Artigos Científicos

Implante coclear em crianças: a visão dos pais

Daniela Aparecida Rissi Yamanaka; et al

19 de janeiro de 2015

Psic.: Teor. e Pesq. vol.26 no.3 Brasília jul./set. 2010

 

Implante coclear em crianças: a visão dos pais1

 

Daniela Aparecida Rissi Yamanaka; Roberto Benedito de Paiva e Silva2; Maria de Lurdes Zanolli; Angélica Bronzatto de Paiva e Silva

Universidade Estadual de Campinas

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar a visão que os pais têm do implante coclear, isto é, as informações que eles têm a respeito do implante, os riscos, os benefícios e suas expectativas em relação ao futuro dos filhos. Entrevistaram-se 10 pais de crianças surdas candidatas ao implante coclear no Hospital de Clínicas da Unicamp. Com base em uma abordagem qualitativa, procedeu-se à análise de conteúdo, sendo evidenciado que a maioria dos pais busca a cura da surdez por meio do implante coclear e, consequentemente, a aquisição da fala. Para essas famílias, o implante coclear é visto como uma solução para a surdez de seus filhos e como uma possibilidade deles terem um futuro melhor. Constatou-se que no processo de conhecimento do implante, os pais vivenciaram ansiedade e angústia frente às informações sobre os riscos e benefícios do procedimento e a necessidade de optarem pela realização ou não do implante coclear.

Palavras-chave: pais; implante coclear; deficiência auditiva.


ABSTRACT

The objective of this study was to analyze the point of view of parents in relation to the cochlear implant, their level of information concerning the implant, its risks and benefits, and their expectations towards their children's future. Ten parents of deaf children candidate for the cochlear implant at Unicamp's Clinical Hospital were interviewed. Based on a qualitative approach, a content analysis showed that the majority of parents seek the cure for deafness, and consequently, the acquisition of speech with the cochlear implant. For these families, the cochlear implant is seen both as the solution to their children's deafness and as a path for a better future. It has been evidenced that during the acquisition of knowledge about the implant, parents experienced anxiety and anguish when faced with the risks and benefits of the procedure, and the need to choose between performing and not performing the cochlear implant.

Keywords: parents; cochlear implant; hearing impairment.


 

 

O impacto causado pelo diagnóstico da surdez exige modificações e rearranjos na dinâmica familiar. Portanto, o momento em que os pais recebem o diagnóstico pode gerar diversas reações, de acordo com o modo como essas informações são passadas e compreendidas. As primeiras reações dos pais ao diagnóstico da surdez costumam ser de choque, negação, raiva, culpa e até de esperança mágica de cura (Amaral, 1995; Luterman, Kurtzer-White & Seewald, 1999; Martinez, 1998).

Luterman e cols (1999) referem que se deve tomar cuidado com o momento de transmitir a notícia do diagnóstico aos pais. É necessário passar informações precisas e levar em conta que, devido ao impacto do diagnóstico, grande parte desses pais não consegue absorver muitas informações, especialmente as mais complexas. Cabe aos profissionais fornecer informações em relação à surdez, sobre as possíveis alternativas de tratamento, permitindo à família obter outras opiniões sobre o diagnóstico e o tratamento. É preciso conceder um tempo para que os pais possam assimilar todas as informações, capacitando-os a escolher o caminho a ser percorrido (Holzheim, Levy, Patitucci & Giorgi, 1997; Margall, Honora & Carovich, 2006).

Atualmente, existem vários caminhos que as crianças com perda de audição podem percorrer para aprender a se comunicar, quer seja pela linguagem oral ou de sinais. A linguagem oral pode ser possível a partir de diagnósticos precoces, por meio do uso de aparelhos de amplificação sonora e/ou por intermédio da realização da cirurgia do implante coclear (Bevilacqua & Formigoni, 2000).

Como esse estudo busca verificar a visão dos pais a respeito do implante coclear, faz-se importante abordar sobre esse procedimento cirúrgico. O implante coclear oferece informação sonora a indivíduos com hipoacusia neurossensorial profunda, proporcionando uma audição útil e auxiliando na sua comunicação (Porto, 2002). É um recurso que vem sendo utilizado atualmente em adultos e crianças com deficiência auditiva (Bevilacqua, Costa Filho & Moret, 2003). Visa criar um "campo elétrico" no interior da cóclea, com a finalidade de estimular as fibras acústicas, por meio de impulsos sonoros transformados em sinais elétricos. É utilizado em pessoas com perdas auditivas neurossensoriais profundas e bilaterais, de natureza congênita ou adquirida, que não se beneficiam com o uso de próteses auditivas (Hungria, 2000; Mangabeira-Albernaz, 1996).

O implante coclear consiste em um conjunto formado por uma unidade externa de processamento da fala e por uma unidade interna implantada cirurgicamente na parte interna da orelha, no osso da mastóide. Aunidadeinterna é composta por um feixe de eletrodos envolvido por silicone e ligado a um receptor. Junto ao receptor/estimulador está um ímã abaixo da pele que permite a conexão do componente interno com o externo. O sistema é ligado quando a parte externa é colocada no paciente, ativando o sistema de implante coclear com uma interface conectada ao computador. A unidade de processamento da fala é formada por um microfone, um processador de fala e um sistema de acoplamento. O microfone capta e transmite o som por um cabo ao processador de fala, o qual envia a informação codificada para uma antena transmissora colocada junto ao receptor-transmissor. O suporte para programação é um sistema baseado em um microcomputador, cuja finalidade é programar os parâmetros de fala. Todo o sistema do implante coclear funciona com uma bateria ou pilha (Bento & cols., 1994; Costa, Bevilacqua & Amantini, 2005).

