Artigos Científicos

Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança

Maria da Graça Motta; Aldo Bolten Lucion; Gisele Gus Manfro

22 de março de 2007

Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança

 

Efectos de la depresión materna en el desarrollo neurobiológico y psicológico del niño

 

Maria da Graça MottaI; Aldo Bolten LucionII; Gisele Gus ManfroIII

IMédica psiquiatra; Membro, Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (SPRS); Mestranda em Neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
IIProfessor, Programa de Pós-graduação em Neurociências, UFRGS, Porto Alegre, RS
IIIMédica psiquiatra, Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Professora, Programa de Pós-graduação em Neurociências, UFRGS, Porto Alegre, RS

Correspondência


RESUMO

Vários estudos recentes têm demonstrado a repercussão da privação materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança. A depressão pós-parto, quando persistente, pode favorecer a ocorrência de situações de negligência e abuso infantil. Este trabalho tem como objetivo revisar estudos publicados a partir de 1988 que demonstrem alterações no desenvolvimento neurológico, endócrino, mental e comportamental de crianças cujas mães tiveram depressão pós-parto. A importância do meio ambiente inicial foi revisada em estudos pré-clínicos com mamíferos não-humanos, demonstrando que, quando há privação ou estresse no início do desenvolvimento, ocorrem alterações persistentes em estruturas encefálicas, em secreções neuro-hormonais e na densidade de receptores específicos. Também serão descritos alguns aportes teóricos sobre a importância da relação mãe-bebê concordantes com os achados experimentais.

Descritores: Depressão pós-parto, depressão materna, bebê, criança, eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, privação materna, cortisol.


RESUMEN

Varios estudios recientes vienen demostrando la repercusión de la privación materna en el desarrollo neurobiológico y psicológico del niño. La depresión postparto, cuando persistente, puede favorecer la ocurrencia de situaciones de negligencia y abuso infantil. El objetivo de este trabajo es revisar estudios publicados a partir de 1988, que demuestren alteraciones en el desarrollo neurológico, endocrino, mental y comportamental de niños cuyas madres sufrieron con depresión postparto. La importancia del medio ambiente inicial ha sido revisada en estudios preclínicos con mamíferos no-humanos, demostrando que, cuando hay privación o estrés en el comienzo del desarrollo, ocurren alteraciones persistentes en estructuras encefálicas, en secreciones neuro-hormonales y en la densidad de receptadores específicos. También se describirán algunos aportes teóricos acerca de la importancia de la relación madre-niño, en concordancia a los hallazgos experimentales.

Palabras clave: Depresión postparto, depresión materna, bebé, niño, eje hipotálamo-pituitaria-adrenal, privación materna, cortisol.


 

 

INTRODUÇÃO

Vários estudos recentes demonstram uma grande influência da mãe e/ou do cuidador primário no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança. A mãe parece tamponar os fatores estressantes dos meios interno e externo do bebê1,2. Essa proteção, associada a estímulos táteis, visuais e auditivos, assim como à tradução e satisfação das necessidades do bebê, possibilitará o desenvolvimento de capacidades positivas pré-programadas geneticamente.

O termo "esperando a experiência" tem sido usado com referência ao processo que envolve a prontidão do cérebro da criança para receber tipos específicos de informação do meio. Essa prontidão está presente, principalmente, durante os primeiros anos de vida, nos períodos denominados sensíveis ou críticos do desenvolvimento. Esses períodos, que são cruciais para a aquisição de informações sociais, afetivas e cognitivas, levam a uma estabilização e maior proliferação de determinadas sinapses em detrimento de outras3,4. Se a mãe falha em prover ao bebê proteção e estímulo adequados, as chances de prejuízo dos processos do desenvolvimento neurobiológico e psicológico aumentam significativamente, levando a repercussões a médio e longo prazo5.

Perry & Polard sugerem que a falha persistente na manipulação dos bebês nos primeiros meses de vida, principalmente a falha de um olhar responsivo da mãe e de um falar com o bebê, contribui para diminuir e/ou não desenvolver adequadamente conexões neuronais. Há evidências de que falhas no cuidado inicial devido a negligência, abuso físico e/ou psicológico estão associadas a alterações no padrão de apego6-8 e no desenvolvimento motor e mental dos bebês9-12. Alguns autores observam uma possível correlação entre experiências iniciais de privação e a ocorrência de depressão, ansiedade e abuso de drogas tanto na criança quanto no adulto13, e personalidade borderline no adulto14.

Além disso, alguns marcadores fisiológicos e bioquímicos do estresse têm se mostrado alterados em crianças que sofreram algum tipo de privação física e/ou psicológica mais intensa e persistente. Exemplos dessas alterações incluem: aumento na freqüência cardíaca em comparação ao grupo controle15,16, alterações nos níveis e no ritmo circadiano12, alterações nos níveis do cortisol urinário10 e salivar15,17 e aumento da atividade ao eletroencefalograma (EEG) na região frontal direita em relação à esquerda18,19.

Vários estudos com mamíferos não-humanos reforçam a importância do padrão de cuidado materno nessa fase inicial do desenvolvimento20-24. Foram observadas variações na expressão gênica em roedores e primatas não-humanos estressados ou que sofreram privação materna no período inicial do desenvolvimento. Também foram evidenciadas alterações em várias estruturas encefálicas, em secreções neuro-hormonais e na densidade de receptores específicos21-24. Essas alterações repercutiram na subseqüente maneira desses animais responderem aos estímulos estressores na idade adulta20-24.

