Luzia Iara Pfeifer; Yara Dias Martins; Jair Lício Ferreira Santos
19 de janeiro de 2015
A influência socioeconômica e de gênero no lazer de adolescentes1
Luzia Iara Pfeifer; Yara Dias Martins2; Jair Lício Ferreira Santos
Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto)
RESUMO
Este trabalho investigou a influência socioeconômica e de gênero no lazer de adolescentes. Participaram desta pesquisa 74 adolescentes, estudantes de uma escola pública e outra privada de um município do interior do estado de São Paulo. Os resultados demonstraram que não há diferenças significativas quando analisadas as atividades de lazer em relação à classe socioeconômica. Porém, quando analisadas quanto ao gênero, as atividades de lazer das moças de diferentes classes socioeconômicas apresentam diferenças significativas. Concluiu-se que os diferentes papéis sociais e ocupacionais atribuídos aos adolescentes, juntamente com o contexto socioeconômico e de gênero ao qual pertencem exercem pouca influência nas escolhas de atividades de lazer.
Palavras-chave: lazer; adolescentes; gênero.
ABSTRACT
This study investigated socioeconomic and gender influences upon adolescents'leisure. Seventy four adolescents from a public and a private school located in a city in the interior of São Paulo State participated in this research. The results demonstrated that there are no significant differences when leisure activities are analyzed in relation to socioeconomic status. However, when analyzed in relation to gender, leisure activities of girls from different socioeconomic classes present significant differences. It was concluded that different social and occupational roles attributed to adolescents, along with their socioeconomic and gender context have only a slight influence upon choices of leisure activities.
Keywords: leisure; adolescents; gender.
A adolescência é uma fase que se inicia na puberdade e termina na idade adulta (Lobel, Nov-Krispin, Schiller, Lobel& Feldman, 2004). É um fenômeno social modelado por forças do desenvolvimento e pelos contextos socioculturais, sendo que as mudanças fisiológicas, os interesses sexuais emergentes, os novos papéis sociais, as mudanças de atitude frente aos adultos e destes frente aos adolescentes encaminham para uma redefinição e reavaliação pessoal, traduzindo o processo de formação de identidade dos jovens (Günther, Nepomuneno, Spehar & Günther, 2003). Em consequência disso, é um período no qual as escolhas sobre o uso do tempo podem fornecer importantes experiências de desenvolvimento que, por sua vez, afetam a transição para papéis adultos (Zick, 2010).
Para a maioria dos adolescentes é bastante relevante a conformidade social, sendo de grande importância a aceitação e aprovação por seus pares (Lobel & cols., 2004), tendo estes grande influência nas escolhas (tomada de decisões) dos jovens.
Diariamente as pessoas têm que tomar diversas decisões, tais como: a que horas vai se levantar, o que vai vestir, que tarefas vai realizar na escola ou no trabalho e o que vai fazer nas horas livres (lazer). Apesar dessas atividades diferirem em relação ao conteúdo e importância, o processo de escolha compartilha uma estrutura comum: dentre um rol de opções, o sujeito escolhe a que faz mais sentido para alcançar o seu objetivo (Byrnes, 2002). Todas essas atividades ocupam o tempo das pessoas, sendo aquelas significativas para elas denominadas de ocupação (Neistadt & Crepeau, 2002). A ocupação é compreendida como atividades diárias que refletem valores culturais e fornecem estrutura e significado à vida da pessoa, e fazem parte das necessidades humanas de autocuidado, satisfação e participação na sociedade, destacando-se aqui o lazer (AOTA, 2008).
O lazer pode ser compreendido como um conjunto de atividades às quais a pessoa pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para ampliar sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua criatividade, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (Dumazedier, 2004). É um domínio importante na vida dos adolescentes, sendo que nas sociedades ocidentais, os jovens da atualidade gastam cerca de 40% do seu tempo com atividades desse tipo (Athenstaedt, Mikula & Bredt, 2009). De fato, ao longo das últimas décadas, os adolescentes têm reduzido substancialmente o seu tempo de trabalho remunerado e aumentado o tempo que gastam com lazer (Zick, 2010).