Diferentemente do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), que necessita da existência de células ciliadas para transferir o sinal para o nervo auditivo, o implante coclear assume a função dessas células, ativando o nervo auditivo diretamente, possibilitando que indivíduos com perda auditiva grave e profunda apresentem sensações auditivas (Bevilacqua & cols., 2003).

As causas de surdez que levam à indicação do implante coclear são variadas, sendo que as mais frequentes são: perdas por patologias infecciosas como as infecções virais e a meningite, as congênitas, as causadas por drogas ototóxicas, otosclerose e trauma de crânio encefálico severo (Porto, 2002).

Existem algumas contraindicações para a realização do implante coclear em crianças que apresentam comprometimentos neurológicos associados à deficiência auditiva, condições médicas ou psicológicas que possam contraindicar a cirurgia, deficiência auditiva causada por agenesia da cóclea, bem como processos psíquicos que impeçam a capacidade de memória e de atenção (Bevilacqua & Moret, 1997).

Os riscos da cirurgia são raros e são os mesmos de qualquer outra cirurgia de ouvido, incluindo os riscos anestésicos (Costa & cols. 2005; D'Avila, Campani & Linden, 1997). Entre os riscos, existe a possibilidade de paralisia facial, devido à grande proximidade do nervo facial na região cirúrgica; a necrose do tecido durante a cicatrização (ou no leito cirúrgico); a extrusão dos eletrodos; o desvio no posicionamento dos eletrodos; a presença de zumbido e alterações vestibulares (dificuldade de equilíbrio) na primeira semana de pós-operatório (Costa & cols., 2005).

A possibilidade de rejeição do componente interno é mínima já que esse componente é feito para permanecer em funcionamento durante toda a vida. Já a parte externa, por estar mais exposta à situação de manuseio constante, apresenta maiores chances de quebrar, porém é de fácil reposição (Costa & cols., 2005). Além dessas implicações, D'Avila e cols. (1997) referem que se deve também observar a capacidade de utilização e adequação do paciente ao implante. Atualmente, são considerados candidatos ao implante coclear os seguintes pacientes: aqueles com surdez profunda neurossensorial bilateral e que não apresentem discriminação auditiva com aparelho de amplificação sonora mais forte e aqueles cujo nervo coclear tenha capacidade residual suficiente para obter sensação de som ao estímulo elétrico apresentado.

Família e paciente precisam estar suficientemente motivados para usar o implante e se submeterem às adaptações do modelo (Miniti, Bento & Butugan, 2000). Na indicação do implante coclear em crianças, não se leva em consideração a época em que ocorreu a perda, podendo ser deficiência auditiva pré-lingual ou pós-língual. Porém, existem outros fatores que são considerados para que a criança possa ter um melhor aproveitamento do implante, tais como: grau da deficiência auditiva, idade da criança, tempo de privação sensorial auditiva, acesso à terapia fonoaudiológica especializada, desenvolvimento global da criança, a não presença de comprometimentos associados à deficiência auditiva, motivação e participação dos pais no processo de habilitação da criança (Costa & cols. 2005).

A idade de implantação em crianças tem mudado consideravelmente nos últimos 10 anos. Os dados anatômicos devem ser considerados, pois a cóclea humana é completamente desenvolvida ao nascimento e, até 2 anos de idade, o recesso facial torna-se próximo ao do tamanho adulto, isto é, o crescimento da mastóide após os 2 anos é de apenas 2,0 cm até a idade adulta (Porto, 2002). A literatura atual apresenta resultados muito favoráveis quanto à compreensão e expressão da linguagem oral e à integração ao mundo sonoro das crianças deficientes auditivas pré-linguais que realizaram o implante cada vez mais jovens. Assim, a idade para a realização da cirurgia do implante em crianças pré-linguais não deve ultrapassar os 3 anos, porque as crianças mais jovens são as que melhor se beneficiam da plasticidade neuronal, ou seja, da capacidade do cérebro de se reorganizar diante de novos estímulos (Bevilacqua & cols., 2003; Costa & cols., 2005).

Para realizar o implante coclear é necessário o trabalho de uma equipe multiprofissional capaz de realizar toda a avaliação, que consiste em vários procedimentos, além do acompanhamento pré e pós-operatório. A equipe deve ser constituída de um cirurgião otológico, de fonoaudiólogas e profissionais nas áreas de neurologia, pediatria, genética, psicologia e assistência social (Costa & cols., 2005; Porto, 2002).Areabilitação pós-implante é essencial, pois o paciente precisa aprender a distinguir, identificar e familiarizar-se comsons e vozes. É fundamental o auxílio de profissionais especializados, incluindo, necessariamente, um fonoaudiólogo (Bevilacqua & Moret, 1997).

Os estudos sobre o implante coclear revelam que a surdez pós-meningite proporciona, em alguns casos, resultados não tão satisfatórios, comparada à surdez devido a outras patologias (Bevilacqua, Moret, Costa Filho, Nascimento & Banhara, 2003). Esses autores apontam que os resultados mais evidentes do implante coclear em crianças aparecem no intervalo de 6 a 18 meses de uso do dispositivo e que os resultados em crianças mais velhas tendem a ter menos progressos. No entanto, o benefício obtido com o implante pode aumentar a autoestima da criança, favorecendo seu desenvolvimento psicossocial.