Em humanos, a privação materna pode ocorrer mesmo sem a intenção da mãe de prejudicar o bebê, como, por exemplo, em decorrência da depressão pós-parto (DPP). A DPP pode favorecer a ocorrência tanto de abuso quanto de negligência7-10,25, principalmente quando os sintomas depressivos forem persistentes8,10. As mães deprimidas mais freqüentemente mantêm um padrão de comportamento intrusivo ou retirado (ausente emocionalmente)25, danoso para a criança. A DPP é um transtorno depressivo que ocorre tipicamente entre as 4 e 12 semanas após o nascimento do bebê (CID10). Ela tem uma prevalência de 10 a 15% nos primeiros 2 meses do pós-parto, podendo persistir, em até 70% das mães, por pelo menos até os 6 primeiros meses de vida do bebê9.

Vários têm sido os achados neurológicos e comportamentais no bebê associados à depressão da mãe, tais como patologias do apego8,26-28, alterações no EEG18,19,29 e no desenvolvimento mental e motor10. Os bebês de mães deprimidas apresentam mais freqüentemente alterações comportamentais, tais como evitação do olhar e menor vocalização7,17,30,31.

Na criança maior, quando a depressão materna se prolongou pelo menos durante o primeiro ano de vida, foi observada uma freqüência significativa de alterações persistentes do EEG32, alterações cognitivas com déficit de aprendizado, transtorno depressivo e sintomas de internalização33. Alguns estudos demonstram que a depressão materna está associada à elevação dos níveis de cortisol tanto em bebês17,34 quanto em crianças em idade pré-escolar35 e escolar36,37.

O presente trabalho se propõe a revisar a influência da DPP materna no desenvolvimento da criança. Para essa revisão, foi consultado o Medline, utilizando-se os seguintes descritores: privação materna, depressão materna, DPP, estresse, plasticidade encefálica, negligência, abuso físico, abuso psicológico, maus-tratos, cortisol salivar, eixo límbico-hipotalâmico-hipofisário-adrenal (LHPA), eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA), cortisol, corticosterona, CRH, ACTH, bebês, crianças e filhotes de mamíferos não-humanos, desde 1988 até 2004. Também foi revisada bibliografia psicanalítica sobre desenvolvimento e relação mãe-bebê.

 

ESTUDOS QUE DEMONSTRAM EVIDÊNCIA DA IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE

Estudos pré-clínicos

A pesquisa sugere fortemente que o surgimento do padrão de resposta ao estresse ocorre, pelo menos em parte, como uma função do padrão de cuidado parental, isto é, que um modo de herança não-genômica pode levar a alterações tanto na fisiologia celular quanto no comportamento dos animais durante toda a vida. A origem das diferenças individuais não está clara; entretanto, duas linhas de evidências em roedores argumentam em favor da importância do ambiente como uma variável crítica24.

Em ratos, a estimulação neonatal consiste tipicamente em manipulação, por um experimentador, durante alguns minutos, em geral durante as 2 primeiras semanas de vida. A primeira linha de evidências demonstra que esse procedimento tem como conseqüência uma série de alterações comportamentais e neuroendócrinas no filhote, quando adulto, frente a um estressor, que se caracterizam basicamente por uma diminuição do medo a ambientes novos e uma resposta atenuada da produção de glicocorticóides, respectivamente.

Importante dizer que esse padrão de manipulação provoca nas mães um comportamento mais cuidador: elas lambem e cuidam muito mais freqüentemente dos filhotes em relação aos filhotes controle. O cuidado maternal é provocado pelo aumento das vocalizações do filhote associadas à manipulação38.

Lucion et al.39, Gomes et al.40, Severino et al.41 e outros demonstraram pela primeira vez que o estresse neonatal altera, na vida adulta, mecanismos regulatórios da reprodução. Lucion et al.39 demonstraram que estresse neonatal induz a uma redução permanente em torno de 35% no número de células nervosas no locus ceruleus.

A segunda linha de evidências, que diz respeito ao efeito potencial do comportamento maternal no desenvolvimento das respostas endócrina e comportamental ao estressor, demonstrou que mães altamente cuidadoras no período neonatal têm filhotes adultos com o mesmo padrão comportamental e neuroendócrino dos filhotes submetidos a manipulação no período inicial.

Camundongos de uma linhagem que normalmente tem um comportamento muito medroso e que demonstra elevada resposta do eixo HPA ao estresse (BALB/c), quando submetidos a adoção cruzada por mães da raça C57, são significativamente menos medrosos e demonstram baixa resposta do eixo HPA ao estressor. Importante ressaltar que as mães C57 lambem e cuidam duas vezes mais freqüentemente dos filhotes do que as mães BALB/c42.

Existe, assim, uma associação entre o padrão de manipulação e de cuidado maternal no período neonatal e o padrão comportamental e dos sistemas neurais mediadores das respostas ao estressor no filhote quando adulto. Essas evidências mostram uma extraordinária plasticidade desses sistemas, dependente do padrão inicial de relação com o meio externo.

Estudos clínicos

Em humanos, existem estudos que demonstram que crianças criadas em instituições, privadas de um estímulo adequado, apresentam vários níveis de alteração do desenvolvimento.

