Artigos Científicos

Comportamento de crianças, acompanhantes e auxiliares de enfermagem durante sessão de punção venosa

Isabela Porpino Lemos; Eleonora Arnaud Pereira Ferreira

19 de janeiro de 2015

Psic.: Teor. e Pesq. vol.26 no.3 Brasília jul./set. 2010

 

Comportamento de crianças, acompanhantes e auxiliares de enfermagem durante sessão de punção venosa1

 

Isabela Porpino Lemos; Eleonora Arnaud Pereira Ferreira2

Universidade Federal do Pará

 


RESUMO

Este estudo descreve o repertório comportamental de 14 crianças com diagnóstico de câncer, com idade entre 4 e 12 anos, durante um procedimento de punção venosa para quimioterapia, assim como o de seus acompanhantes e auxiliares de enfermagem. A coleta de dados foi realizada mediante observação direta com auxílio da Observation Scale of Behavior Distress. Foram utilizados três sistemas de categorias de comportamento (para as crianças, os acompanhantes e os auxiliares de enfermagem). Não foram observadas diferenças significativas entre comportamentos concorrentes e não concorrentes de crianças pré-escolares e escolares. Observou-se maior variabilidade comportamental entre acompanhantes de pré-escolares e maior frequência de comportamentos verbais dirigidos a escolares em auxiliares de enfermagem. Discute-se a necessidade da preparação psicológica para procedimentos invasivos em oncologia pediátrica.

Palavras-chave: crianças; quimioterapia; acompanhantes; auxiliares de enfermagem; Observation Scale of Behavior Distress.


ABSTRACT

This study describes the behavioral repertoire of fourteen children, aged 4-12 years old, with cancer diagnoses, during a venepuncture procedure for chemotherapy, and of their caregivers and nursing assistants. Data collection was accomplished through direct observation with the use of the Observation Scale of Behavior Distress. Three systems of behavior categories were used (for children, caregivers and nursing assistants). There were no significant differences between concurrent and non-concurrent behaviors of preschool and school children. There was greater behavioral variability among caregivers of pre-school children and higher frequency of verbal behaviors directed to school children among nursing assistants. It is discussed the need of psychological preparation for invasive procedures in pediatric oncology.

Keywords: children; chemotherapy; caregivers; nursing assistants; Observation Scale of Behavior Distress.


 

 

Segundo a Organização Mndial de Saúde (World Health Organization - WHO, 1993), procedimentos invasivos são técnicas operativas ou diagnósticas que utilizam instrumentos capazes de penetrar os tecidos ou invadir algum orifício do corpo. Tais procedimentos estão associados a experiências de dor e de ansiedade, em função de implicarem expectativa de sofrimento físico e perda de controle da situação (Cohen, 2008; Costa Jr., 2001; Kennedy, Luhmann & Zempsky, 2008). Dentre os procedimentos invasivos, a punção venosa para a realização de quimioterapia está associada a uma série de consequências de caráter aversivo, como sensações de dor no local onde é introduzida a agulha e administrado o medicamento, bem como a ocorrência de efeitos colaterais do tratamento. No caso de crianças, é frequente que a experiência prolongada com esse procedimento leve ao desenvolvimento de reações comportamentais e fisiológicas condicionadas de dor e/ou ansiedade, como chorar, gritar, expressar a dor verbalmente, exibir tensão muscular e resistência física, as quais são denominadas de estresse comportamental (Costa Jr., 2001, 2005; Frank, Blount, Smith, Manimala & Martin, 1995).

Cline e cols. (2006) assinalam que comportamentos de estresse da criança em situações potencialmente aversivas podem estar associados a comportamentos emitidos pelos pais e por profissionais de saúde durante o procedimento invasivo, como pedido de desculpas, fornecimento de controle, críticas ao comportamento da criança, ameaças de punição e comentários de tranquilização. Da mesma forma, os adultos também podem atuar como agentes importantes na ampliação de comportamentos de colaboração do paciente pediátrico, ajudando-o a desviar a atenção da situação de dor e a participar de forma mais ativa no tratamento (Mahoney, Ayres & Seddon, 2010; Pederson, 1996).

