Luciana Gomes Tarelho; et al
21 de outubro de 2014
Resposta à dor em pacientes com autismo de alto funcionamento1
Responsiveness to pain in patients with high-functioning autism
Luciana Gomes Tarelho2; Carina Gisele Costa e Isabel Peixoto Tortamano3; Francisco Baptista Assumpção Júnior (Cad.17)4
Faculdade de Medicina – USP
Faculdade de Odontologia – USP
Instituto de Psicologia – USP
RESUMO
A sensibilidade reduzida à dor é largamente relatada como característica comum das crianças com autismo. O objetivo deste estudo é avaliar a resposta à dor em pacientes com essa síndrome, utilizando-se de um grupo controle. Emprega-se como procedimento de obtenção de dados estímulo elétrico no dente e um instrumento subjetivo, a escala de faces para dor. Os resultados são comparados em 20 sujeitos do sexo masculino com autismo de alto funcionamento e 20 sujeitos do sexo masculino não afetados, ambos os grupos com idade média entre 17 e 20 anos. Os níveis de limiar à dor em pacientes com autismo são significativamente maiores que os do grupo de comparação. Além disso, não há diferença aparente entre os grupos com respeito à escala de faces. A disfunção executiva, os prejuízos na interação social e na comunicação nos afetados por autismo podem ter um papel importante na resposta à dor.
Palavras-chave: Autismo; Transtornos globais do desenvolvimento infantil; Dor; Estimulação elétrica.
ABSTRACT
Reduced pain sensitivity is widely reported as being a common feature for children with autism. The aims of the study were to evaluate responsiveness to pain in patients with and without autism, using an electric stimulation on tooth and a subjective measure, the faces pain scale. Results were compared in 20 male subjects with high-functioning autism and 20 non-impaired male subjects aged at least 14 years old. Pain threshold levels in patients with autism were significantly higher than the comparison group. Moreover, no differences were apparent between the two groups regarding the evaluation on the faces pain scale. Executive dysfunction in autism and impairments in social interaction and communication in such patients may play an important role in responsiveness to pain.
Keywords: Autistic disorder; Child evelopmental disorders; Pain; Electric stimulation.
1.Introdução
Apesar do crescente interesse sobre os transtornos abrangentes do desenvolvimento, há relativamente pouco conhecimento concernente à percepção de dor em crianças com autismo: trata-se de um transtorno abrangente do desenvolvimento, descrito primeiramente por Kanner (1943), que se inicia antes dos três anos de idade e reúne critérios de alterações marcantes na interação social, comunicação verbal e não verbal, além de padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesse e atividades (American Psychiatry Association, 2000). Indivíduos com autismo podem apresentar diferentes níveis de quociente intelectual (QI). Aproximadamente dois terços das crianças com tal síndrome possuem algum grau de prejuízo cognitivo, mas o restante pode apresentar QI na média ou até acima dela. Estes últimos são chamados autistas de alto funcionamento (Baron-Cohen, 2002; Ghaziuddin & Mountain-Kimchi, 2004).
Atualmente, para a compreensão do autismo, valemo-nos de modelos cognitivos que compreendem a Teoria da Mente, a Teoria da Coerência Central e a da Disfunção Executiva. Parte-se da ideia de que um déficit cognitivo central levaria à falha no reconhecimento de estados mentais nas outras pessoas, habilidade chamada de metarrepresentação ou "teoria da mente", que ocasionaria um prejuízo no padrão social, bem como nos padrões simbólico e pragmático. Assim, aquelas situações nas quais se faz necessário atribuir o estado mental ao outro se encontram prejudicadas, enquanto as que não requerem metarrepresentações, tais como reconhecimento de gênero, permanência do objeto ou autorreconhecimento no espelho podem estar intactos. Esse déficit na teoria da mente explica os padrões alterados de interação social, pragmáticos e simbólicos (Baron-Cohen, 1988), padrões que pensamos estarem relacionados ao reconhecimento e reatividade à estimulação dolorosa.
O aspecto particular da inteligência chamado de "teoria da mente" referese à capacidade de compreensão dos estados mentais próprios e os dos outros (Baron-Cohen,1991). As crianças com déficits autísticos não são capazes dessa compreensão, mostrando-se deficitárias nos processos inter-humanos, o que prejudica não apenas a sociabilidade, mas também a aquisição e percepção de certos conhecimentos em que se torna necessário transpor o pensamento concreto, entre os quais, imaginamos, a percepção e o significado de um estímulo doloroso, com sua consequente reação.