Em crianças surdas pré-linguais, os implantes cocleares permitem o desenvolvimento de uma percepção auditiva que poderá auxiliar na construção da linguagem oral, o que pode implicar várias modificações, como por exemplo, na relação da criança com o mundo externo e com seu próprio corpo e na vida cotidiana das famílias (Virole, 2003).

Zenari e cols. (2004), em seus estudos sobre os aspectos psicológicos com pessoas com surdez bilateral profunda e candidatos ao implante coclear, observaram que as restrições impostas pela surdez não são necessariamente geradoras exclusivas de sofrimento psíquico, e a forma que o paciente encara a deficiência é reflexo do modo de funcionamento geral de sua personalidade. O sofrimento e as significações dadas pelos indivíduos frente à surdez e ao tratamento variaram de acordo com as características psicológicas e condições da perda auditiva, confirmando assim a necessidade de avaliação dos aspectos emocionais.

Virole (2003) afirma que, em praticamente todos os casos, os resultados dos implantes cocleares favorecem a naturalidade de interações que contribuem positivamente para a melhoria do clima familiar. Acrescenta-se a isso as reações auditivas da criança implantada que dão aos pais o sentimento de que seu filho pertence ao mesmo mundo perceptivo que o deles e que dividem a mesma experiência vital.

Para as crianças que se submeteram à cirurgia do implante coclear, na maioria das vezes a comunicação torna-se possível por meio da língua na modalidade oral. No entanto, deve-se levar em consideração que, dependendo do caso, o tempo pode ser maior ou menor para a aquisição da língua portuguesa, em função da duração da privação auditiva pela qual essa criança passou e também do período (pré ou pós-lingual) em que a surdez ocorreu.

Dessa forma, torna-se imprescindível a orientação às famílias para que possam participar significativamente da habilitação da criança após o implante. Para isso, é necessário um trabalho sistematizado, realizado por uma equipe interdisciplinar, durante e após o diagnóstico da surdez, para que esses pais possam alcançar um equilíbrio emocional. Em seus estudos, Costa, Valle e Yamada (2000) concluíram que a possibilidade dos cuidadores (no caso de crianças, os pais) expressarem seus sentimentos, medos e dúvidas, aliados aos esclarecimentos que receberam, trouxeram-lhes uma compreensão realística dos procedimentos cirúrgicos e consequente diminuição da ansiedade.

Cabe a consideração de que a indicação ou não do implante coclear depende também muitas vezes da concepção do profissional a respeito da surdez e da pessoa surda. Assim, os profissionais que definem a surdez como ausência de audição, e parecem ter uma visão patológica da surdez, consideram que o implante poderá recuperar de alguma forma a audição. Já os profissionais que têm uma visão socioantropológica não definem a surdez como uma incapacidade ou deficiência e colocam os surdos em uma dimensão étnica dotada de cultura e língua próprias. Na medida em que os surdos são considerados uma minoria linguística, observa-se grupos mais radicais dentro da comunidade surda que são contrários ao implante coclear (Bevilacqua, 2001). Contudo, segundo esse autor, o modo como a comunidade científica tem trabalhado com o implante coclear é o de atribuir aos pais a responsabilidade de determinar o que consideram o que é melhor para os seus filhos.

Em suma, verifica-se que existem muitos trabalhos focando a técnica cirúrgica, mas há poucos trabalhos com enfoque psicológico, buscando identificar a percepção que as famílias das crianças surdas têm sobre o implante coclear. Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi analisar a visão que os pais têm do implante coclear, isto é, as informações que eles têm a respeito do implante, de seus riscos e benefícios, e suas expectativas em relação ao futuro dos filhos.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo pais de crianças surdas encaminhadas para a triagem do Ambulatório de Implante Coclear do Hospital de Clínicas da Unicamp. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: pais de crianças surdas candidatas à cirurgia do implante coclear, em seu primeiro contato pessoal com a equipe do implante e que concordaram em participar do estudo, tendo disponibilidade de horário para participar da entrevista com a pesquisadora e das consultas de rotina do ambulatório.

Por ser uma pesquisa qualitativa, o número de participantes não foi previamente definido, pois o critério desse tipo de pesquisa não é numérico. Sendo assim, preocupa-se menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão de um grupo social (Minayo, 2000).

Foram realizadas 10 entrevistas, sendo que, após a sexta, notou-se que os dados começaram a se repetir por ter sido atingido o critério de saturação, mas, diante da demanda de pacientes e da disponibilidade da pesquisadora, prosseguiu-se até a décima. Sendo assim, participaram deste estudo 10 pais, com filhos entre 10 meses e 5 anos e 5 meses na época da coleta de dados. Em sete das entrevistas, estavam presentes os casais e, nas restantes, apenas um dos pais. A idade dos entrevistados variou entre 23 e 47 anos. Em relação à escolaridade, seis entrevistados cursaram o Ensino Médio, três, o Ensino Fundamental e um, o Ensino Superior. Todos os entrevistados são brasileiros, oriundos de diversos estados, com renda familiar de um a 12 salários mínimos.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Procedimento

No presente estudo foi utilizado o método qualitativo, por ser um método que envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, ocorre no setting natural e busca entender ou interpretar os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (Denzin & Lincoln, 2003/2006).

Ao levar em consideração os objetivos do estudo, optou-se pela entrevista semiestruturada, que parte da elaboração de um roteiro. Sua qualidade consiste em enumerar de forma mais abrangente possível as questões que o pesquisador necessita abordar em campo, a partir de hipóteses ou pressupostos advindos da definição do objeto de estudo (Minayo, 2000).