Spitz43 observou dois grupos de bebês criados em duas instituições distintas. Em uma das instituições, uma casa para crianças abandonadas, estas eram cuidadas por várias pessoas, havendo um rodízio permanente de pessoal, sem a previsibilidade nem o afeto de um cuidador conhecido e constante. A segunda instituição era uma creche para bebês de mães delinqüentes, que recebiam ensinamentos sobre os cuidados básicos e eram supervisionas e aconselhadas. Em ambos os casos, os bebês eram assistidos em suas necessidades básicas de alimento e higiene. Ao final do estudo, os bebês da casa para crianças abandonadas demonstraram um atraso importante no desenvolvimento tanto do ponto de vista intelectual quanto emocional em relação ao grupo das mães delinqüentes assistidas.

Carlson & Earls12 avaliaram crianças que viveram em orfanatos na Romênia durante a maior parte de suas vidas, tendo sido extremamente negligenciadas nesse período. As conseqüências mais freqüentes dessa privação eram mutismo, face sem expressão, retraimento social e movimentos estereotipados bizarros. Essas crianças, com idades entre de 2 e 9 meses, foram separadas em dois grupos: um controle e um que recebeu estímulo físico e psicológico por 1 ano e 3 meses. Os resultados demonstraram que as crianças que haviam recebido estimulação apresentaram crescimento físico e desenvolvimento mental e motor (escala de Bayley) significativamente acelerado quando comparado ao grupo controle. No entanto, após 5-6 meses de término do programa, elas não tinham nenhum desses índices superiores aos do grupo controle. Os níveis de cortisol dessas crianças institucionalizadas, quando comparados aos de crianças romenas da mesma idade criadas por seus pais em casa, não apresentaram ritmo diário. Seus níveis de cortisol pela manhã eram significativamente mais baixos em relação aos das criadas por seus pais e se mantinham elevados ao longo do dia. Entretanto, de um modo geral, seus níveis não eram significativamente elevados.

Importante assinalar que houve, tanto nas crianças criadas em casa como no grupo institucionalizado, uma correlação significativa inversa entre os níveis de cortisol e o desenvolvimento mental e motor (escala de Bayley).

Gunnar & Donzella44 avaliaram crianças romenas 6,5 anos após a adoção por famílias inglesas. Todas haviam vivido em orfanatos até pelo menos 8 meses antes da adoção, e a maioria estava com mais de 3 anos de idade quando adotadas. Foram coletadas amostras de saliva na manhã, à tarde e à noite durante 3 dias. Na média dos dias, elas apresentavam um ritmo circadiano de cortisol esperado; entretanto, quando comparadas com crianças romenas adotadas próximo ao nascimento e com crianças canadenses criadas com suas famílias de origem, tinham índices de cortisol significativamente mais elevados.

 

ALGUNS APORTES TEÓRICOS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ

Alguns teóricos psicanalíticos foram precursores em valorizar a importância da mãe para o desenvolvimento do bebê. Eles também buscaram entender a psicodinâmica da relação mãe-bebê.

Entre eles, Winniccott45 introduziu a idéia da "preocupação materna primária" como um estado em que a mãe consegue empatizar com as necessidades primárias do bebê e, assim, satisfazê-las adequadamente. Ele nomeou de "suficientemente boa" a mãe que consegue ter essa capacidade e valorizou sua importância para que o desenvolvimento mental do bebê possa se dar adequadamente. A preocupação materna primária está contida na função de holding (sustentação), com a qual o autor abrange não só a função de suporte físico, mas também a de suporte psíquico.

Bion46 criou o conceito de capacidade de reverie, uma função materna na qual a mãe utiliza seu "aparelho para pensar" os pensamentos do bebê, nomeando e significando seus estados mentais e sensações, num período em que ele não tem recursos para fazê-lo, ou para fazê-lo adequadamente.

Bowlby47 nos trouxe um elo de ligação entre o que dizem esses teóricos psicanalíticos e a biologia. Ele possibilitou uma ponte entre essas duas áreas do conhecimento, permitindo que os achados de ambas enriquecessem nosso entendimento da relação mãe-bebê. Ele deu o nome de sistema de apego às estruturas neuropsicológicas que conduzem à ligação do bebê com seu objeto cuidador. Esse sistema emocional e comportamental foi concebido por ele como inato e instintivo, muito semelhante a fome e sede, constituindo-se num sistema organizador dos processos de memória do bebê, que o direciona a procurar proximidade e comunicação com sua mãe. Recentemente, Trevarthen & Aitken48, psicólogos experimentais, expandiram a compreensão desse sistema, propondo que certos grupos de neurônios programados geneticamente configurem uma "formação motivacional intrínseca" (FMI), dando origem às capacidades do cérebro do bebê para a interação afetiva. Para esses autores, o apego do bebê é intersubjetivo e interpessoal. Se o adulto aborda o bebê com responsividade adequada, uma fina organização rítmica de respostas sincrônicas ou alternantes pode ser deflagrada entre eles9.

O sistema de apego, do ponto de vista evolucionista, aumenta as chances do bebê sobreviver, permitindo ao cérebro imaturo usar o funcionamento maduro dos pais para atender suas necessidades vitais. O vínculo materno adequado é crucial para o desenvolvimento do sistema de apego seguro, ao mesmo tempo que, para ocorrer desta maneira, esse vínculo deverá ser alimentado pelo comportamento responsivo do bebê.