A dificuldade em juntar partes de informações de maneira que formem um todo provido de significados (coesão central) é também característica marcante do autismo (Bosa, 2001). Observa-se assim, nessa população, fracacoerência central, caracterizando um tipo de processamento de informação dentro de um contexto no qual se capta o essencial. Uma forte coerência central é caracterizada pelo gasto de atenção e memória para detalhes e, no caso da fraca coerência central, a característica é um prejuízo com o significado global a favor de um processamento gradual. Os indivíduos com autismo são descritos por outros autores como portadores de fraca coerência central (Hill & Frith, 2003).
Essa ideia de fraca coerência central explicaria a tendência dessas pessoas em verem partes em lugar de uma figura inteira, sua resistência a mudanças e também algumas habilidades específicas, como o melhor desempenho nas escalas de Weschler que envolvem reunião e classificação de imagens por série (Happé, 1994, 2001), nas tarefas de localização de figuras escondidas (Shah & Frith,1993), bem como na memorização de uma série de palavras sem sentido em vez daquelas que apresentam significado (Hermellin & O‘Connor, 1970).
Assim, pensamos que a percepção do estímulo doloroso também seria realizada de maneira alterada, uma vez que o grupo em estudo ater-se-ia a detalhes da situação mais do que ao estímulo doloroso propriamente dito.
Finalmente, a teoria da Disfunção Executiva propõe que os prejuízos na socialização e na comunicação são secundários aos déficits na função executiva envolvendo a habilidade para resoluções de problemas e todo o processo que forma a base do comportamento direcionado, como: planejamento, memória de trabalho, inibição de respostas e flexibilidade cognitiva (Duncan, 1986).
Dessa forma nos autistas encontraram-se déficits nas tarefas que requerem flexibilidade cognitiva e capacidade de planejamento (Hughes & Russel, 1993; Ozonoff e outros, 1994). Assim, imaginamos que essa diminuição na flexibilidade mental alteraria a resposta ao estímulo doloroso, de maneira a que fosse menos adaptada.
Há, entretanto, uma controvérsia com relação à distinção entre os autistas de alto funcionamento e os portadores da Síndrome de Asperger (S.A.). O conceito desse transtorno tem sido explicado para referir-se aos indivíduos sem prejuízo cognitivo e que apresentam fluência verbal (Szatmari, 1992). Atualmente, a S.A. faz parte dos Transtornos Globais de Desenvolvimento. A distinção entre ambos os quadros deve ser melhor detalhada, embora tenha sido aventada a ideia de que seja uma diferença mais de base quantitativa que qualitativa, em função da variabilidade observada nas áreas avaliadas através de estudos empíricos (Sanders, 2009). Assim, em nosso trabalho, consideramos ambos, portadores de Síndrome de Asperger e autistas de alto funcionamento, como um só grupo específico.
A dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ou descrita em termos de lesões teciduais (Merskey e outros, 1979). Pode ser considerada uma experiência multifatorial e multidimensional influenciada por fatores cognitivos, emocionais e motivacionais e que varia de acordo com experiências e sentimentos pregressos relacionados à dor (Wall, 1989). Muitos dos métodos tradicionais que avaliam a função sensorial, como a determinação do limiar, não fazem distinção entre os fatores neurosensoriais e outros que contribuem para a expressão da dor.
A observação clínica de que uma mudança na experiência da dor ocorre em pacientes com certos transtornos psiquiátricos tem sido relatada na literatura científica. No início dos anos 90, alguns estudos controlados e revisões foram realizados no intuito de avaliar a percepção de dor em vários transtornos psiquiátricos, como o de personalidade borderline, depressão, esquizofrenia, transtornos de ansiedade e transtornos alimentares (Adler & Gattaz, 1993; Dworkin, 1994; Guieu, Samuelian & Coulouvrat, 1994; Lautenbacher & Krieg, 1994; Kemperman e outros, 1997).
Wing (1988), durante a descrição do "continuum" autístico já observava uma resposta diminuída à dor, principalmente naqueles com maior comprometimento cognitivo. Através da observação clínica, há indícios de que haveria uma diminuição da reatividade ou até mesmo analgesia (ausência de reflexo nociceptivo, de proteção das zonas dolorosas e de posição antálgica). No entanto, os clínicos têm observado com frequência, no decurso do seu trabalho diário, que os limiares de percepção da dor de pacientes com autismo parecem ser superiores aos dos indivíduos saudáveis.