Os pais, ao chegarem ao ambulatório, eram chamados a participar de uma reunião com as fonoaudiólogas da equipe para esclarecimentos sobre todo o processo do implante coclear, ou seja, riscos, benefícios etc. Após a reunião com as fonoaudiólogas, a pesquisadora apresentava aos pais uma breve explicação sobre o teor e os procedimentos do presente trabalho, convidando-os a participarem e obtendo uma pronta aceitação de todos. Em seguida, eram convidados, individualmente, a acompanhar a pesquisadora até uma das salas do ambulatório para uma explicação mais detalhada do estudo e a obtenção do Consentimento Livre e Esclarecido, segundo Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde.

As entrevistas foram realizadas entre março e maio de 2005, gravadas com equipamento de áudio-cassete, transcritas literalmente e digitadas pela pesquisadora, sendo mantido o sigilo necessário.

Análise de dados

Após a leitura das transcrições, os dados foram agrupados em categorias e a análise de conteúdo foi realizada. Essa análise permite que se trabalhe com um corpus reduzido de material, estabelecendo-se categorias mais sutis, nas quais é mais relevante a presença do que a frequência de um item (Bardin, 2004).

Neste estudo, após a seleção da categoria – implante coclear –, foi realizada a análise dos dados de cada participante e, em seguida, foi feito o agrupamento dos dados dos 10 participantes, o que possibilitou estabelecer a visão que esses pais têm em relação ao implante coclear.

Em relação ao implante coclear, os dados foram subdivididos, para fins de análise, em quatro subcategorias: (1) informações que os pais têm a respeito do implante coclear; (2) os riscos e restrições que envolvem o implante; (3) os benefícios do implante coclear; e (4) as expectativas dos pais após o implante.

 

Resultados e Discussão

Informações que os pais têm a respeito do implante coclear

A maioria dos pais relatou ter recebido algum esclarecimento sobre o implante coclear antes de chegar ao ambulatório do Hospital de Clínicas da Unicamp. No entanto, revelaram que após participarem de uma reunião com a equipe desse ambulatório, cuja finalidade era fornecer informações sobre a cirurgia do implante coclear, passaram a saber mais detalhadamente sobre o assunto.

Quanto às informações que os pais já haviam recebido sobre o implante coclear, eles revelaram tê-las obtido por diversas fontes (e.g., profissionais da área da saúde, revistas, vídeos e palestras), como refere M33:

Quando eu fui pra A. [Instituição], tudo... eu conversando com a psicóloga, depois que elas falaram do implante, aí elas me explicaram lá na A. [Instituição] como que era, como que não era, que o caso dele seria melhor o implante, porque como ele não responde com o aparelho, foi assim que eu fiquei sabendo do implante ... essas informações mais completas só aqui [Unicamp]. Porque até então, era só assim por cima... Tentar fazer o implante, mas não que ninguém me explicasse direitinho o que era, como que era, os riscos que tinha.

Os pais da criança 9, ao entrarem em contato com as primeiras informações sobre o implante, referiram que pensaram que era só uma cirurgia, não tendo a necessidade de usar nada externamente:

É o que nós escutamos agora ali, a gente não sabia que era um aparelho fora, a gente pensava que o implante era dentro do ouvido e pronto... Era isso que nós sabíamos só sobre o implante. E que não era e que ele não vai ouvir como a gente, pensava que o implante era dentro do ouvido e pronto. (P9)

Ao analisar as entrevistas, nota-se que os pais tiveram dificuldade de entender a explicação de um procedimento cirúrgico que era desconhecido para eles, conforme exemplificado pelo relato de P2:

Sobre o implante...no início, a N. [profissional] passou pra mim, a fonoaudióloga do P., como seria o implante, depois a otorrino também, é, deu essa revista que elas passaram pra gente que fala sobre o implante, sobre o efeito, qual as causas do implante que podem afetar as crianças. Então sei pouca coisa sobre o implante, mas sempre tô lendo, e acredito que 100% de audição, por isso que tem esse recurso aí.

Apesar de ter recebido várias informações, o pai continuava acreditando que a cirurgia iria fazer com que o filho recuperasse 100% de sua audição. Esse resultado mostra que é imprescindível que a equipe de profissionais saiba transmitir aos pais as informações necessárias de maneira clara e que leve em consideração que, devido ao impacto causado pelo diagnóstico, grande parte desses pais pode não conseguir absorver muitas informações, conforme ressaltado por Luterman e cols. (1999). No presente estudo, por exemplo, as famílias se preocuparam em tentar entender principalmente as informações relacionadas às restrições que o implante exige e à reabilitação pós-cirúrgica que terão que enfrentar, como mostram os seguintes relatos:

É, porque eu sabia mais por cima, não sabia muito... que nem ela tava falando que não pode usar roupa de lã, eu não sabia disso, já tinham falado também que não pode fazer ressonância, mas eu não sabia que não podia passar em porta de banco... então acho que hoje eu me informei melhor aqui. (M5)

E depois que põe o implante, que consegue, aí continua a luta... continua as fonos, continua, aí com o acompanhamento... foi isso que eu entendi. (M6)

As informações que nós tivemos aqui, além da pessoa perder a audição, a pessoa... a pessoa implantada não pode ter uma vida assim completamente normal, tem muitas restrições, certo? (P8) Ah, ela enfatizou também que não é nenhum milagre o implante... Que tem que continuar fazendo a fonoterapia... o acompanhamento, tem que ficar, tem que continuar vindo aqui na Unicamp pro resto da vida, não é isso? No início, em espaços mais curtos de tempo e depois com espaços mais longos. (M8)

Diante desses relatos, percebe-se que os pais, face a tantas informações, conseguiram reproduzir algumas delas de maneira coerente, inclusive alguns pais mencionaram até a questão dos resultados do implante coclear, referindo que varia de pessoa para pessoa e que cada um atinge determinado resultado em um tempo. Como exemplo, temos o relato de M6 e M8.