A literatura aponta também que crianças de diferentes faixas etárias reagem de forma diferenciada aos eventos ambientais presentes no tratamento, com crianças pré-escolares apresentando reações de estresse comportamental mais intenso, enquanto crianças escolares exibiriam maior grau de autocontrole em função de possuírem habilidades verbais e cognitivas mais desenvolvidas do que as primeiras (Blount, Sturges & Powers, 1990; Blount & cols., 2009; Dahlquist, Pendley, Landthrip, Jones & Steuber, 2002).

Atualmente, principalmente em função da preocupação com o bem-estar de crianças submetidas a procedimentos de caráter aversivo e do avanço de pesquisas na área de manejo da dor pediátrica, há uma grande disponibilidade de recursos tecnológicos destinados ao manejo de comportamentos da criança em situação de quimioterapia (Mahoney & cols., 2010; Young, 2005). No entanto, para que os mesmos sejam adequados à singularidade comportamental de cada paciente, faz-se necessário avaliar previamente as variáveis das quais o comportamento da criança é função (Broering & Crepaldi, 2008), focalizando-se também o comportamento de acompanhantes e de profissionais.

Considerando-se, portanto, a necessidade de esclarecimentos sobre as variáveis presentes no ambiente de cuidados ofertados ao paciente de oncologia pediátrica, realizou-se um estudo que se propôs a caracterizar o repertório comportamental apresentado por crianças com diagnóstico de câncer, assim como por seus acompanhantes e auxiliares de enfermagem durante procedimento de punção venosa para administração de quimioterapia em ambulatório.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 14 crianças com diagnóstico de câncer que estavam realizando quimioterapia há menos de um ano no ambulatório de um hospital considerado como referência no tratamento de doenças crônico-degenerativas, na cidade de Belém-PA. As crianças foram divididas em dois grupos: (1) pré-escolares, composto por sete crianças de 4 a 6 anos, e (2) escolares, composto por sete crianças de 7 a 12 anos. Também fizeram parte da amostra os respectivos acompanhantes e auxiliares de enfermagem de cada uma das crianças selecionadas.

A maioria das crianças era do gênero masculino (n=10). Quanto ao diagnóstico, metade da amostra (n=7) possuía Leucemia Linfoblástica Aguda. Em relação ao tempo de tratamento, houve predominância de crianças pré-escolares com tempo de tratamento de três a quatro meses (n=3) e crianças escolares com tempo de tratamento superior a seis meses (n=3).

Em mais da metade da amostra o acompanhante era a mãe da criança (n=10). Quanto ao nível de escolaridade, a metade dos acompanhantes (n=7) não havia concluído o Ensino Fundamental. O local de procedência ou moradia da maioria dos acompanhantes (n=12) era o interior do estado do Pará (PA). Todos os auxiliares de enfermagem eram do sexo feminino e trabalhavam no setor de quimioterapia do hospital há mais de quatro anos.

Instrumentos

(1) Observation Scale of Behavior Distress (OSBD). Essa escala foi originalmente elaborada por Jay, Ozolins, Elliott e Cadwell (1983). Para esse estudo foi utilizada uma adaptação feita por Borges (1999) e Costa Jr. (2001), a qual contém categorias morfológicas de comportamento, definidas operacionalmente, que abrangem respostas verbais, vocais e motoras da criança, indicativas do sofrimento experimentado por ela em situações de procedimentos médicos invasivos. O registro das categorias contidas na OSBD é feito a cada intervalo de 15 segundos, em um sistema de amostragem de tempo, onde cada categoria é registrada como presente ou ausente.

(2) Roteiro de Entrevista com o Acompanhante. Esse roteiro continha questões sobre características sociodemográficas, história anterior de hospitalização da criança e experiência atual e anterior da criança com procedimentos invasivos.