Vários autores formularam a hipótese de analgesia entre as crianças autistas, porém alguns resultados sugerem que a aparente diminuição na reatividade à dor observada não derivam de uma analgesia real, mas de um modo diferente de expressão da dor, relacionado a dificuldades de comunicação verbal, representação do corpo e distúrbios cognitivos (Tordjman et al., 1999).
Muitos neurotransmissores e neuropeptídeos, tais como o sistema opióide, serotonina e dopamina têm sido investigados, na tentativa de explicar quais os mecanismos envolvidos na patogênese da autoagressão e do comportamento autístico, incluindo as reações à dor. (Gillberg, Terenius & Lönnerholm, 1985; Deutsch, 1986; Anderson e outros, 1987; Sandman e outros,1991; Leboyer e outros, 1992; Brambilla e outros, 1997; Nagamitsu e outros, 1997; Leboyer eoutros 1999).
Apesar das evidências sobre a relação entre o autismo e as substâncias que modulam a sensibilidade à dor, há carência de estudos controlados que avaliam de maneira objetiva a percepção dessa reação nesses pacientes.
Uma variedade de abordagens têm sido utilizadas para estudar as respostas individuais à dor, em ambientes experimentais e clínicos. A dor geralmente tem sido avaliada de forma subjetiva, por meio de escalas de intensidade verbal ou visual e questionários. Guieu e outros (1994) conduziram um estudo para avaliar objetivamente o limiar de dor em pacientes com esquizofrenia, utilizando o reflexo nociceptivo de flexão da perna, provocado pela aplicação de estimulação elétrica percutânea. Dworkin, Clark & Lipsitz (1995) e Kemperman e outros (1997) examinaram as medidas de resposta térmica à dor em pacientes com depressão e transtorno bipolar, usando o dolorímetro de Hardy. Blumensohn, Ringher & Eli (2002) avaliaram o limiar de dor em pacientes com esquizofrenia, utilizando um estímulo elétrico no dente através do aparelho testador pulpar digital. Nader e outros (2004) estudaram a resposta à dor em crianças com autismo, através da observação das reações faciais durante o procedimento invasivo da punção venosa.
Todas essas contribuições vêm comprovar a importância da realização deste trabalho cujo objetivo foi avaliar a resposta da dor em pacientes com autismo e comparar essa variável a um grupo de indivíduos saudáveis.
2. Métodos
A pesquisa foi realizada em 20 pacientes do sexo masculino com autismo de alto funcionamento (idade média = 17,80, DP = 3,30) e 20 indivíduos saudáveis masculinos (idade média = 20,05, DP = 3,49).
Todos os pacientes do grupo experimental foram diagnosticados por um psiquiatra com longa experiência clínica em autismo, de acordo com o DSM-VTR. (American Psychiatry Association, 2000).
Não se fez distinção entre Transtorno de Asperger e Autismo de Alto Funcionamento conforme já citamos anteriormente. Alguns pacientes estavam sendo tratados com doses médias de antipsicóticos (tioridazina, haloperidol e risperidona), antidepressivos (fluoxetina e bupropiona) e anticonvulsivantes (fenobarbital). Onze pacientes estavam sem medicação.
Todos apresentavam rendimento intelectual suficientes para compreender e cooperar com o teste e nenhum deles, seja do grupo experimental, seja do controle apresentavam sinais clínicos de doença cardíaca ou diabetes. Este último grupo não apresentava nenhum diagnóstico psiquiátrico e não fazia uso de qualquer medicação específica.
O protocolo de pesquisa foi explicado a cada participante e após consentimento livre e esclarecido, aprovado em 11/12/2002 pela Comissão de Ética e Pesquisa em Seres Humanos (protocolo 915/02) da Universidade de São Paulo, passou-se à avaliação odontológica e à aplicação dos instrumentos da pesquisa.
No caso dos autistas, o termo de consentimento foi também assinado pelo responsável legal. O critério de inclusão ao estudo, além dos próprios do trabalho, para ambos os grupos era apresentar ao menos um dente posterior hígido, sem a presença de cáries profundas, restaurações extensas, doença periodontal ou história de trauma ou sensibilidade.