Uns têm um aproveitamento maior, outros menor, e tem as diferenças... lá elas explicaram isso pra mim que cada criança é cada criança. Tem uma que põe um implante é uma...outras, já é mais devagar, têm seu tempo... foi mais ou menos isso que ela me explicou. E tem a vantagem de ser... uma coisa que vai ajudar... um instrumento, uma ajuda a mais pra ajuda dela. (M6)

Tem certas restrições. É e que pode que, o resultado varia de pessoa pra pessoa... que tem pessoas que têm um resultado rápido, tem pessoas que demoram mais, que nunca foi registrado nenhum caso de pessoas que não tenham resultado nenhum... que tem riscos e complicações na cirurgia, mas até agora não registrou nenhum caso e também sobre os cuidados que a gente tem que ter com o implante... e com o aparelho em si... que é um aparelho caro, a cirurgia também é uma cirurgia cara, difícil de se conseguir, essas informações. (M8)

É importante que o profissional tenha calma e confiança para transmitir as informações de maneira gradativa, ter sensibilidade para saber quando e como transmiti-las, tentando minimizar a confusão inicial gerada por muita informação recebida num curto espaço de tempo (Tavares, 2001).

Constata-se, nas entrevistas dos pais, que, do mesmo modo que há profissionais que indicam o implante coclear e acreditam que possa ser um recurso a mais para auxiliar nos casos de surdez, existem profissionais e/ou instituições que são contra o implante coclear, conforme o relato de M8:

No caso assim, lá, a Dra N., ela, ela, incentivou a gente muito. Agora lá em S. [cidade – Instituição], o pessoal, se fosse pra desistir, a gente tinha desistido, a gente nem tinha inscrito o nome dela em local nenhum, porque eles jogaram um balde de água fria. E ele ficou completamente desmotivado, depois que a gente veio de lá de S. [cidade – Instituição], e foi que o pessoal de lá tem uma resistência muito grande ao implante... E a Dra N. explicou pra gente que como qualquer outra cirurgia, tem seus riscos, mais que é, é, o resultado compensa, ela tem, ela faz o acompanhamento de seis crianças implantadas e aí ela inclusive tem uma filha que eu acho que ela tem dois anos que ela foi implantada.

O implante coclear, conforme assinala Bevilacqua (2001), é um instrumento clínico e efetivo que pode melhorar a vida do ser humano. Diante disso, a comunidade científica tem atribuído aos pais a decisão sobre o que é melhor para seus filhos. É importante considerar, no entanto, que os pais são afetados pelas informações recebidas pelos profissionais. Eleweke e Rodda (2000) afirmam que a decisão dos pais é influenciada pela prática, preferência, qualidade do aconselhamento e pelo suporte do serviço. Portanto, os profissionais que atuam com o deficiente auditivo precisam saber orientar os pais para que eles possam conhecer e optar por condutas que favoreçam e auxiliem o desenvolvimento de seus filhos. Desse modo, as famílias que desejam que seus filhos utilizem a comunicação oral devem receber informações sobre o implante coclear para que possam ter mais esta opção.

A maioria dos pais, mesmo após a reunião com a equipe do serviço de implante coclear, refere que ainda ficou com dúvidas sobre as questões que envolvem o implante. Essas dúvidas giram em torno do ato cirúrgico, do resultado do implante, ou seja, do ganho da audição, e das restrições após o implante. Eles também revelam interesse em saber como deverão proceder se, no futuro, aparecer outro recurso para recuperar a audição por intermédio de células tronco. Os pais referem:

Não, acho que ainda tem muitas dúvidas, no decorrer do dia vou tirar minhas dúvidas... É, se depois do implante ele vai tá ouvindo melhor e qual vai ser o grau de perda dele com o implante, acho que não vai ser assim 100%. É, se ele vai continuar usando o aparelho?... E com o implante qual vai ser o grau de audição dele, porque pelo que eu sei lá na A. [Instituição] tem a perda leve, média, severa e profunda... Se ele vai tá numa dessas faixas aí, se ele vai melhorar bastante ou não, é, essas dúvidas assim... (M5)

E o valor do implante é alto mesmo assim ou é, a moça disse que é cem mil dólares mais ou menos?... O governo dá?... E se tiver que nem a pesquisa de células tronco que agora foi liberada, um dia ainda pode no ouvido também ou não?... Porque daí se fizer nos dois ouvido,s daí não tem mais retorno, aí não tem mais... (P9)

Da mesma forma, os pais da criança 10 também questionaram vários aspectos, inclusive o pai dá ênfase a uma análise de todas as informações recebidas para verificar se existe ainda alguma dúvida:

Ela falou que através da ressonância magnética pode eliminar ele né? E se eliminado ele através dessa ressonância, vamos supor que se ele escutar alguma coisa com o aparelho, a Unicamp faz alguma coisa para melhorar a audição sem ser a operação?... Essa parte psicológica é em que sentido? Medo?... E ele implantado, ele volta aqui todo mês ou em dois em dois meses pra ligar os eletrodos? (P10)

Analisando o relato dos pais, pode-se notar que eles estão passando por um momento bastante tenso, que lhes deixam muito ansiosos, o que, sem dúvida, interfere de modo negativo na compreensão das informações transmitidas. Os sentimentos vivenciados por essas famílias, como ansiedade, angústia, medo e confusão são também encontrados na literatura. Yamada (2002) refere que os pais, quando começam a entrar em contato sobre o que é o implante coclear, têm uma mescla de sentimentos e emoções (e.g., ansiedade, angústia, tristeza, alegria e tranquilidade), os quais são mais fortes em alguns momentos e mais amenos em outros.