Procedimento

Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê deÉtica em Pesquisa com Seres Humanos (Parecer 057/ICS-UFPA/2006), a coleta de dados foi realizada de acordo com as seguintes etapas:

(1) Entrevista de contrato com acompanhante e auxiliar de enfermagem mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

(2) Observação direta do comportamento da tríade criança-acompanhante-auxiliar de enfermagem durante uma sessão de punção venosa para quimioterapia em ambulatório, realizada por uma única observadora previamente treinada no procedimento. Foi adotada como técnica de observação o registro contínuo, ditado em gravador de áudio, utilizando-se como referência as categorias sugeridas na OSBD; e

(3) Entrevista com o acompanhante, realizada em ambiente extra-hospitalar (domicílio ou casa de apoio), com intervalo de uma semana após a sessão de observação direta, mediante a utilização do roteiro de entrevista estruturado.

Análise de dados

Para a realização das análises estatísticas dos dados foram utilizados os softwares Minitab 15 e o SPSS 16.

Quanto aos dados obtidos por meio de observação direta, foram utilizados três sistemas de categorias de análise: (1) comportamento das crianças, (2) comportamento dos acompanhantes, e (3) comportamento dos auxiliares de enfermagem. A fidedignidade foi avaliada mediante o teste de concordância entre dois juízes, a partir da observação de 30% do total de registros. Obteve-se um índice de concordância de 84,25% para as categorias comportamentais das crianças, de 74,24% para as categorias dos acompanhantes e 75% para as categorias dos auxiliares de enfermagem.

As categorias comportamentais apresentadas pela criança, adaptadas da OSBD a partir dos estudos de Borges (1999) e de Costa Jr. (2001), foram divididas em duas classes: (1) comportamentos não-concorrentes, definidos como comportamentos que facilitam ou que não criam obstáculos à realização do procedimento invasivo; e (2) comportamentos concorrentes, definidos como aqueles comportamentos que, de alguma forma, dificultam, atrasam e/ou impedem a realização do procedimento invasivo por parte do profissional de saúde. Tais categorias estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2.

As categorias comportamentais dos acompanhantes, elaboradas a partir de uma adaptação das categorias observadas no estudo de Borges (1999) e Costa Jr. (2001), foram divididas em oito classes: (1) Verbalização referente ao procedimento invasivo, incluindo a descrição do que seria feito pelo auxiliar de enfermagem; (2) Atenção, incluindo comportamentos referentes ao foco de atenção apresentado pelo acompanhante durante o procedimento invasivo; (3) Tranquilização, contendo comportamentos verbais com o propósito de controlar as reações emocionais e comportamentais de estresse da criança; (4) Colaboração, reunindo comportamentos motores destinados a ajudar o auxiliar de enfermagem na realização do procedimento invasivo na criança; (5) Conforto, incluindo comportamentos motores destinados a fornecer apoio emocional à criança; (6) Distração, incluindo comportamentos motores ou verbais destinados a desviar a atenção da criança dos estímulos relacionados ao procedimento invasivo, direcionando-a para estímulos agradáveis; (7) Bloqueio, reunindo comportamentos motores que tentam impedir que a criança focalize a sua atenção para o local do corpo que está sendo manipulado; e (8) Repreensão, incluindo comportamentos verbais que visam chamar a atenção da criança para aspectos negativos do seu comportamento, apontando de modo geral a insatisfação do acompanhante com o comportamento de não colaboração emitido pela criança (Tabela 3).

As categorias comportamentais do auxiliar de enfermagem, elaboradas a partir de uma adaptação das categorias comportamentais observadas no estudo de Costa Jr. (2001), foram distribuídas em (1) comportamentos verbais e (2) comportamentos motores. A primeira classe inclui os comportamentos verbais do auxiliar de enfermagem direcionados à criança e ao acompanhante, na forma afirmativa, interrogativa ou imperativa, e cujo conteúdo variava desde um simples cumprimento dirigido à criança até instruções sobre o comportamento da criança ou sobre o procedimento a ser executado. A segunda classe abrange 17 categorias que estão relacionadas à preparação, execução ou conclusão do procedimento médico invasivo propriamente dito (Tabela 4).

 

Resultados

Comportamentos observados nas crianças

Figura 1 apresenta a distribuição dos comportamentos não-concorrentes e concorrentes observados nas crianças pré-escolares e escolares.