Todos os pacientes foram submetidos à limpeza dentária ou tratamento restaurador em pelo menos um dente com processo cariogênico. Cada participante foi submetido ao teste elétrico, através do testador pulpar digital (Vitality Scanner, Model 2005, Analytic Technology), instrumento correntemente utilizado em odontologia para avaliar o status da polpa dental (Fuss e outros, 1986).
A dor de dente depende de reações que ocorrem no sistema nervoso central, bem como no próprio dente. Este é inervado por grande número de fibras A e C e sua integridade determina a resposta ao estímulo, bem como a condução dos impulsos. De acordo com Trowbridge (1986), todas as formas de estímulo pulpar são percebidas como dor, por isso o teste de vitalidade pulpar pode ser utilizado para investigar a resposta a essa reação.
O aparelho possui um cabo condutor elétrico, uma sonda pela qual o estímulo elétrico é levado ao dente e um monitor que marca a voltagem. O teste foi aplicado de acordo com as instruções de uso do aparelho. O dente submetido ao teste elétrico foi isolado, utilizando-se gaze e algodão, a fim de manter a superfície seca, evitando que a umidade interferisse na condutividade. Aplicouse flúor à ponta da sonda a fim de aumentar a condutividade do impulso elétrico. O monitor de vitalidade pulpar se liga automaticamente assim que se estabelece contato entre o dente e a ponta da sonda e o estímulo é iniciado e vai crescendo desde a potência nula (zero - correspondente a 15V) até a potência máxima (80 - correspondente a 350V), indicada a fim de não causar danos aos pacientes estudados.
A luz indicadora da sonda pisca quando alcançada a potência máxima e o aparelho interrompe a emissão do impulso.
Os pacientes foram instruídos a sinalizarem por movimento facial quando sentissem um formigamento, calor ou sensação de pressão no dente testado com o estímulo elétrico. Foi considerada uma resposta negativa à dor quando nenhuma sensação era experimentada até o aparelho atingir a potência de 80. O estímulo elétrico foi aplicado por três vezes consecutivas a fim de se determinar a média.
A escala de faces para dor foi utilizada como avaliação subjetiva (Rogers e outros, apud Tengan, 2000). Este instrumento é utilizado para avaliar experiência dolorosa em crianças (Chambers e outros, 1999) e correlaciona a expressão facial (representada com 5 possibilidades variando entre face feliz e triste) à intensidade da dor.
A escala de faces foi aplicada após os três estímulos, solicitando-se aos participantes da pesquisa que escolhessem a face que melhor representasse o estímulo no dente. Como o intuito de se utilizar a escala de faces foi apenas de determinar a presença ou ausência de dor, não sua intensidade, as faces 1, 2 e 3 foram agrupadas por representarem "presença de dor" e as faces 4 e 5 foram consideradas como "ausência de dor".
3. Resultados
Para análise dos dados contínuos, utilizou-se o teste t-independente, visando à comparação das médias nos dois grupos e a verificação dos dados categoriais foi feita, utilizando-se o teste ÷2.
O limiar de dor, obtido através do pulptester (média de três medidas) foi maior nos autistas quando comparado aos indivíduos sem autismo (64,42 ± 7,59 contra 44,40 ± 11,54, respectivamente, sendo p< 0,001).
Para análise das respostas à escala de faces, aplicou-se o ÷2, em que p=0,34, não havendo, portanto, diferença estatisticamente significante entre os grupos.
O limiar de dor, utilizando-se o teste de vitalidade pulpar, foi maior nos autistas, o que poderia indicar menor resposta à dor, resultado que corrobora com a hipótese de hipoalgesia ou analgesia entre autistas. Entretanto, um resultado interessante refere-se à avaliação subjetiva da dor, pois os grupos obtiveram respostas semelhantes, ou seja, consideraram o mesmo grau de "desagrado" frente ao estímulo.
4. Discussão
Uma possível explicação dos resultados pode ser a capacidade reduzida de discriminar os estímulos entre autistas que, embora percebendo menos a intensidade do estímulo, reagem de maneira similar ao grupo controle. Divergências nos resultados podem, entretanto, refletir possíveis deficiências com relação à validade da metodologia empregada. Além disso, outra limitação do estudo seria a possível interação entre a percepção/reação à dor e os medicamentos utilizados pelos nove pacientes no momento do estudo. Era impossível e eticamente inaceitável solicitar a suspensão dos psicofármacos para realização do experimento.