O apego seguro do bebê com sua mãe ou cuidador(a) substituto(a) promove um bem-estar no bebê, tanto dele com ele mesmo quanto em relação à confiança básica nos adultos, enquanto o apego inseguro está relacionado a um aumento de ansiedade1,21,24,47,48. A resposta parental serve para amplificar e reforçar o estado emocional positivo do bebê e para atenuar o estado emocional negativo6, que sinaliza a necessidade de ação parental.

 

RESULTADOS DE ESTUDOS SOBRE AS REPERCUSSÕES DA DPP NO BEBÊ E NA CRIANÇA

Alterações no EEG

Field et al.19 investigaram a assimetria no EEG de bebês de 3 a 6 meses de mães deprimidas com BDI > 12, comparando-os com o grupo controle, com BDI < 9. O propósito do estudo foi determinar se mães deprimidas e seus bebês demonstravam assimetria no EEG frontal direito. A ativação do EEG frontal esquerdo tem sido associada com a expressão de emoções que refletem aproximação, enquanto a ativação do EEG frontal direito tem sido associada com emoções que refletem retirada afetiva49. Doze dos 17 bebês de mães deprimidas tinham hiperativação frontal direita, comparados com apenas 2 dos 15 bebês de mães não-deprimidas. Não foi possível identificar se a assimetria se deveu ao lobo frontal esquerdo ou direito. Entretanto, os autores salientam que só a identificação dessa assimetria em bebês com menos de 1 ano já pode ser útil como um marcador biológico de vulnerabilidade em direção à disposição para ansiedade. Os autores advertem que o padrão do EEG pode ser simplesmente um análogo do comportamento tipicamente deprimido da mãe, porque os bebês estão com a mãe no momento do exame, e que seria interessante verificar se há variações na sua ausência.

Jones et al.29 demonstraram, em bebês de mães deprimidas, uma ativação ao EEG da região frontal direita em relação à esquerda já na primeira semana de vida do bebê, no primeiro mês e aos 3 meses.

Dawson et al.18 examinaram a atividade elétrica cerebral de bebês de mães deprimidas com 13 e 15 meses de idade. Eles encontraram uma menor ativação frontal esquerda durante a gravação de base e durante as situações consideradas como deflagradoras de afetos positivos nos bebês de mães deprimidas em relação aos bebês controle. Em trabalho subseqüente, os autores observaram um mesmo padrão até os 3 anos dos bebês32.

Há estudos que demonstram que bebês inibidos podem exibir mais freqüentemente assimetria frontal direita quando comparados a bebês do grupo controle e que isso se deve tanto a maior atividade frontal direita quanto hipoatividade frontal esquerda. Adultos com sintomas depressivos também exibem assimetria frontal direita quando comparados a adultos do grupo controle, sendo que essa alteração se deve a hipoatividade da região frontal esquerda49.

Alterações no sistema nervoso vegetativo (SNV) e no eixo HPA

Alterações em bebês

Field et al.17 avaliaram as interações de 74 bebês de 3 a 6 meses com suas mães deprimidas (n = 40) e não-deprimidas (n = 34) e com adultos não-deprimidos. Para testar a interação, foi utilizado o paradigma "face a face"25, associado à avaliação do tom vagal, e, após, coletado o cortisol salivar, ambos utilizados como marcadores de estresse. Os bebês de mães deprimidas demonstraram interação menos positiva na relação com estranhos que os bebês do grupo controle e não tinham o aumento do tônus vagal esperado nessa fase do desenvolvimento. Eles tiveram a freqüência cardíaca significativamente mais elevada (155,5 bpm) que os bebes de mães não-deprimidas (145,6 bpm) e níveis de cortisol também significativamente maiores (2,6 ng/ml versus 1,1ng/ml). O tônus vagal é definido como a influência inibitória parassimpática no coração e reflete a maturação das estruturas do tronco cerebral, controlando o padrão da taxa cardíaca e sua relação com a respiração. Esses achados sugerem uma possível imaturidade do sistema nervoso simpático dos bebês de mães deprimidas. Uma limitação deste estudo é que os autores não avaliaram os valores basais de cortisol e só o fizeram após o procedimento de interação do bebê com a mãe. Assim, não podemos saber se os níveis estiveram altos pelo estresse agudo de interação com a mãe ou se já o eram anteriormente devido a um estresse crônico. Em ambos os casos, os níveis elevados podem se dever ou a uma falha da mãe em proteger o bebê e tamponar os fatores estressantes ou a uma maior suscetibilidade genética de seu eixo HPA.

Motta et al.34 avaliaram, em um estudo preliminar, a associação entre depressão materna e alterações do eixo HPA em bebês de 6 meses de idade, através da dosagem do cortisol salivar por radioimunoensaio. Foi coletado cortisol basal e também 10 e 20 minutos após o estressor "face imóvel", em oito bebês de mães deprimidas e 10 bebês de mães não-deprimidas (avaliadas pelo MINI, EPDS e BDI). Os dados preliminares demonstraram um nível de cortisol basal significativamente mais alto nos bebês de mães deprimidas (p = 0,003) e uma correlação significativa entre BDI materno e cortisol basal dos bebês (r = 0,58; p = 0,011). Embora esses dados sejam iniciais, eles corroboram a hipótese de um maior funcionamento do eixo HPA em bebês de mães deprimidas.