Segundo a definição proposta pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, o lazer faz parte de ações desenvolvidas no âmbito das "atividades e participação" e incluem ações envolvendo jogos, desportos informais ou organizados, exercícios físicos, relaxamento, diversão, visita a galerias de artes, museus, cinemas ou teatro, participação em trabalhos artesanais, ocupação em passatempos, leitura, uso de instrumentos musicais, realização de excursões, turismo e viagens, enfim, atividades realizadas de forma prazerosa (OMS, 2003).
Juventude e lazer são categorias que vêm se construindo de forma equivalente nas últimas décadas, impregnadas pela indústria cultural e de consumo, desencadeando novas formas de ocupação do tempo livre (Barral, 2006). Os adolescentes, por estarem em processos de formação de identidade, encontram nos grupos e nos "modelos" disponibilizados pela mídia, formas para moldarem suas atitudes e pensamentos (Santos & Silva, 2008).
É importante considerar que existem alguns contextos que podem não favorecer o lazer, limitando dessa forma a capacidade de exploração, a emergência de comportamentos, a autoestima e o convívio social (Primeau & Parham, 2002). Dentre esses contextos, pode-se destacar o cultural, que envolve as tradições, crenças, padrões de atividades e expectativas aceitas pela sociedade à qual o sujeito pertence; e o pessoal, que inclui idade, gênero, posição socioeconômica e educacional (AOTA, 2008).
A terminologia "gênero" tem sido cada vez mais utilizada como referência a qualquer construção social que procure distinguir masculino do feminino (Nicholson, 1999). Assim, ao se considerar a perspectiva de gênero, no presente estudo, busca-se enfatizar os aspectos relacionais e culturais como referência a qualquer construção social que tenha relação ao masculino/feminino, sem se restringir ao modelo tradicional de divisão de sexos (homens/mulheres), o qual refere-se ao determinismo biológico evocado pela diferença sexual (Borges, 2007; Sarriera, Tatim, Coelho & Büsker, 2007). Assim, gênero é compreendido pelo modo como a sociedade classifica e atribui valores e normas às diferenças e hierarquias sexuais, delimitando, dessa forma, o que seriam os papéis masculinos e femininos (Borges, 2007).
Sendo o lazer um conjunto de atividades que possibilitam o desenvolvimento do adolescente por meio da construção de novas relações, de trocas de experiências, descoberta de novas vivências, busca e construção da identidade do sujeito, este trabalho tem como objetivo investigar se existem diferenças no lazer dos adolescentes considerando a classe socioeconômica e gênero ao qual pertencem.
Método
Participantes
Setenta e quatro adolescentes, rapazes e moças, em uma faixa etária entre 14 e 18 anos, que estavam matriculados no 1º ano do Ensino Médio, foram distribuídos em dois grupos: Grupo A, composto por 37 adolescentes (18 rapazes e 19 moças), matriculados em uma escola pública situada em um bairro onde predomina um baixo nível socioeconômico; Grupo B, composto por 37 adolescentes (12 rapazes e 25 moças), matriculados em uma escola privada, localizada em um bairro onde predomina um alto nível socioeconômico. É importante destacar que os participantes foram separados em subgrupos dos gêneros femininos e masculinos, os quais foram escolhidos pelos próprios respondentes.
Local
O trabalho foi realizado em duas escolas diferentes de um município de médio porte do interior de São Paulo, sendo uma delas privada (particular) e a outra pública (estadual). Vale ressaltar que, anteriormente à pesquisa, foi realizada uma análise buscando bairros que concentrassem escolas nas condições planejadas (particular e privada) e que pudessem apresentar diferenças quanto à classe socioeconômica dos alunos.