 

 

Em relação aos comportamentos não-concorrentes, as informações presentes na Figura 1 indicam que, predominantemente, as crianças permaneciam olhando na direção do local do corpo (OL) em que o procedimento invasivo era realizado, seguido de comportamentos que sinalizavam presença de dor (SD). As categorias Aceitar (AT) e Explorar Ambiente (EXP) foram mais frequentes entre as crianças pré-escolares, enquanto as categorias Responder Verbalmente (RV) e Sinalizar Dor (SD) foram as mais frequentes entre as crianças escolares. Em relação aos comportamentos concorrentes, observa-se que Protestar (PR) foi mais frequente nas crianças escolares do que nas pré-escolares, e que o comportamento Choramingar (CM) foi mais observado nas crianças pré-escolares do que nas escolares.

Com o objetivo de avaliar se essas diferenças observadas entre os dois grupos eram estatisticamente significativas, foi utilizado o teste estatístico de contingência C. O resultado apontou um p-valor de 0,1065, sugerindo não haver diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de crianças quanto aos comportamentos observados.

Comportamentos observados nos acompanhantes

Figura 2 apresenta as categorias comportamentais observadas nos acompanhantes de crianças pré-escolares e de crianças escolares.

 

 

As informações presentes na Figura 2 indicam que os acompanhantes de crianças pré-escolares apresentaram maior variabilidade comportamental do que os acompanhantes de crianças escolares. Algumas categorias comportamentais incluídas na classe Tranquilização, como Informar (IN) e Negar (NE), só foram observadas entre os acompanhantes de crianças pré-escolares. Da mesma forma, a maioria das categorias da classe Conforto só ocorreu entre os acompanhantes de crianças pré-escolares, como Acariciar (AC), Abraçar (AB) e Beijar (BE). Destaca-se que todos os acompanhantes do grupo de pré-escolares interagiram com a criança ao longo do procedimento invasivo. Em relação aos acompanhantes de crianças escolares, três deles chegaram a não interagir com a criança durante o procedimento invasivo.

Comportamentos observados nos auxiliares de enfermagem

Figura 3 apresenta a frequência das categorias comportamentais observadas no auxiliar de enfermagem e dirigidas às crianças pré-escolares e escolares.

 

 

A visualização da Figura 3 indica que Falar (FA) foi a categoria mais frequentemente observada no repertório comportamental verbal dos auxiliares de enfermagem, principalmente quando dirigida às crianças escolares. Ressalta-se, também, que no caso das crianças pré-escolares, o auxiliar de enfermagem realizou somente uma punção venosa até concluir o procedimento, enquanto em dois pacientes escolares foram realizadas até três punções venosas para que o procedimento invasivo fosse finalizado.

Análise dos comportamentos mais frequentemente observados na interação da tríade

Para a análise da relação entre os comportamentos observados na interação da tríade, selecionaram-se os comportamentos concorrentes e não-concorrentes mais frequentemente observados nas crianças pré-escolares e escolares. Em seguida, identificaram-se quais os comportamentos antecedentes e consequentes àqueles relacionados e mais frequentemente emitidos pelos acompanhantes e auxiliares de enfermagem. Por fim, identificaram-se os comportamentos que eram emitidos pelas crianças após a interação. A Tabela 5 apresenta essa relação.

Os comportamentos concorrentes mais frequentes foram Protestar (PR), observados em crianças escolares, e Choramingar (CM), em crianças pré-escolares, os quais se mostraram relacionados a comportamentos antecedentes que envolviam a manipulação da criança pelo auxiliar de enfermagem ou à realização do procedimento invasivo em si, bem como a comportamentos do acompanhante de Pedir Calma (PC), Falar (FA) e Segurar Criança (SC), das classes Tranquilização, Verbalização e Colaboração.

Os comportamentos dos acompanhantes e auxiliares de enfermagem consequentes aos comportamentos Protestar (PR) e Choramingar (CM) estavam relacionados a comportamentos pertencentes às classes Tranquilização [Pedir Calma (PC), Informar (IN) e Explicar (EX)] e Colaboração [Segurar Criança (SC)] emitidos pelos acompanhantes, e a comportamentos verbais emitidos pelos auxiliares de enfermagem.