Bugental et al.2 avaliaram o efeito de duas variáveis, a indisponibilidade emocional materna e a rigidez materna através de punições físicas, nos níveis de cortisol basal e pós-estressor de 44 bebês no segundo ano de vida. A indisponibilidade materna foi dividida em dois tipos: intencional, na qual as mães desenvolveram e mantiveram ao longo dos 2 anos uma estratégia emocional de retirada, e não intencional, devido a depressão materna. Foi encontrada uma elevação significativa dos níveis de cortisol basal nas crianças cujas mães tinham maiores índices de indisponibilidade emocional intencional (r = 0,37; p < 0,01), mas esses índices foram ainda mais altos quando a indisponibilidade não era intencional (r = 0,57; p < 0,001). O tamanho do efeito (TE) na indisponibilidade causada por depressão materna foi de 0,94.

Muitos autores sugerem, a partir de estudos pré-clínicos e clínicos, que a elevação da produção dos glicocorticóides nessa fase inicial do desenvolvimento está relacionada, no curto prazo, a uma maneira adaptativa de lidar com o estresse que não é "tamponado" por um cuidador adequado2,14,41,42.

Alterações em pré-escolares

Essex et al.35 avaliaram crianças aos 4,5 anos de vida que haviam tido uma exposição persistente a um estressor no ambiente familiar durante o primeiro ano e que, no momento, estavam ou não tendo exposição a um estressor. Esses dois grupos foram comparados a dois outros que não haviam tido exposição persistente precoce (primeiro ano) a um estressor, tendo ou não exposição a um estressor familiar aos 4,5 anos. A exposição persistente no primeiro ano sensibilizou o sistema LHPA quando essas crianças novamente foram expostas a situação de estresse aos 4,5 anos. Elas apresentaram níveis de cortisol significativamente mais altos que aquelas que não haviam sido expostas a estímulos estressores no primeiro ano e estavam ou não sendo expostas aos 4,5 anos e também em relação àquelas que haviam sido expostas, mas não o estavam sendo aos 4,5 anos. O mais potente preditor do cortisol elevado foi a DPP da mãe no primeiro ano de vida. Esse estudo sugere uma suscetibilidade das crianças expostas a situação de estresse no primeiro ano de vida a novas situações de estresse.

Alterações em crianças em idade escolar

Lupien et al.36 demonstraram, em 217 crianças de 6 a 10 anos com status socioeconômico baixo, níveis de estresse significativamente aumentados em relação a crianças com status socioeconômico alto, e esse efeito foi demonstrado a partir dos 6 anos. Os autores observaram que a presença de altos níveis de cortisol em crianças, independentemente do status socioeconômico e do sexo, está significativamente correlacionada com a sintomatologia depressiva da mãe (r = 0,22; p = 0,004). O ganho familiar se correlacionou negativamente tanto com os escores de depressão materna (r = -0,25; p = 0,001) quanto com os níveis de cortisol da criança (r = -0,31; p = 0,001), sugerindo que o ganho da família é também um preditor significativo para ambos os escores.

Ashman et al.37, através de um estudo retrospectivo, buscaram avaliar de que forma a depressão materna, ao longo dos anos, estava associada a sintomas mentais e ao nível de cortisol salivar em crianças entre 7-8 anos. Foram avaliadas 44 duplas cujas mães tinham diagnóstico de depressão e 29 nas quais não havia esse diagnóstico pelo DSM III-R e pelo CES-D. As crianças com relato de sintomas de internalização (afeto depressivo e ansioso, retraimento e queixas somáticas) e cujas mães tinham história de depressão demonstraram cortisol basal significativamente elevado no laboratório. O maior preditor de cortisol basal elevado aos 7-8 anos foi a presença de depressão materna durante os primeiros dois anos da criança, assim provendo evidência de que a exposição à depressão materna nos primeiros 2 anos de vida pode ser relacionada a altos níveis de cortisol mais tarde na vida.

Alterações comportamentais e no desenvolvimento motor e mental

Muitos estudos sugerem que as manifestações comportamentais associadas à depressão materna podem ocorrer muito cedo no desenvolvimento do bebê e repercutir ao longo de sua vida.

Alterações em bebês (0-3 anos)

Field et al.17 realizaram a filmagem dos bebês de 3 a 6 meses na interação face a face com suas mãe e com um estranho, como já foi descrito anteriormente. Os autores avaliaram a performance comportamental dos bebês através de uma escala de medida de interação. Os bebês de mães deprimidas demonstraram uma interação mais pobre não só com suas mães, mas também quando interagiram com estranhos. Em associação à freqüência cardíaca mais elevada, os bebês de mães deprimidas apresentaram uma menor vocalização (p < 0,001) e mais freqüentemente desviaram o olhar (p < 0,01) na interação, tanto com suas mães como com estranhos em relação ao grupo controle. A maioria dos comportamentos não diferiu em ambos os grupos, exceto por apresentarem maior aversão ao olhar (olhar ao longe) e menor orientação da cabeça em direção à mãe (p < 0,001), sugerindo que fatores ambientais estejam envolvidos nos resultados.