Instrumentos
Foi elaborado um questionário composto por sete questões, as quais envolviam a identificação dos adolescentes, as atividades de lazer e os locais onde estas ocorriam. Organizou-se o referido questionário com base na literatura sobre lazer de adolescentes, assim como na CIF. Para verificar a aplicabilidade e compreensão das questões e alternativas, foi realizado um pré-teste em que seis jovens (rapazes e moças), com as mesmas condições de idade e escolaridade dos que participariam da pesquisa, responderam ao questionário e apontaram as dúvidas, além de sugerir mudanças quanto à linguagem/terminologia, o que muito contribuiu para a versão final, mais adequada, do questionário.
No presente artigo foi analisada apenas a questão relacionada ao grau de importância dada às atividades de lazer. Nessa questão existiam 27 opções de atividades de lazer que contemplavam interesses físicos, manuais, intelectuais, artísticos, culturais e turísticos, de acordo com citações de autores que fazem parte da revisão bibliográfica deste estudo. As atividades apresentadas nessa questão deveriam ser classificadas de acordo com a importância e interesse atribuídos pelo adolescente. Havia, dessa forma, as seguintes opções de classificação para cada atividade: muito importante, importante ou sem importância. O adolescente apenas marcava a classificação que melhor correspondia à sua visão diante de cada atividade apresentada.
Procedimento
De início, identificaram-se as escolas que correspondiam aos pré-requisitos, efetuando-se, logo em seguida, o convite aos respectivos diretores. Só após a permissão para a realização da pesquisa no espaço escolar é que os alunos foram informados sobre o teor da mesma e convidados a participar. Diante da manifestação de interesse por parte dos adolescentes, foi-lhes entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para obtenção da autorização formal junto aos pais ou responsáveis legais.
Após essa etapa, foi iniciada a coleta de dados. Um dos pesquisadores agendou o dia e horário da aplicação do questionário, o que foi feito de modo a não interromper a rotina escolar. A coleta, realizada pela segunda autora deste trabalho, ocorreu na própria sala de aula dos participantes, sendo o questionário aplicado a todos os adolescentes em conjunto, os quais foram instruídos a não interagirem entre si durante a execução da tarefa. O tempo médio para responder ao questionário foi de 45 minutos.
Análise de dados
No contexto do questionário, as atividades foram dispostas de forma aleatória; entretanto, para a análise, foram reunidas nas seguintes categorias: (a) atividades de lazer culturais, (b) atividades de lazer de vida diária, (c) atividades de lazer de participação social e (d) atividades de lazer físicas. Na categoria das atividades de lazer culturais foram apresentadas as seguintes alternativas: pintar, desenhar, escrever; assistir à televisão e a filmes; ouvir música; tocar um instrumento musical; utilizar a internet para pesquisas pessoais; ler um livro ou revista; assistir a peças de teatro e/ou visitar museus; ir a eventos culturais; ir ao cinema. A categoria das atividades de lazer de vida diária continha as seguintes alternativas: arrumar o cabelo e/ou roupas; cuidar de animais e/ou plantas; arrumar a casa ou quarto; comprar roupas e/ou CD's em lojas. A categoria das atividades de lazer sociais continha as seguintes opções: conversar com parentes e/ou amigos; utilizar a internet para salas de bate-papo,Orkut, e-mail; ir a festas, bares e lanchonetes; participar de jogos com os amigos na rua; paquerar, namorar, ficar; promover comemorações para os amigos ou para a comunidade; ir a cultos religiosos. A última categoria, das atividades de lazer físicas, incluía as seguintes alternativas: passear (fora da cidade, no shopping, parque, praia); praticar esportes e/ou ginástica (futebol, outros); caminhar (pela rua, praça); andar de bicicleta, patins; jogar bola (futebol, vôlei) no campinho; ensaiar danças ou músicas.
Os dados foram analisados quanto à frequência das respostas e quanto à significância entre as diferentes classes socioeconômicas e gênero. Para análise estatística foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparar os escores de dois grupos independentes, sendo consideradas estatisticamente significativa as diferenças que apresentassem p<0,1 (Siegel & Castellan, 2006).
Resultados
Os resultados serão apresentados a partir das categorias de atividades de lazer, seguidos da análise estatística entre as classes socioeconômicas e entre os gêneros.