Em suma, é importante que os profissionais tomem conhecimento das dúvidas ou mal-entendidos das famílias no que se refere ao implante coclear, seus riscos, limitações e benefícios e esclareçam tudo, de modo que os pais e as mães possam compreender e tomar decisões conscientes sobre o que fazer com seus filhos.

Riscos e restrições que envolvem o implante coclear

A expectativa pelo implante coclear gera nas famílias muitas dúvidas, como foi citado anteriormente, e gera também medos e inseguranças referentes à cirurgia, considerando que envolve riscos e benefícios. Essas expectativas, medos e inseguranças colocam a família numa situação de difícil escolha.

A questão dos riscos que a cirurgia envolve é um dos temores muito presentes nas falas dos entrevistados.

Sobre os riscos, os ganhos, da orelha dele, sobre as possibilidades dele não vir a fazer o implante, sobre os riscos, sobre a disponibilidade de estar se deslocando, porque eu moro longe, é a questão financeira também que vai ser um pouco complicada, então, foram estas e pra ele assim, os benefícios pra ele. (M1)

Olha, foi mais os básicos mesmo. Que a cirurgia tem risco... que é levado uma anestesia geral, que eles vão fazer um cortinho... introduzir o eletrodo, é só assim, mais o básico mesmo, as outras informações ela tava dando lá dentro eu não sabia muita coisa mesmo. (M5)

Essa preocupação parece ser natural, porque os pais estão à procura de algo que "cure" o filho e, se para conseguir essa cura envolve risco, surge um conflito a ser resolvido, ou seja, vale a pena correr riscos?

Realizar ou não o implante coclear pode ser um período conflituoso para a família. O implante coclear é uma alternativa, a escolha torna-se difícil e gera conflito interno e insegurança na tomada de decisão dos pais, conforme se nota no relato de M8:

Ah, então... que no caso que ele ficou apreensivo e eu também porque toda a pessoa tem um, um, uma porcentagem de audição, mínima que seja... e que após o implante acaba todas as chances de ouvir por meios naturais... porque no caso o implante é um meio totalmente artificial, não é isso? A audição é totalmente artificial... Por exemplo, assim... a cirurgia em si... a anestesia, que vai ser aplicado anestesia geral... do corte que pode afetar aquele nervo facial... isso e assim na mente, eu guardei muita coisa, mas... mas também das, das... é um risco que se corre mas também que pode ter um resultado bom... a gente tem que tá preparado, quer dizer, que se quem resolver arriscar tem que tá preparado pro resultado... Eu assim, porque dá uma angústia... e uma aflição também... porque por mais que a gente queira, que venha a falar, ouvir, a gente fica pensando assim nos riscos, será que vale a pena?

Assim, nota-se que ao mesmo tempo em que as famílias desejam realizar o implante coclear que pode trazer mudanças, existe a possibilidade de se permanecer como está, sem correr riscos. Desse modo, destaca-se a importância da atuação do psicólogo junto à família no momento de lidarem com essa realidade, pois chegam com expectativas altas e informações distorcidas sobre o implante (Yamada & Bevilacqua, 2005).

Alguns pais, ao entrarem em contato com as primeiras informações sobre o implante coclear, referiram o seu desconhecimento de riscos ou restrições que o implante coclear oferece, como o fez M6:

O que eu não sabia era aquele negócio que ela falou do choque... aquela parte lá eu não conhecia não! Do choque, do carro... desses detalhes aí eu não sabia desses detalhes não.

A eletricidade estática e descarga elétrica são fenômenos naturais que ocorrem em diversas situações diárias, como exemplo, levar um choque ao fechar a porta do carro, ao pentear o cabelo seco, retirar uma blusa de lã. Esse fenômeno da descarga eletrostática ocorre devido à existência de eletricidade estática, que se acumula em pessoas ou objetos. No caso de pessoas com o implante coclear, deve-se tomar cuidado com o risco que existe desta descarga eletrostática danificar o processador de fala ou o receptor/ estimulador do componente interno (Costa & cols., 2005).

Ainda em relação ao desconhecimento dos pais, P10 afirma seu desconhecimento sobre o risco de morte e menciona que houve uma morte:

A princípio... ah, o risco de vida que nós não sabíamos. Saber, sabíamos que era uma cirurgia de risco, ma nós sabemos que houve até uma morte... Que é difícil, mas pode acontecer. (P10)

Quando se fala em risco de morte, eleva-se o nível de ansiedade dos pais, podendo ocorrer interpretações errôneas, que é o que parece que aconteceu com P10. Na realidade, a informação passada é de que a cirurgia do implante coclear, como qualquer outra cirurgia, envolve riscos, além daqueles oferecidos pela anestesia geral.