Os comportamentos não-concorrentes mais frequentemente observados nas crianças pré-escolares e escolares foram Explorar Ambiente (EXP), Olhar Local (OL) e Sinalizar Dor (SD). O comportamento Explorar Ambiente (EXP) era antecedido pelo comportamento Falar (FA) do auxiliar de enfermagem e, também, por verbalizações do acompanhante dirigidas à criança e ao auxiliar de enfermagem, sobre temas relacionados ou não ao procedimento invasivo. O comportamento Explorar Ambiente (EXP) era emitido pela criança nas fases iniciais do procedimento invasivo, antes de o auxiliar iniciar a manipulação da criança para executar a punção venosa ou, então, antes da execução do procedimento invasivo. Esse comportamento era seguido pelo comportamento de Explorar Ambiente (EXP) emitido pelo acompanhante (pertencente à classe Atenção) e pela manipulação da criança pelo auxiliar de enfermagem.

Em relação aos comportamentos Olhar Local (OL) e Sinalizar Dor (SD), referentes ao foco de atenção da criança e à expressão de sofrimento físico, respectivamente, ambos ocorriam durante o momento em que ela era manipulada pelo auxiliar de enfermagem ou quando o mesmo tentava introduzir a agulha na veia da criança. Após a emissão do comportamento Olhar Local (OL) pela criança, o auxiliar de enfermagem dava continuidade à punção venosa, enquanto o acompanhante dirigia à criança e ao auxiliar comentários sobre assuntos relacionados ao procedimento invasivo ou ao tratamento da criança. Quanto aos comportamentos que seguiam o comportamento Sinalizar Dor (SD) pela criança, observam-se comportamentos do acompanhante de Pedir Calma (PC), Falar (FA), Segurar Criança (SC) (das classes Tranquilização, Verbalização e Colaboração, respectivamente), bem como verbalizações do auxiliar de enfermagem, como perguntas ou tentativas de tranquilizar o paciente.

Em todos os casos, observou-se que a criança, quer pré-escolar ou escolar, permaneceu predominantemente emitindo comportamentos Protestar (PR), Choramingar (CM) e Sinalizar Dor (SD), em continuidade à interação estabelecida com o acompanhante e o auxiliar de enfermagem.

 

Discussão

Os resultados encontrados nesta pesquisa não confirmam estudos que sugerem que crianças pré-escolares apresentam maior nível de estresse comportamental em procedimentos invasivos do que crianças escolares (Blount & cols., 2009; Dahlquist & cols., 2002), já que a análise estatística dos dados não mostrou diferença significativa nos comportamentos concorrentes e não-concorrentes observados entre as crianças dos dois grupos. Destaca-se, no presente estudo, que a frequência de comportamentos concorrentes considerados como típicos de crianças pré-escolares, como chorar, gritar e comportar-se de "modo nervoso", não diferiu entre os dois grupos.

Dessa forma, a análise da ocorrência dos comportamentos concorrentes e não-concorrentes apresentados pelas crianças participantes da presente pesquisa parece corresponder à afirmação de Costa Jr. (2005) de que a idade da criança não é uma variável suficiente para explicar a variabilidade de desempenho comportamental observada em procedimentos invasivos, podendo ser considerada mais como um dado descritivo.

Outras variáveis contextuais das quais o comportamento de pacientes pré-escolares e escolares são função poderiam explicar as diferentes reações comportamentais apresentadas por eles durante o procedimento invasivo de punção venosa. Costa Jr. (2005) e Young (2005) sugerem: (a) variáveis biológicas, incluindo condições orgânicas do paciente no momento em que o procedimento é realizado; (b) variáveis psicológicas, tais como variações diárias do estado emocional; (c) variáveis históricas, identificadas, principalmente, pelas experiências anteriores do paciente com procedimentos médicos invasivos e pela aprendizagem familiar e social de comportamentos de dor; (d) variáveis sociais, como interações que a criança estabelece com outras pessoas dentro e fora do contexto hospitalar; e (e) variáveis situacionais, como as configurações de estímulos presentes na sala onde é conduzido o procedimento invasivo.