Quanto às atividades de lazer culturais, foi considerada como sendo muito importante, por 54% dos participantes da escola A (14 moças e 8 rapazes), a atividade de "ouvir música", e por 54% dos participantes da escola B (15 moças e 7 rapazes), a atividade de "ler um livro ou revista".
Foi considerada como importante, por 62% dos participantes da escola A (11 moças e 12 rapazes), a atividade de "pintar/desenhar/escrever". Essa mesma atividade foi citada por 56,7% dos participantes da escola B (12 moças e 9 rapazes), sendo que a mesma porcentagem de participantes citou "assistir à televisão e filmes" (17 moças e 4 rapazes). Outra atividade bastante destacada pelo gênero feminino foi "participar de eventos culturais" (17 da escola A e 10 da escola B) e "assistir a peças de teatro e/ou visitar museus" (10 da escola A e 12 da escola B).
Foi classificada como sem importância a atividade de "tocar um instrumento musical" por 43,2% dos participantes da escola A (9 moças e 7 rapazes) e 51,3% dos participantes da escola B (13 moças e 6 rapazes).
Entre as atividades de lazer de vida diária, a de "arrumar cabelos e roupas" foi considerada como muito importante por 45,9% dos participantes da escola A (11 moças e 6 rapazes) e 35% dos participantes da escola B (13 moças e nenhum rapaz).
Foram consideradas como importantes, por 62,1% dos participantes da escola B, as atividades de "cuidar de animais e plantas" (17 moças e 6 rapazes) e "arrumar a casa ou o quarto" (15 moças e 8 rapazes), atividade esta também destacadapor62,1%dos participantes da escola A (12moças e 11 rapazes).
"Comprar roupas e CD's" foi considerado como sem importância para 43,2% dos participantes da escola B (8 moças e 8 rapazes) e 27,9% dos participantes da escola A (4 moças e 7 rapazes) não consideraram importante "cuidar de animais e/ou plantas" como parte de seu lazer.
Quanto às atividades de lazer social, foi considerada como muito importante, por 81% dos participantes da escola B (20 moças e 10 rapazes), a atividade de "conversar com parentes e/ou amigos"; por outro lado, 64,8% dos participantes da escola A (12 moças e 12 rapazes) citaram "paquerar, namorar e/ou ficar".
Considerou-se como importante a atividade de "promover comemorações para os amigos ou para a comunidade", a qual foi citada por 62,1% dos participantes da escola A (13 moças e 10 rapazes) e por 56,7% dos participantes da escola B (14 moças e 7 rapazes).
Foi considerada como sem importância a atividade de "participar de jogos com amigos na rua" por 37,8% dos participantes da escola A (9 moças e 5 rapazes) e 45,9% da escola B (14 moças e 3 rapazes).
Quanto às atividades de lazer físicas, considerou-se como sendo muito importante a atividade de "praticar esportes e/ou ginástica", sendo citada por 62,1% dos participantes da escola A (11 moças e 12 rapazes) e por 78,1% dos participantes da escola B (19 moças e 10 rapazes).
Foi considerada como sendo importante a atividade de "passear fora da cidade, shopping, parque e/ou praia" por 70,2% dos participantes da escola A (16 moças e 10 rapazes) e por 56,7% dos participantes da escola B (13 moças e 8 rapazes).
A atividade de "ensaiar danças ou músicas" foi considerada como sem importância por 54% dos participantes da escola A (10 moças e 10 rapazes); já 48,6% dos participantes da escola B (11 moças e 7 rapazes) citaram "jogar bola, futebol ou vôlei, no 'campinho'".
A Tabela 1 traz a análise estatística de cada categoria de atividade em função do nível socioeconômico. Por meio da análise estatística dos resultados foi possível identificar que, para os adolescentes investigados, a classe socioeconômica não interferiu nas escolhas das atividades de lazer, uma vez que as diferenças não foram significativas (p > 0,1).
Entretanto, quando as escolhas são analisadas sob o diferencial de gênero, conforme indicado na Tabela 2, surge uma diferença significativa (p < 0.035) entre as escolas. Nota-se que o nível socioeconômico torna o lazer de moças diferenciado.