Enfim, o implante coclear em crianças pode ocasionar dificuldades tanto para ela, na adaptação ao uso da unidade externa do implante coclear, quanto para a família, por presenciar uma nova situação que gera angústia e desespero. Os pais tornam-se superprotetores e ansiosos quanto aos resultados do implante, à possibilidade de a criança não aceitar o implante, à fala da criança. Esta é uma fase de readaptação da criança e da família para uma nova realidade (Yamada & Bevilacqua, 2005).

Benefícios do implante coclear

O implante coclear é visto pelos participantes desse estudo como uma forma idealizada de resolução para o problema da surdez e também uma esperança de melhoria na qualidade de vida da criança que será implantada.

Todos os pais entrevistados demonstraram ter muitas expectativas a respeito dos benefícios que o implante coclear poderá gerar na vida de seus filhos. O benefício que mais esperam está relacionado à melhoria da comunicação, já que é nesse aspecto que os pais encontram dificuldade no convívio com os filhos surdos. Melhorar a comunicação significa, para a maioria deles, que o filho possa ouvir e, consequentemente, falar. Como referem:

A comunicação... sem dúvida. Assim que ele possa vir a se comunicar com as outras pessoas porque ele não falando vai ser difícil a comunicação dele. (M1)

Pra mim é um sonho que, não sei, esperei tanto, corri tanto atrás, e não quero desistir. Não vou desistir, pra ele poder ouvir, depois falar é, consequência, mas ouvir pra mim é o principal... que ele tem tanta curiosidade para assistir televisão, e tanta coisa que a gente quer falar pra ele e sabe que ele não tá ouvindo e uma criança que ouve hoje, é até mais gostoso você dar um carinho legal assim, não só o carinho, um contato, entendeu? Então pra mim o principal é que ele possa ouvir... Ele poder ouvir vai ser ótimo! (P2)

A minha primeira expectativa sinceramente é que ela ouça, falar vai ser uma consequência. Que sem ela ouvir, ela não vai falar nunca. Ela ouvindo pra mim, eu já tô satisfeito que pelo menos ela vai começar a compreender tudo que a gente quer transmitir pra ela entendeu? Aí, quer dizer, depois ela passar a falar, acho que é uma outra etapa... Que no nosso ponto de vista só vai ser possível se fizer o implante, sem o implante, ela não vai falar mesmo! (P4)

Nota-se, nos relatos acima, que alguns pais dão ênfase à possibilidade da criança ouvir, mas sempre fica implícito que a expectativa é também na aquisição da linguagem oral, pois parece que para eles é somente assim que os filhos poderão se desenvolver e ter uma boa qualidade de vida.

Yamada e Bevilacqua (2005) mencionam que é muito importante conhecer cada família, sua estrutura e funcionamento, verificar como vivenciam a questão da deficiência auditiva, as expectativas do atendimento da instituição e do implante coclear.

Os pais das crianças, ao buscarem respostas e curas milagrosas, correm os riscos de receber opiniões conflitantes. Portanto, nesse momento, os pais precisam de uma equipe de profissionais competentes e cuidadosos, que legitime e aceite seus sentimentos (Costa & cols., 2000).

Yamada e Bevilacqua (2005) indicam que o implante coclear pode auxiliar na comunicação entre pais e filhos, diminuindo, assim, a ansiedade e insegurança no meio familiar. Para esses autores, o benefício do implante coclear depende também dos objetivos e das possibilidades físicas, emocionais e sociais de cada pessoa, assim como das expectativas familiares.

Expectativa dos pais após o implante coclear

Nas entrevistas realizadas com os pais, buscou-se verificar as expectativas com relação ao futuro de seus filhos.

Alguns pais reforçaram a importância de melhorar a audição, auxiliando nas situações do dia a dia:

Eu acho que melhora, acho que em tudo, eu acho que na vida dele em geral, porque pra sair na rua, por ele não ouvir um barulho de um carro, pode ter um acidente, um atropelamento, porque não ouve, eu vejo, ele sai na rua, às vezes ele quer atravessar a rua e as vezes vem vindo carro, então... e simples coisas assim são importante como ouvir o som de um carro pra atravessar a rua, eu acho que vai mudar em tudo. (M5)

Outros pais dão ênfase à melhoria nos estudos e ao aumento da possibilidade de seus filhos terem uma profissão:

Eu acredito que a comunicação e assim pra tudo na vida dele, vai se tornar mais fácil... Eu acredito que nos estudos dele, vai ser um pouco mais fácil, pra ele tá entrando numa escola, depois numa faculdade, para conseguir um trabalho, pra ele tá trabalhando, acredito que tudo vai ser só benefício pra ele. (M1)

Além da preocupação com os estudos e o trabalho, alguns pais realçam o preconceito que ocorre com a pessoa que não escuta, e, se seus filhos com o implante recuperarem a audição, terão melhores possibilidades no futuro. Como exemplo, temos o relato de P2:

Acho que, futuramente, pelo um país tão cheio de preconceitos, até para ele se empregar, para trabalhar, assim, vai ser um pouco mais fácil, mesmo que ele não fale, mas ele escutando vai poder desenvolver, e espero que com o estudo, com tudo, que ele possa desenvolver o máximo, pra futuramente correr atrás dos benefícios dele.