Cohn & Tronick25 avaliaram a interação de mães deprimidas com seus bebês de 6 a 7 meses. Eles subdividiram o comportamento materno em três padrões: retirado, intrusivo ou adequado. A interação foi realizada através do paradigma face a face por 3 minutos e, após, durante 40 minutos na interação espontânea. Quando retiradas, as mães brincavam pouco com seus bebês, raramente falavam com eles na linguagem de bebês e tinham um afeto triste e pouco modulado. As mães intrusivas expressavam irritação para com seus bebês e interferiam em suas atividades espontâneas e próprias. As mães mais adequadas eram capazes de interagir positivamente com seus bebês. Foram utilizados descritores comportamentais durante a interação face a face, codificados e analisados segundo a segundo. Os autores encontraram diferenças notáveis nos bebês conforme a mãe fosse retirada ou intrusiva. Os bebês de mães retiradas eram angustiados, irrequietos, procuravam engajamento sem sucesso e gastavam mais tempo chorando, isto é, protestavam significativamente mais. Os bebês de mães intrusivas evitavam significativamente mais o olhar (olhavam ao longe) e o interagir com suas mães. Ambos os grupos de bebês tinham uma interação significativamente menos positiva (p < 0,001) em relação ao grupo dos bebês de mães deprimidas socialmente positivas (adequadas). Associado a isso, as mães socialmente positivas apresentavam uma maior amplitude de comportamento e afeto.

Field et al.9 encontraram, numa amostra de mães deprimidas, uma persistência da depressão em 70% delas ainda aos 6 meses de vida do bebê. Esses bebês, aos 12 meses, demonstraram um atraso no desenvolvimento (avaliado através da escala de Bayley), sinais neurológicos leves, menor comportamento exploratório e percentil de peso mais baixo.

Pickens & Field30 observaram afetos menos positivos em bebês de 3 meses de mães deprimidas, sugerindo um comportamento depressivo já num período inicial. As duplas foram filmadas na interação face a face por 3 minutos. Para a avaliação das expressões faciais dos bebês, foi utilizado o sistema AFFEX (Izard & Dougherty, 1980), no qual são codificadas 10 expressões faciais (interesse, alegria, raiva, tristeza, surpresa, medo, angústia, desagrado, autoconforto, aversão ao olhar/olhar ao longe). Os bebês das mães deprimidas obtiveram escores significativamente mais altos de expressões negativas. Os bebês de mães deprimidas ficaram significativamente mais tempo da interação com expressões de tristeza (p < 0,01) e raiva (p < 0,01) e menos tempo demonstrando interesse (p < 0,05) por suas mães. Esses bebês demonstraram preferência por imagens de faces tristes, o que pode estar correlacionado com as expressões mais usuais de suas mães.

Campbell et al.26 avaliaram 67 mães deprimidas e 63 mães com sintomas subclínicos ou em remissão e seus bebês. Todas as mães eram casadas e de classe média. Elas foram filmadas interagindo com seus bebês em casa aos 2, 4 e 6 meses. Aos 2 meses, não houve diferenças significativas entre os dois grupos na interação face a face, na amamentação e no brincar. Entretanto, quando a depressão da mãe se estendeu até os 6 meses do bebê (depressão crônica), mais freqüentemente na interação face a face, suas expressões foram compatíveis com raiva e irritação, e seu bebê chorava, gritava e se agitava mais. As mães com depressão crônica apresentavam menos contato físico, visual e verbal na interação com seu bebê e no brincar, eram menos positivas e engajadas afetivamente do que aquelas cuja depressão havia sido relativamente transitória. Esses achados sugerem fortemente a necessidade de se distinguir entre depressão transitória e prolongada (protraída) em relação aos efeitos no desenvolvimento do bebê.

Peláez-Nogueira et al.50 demonstraram que o toque das mães deprimidas pode aumentar o afeto positivo e a atenção de seus bebês, compensando o efeito negativo da falta de uma afetividade adequada durante a interação. No entanto, não se pode generalizar os resultados, pois os autores utilizaram uma amostra homogênea de mães adolescentes, e os efeitos a longo prazo desse tipo de intervenção ainda não foram estudados.

Hipwell et al.8 avaliaram 82 duplas de mães-bebês em um seguimento de 1 ano. Vinte e cinco mães possuíam depressão unipolar, nove haviam sido submetidas a internação e 16 tratadas ambulatorialmente. Embora poucos sintomas residuais ainda estivessem presentes ao final do primeiro ano das crianças, perturbações interacionais foram evidentes. O diagnóstico de depressão psicótica (com internação) e não-psicótica (sem internação) foi relacionado de forma relevante com apego inseguro medido através do paradigma de situação estranha de Ainsworth (strange situation - SS)

Frankel & Harmon27, através de uma amostra de 30 mães deprimidas e 32 mães não-deprimidas (pelo BDI) e seus filhos de 3 anos, avaliaram a interação das mães com a criança e o padrão de apego (SS). As mães deprimidas foram classificadas em três grupos: depressão episódica (n = 13), depressão persistente ou distimia (n = 7) e depressão dupla (n = 10). As mães com depressão (sem discriminar o tipo) descreveram a si mesmas e a seus filhos mais negativamente. As mães classificadas como tendo depressão dupla foram significativamente menos disponíveis emocionalmente e demonstraram afeto e comportamento significativamente mais negativo (p < 0,03) durante a SS. As crianças das mães com depressão dupla apresentavam apego mais inseguro que os outros dois subgrupos. Assim, os autores concluíram, a partir de sua amostra, que as conseqüências da depressão materna variam dependendo do tipo, da severidade e da cronicidade da depressão.