A seguir são apresentadas apenas as diferenças entre as escolhas das atividades consideradas como sendo muito importantes para o lazer das moças das duas escolas. Quanto às atividades de lazer culturais, destaca-se que as moças da escola B preferem as atividades de "utilizar a internet para pesquisas pessoais" (44%) e "ler um livro ou revista" (60%), sendo que as da escola Aapresentam a porcentagem de apenas 26% e 15,7% respectivamente, nessas atividades.
Não houve diferenças quanto às atividades de lazer de vida diária entre as moças das duas escolas.
Quanto às atividades de lazer social, 80% das moças da escola B e 52% da escola A preferem "conversar com parentes e/ou amigos"; já as moças da escola A preferem "utilizar a internet para sala de bate-papo, Orkut, e-mail" (42%) e "paquerar/namorar/ficar" (63%), sendo que apenas 12% e 20% das moças da escola B apresentaram interesse por essas atividades, respectivamente.
Referente às atividades de lazer físicas, "passear fora da cidade, shopping, parque e/ou praia" foi citado por 60% das moças da escola B e apenas 15% da escola A.
Discussão
O modo como os jovens passam o seu tempo reflete as capacidades e limitações do ambiente em que vivem (McHale, Updegraff, Kim & Cansler, 2009). Entretanto, diante do atual contexto de globalização, em que existe certa propensão à propagação de informações, as escolhas de atividades de lazer de adolescentes parecem ser influenciadas de forma bastante semelhante, independente do nível socioeconômico. Nesse mesmo sentido, os resultados do estudo de Athenstaedt e cols. (2009) sugerem que os adolescentes de diferentes países não diferem em seus interesses de lazer, pelo menos na cultura ocidental.
Na categoria das atividades de lazer culturais, observou-se que a maioria das atividades consideradas comomuito importantes ou importantes são de fácil acesso, sendo realizadas na própria casa ou locais que podem compor o nicho dos participantes (escola, e/ou algum estabelecimento vizinho), destacando-se aqui "ouvir música" e "assistir à televisão". A preferência da televisão como uma atividade de lazer de adolescentes também foi identificada em vários outros estudos (Barros, Coscarelli, Coutinho & Fonseca, 2002; Csikszentmihalyi & Larson, 1984; McHale & cols., 2009; Sarriera & cols., 2007).
Em se tratando do gênero feminino, as atividades culturais estão mais relacionadas às questões intelectuais, resultados estes que vão ao encontro da literatura nacional e internacional, que destaca que as meninas passam mais tempo em atividades acadêmicas e de leitura (Athenstaedt & cols., 2009; Barros & cols., 2002; Carvalho & Machado, 2006; McHale & cols., 2009;). Muza e Costa (2002) apontam que, para o gênero feminino, a escola possui mais do que uma função acadêmica, uma vez que também é vista como um espaço de lazer.
Na categoria das atividades de lazer de vida diária foi possível identificar que, para o gênero feminino, as atividades relacionadas ao cuidado pessoal (arrumar cabelo e roupa) foram classificadas como muito importantes, sem haver diferenças estatisticamente significativas entre os níveis socioeconômicos. Esse resultado reflete a grande importância dada a autoimagem feminina na sociedade. O estudo de Cano, Ferriani, Medeiros e Gomes (2008), desenvolvido junto a adolescentes na mesma faixa etária e no mesmo município da atual pesquisa, demonstra que as moças buscam o padrão de beleza veiculado pela mídia.
O cuidado com a casa está mais relacionado à questão socioeconômica, já que essas atividades foram citadas como sendo muito importantes ou importantes apenas pelos participantes da escola A. A influência do nível socioeconômico também é observada nas atividades relacionadas ao cuidado de animais e/ou plantas, visto que estas foram consideradas como sendo muito importantes ou importantes apenas pelos participantes da escola B.