A sensibilidade reduzida à dor nos autistas de alto funcionamento contrasta com a visão predominante na literatura científica, a qual sugere que a resposta à dor no autismo pode variar, dependendo do perfil cognitivo e que a insensibilidade a ela é observada somente nos de baixo funcionamento; fato este não verificado em nosso estudo, porquanto não analisamos esse grupo de portadores.
Múltiplos fatores, entretanto, contribuem para a sensação de desprazer gerada pela dor, uma vez que ela contém uma dimensão sensorial e outra afetiva.
Parte da dimensão afetiva da dor depende de sentimentos que pertencem ao presente ou a um futuro próximo, como a angústia ou o medo. Outro componente, denominado "afeto secundário à dor", inclui sentimentos relacionados a implicações futuras por sentir dor. Quanto às estruturas envolvidas na dimensão afetiva da dor é de fundamental importância o córtex do cíngulo anterior, que recebe informações de múltiplas vias e está associado à sensação de desprazer e ao afeto secundário, através de suas conexões com o córtex pré-frontal, envolvido, por sua vez, na reflexão e ruminação sobre as implicações da persistência da dor (Price, 2000).
Os indivíduos autistas provavelmente apresentam falhas no desenvolvimento desta habilidade, ou seja, não são capazes de prever o sofrimento decorrente do estímulo doloroso, o que poderia influenciar nos resultados, visto que a previsão do sofrimento poderia fazer com que o indivíduo sinalizasse "mais prontamente" à dor, gerando respostas falso positivas, enquanto o indivíduo que não a prevê esperaria mais tempo para sinalizar.
Conforme dissemos anteriormente, sabe-se que uma das teorias que explica os déficits cognitivos no autismo é a Teoria da Disfunção Executiva. A função executiva é uma designação associada ao funcionamento do lobo frontal, utilizado para abarcar todo o processo que forma a base do comportamento direcionado, que compreende planejamento, memória de trabalho, inibição de respostas e flexibilidade cognitiva (Hughes, Russell & Robbins, 1994). Indivíduos com autismo apresentam prejuízos com relação a essas habilidades, por isso é importante elucidar a relação entre a resposta à dor e a disfunção executiva no autismo.
É relevante também estudar o papel dos prejuízos na interação social e na comunicação destes pacientes, pois um diferente modo de expressão da dor pode levar a diferentes interpretações com relação à avaliação dos limiares de dor. Reações anormais a esta podem resultar de diversas atitudes e não somente de alterações na função cerebral, fato esse que seria esperado se considerarmos que a percepção parcial do ambiente e a interpretação alterada dos observadores facilitaria uma resposta inadapatada ou não adequada ao estímulo apresentado.
Pensamos assim que o termo indiferença à dor poderia ser mais apropriado do que insensibilidade à dor tal como se nos apresenta a literatura especializada.
5. Conclusão
A resposta à dor em crianças com autismo, obtida por nós através da observação das reações faciais durante um procedimento invasivo mostrou-se semelhante à reação do grupo controle, ao passo que os limiares dolorosos obtidos através da estimulação pulpar mostraram-se alterados, quando comparados aos valores obtidos pelo grupo de indivíduos saudáveis.
Essas discrepâncias parecem-nos decorrentes do déficit na coerência central que ocasionaria menor percepção do estímulo doloroso enquanto totalidade, bem como do déficit de previsão de eventuais consequências do estímulo, decorrente do comprometimento na função executiva.
Por outro lado, a reação social observada seria decorrente do prejuízo na Teoria da Mente, o que faria com que o estímulo não fosse avaliado de maneira adequada, e assim as reações esperadas não ocorreriam.
Necessitam-se, entretanto, outros estudos, com maiores populações e, principalmente, com estímulos dferentes e controlados.
Referências
• Anderson, G.M.; Freedman, D.X.; Cohen, D.J.; Volkmar, F.R.; Hoder, E.L.; McPhedran, Minderaa, R.B.; Hansen, C.R. & Young, J.G. (1987). Whole blood serotonin in autistic and normal subjects. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 28, 885-900.
• Adler, G. & Gattaz, W.F. (1993). Pain perception threshold in major depression. Biological Psychiatry (34), 687-689.
• American Psychiatric Association (2000): Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Fourth Edition, Text Revision. American Psychiatric Association, Washington, DC.