Ainda em relação à expectativa quanto ao futuro, alguns pais acrescentam a possibilidade de seus filhos, após o implante, poderem crescer e desenvolver normalmente, ou seja, como qualquer outra criança. Eles referem:

E vai melhorar bastante, que ele ficando adulto, vai abrindo as qualidades, as capacidades que ele tiver de desenvolvimento, a gente tá fazendo de tudo para que ele não fique a ver navios aí... que ele tenha um desenvolvimento para crescer. (P2)

Eu tenho uma expectativa boa de que ele possa fazer tudo o que uma pessoa normal faz. (P10)

Na análise das entrevistas, ficou evidente a crença que os pais têm de que o implante coclear poderá trazer melhor qualidade de vida aos seus filhos. Parecem acreditar que o implante poderá facilitar algumas situações na vida de seus filhos, como no estudo, no trabalho, na comunicação e socialização e, principalmente, trazendo a possibilidade deles se desenvolverem e poderem ser como qualquer outra pessoa. É o que confirma uma das mães:

Ah, eu acho que vai ser tudo... que vai mudar, porque ele não se comunica com ninguém, ele não entende o que a gente fala, ele não presta atenção, eu espero que mude muito a vida dele, que ele possa brincar com as outras crianças normalmente. (M7)

O médico e a equipe do implante coclear devem esclarecer às famílias que a cirurgia pode não restaurar a audição normal, mas pode ajudar o paciente a se comunicar com maior facilidade (Oliveira, 2005).

Encontram-se na literatura estudos que indicam que os resultados dos implantes cocleares favorecem a naturalidade de interações que contribuem positivamente para a melhoria do clima familiar. Virole (2003) refere que as reações auditivas da criança implantada dão aos pais o sentimento de que seu filho pertence ao mesmo mundo perceptivo que o deles e que dividem a mesma experiência vital.

A maioria dos pais entrevistados mostrou acreditar que o implante coclear, ao proporcionar a audição a seus filhos, pode torná-los mais independentes e autônomos, conforme os relatos a seguir:

Ah, pra mãe, só a satisfação de ver o filho se desenvolver sem precisar da gente toda hora... ele poder ter a vida dele sem ficar dependendo da gente já é uma grande coisa. (M3)

Ah, que futuramente ele não vai depender tanto de nós... porque sem o implante eu acho que fica dependente a vida toda. Eu acho que sim! (P9)

Analisando a fala desses pais, parece que o fato dos filhos não ouvirem os torna dependentes, como se não tivessem capacidade para conquistar sua independência por causa da falta de comunicação, ficando assim implícito que ocorre uma superproteção por parte desses pais, como uma forma de resguardá-los.

A superproteção é, para alguns pais, sinônimo de amor, mas pode limitar o desempenho da criança e torná-la menos independente e mais lenta no desenvolvimento de habilidades que a levam à autonomia. Os pais que superprotegem seus filhos fornecem atenção e dedicação excessiva, cuidados exagerados e até mesmo sacrifícios financeiros para os cuidados da criança. Isso tudo pode transmitir uma mensagem à criança de que ela não é capaz, fazendo com que ela não aprenda a lidar com a frustração e não desenvolva estratégias para solução de problemas (Demetrio, 2005).

Por outro lado, denota-se a expectativa dos pais de que o implante irá proporcionar aos filhos uma maior independência e autonomia. No entanto, é importante que sejam orientados que o implante coclear será um auxílio para seus filhos ouvirem, mas que além de não restaurar a audição normal, pode não atender a todas as expectativas desses pais. Dessa forma, é imprescindível que as famílias sejam bem informadas para que suas expectativas sobre o implante coclear sejam condizentes com a realidade.

 

Considerações Finais

O presente estudo mostrou como a surdez é vista como uma patologia a ser tratada pelos pais das crianças surdas. A busca pela cura da surdez e, consequentemente, a aquisição da fala esteve presente nos discursos de todos os pais entrevistados.

Para essas famílias, o implante coclear é visto como uma solução não apenas para a surdez de seus filhos, mas como uma possibilidade de terem um futuro melhor, incluindo melhores oportunidades de estudo, trabalho e relacionamentos.

É importante que os profissionais saibam orientar esses pais para outras propostas educacionais e terapêuticas existentes, caso as crianças não possam realizar o implante. E para as que puderem realizar a cirurgia, é preciso que os pais sejam conscientizados de que o fato da criança ouvir não garante necessariamente melhores oportunidades de vida.

Fica evidente a importância de os pais receberem informações sobre a surdez e o implante coclear de forma clara e objetiva para que possam ter expectativas condizentes com a realidade.

Cabe ressaltar a necessidade de a família ser acolhida em um momento difícil e crucial, que envolve ansiedade, angústia e ambivalência por ter que tomar uma decisão na qual o resultado não é totalmente seguro. A família precisa fazer uma opção, ou seja, fazer ou não a cirurgia, e parece que a escolha fica envolta nas concepções que os pais têm da surdez e do quanto conseguiram absorver a respeito do implante coclear.

 

Referências

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1 Este artigo é parte da pesquisa de mestrado do primeiro autor: "Vivências de pais de crianças surdas frente à possibilidade de seus filhos se submeterem ao Implante Coclear", que foi desenvolvida no Curso de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. 
2 Endereço para correspondência: Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Bairro Barão Geraldo. Campinas, SP. CEP 13084-971. Fone: (19) 3521 88 16. Fax: (19) 3521 88 14. E-mail: rdepas@fcm.unicamp.br
3 A letra "M" corresponde à "mãe" e a letra "P", a "pai"; o número indica qual é a mãe ou o pai, dentre os 10 entrevistados.

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