Na categoria das atividades de lazer de participação social, para ambas as escolas, as atividades consideradas como sendo muito importantes são as que envolvem relacionamentos. Entretanto, os adolescentes de nível socioeconômico mais baixo destacam os relacionamentos amorosos, e os de nível socioeconômico mais alto, os relacionamentos fraternos. A preocupação com relacionamentos amorosos (namorar e ficar) também foram destacados pelos adolescentes de escolas públicas nos estudos de Cano e cols. (2008).
Para o gênero feminino, atividades como "promover comemorações para amigos e/ou comunidade" e "conversar com amigos e/ou parentes" foram consideradas como sendo muito importantes, semelhante aos estudos de Athenstaedt e cols. (2009) e Barros e cols. (2002), os quais afirmam que as moças preferem atividades de socialização.
Observa-se que ambas as escolas apresentaram resultados consideráveis para a classificação muito importante eimportante para a atividade de "utilizar a internet para salas de bate-papo, Orkut, e-mail", sugerindo que os adolescentes de ambas as escolas possuem contato com instrumentos relacionados à informática. Apesar dessa atividade estar ligada a fatores econômicos, a facilidade de recorrer a esses meios pode ser fruto do processo de inclusão digital que tem sido implantado em escolas públicas, ampliando o acesso das classes sociais menos favorecidas à rede mundial de computadores (Silveira, 2005). No presente estudo não houve diferenças significativas entre gênero na utilização da informática, o que diverge do estudo de Athenstaedt e cols. (2009), o qual aponta a preferência dessa atividade por rapazes.
Na categoria das atividades de lazer físicas, o destaque dado pelos adolescentes para a atividade de "praticar esportes e/ou ginástica", independente de nível socioeconômico ou gênero, pode estar relacionado ao período de incentivo ao esporte pelo qual o país passava na época em que foi realizada a pesquisa, coincidindo com a preparação para os jogos Panamericanos. Pode-se ainda relacionar essa relevância à prática do esporte à influência que a mídia exerce a respeito do culto ao corpo. A preocupação com o corpo tem forte influência, tanto para os rapazes, quanto para as moças, sendo que os ídolos (jogadores de futebol, atores, cantores, entre outros) são encarados como o padrão de beleza a ser seguido (Cano & cols., 2008).
A importância dada ao esporte como lazer também foi destacada nos estudos de Csikszentmihalyi & Larson (1984). Houve, no presente estudo, uma maior preferência das atividades esportivas por parte dos rapazes, o que reforça os achados de Athenstaedt e cols. (2009), Barros e cols. (2002) e McHale e cols. (2009).
É possível identificar também que atividades como "andar de bicicleta e patins", além de "jogar bola", ou seja, aquelas que podem ser desenvolvidas em espaços públicos, tais como a própria rua ou ao redor da casa, foram mais citadas pelos adolescentes da Escola A. Tais dados podem sugerir que existe um maior domínio dos espaços públicos, como a rua, pelos participantes de menor poder aquisitivo (Carvalho & Machado, 2006), já que esses espaços possibilitam um lazer que não depende de custo financeiro significativo.
Para os rapazes de ambas as escolas, as escolhas foram mais próximas, sem maiores interferências da classe socioeconômica, o que não ocorreu nas escolhas das moças, sendo que as moças da escola B preferiram as atividades de lazer culturais ("ler um livro ou revista" e "utilizar a internet para pesquisas pessoais") e atividades de lazer físicas ("passear fora da cidade, shopping, parque e/ou praia") e as moças da escola A preferiram atividades de lazer de participação social ("paquerar/namorar/ficar"), conforme identificado na análise estatística.
De forma geral, notou-se que as atividades de destaque, apontadas pelos adolescentes pesquisados, não estão ligadas a significativos custos financeiros, sendo, em sua maioria, de fácil acesso. Além disso, o contexto de globalização, estimulado e disseminado principalmente pela televisão e pela internet parecem favorecer, de forma semelhante, as escolhas de adolescentes, independentemente do nível socioeconômico.