Martins & Gaffan28, através de uma meta-análise que incluiu sete estudos, verificaram a associação entre depressão materna e o padrão de apego a partir do paradigma da SS. Os bebês de mães deprimidas apresentaram menos freqüentemente apego seguro e mais freqüentemente apego evitativo e desorganizado que os bebês das mães controle. Os autores identificaram limitações em seu estudo, entre elas o fato de os artigos revisados não discriminaram se as mães eram do tipo intrusivo, retirado ou adequado. Em dois artigos onde não foi encontrada correlação entre apego inseguro e depressão materna, o grupo estudado era formado por crianças com 12 meses, prejudicando a avaliação do padrão de apego através da SS. Os autores foram criteriosos na escolha dos trabalhos, pois delimitaram com cuidado as características dos grupos de mães deprimidas e de mães não-deprimidas. As mães do grupo-alvo deveriam apresentar sintomas depressivos ao longo do período de vida do bebê, e as do grupo controle não deveriam apresentar transtorno depressivo em nenhum momento do estudo. Todos os bebês foram avaliados nos padrões de apego pela SS, e as famílias deveriam ser predominantemente livres de problemas como separação dos pais, maus-tratos infantis ou algum outro quadro psiquiátrico associado da mãe.

Em um grande estudo longitudinal, foram acompanhadas 1.215 duplas mãe-bebê51 a partir do nascimento até os 36 meses, num total de seis encontros. As mães foram avaliadas a cada encontro e categorizadas (CES-D; Radloff, 1977) como tendo depressão crônica, depressão com intervalos e sem depressão. As crianças de mães com depressão crônica, na interação com suas mães, tiveram escores significativamente mais baixos na linguagem expressiva (TE = 0,43). Suas mães avaliaram-nas como menos cooperativas (TE = 0,46) e com mais sintomas de internalização (afeto depressivo e ansioso, retraimento, queixas somáticas) e de externalização (comportamento agressivo e destrutivo) (TE = 0,62) em comparação com as crianças dos grupos de mães com depressão com intervalos e sem depressão. As mães com depressão com intervalos, por sua vez, avaliaram seus filhos como menos cooperativos (TE = 0,34) e com mais sintomas de internalização e de externalização (TE = 0,52) que os filhos de mães sem depressão. Os pesquisadores avaliaram a sensibilidade materna, incluindo presença suportiva, respeito pela autonomia e ausência de hostilidade, e observaram que mães deprimidas com baixa renda foram menos sensíveis a seus filhos quando comparadas a mães deprimidas com maior renda, principalmente quando a depressão era crônica. A sensibilidade materna foi um forte preditor, além da depressão materna, dos escores de prontidão escolar, linguagem expressiva (p < 0,001) e de menores problemas comportamentais (p < 0,05).

Alterações em crianças em idade escolar

O trabalho de Ashman et al.37 demonstrou a associação de sintomas de internalização com alteração no eixo HPA em crianças de 7 a 8 anos filhas de mães deprimidas quando submetidas a estresse.

A proposta de estudo de Malcarne et al.33 foi comparar correlatos de angústia numa amostra de crianças de 8 a 12 anos de mães deprimidas. A amostra consistiu de 40 crianças filhas de mães deprimidas e 46 de mães não-deprimidas. Foram examinadas as associações entre depressão, sintomas de internalização, sintomas de externalização e habilidade verbal nas crianças, associadas ao nível de depressão materna e à existência de eventos traumáticos de vida. As crianças de mães deprimidas tinham escores significativamente mais altos de sintomas depressivos e de sintomas de internalização e externalização (p < 0,01). Os resultados indicaram que sintomas depressivos tendem a ser mais consistentemente relacionados à depressão materna. Os sintomas depressivos das crianças foram correlacionados a eventos estressantes de vida somente quando as mães não eram deprimidas. Crianças com fatores de risco ambiental mais alto, mas que possuíam maior nível de habilidade verbal, relatavam significativamente menos sintomas depressivos, de internalização e de externalização. Essa habilidade intelectual pode constituir um protetor contra estresse. No entanto, os autores fizeram uma ressalva por se tratar de dados preliminares. Além disso, a pesquisa não examina o efeito da depressão materna no início do desenvolvimento. Podemos supor que essas mães que estavam deprimidas no momento da coleta de dados tenham mais probabilidade de já terem apresentado depressão no início do desenvolvimento de seus filhos. Sendo assim, os problemas das crianças podem estar relacionados com aquele período, e não só com o momento da pesquisa.

 

DISCUSSÃO

A maneira como Winnicott45, Bion46 e Bolwby47 chegaram às suas teorias da mente, onde estão incluídos os conceitos de mãe suficientemente boa, de reverie materno e de sistema de apego, respectivamente, foi através da observação intuitiva, e não da metodologia científica formal. No entanto, é de teorias como essas que partimos para poder testar hipóteses científicas. Além disso, muitos dos aportes que tornam possível testá-las cientificamente são muito rudimentares para que possamos confirmá-las ou refutá-las em sua total extensão. Entretanto, os trabalhos experimentais que seguem uma metodologia científica formal têm demonstrado uma estreita relação entre o padrão de cuidado primário e o desenvolvimento da criança. A pesquisa tem confirmado essa associação e tem demonstrado alterações nos sistemas neuroendócrino e comportamental de crianças que sofreram privação e um estresse importante em termos de intensidade e tempo de duração no início do desenvolvimento.