• Baron-Cohen, S. (1988). Social and Pragmatic Deficits in Autism: Cognitive or Affective? Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 18, (n. 3), p. 379- 401,
• Baron-Cohen, S. (1991). The Development of a Theory of Mind in Autism: Deviance or Delay? Psychiatric Clinics of North América, v. 14, (n. 1), p. 33- 52.
• Baron-Cohen, S. (2002). Is Asperger syndrome/high-functioning autism necessarily a disability? Development and Psychopathology, (12), 489-500.
• Blumensohn, R., Ringler, D. & Eli, I. (2002). Pain perception in patients with schizophrenia. Journal of Nervous and Mental Disease (190), 481-483.
• Bosa, C. A. (2001). As Relações entre Autismo, Comportamento Social e Função Executiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, (n. 2), p. 281-287.
• Brambilla, F.; Guareschi-Cazzullo, A.; Tacchini, C.; Musetti, C.; Panerai, A.E. & Sacerdote, P., (1997). â-Endorphin and Cholecystokinin 8 concentrations in peripheral blood mononuclear cell of autistic children.Neuropsychobiology (35),1-4.
• Chambers, C.T.; Giesbrecht, K.; Craig, K.D.; Bennett, S.M. & Huntsman, E., (1999). A comparison of scales for the measurement of pediatric pain: children´s and parent´s ratings. Pain, (83), 23-35.
• Deutsch, S.I. (1986). Rationale for the administration of opiate antagonists in treating infantile autism. American Journal of Mental Deficiency (90), 631- 635.
• Duncan, J. (1986). Disorganization of Behavior After Frontal Lobe Damage. Cognitive Neuropsychology, (3), p. 271-290.
• Dworkin, R.H. (1994). Pain insensitivity in schizophrenia: a neglected phenomenon and some implications.Schizophrenia Bulletin (20), 235-248.
• Dworkin, R.H., Clark, W.C. & Lipsitz, J.D. (1995). Pain responsivity in major depression and bipolar disorder.Psychiatry Research 56, 173-181.
• Fuss, Z.; Trowbridge, H.; Bender, I.B.; Rickoff, B. & Sorin, S. (1986). Assessment of reliability of electrical and thermal pulp testing agents. Journal of Endodontics 12, 301-305.
• Ghaziuddin, M. & Mountain-Himchi, K. (2004). Defining the intellectual profile of Asperger Syndrome: comparison with high-functioning autism. Journal of Autism and Developmental Disorders (34), 279-284.
• Gillberg, C., Terenius, L. & Lönnerholm, G. (1985). Endorphin activity in childhood psychosis- spinal fuid levels in 24 cases. Archives of General Psychiatry (42), 780-783.
• Guieu, R., Samuelian, J.C. & Coulouvrat, H. (1994). Objective evaluation of pain perception in patients with schizophrenia. British Journal of Psychiatry 164, 253-255.
• Happé, F. (2001) Déficit cognitivo o Estilo Cognitivo? Coherencia Central en Autismo. In: Simposium Internacional Sobre Autismo, 3., Madrid. Anais... Madrid: Edita Instituto de Migraciones y Servicios Sociales, p. 105-119.
• Happé, F. (1994) Autism: an introduction to psychological theory. London: UCL.
• Hermellin, B. & O’Connor, N. (1970). Psychological Experiments with Autistic Children. New York: Pergamon Press.
• Hill, E. l. & Frith, U. (2003). Understanding autism: insights from mind and brain. Philosophical Transactions of The Royal Society of London, Series B, Biological Sciences, (358), 281-289.
• Hughes, C. & Russel, J. (1993). Autistic Children’s Difficulty with Disengagement from an Object: it’s Implications for Theories of Autism. Developmental Psychology, (29), 498-510.
• Hughes, C., Russell, J. & Robbins, T.W. (1994). Evidence for central executive dysfunction in autism.Neuropsychologia (32), 477-492.
• Kanner, L. (1943). Autistic disturbances of affective contact. The NervousChild (2), 217-250.
• Kemperman, I.; Russ, M.J.; Clark, W.C.; Kakuma, T.; Zanine, E. & Harrison, K. (1997). Pain assessments in self-injurious patients with borderline personality disorder using signal detection theory. Psychiatry Research (70), 175-183.
• Lautenbacher, S. & Krieg, J. (1994). Pain perception in psychiatic disorders: a review of the literature. Journal of Psychiatry Research (28), 109-122.