Referências
AOTA - American Occupational Therapy Association (2008). Occupational therapy practice framework: Domain and process. (2nd ed.). American Journal of Occupational Therapy, 62, 625–683.
Athenstaedt, U., Mikula, G., & Bredt, C. (2009). Gender role self-concept and leisure activities of adolescents.Sex Roles, 60, 399–409.
Barral, G. L. L. (2006). Espaços de lazer e culturas jovens em Brasília: o caso de bares. Sociedade e Estado, 21, 580-581.
Barros, R., Coscarelli, P., Coutinho, M. F. G., & Fonseca, A. F. (2002). O uso do tempo livre em uma comunidade metropolitana no Brasil. Adolescência Latinoamericana, 3. Retirado em 26/08/2010, de http://ral-adolec.bvs.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1414-71302002000200008&lng=es&nrm=iso.
Borges, A. L. V. (2007). Relações de gênero e iniciação sexual de mulheres adolescentes. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 41, 597-604.
Byrnes, J. P. (2002). The development of decision-making. Journal of Adolescent Health, 31, 208–215.
Cano, M. A. T., Ferriani, M. G. C., Medeiros, M., & Gomes, R. (2008). Auto-imagem na adolescência. Revista Eletrônica de Enfermagem, 10. Retirado em 23/08/2010, de http://www.fen.ufg.br/revista/revista1_1/Auto.html.
Carvalho, M. J. S., & Machado, J. B. (2006). Análise dos usos do tempo entre crianças acerca das relações de gênero e de classe social. Currículo sem Fronteira, 6, 70-81.
Csikszentmihalyi, M., & Larson, R. (1984). Being adolescent. New York: Basic Books.
Dumazedier, J. (2004). Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva.
Günther, I. A., Nepomuneno, G. M., Spehar, M. C., & Günther, H. (2003). Lugares favoritos de adolescentes no Distrito Federal. Estudos de Psicologia, 8, 299-308.
Lobel, T. E., Nov-Krispin, N., Schiller, D., Lobel, O., & Feldman, A. (2004). Gender discriminatory behavior during adolescence and young adulthood: A developmental analysis. Journal of Youth and Adolescence, 33, 535–546.
McHale, S. M., Updegraff, K. A., Kim, J., & Cansler, E. (2009). Cultural orientations, daily activities, and adjustment in Mexican American youth. Journal of Youth Adolescence, 38, 627–641.
Muza, G. M., & Costa, M. P. (2002) Elementos para a elaboração de um projeto de promoção à saúde e desenvolvimento dos adolescentes – o olhar dos adolescentes. Cadernos de Saúde Pública, 18, 321-328.
Neistadt, M. E., & Crepeau, E. B. (2002). Willard e Spackman: Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Nicholson, L. (1999). The play of reason: From the modern to the postmodern. Ithaca: Cornell University.
OMS -Organização Mundial da Saúde (2003). CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: EDUSP.
Primeau, L. A., & Parham, L. D. (2002). Recreação e terapia ocupacional. São Paulo: Editora Santos.
Santos, D. B., & Silva, R. C. (2008) Sexualidade e normas de gênero em revistas para adolescentes brasileiros.Saúde e sociedade, 17, 22-34.
Sarriera, J. C., Tatim, D. C., Coelho, R. P. S., & Büsker, J. (2007) Uso do tempo livre por adolescentes de classe popular. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20, 361-367.
Siegel, S., & Castellan, N. J. (2006). Estatística não paramétrica para as ciências do comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Silveira, S. A. (2005). Inclusão digital, software livre e globalização contra hegemônica. Parcerias Estratégicas, 20, 421- 446.
Zick, C. D. (2010). The shifting balance of adolescent time use. Youth & Society, 41, 569-596.
1 Agradecemos às escolas, alunos e diretores que concordaram em participar desta pesquisa, que compôs o trabalho de conclusão de curso da segunda autora, apresentado em setembro de 2007.
2 Endereço para correspondência: Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Avenida Bandeirantes, 3900, Campus Universitário. Ribeirão Preto, SP. CEP 14049-900. E-mail: luziara@fmrp.usp.br.