Esta revisão demonstra que a mãe deprimida freqüentemente tem um padrão de cuidado do bebê não suficientemente bom, principalmente quando a depressão se estende por vários meses. A qualidade da interação parece ser influenciada de forma significativa pelo grau de gravidade, pela duração dos sintomas depressivos e pelo padrão comportamental da mãe com o bebê, se intrusivo, retirado ou adequado. O padrão de vínculo está associado a alterações no EEG, no eixo HPA, no SNV e no padrão comportamental dessas crianças.

Embora mecanismos genéticos possam ter um papel nessa associação, torna-se claro que devemos considerar a qualidade da interação mãe-criança e a qualidade da maternagem como contribuintes importantes para o padrão de desenvolvimento neurológico, neuroendócrino e psicológico do indivíduo.

Os estudos demonstram uma dificuldade da mãe deprimida em tamponar a ação de estímulos estressores e em promover estímulos que favoreçam o aprendizado de estratégias adequadas e adaptativas para lidar com situações estressantes.

O eixo HPA é fisiologicamente menos responsivo ao estresse a partir dos 2 a 3 meses de idade47. Isso contribui para um desenvolvimento adequado, pois o bebê recebe uma carga de estímulos muito intensa devido a sua incapacidade física e desconhecimento do mundo que o cerca. Em vários estudos, houve uma associação entre o convívio com a depressão materna no início da vida e a alteração no nível do cortisol. Esses estudos sugerem a ocorrência de uma maior sensibilidade do eixo HPA desses bebês a eventos estressantes na infância. No entanto, encontramos apenas dois estudos onde a associação entre DPP e níveis alterados de cortisol salivar foi demonstrada em bebês de menos de 1 ano de mães deprimidas. Ambos encontraram níveis elevados nos primeiros meses de vida, demonstrando uma maior atividade do eixo HPA, a qual não seria fisiologicamente esperada. No estudo de Field32, não fica claro se os níveis elevados de cortisol salivar são ou não causados por aquele momento específico de interação com a mãe. No outro estudo, em que o cortisol basal está alterado, os resultados são preliminares.

Apesar disso, carecemos de artigos que apresentem estudos longitudinais sobre o comportamento do eixo HPA do bebê associado a depressão materna, comparando alterações iniciais, a médio e a longo prazo e verificando também quais são as repercussões e/ou os prejuízos decorrentes dos níveis de cortisol elevados. Sabemos que o aumento dos glicocorticóides no estresse a curto prazo tem função adaptativa52,53; no entanto, a exposição crônica contribui para o desenvolvimento de patologias físicas e mentais35,54. Em nível celular, o estresse crônico pode levar a alterações estruturais com morte celular e interrupção da neurogênese no hipocampo, assim como alterações do sistema imunológico celular53,55. Do ponto de vista cognitivo, pode levar a alterações de memória e aprendizado. Além disso, podem ocorrer alterações do padrão de resposta emocional a eventos estressantes12,13,35,54.

Nos estudos em que foram avaliados tanto o eixo HPA quanto o padrão comportamental, foi demonstrada uma coexistência de alterações em ambos os níveis. Logo, o padrão de vínculo da mãe com o bebê, o padrão de apego do bebê com a mãe e o desenvolvimento do sistema de estresse (LHPA) estão intimamente associados.

 

CONCLUSÃO

Não podemos excluir a influência genética da depressão materna, predispondo a criança a uma maior suscetibilidade mental. No entanto, a pesquisa com animais sugere fortemente que o surgimento do padrão de resposta ao estresse ocorre, pelo menos em parte, como uma função do padrão de cuidado parental, isto é, como uma herança não genômica, podendo levar a alterações tanto na fisiologia celular quanto no comportamento durante toda a vida.

Estudos de manipulação e de padrão de cuidado maternal no período inicial em mamíferos não-humanos têm podido demonstrar a influência do meio ambiente no desenvolvimento dos sistemas comportamental e neuroendócrino em resposta a estressores durante toda a vida dos filhotes. Da mesma forma, os estudos com bebês humanos têm evidenciado os prejuízos para o desenvolvimento do indivíduo causados por abuso e negligência5,54.

O estilo de interação emocional ao qual o bebê está exposto pode ser mais crítico que o diagnóstico de depressão materna em si. No entanto, é significativa a associação de depressão materna e alterações no padrão de interação mãe-bebê.

Além disso, parece haver um impacto menor da depressão materna na relação mãe- bebê e no desenvolvimento da criança quando outros fatores de risco não estão associados, como baixo apoio marital ou da família mais ampla e baixo status socioeconômico.

É fundamental o reconhecimento da importância do período inicial como crítico para o desenvolvimento do indivíduo, considerando os achados neuroendócrinos, autonômicos e psicológicos na criança associados à depressão materna. Assim sendo, é crucial o apoio familiar, terapêutico e social para que mães deprimidas possam exercer sua maternagem adequadamente.

Visando à elaboração de estratégias preventivas que tenham por objetivo diminuir a morbidade das crianças de mães com DPP, é fundamental o desenvolvimento de pesquisas correlacionando alterações neurológicas, endócrinas e comportamentais. Dentro disso, por exemplo, são necessários mais estudos que investiguem quão cedo podem estar presentes alterações no eixo LHPA desses bebês e quais as conseqüências a médio e longo prazo decorrentes dos níveis de cortisol alterados.

 

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Correspondência
Maria da Graça Motta
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Artigo original:

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