece incluir dimensões mais psicológicas relacionadas com objetivos, motivações, autonomia e autorrealização e construção de significados5,8.

Por sua vez, a capacidade de regulação emocional, aqui avaliada pelo uso de duas estratégias de regulação, revelou direções opostas na sua relação com o bem-estar.

Desse modo, os adolescentes que usam a reavaliação cognitiva no processo de regulação emocional, procurando modificar o significado das situações, parecem, sobretudo, estar mais felizes. Também parecem estar mais satisfeitos com as suas vidas, o que confirma a evidência de estudos anteriores com adultos26 e com crianças e adolescentes27. Apesar de se correlacionarem positivamente com os dois tipos de bem-estar, o que parece indicar um efeito abrangente do uso dessa estratégia, os resultados parecem revelar uma tendência para maior associação entre a estratégia de reavaliação cognitiva e uma medida de bem-estar psicológico (felicidade) do que com uma medida de bem-estar subjetivo (satisfação com a vida). Saliente-se, contudo, que a magnitude dessas correlações foi pequena neste estudo.

Por sua vez, o uso da estratégia de supressão emocional parece estar associado negativamente com ambas as dimensões de bem-estar. A supressão das emoções parece estar associada a uma avaliação mais negativa da vida no momento presente (perspectiva hedônica) e a um menor sentimento de realização pessoal, de autoaceitação e de consecução de objetivos, considerados aspectos de vida mais duradouros e desafiantes (perspectiva eudaimônica). Apesar de esses resultados corroborarem os resultados de estudos anteriores com adultos18, verificou-se que a magnitude dessas correlações foi pequena.

A explicação para a reduzida magnitude dessas correlações poderá residir no fato de se ter utilizado uma medida de autorrelato. Esse tipo de medida poderá não conseguir avaliar as estratégias de regulação emocional que se tenham tornado inconscientes e automáticas e, por isso, mais dificilmente percepcionadas pelos inquiridos18, interferindo assim nos resultados. Para averiguar essa situação em estudos futuros, poderá recorrer-se a uma combinação de medidas, incluindo, por exemplo, medidas em tempo real, as quais poderão fornecer informação mais contextualizada e imediata sobre o uso dessas estratégias nas experiências subjetivas diárias dos indiví­duos28,29. Além disso, poderá adaptar-se o questionário no sentido de avaliar as estratégias utilizadas em função do tipo de emoção a ser regulada, como sugerem John e Gross26. Outra explicação poderá relacionar-se com o desenvolvimento e a maturação neurocognitiva habitualmente existente nesse período da adolescência15,30.

No que se refere ao valor preditivo das diferentes variáveis nos diferentes tipos de bem-estar, os resultados evidenciaram valores preditivos diferenciados entre as variáveis.

Assim, foi encontrada reduzida influência da capacidade preditiva das estratégias de regulação emocional (entre 2% e 6%) nos níveis de bem-estar subjetivo e psicológico dos adolescentes, depois de controlada a influência do gênero e da autoestima. Por sua vez, a contribuição do gênero na variação dos índices de bem-estar é reduzida (não explicando mais de 3%), o que corrobora os resultados de estudos empíricos anteriores10. A autoestima revelou ser a variável com maior poder preditivo nas três variáveis de bem-estar, sendo a sua contribuição mais forte nas variações dos níveis de satisfação com a vida. O aprofundamento da investigação nesse domínio poderá servir para compreender melhor a autoestima, a qual tem sido facilmente implicada em vários processos psicológicos, mas poucas vezes estudada empiricamente de forma consistente na literatura científica mais generalizada.

Os resultados do presente estudo parecem contribuir para a clarificação do papel do gênero, da capacidade de regulação emocional e da autoestima na promoção do bem-estar a diferentes níveis. Esses resultados poderão contribuir para a definição de intervenções psicológicas mais específicas com adolescentes em diferentes contextos, identificando claramente quais as variáveis que deverão ser prioritariamente alvo de intervenção, no sentido de se promoverem maiores níveis de bem-estar nessa faixa etária.

Futuros estudos deverão procurar investigar a influência dessas variáveis em populações clínicas, procurando verificar se a influência da autoestima se mantém, apesar da presença de outras variáveis relevantes, como seja a sintomatologia ansiosa e depressiva. Avanços científicos nessa área poderão contribuir para a promoção de vidas mais felizes e para aumento da eficácia das intervenções clínicas, com relação à seleção dos tratamentos, numa lógica que se pretende simultaneamente de promoção e de prevenção.

Os resultados deste estudo confirmam, ainda, a necessidade de investigar, em simultâneo, as duas perspectivas do bem-estar (subjetivo e psicológico), de forma a poder ter uma compreensão mais holística desse construto. O uso de estudos longitudinais poderá clarificar as diferenças intraindividuais ao longo do ciclo desenvolvimental e, ainda, identificar relações de causalidade entre as variáveis.

 

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30. Compas BE. Coping, regulation and development during childhood and adolescence. In: Skinner EA, Zimmer-Gembeck MJ, eds. Coping and the development of regulation. New directions for child and adolescent development. San Francisco: Jossey-Bass; 2009. p. 87-99.

 

 

 Endereço para correspondência: 
Teresa Freire 
Escola de Psicologia da Universidade do Minho 
Campus de Gualtar – 4710-057 – Braga, Portugal 
E-mails: tfreire@psi.uminho.pt; tavares.dionisia@gmail.com


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832011000500003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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