Em relação aos comportamentos apresentados pelos acompanhantes, os resultados da presente pesquisa também diferem dos apresentados por outros estudos, como o de Borges (1999), cujos registros observacionais dos comportamentos dos acompanhantes de crianças entre 0 e 3 anos apontam para uma alta frequência de comportamentos pertencentes às classes Conforto, Tranquilização e Colaboração. Na presente pesquisa, os comportamentos mais observados entre os acompanhantes pertenciam às classes Verbalizações, Atenção e Colaboração. Essas diferenças talvez sejam, em parte, explicadas pela diferença de idade dos pacientes dos dois estudos, pelas características do próprio contexto onde eram realizados os procedimentos e pela natureza dos procedimentos médicos invasivos aos quais os participantes das duas pesquisas foram submetidos.

Destaca-se, na presente pesquisa, a maior variabilidade comportamental observada entre os acompanhantes de crianças pré-escolares quando comparados aos acompanhantes do grupo de escolares. Entretanto, a maior frequência de comportamentos das classes Tranquilização e Conforto, observada entre os primeiros, não deve ser somente atribuída à variável idade da criança, pois possivelmente existem variáveis individuais e contextuais que podem explicar essa diferença, mas que não foram identificadas por este estudo.

Um dado relevante do presente estudo e confirmado na literatura (Costa Jr, 2001; Frank & cols., 1995) diz respeito ao elevado número de verbalizações que os auxiliares de enfermagem dirigiram à criança durante o procedimento invasivo. Autores como Blount e cols. (1990) destacam que as verbalizações que o auxiliar de enfermagem dirige ao paciente podem ajudá-lo a desviar a atenção da situação aversiva, ou, então, a instalar comportamentos de enfrentamento ativo durante a execução do procedimento invasivo. É possível que as interações sociais que o auxiliar de enfermagem estabeleceu com as crianças participantes do presente estudo sejam um dos fatores que contribuíram para a não ocorrência de comportamentos concorrentes tipicamente observados em crianças durante procedimentos invasivos, como agredir fisicamente, fugir e movimentar-se até a imobilização, conforme sugerido por Frank e cols. (1995).

Considerando a influência exercida pelos auxiliares de enfermagem no comportamento de crianças expostas a procedimentos médicos invasivos, ressalta-se a importância de que serviços de oncologia pediátrica desenvolvam programas de intervenção com esses profissionais, treinando-os em técnicas psicológicas de manejo da dor e da ansiedade.

Um elemento indispensável no planejamento de intervenções mais sistemáticas, cujo objetivo é preparar pacientes pediátricos para procedimentos médicos invasivos no tratamento do câncer, consiste na análise do comportamento dos pacientes em função dos eventos ambientais presentes no contexto de procedimento invasivo (Costa Jr., 2001). No presente estudo, por exemplo, a análise dos comportamentos emitidos durante interação da tríade permitiu identificar quais comportamentos apresentados pelos acompanhantes e auxiliares de enfermagem estavam relacionados à ocorrência e à manutenção dos comportamentos concorrentes e não-concorrentes mais frequentes no repertório comportamental dos pacientes pediátricos, confirmando sugestões de Cline e cols. (2006) e de Mahoney e cols. (2010).

Considerando-se que os resultados do presente estudo apontam para uma influência mútua entre paciente, acompanhante e auxiliar de enfermagem durante o procedimento invasivo de punção venosa para a administração de quimioterapia em ambulatório, sugere-se a realização de pesquisas futuras que focalizem os seguintes aspectos: (a) efeitos do treinamento do acompanhante e do auxiliar de enfermagem em técnicas comportamentais de manejo da dor e da ansiedade sobre o repertório apresentado pelo paciente pediátrico durante o procedimento invasivo de punção venosa para a administração de quimioterapia; e (b) refinamento das categorias de análise de comportamentos da criança, do acompanhante e do auxiliar de enfermagem utilizadas no presente estudo.

 

Referências

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1 Trabalho parcialmente financiado pela CAPES por meio de bolsa de mestrado para a primeira autora. 
2 Endereço para correspondência: Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará, Rua Augusto Corrêa, 1, Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto, Guamá. Belém, PA. CEP 66075-110. Fone: (91) 3201.85.36. Email:eleonora@ufpa.br.

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