• Leboyer, M.; Bouvard, M.P.; Launay, J.; Tableau, F.; Waller, D.; Dugas, M., Kerdehue, B.; Lensing, P. & Panksepp, J. (1992). Brief report: a double-blind study of naltrexone in infantile autism. Journal of Autism and Development Disorders (22), 309-319.
• Leboyer, M.; Philippe, A.; Bouvard, M.; Guilloud-Bataille, M.; Bondoux, D.; Tabuteau, F.; Feingold, J.; Mouren-Simeoni, M.C. & Launay, J.M. (1999). Whole blood serotonin and plasma beta-endorphin in autistic probands and their first-degree relatives. Biological Psychiatry (45), 158-163.
• Merskey, H.; Albe-Fessard, D.G.; Bonica, J.J.; Carmon, A.; Dubner, R.; Kerr, F.W.L.; Lindblom, U.; Mumford, J.M.; Nathan, P.W.; Noordenbos, W.; Pagni, C.A.; Renaer, M.J.; Sternbach, R.A. & Sunderlands, S. (1979). Pain terms: a list with definitions and notes on usage. Recommended by IASP subcommittee on Taxonomy. Pain. 6, 249-252.
• Nader, R.; Oberlander, T.F.; Chambers, C.T. & Craig, K.D. (2004). Expression pf pain in children with autism.Clinical Journal of Pain (20), 88-97.
• Nagamitsu, S.; Matsuishi, T.; Kisa, T.; Komori, H.; Miyazaki, M.; Hashimoto, T.; Yamashita, Y.; Ohtaki, E. & Kato, H. (1997). CFF â- Endorphin levels in patients with infantile autism. Journal of Autism and Development Disorders (27), 155-163.
• Ozonoff, S.; Strayer, D.L.; Mcmahon, W.M. & Filloux, F. (1994). Executive Function Abilities in Autism and Tourret Syndrome: An Information Processing approach. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 35, p. 1015-1032.
• Price, D. (2000). Psychological and neural mechanisms of the affective dimension of pain. Science 288, 1769-1772.
• Sanders,J.L. (2009). Qualitative or quantitative differences between Asperger´s disorder an autism? Historical considerations. Journal of Autism and Development Disorders 39(11):1560-7.
• Sandman, C.A.; Barron, J.L.; Chicz-DeMet, A. & DeMet, E.M. (1991). Brief report: plasma â endorphin and cortisol levels in autistic patientes. Journal of Autism and Development Disorders (21), 83-87.
• Shah, A. & Frith, U. (1993). An Islet of Ability in Autistic Children: A Research Note. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 24, p. 613-620.
• Szatmari, P. (1992). The validity of autistic spectrum disorders: a literature review. Journal of Autism and Development Disorders (22), 583-600.
• Tengan, S.K. (2000). Dor, sintomas depressivos e ansiosos em pré adolescentes e adolescentes com artrite reumatóide juvenil (thesis doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo.
• Tordjman S.; Antoine, C.; Cohen, D. J.; Gauvain-Piquard, A.; Carlier, M.; Roubertoux, P. & Ferrari, P. (1999). Etude des conduits auto-agressives, de la réactivité à la douleur et de leurs interrelations chez les enfants autistes.L‘Encéphale (25), 122-134.
• Trowbridge, O. (1986). Review of dental pain-histology and physiology. Journal of Endodontics 12, 445-452.
• Wall, P.D. (1989). Introduction. In: Wall, P.D., Melzach, R. (eds). Textbook of pain. Churchill Livingstone, Edinburg, pp. 1-18.
• Wing, L. (1988). The continuum of autistic disorders. In: Schpler, E., Mesibov, G.M. Diagnosis and assessment in autism, New York: Pelnum Press, pp. 91- 110.
1 Os autores agradecem ao Depto. de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – USP, SP, Brasil, pela colaboração prestada a esta pesquisa.
2 2 Contato: Rua dos Tamanás, 72 – V. Madalena – São Paulo,SP. – Brasil - CEP 05444-010. Tel.: (11) 3032-7411
3 3 Contato: Rua José de Oliveira Coelho, 165, ap. 121 – V. Andrade - São Paulo, SP. – Brasil - CEP 05727-240. Tel.: (11) 9972-6691.
4 4 Contato: Rua dos Otonis, 697 – V. Clementino – São Paulo, SP. – Brasil - CEP 04025-002. Tel.: (11) 5579-2702. E-mail: cassiterides@bol.com.br
Artigo original: