Artigos Científicos

Processos atencionais e dependência-independência de campo: estudo com crianças e adolescentes portugueses

M. Adelina Guisande; et al

4 de março de 2015

Psic.: Teor. e Pesq. vol.25 no.4 Brasília out./dez. 2009

 

Processos atencionais e dependência-independência de campo: estudo com crianças e adolescentes portugueses

 

Attention processes and field dependence-independence: a Study with portuguese children and adolescents

 

M. Adelina GuisandeI,1; Leandro S. AlmeidaII; Filomena Ermida da PonteIII; Carolina TinajeroIV; M. Fernanda PáramoIV

IUniversidad de Santiago de Compostela, Espanha 
IIUniversidade do Minho, Portugal 
IIIUniversidade Católica Portuguesa, Portugal 
IVUniversidad de Santiago de Compostela, Espanha

 


RESUMO

Este artigo relaciona o estilo cognitivo "dependência-independência de campo" com o desempenho em tarefas envolvendo vários processos e recursos de atenção. Com uma amostra de 98 crianças e 95 adolescentes portugueses, foram aplicadas quatro tarefas de atenção: capacidade de armazenamento (Dígitos em ordem direta); memória de trabalho verbal (Dígitos em ordem inversa); capacidade para dirigir, mudar e manter a atenção (Código); e capacidade de atenção sustentada (Teste de Atenção e Rastreio Visual, VSAT). Recorreu-se, ainda, à aplicação de uma prova de fator g, tendo em vista o controle da inteligência. Os resultados revelam diferenças entre dependentes e independentes de campo, especialmente relevantes no grupo de crianças na prova de VSAT. Esses resultados abrem novas linhas de investigação para explicar a pior execução acadêmica dos indivíduos dependentes de campo.

Palavras-chave: estilo cognitivo; dependência-independência de campo; processos de atenção.


ABSTRACT

The present study relates the "field dependence-independence" cognitive style to the performance on tasks involving several attention processes and resources. With a 98 Portuguese children and 95 Portuguese adolescents sample, four attention tasks were applied: storage capacity (Digits Forward Test); verbal working memory (Digits Backward Test); capacity to focus, shift, and maintain attention (Digit Symbol Test); and capacity for sustained attention (Visual Search and Attention Test, VSAT). It was also applied a factor g test for intelligence control. Results showed differences on attention processes between field-dependence and field-independence cognitive styles. These differences are more evident in the children subgroup on VSAT. These results open new research topics to explain lowest academic performance of field-dependent children.

Keywords: cognitive style; field dependence-independence; attention processes.


 

O estilo cognitivo dependência-independência de campo (DIC) é definido como a forma como as pessoas percebem os estímulos do ambiente e como organizam e codificam os aspetos específicos e gerais da informação nas suas situações de aprendizagem e de realização (Messick, 1984). Sujeitos independentes de campo tendem a ser mais analíticos no processamento da informação, conseguindo estar atentos aos pormenores e a elementos particularmente relevantes da informação a processar. Por sua vez, os sujeitos dependentes de campo recorrem mais frequentemente a uma abordagem global e menos analítica no processamento da informação. Os estudos sobre a relação entre DIC e o rendimento escolar (Chao, Huang & Li, 2003; Kush, 1996; Tinajero & Páramo, 1997; Zhang, 2004) apontam para uma superioridade nos resultados académicos por parte dos sujeitos independentes de campo (IC) em relação aos dependentes de campo (DC), generalizando-se essa superioridade às diversas áreas curriculares. Essa diferenciação tem justificado alguma investigação quanto aos processos cognitivos que diferenciam os sujeitos IC e DC, assim como sobre o impato diferenciado de ambos os estilos cognitivos no desempenho académico. Esses estudos pretendem, assim, ultrapassar a pouca validade interventiva ou o pouco valor informativo das avaliações por meio dos testes tradicionais de inteligência quando se pretende compreender como o aluno aprende e realiza na escola. Com efeito, os estilos cognitivos integram elementos mais dinâmicos e mais processuais da realização cognitiva, os quais podem contribuir, de uma forma mais clara, para explicar os bons e os fracos desempenhos académicos dos estudantes.

Uma das justificações para a relação entre a DIC e o rendimento académico dos alunos terá a ver com o funcionamento atencional dos sujeitos com diferentes estilos cognitivos (Davis & Cochran, 1990; Guisande, Páramo, Tinajero & Almeida, 2007). Três linhas de investigação, complementares entre si, emergiram na busca de uma explicação para esses resultados: uma primeira linha centra-se nas associações entre as provas de estilo cognitivo e as tarefas de vigilância; outra apoia-se nas diferenças entre sujeitos DC e IC nas tarefas de atenção selectiva; e, por fim, a terceira linha tenta clarificar as relações existentes entre o estilo cognitivo e a gestão do espaço atencional.

Com relação à primeira linha de investigação, os estudos relacionando tarefas de vigilância e a DIC apresentam resultados contraditórios. Alguns autores sugerem que os sujeitos IC são mais eficazes que os DC na deteção de sinais críticos, símbolos ou letras alvo (Amador & Kirchner, 1999; Cahoon, 1970; Forbes & Barrett, 1978; Moore & Gross, 1973; Páramo, Corral, Rodríguez, Tinajero & Cadaveira, 1999; Tinajero, Corral, Cadaveira & Páramo, 1998), enquanto outros não encontraram essas diferenças (Fernández Ballesteros & cols., 1980; Forns, Kirchner & Amador, 1989; Kirchner, Forns & Amador, 1990; Martínez Selva, 1987). Essas discrepâncias nos estudos complicam a interpretação da DIC no sentido dos processos atencionais associados à vigilância ou à deteção de elementos informativos, muito embora as discrepâncias observadas nos estudos se possam ter ficado a dever ao tipo de estimulação utilizada (modalidade sensorial, complexidade), à idade dos sujeitos e às próprias provas de estilo cognitivo usadas.

Em termos da segunda linha de investigação, existem investigações que analisaram a relação da DIC com a atenção seletiva por meio de dois parâmetros: aproximação à informação global versus analítica, e atenção a estímulos relevantes versus irrelevantes. Os resultados nesses estudos mostram uma maior congruência entre si. Os sujeitos DC centram-se preferencialmente nos aspectos globais da informação, o que suscita uma maior focalização em pistas irrelevantes ou distratoras (em tarefas auditivas ou visuais) que lhes dificultam a extração da informação relevante. Um padrão diferente no processamento cognitivo se encontra junto dos sujeitos IC. Esses resultados têm sido confirmados junto de crianças (Guisande, Tinajero, Rodríguez, Cadaveira & Páramo, 2004; Ohlmann & Carbonnel, 1983; Rozencwajg, 1991) e de adultos (Avolio, Alexander, Barrett & Sterns, 1981; Burton, Moore & Holmes, 1995; Clark & Roof, 1988; Marendaz, 1985; Tsakanikos, 2006).

Por último, a terceira linha de investigação relaciona o estilo cognitivo com a memória de trabalho. Os autores assumem que a eficiência dos indivíduos no uso dos recursos da atenção irá condicionar o desempenho nas diversas tarefas cognitivas, como sejam, a capacidade de ler e ouvir, aquisição lexical e aprendizagem em geral, quer em crianças (Baillargeon, Pascual-Leone & Roncadin, 1998; Guisande, Tinajero & Páramo, 2005; Mansfield, 1997), adolescentes (Bahar & Hansell, 2000; Mansfield, 1997; Páramo & cols., 1999) ou adultos (Bennink, 1982; Cochran & Davis, 1987; Goode, Goddard & Pascual-Leone, 2002; Miyake, Witzki & Emerson, 2001). De acordo com esses estudos, os indivíduos DC apresentam níveis inferiores de autorregulação e controle da sua realização cognitiva, explicando-se assim uma menor eficiência no uso dos seus recursos atencionais. Tomando as conclusões de um estudo recente (Guisande & cols., 2007), as crianças IC e DC parecem não se diferenciar na capacidade de armazenamento de informação (memória a curto-prazo), diferindo, no entanto, no uso mais ou menos adequado das estratégias de controle e de distribuição do espaço atencional. Ao mesmo tempo, as crianças IC mostraram-se mais capazes na manutenção da atenção no processamento dos estímulos relevantes, apresentando ainda maior capacidade para dirigir a sua atenção consoante as exigências cognitivas colocadas por cada tarefa.

O presente estudo pretendeu verificar junto de crianças e adolescentes eventuais diferenças na utilização dos recursos atencionais em função do estilo cognitivo DC/IC que apresentam. Para essa análise, considera-se a avaliação de diferentes componentes da atenção, mais concretamente, a atenção seletiva, a atenção difusa, a atenção sustentada e o rastreio mental. Por outro lado, havendo estudos que apontam para alguma diferenciação nos resultados em testes de inteligência segundo o estilo cognitivo dos alunos, aplicou-se um teste de fator gcom o objetivo de isolar, nas análises estatísticas, o impacto específico da DIC nos processos atencionais.

 

Método

Participantes

A amostra (193 alunos) integra dois subgrupos de alunos portugueses com dois níveis etários: 98 crianças com idades compreendidas entre os 8 e os 9 anos de idade (M = 8,5), alunos do 3º e 4º anos de escolaridade; e 95 adolescentes com idades entre os 13 e os 14 anos (M = 13,5), do 7º e 8º anos. Todos esses alunos frequentavam uma escola privada da cidade de Braga, pertencendo a um estrato social médio e médio alto. Não se consideraram neste estudo crianças sinalizadas com dificuldades de aprendizagem, nomeadamente quando apoiadas pelas equipes da educação especial.

Instrumentos

Para avaliar o estilo cognitivo DIC dos adolescentes, utilizou-se o EFT - Embedded Figures Test (Witkin, Oltman, Raskin & Karp, 1971). O teste consta de uma série de 24 lâminas com imagens complexas, nas quais o sujeito deve identificar uma figura simples, que se encontra escondida na imagem complexa. A pontuação é dada pelo número de figuras escondidas corretamente identificadas no tempo concedido (3 minutos). Uma pontuação mais elevada nesse teste indica uma maior independência de campo por parte do sujeito.

Para avaliar as crianças, utilizou-se o CEFT - Children Embedded Figures Test, uma versão decorrente do EFT (Karp & Konstadt, 1971). Esse teste, de administração individual, está composto por 25 lâminas com imagens complexas e dois modelos recortados de figuras simples (triângulo e um pentágono irregular). Em cada figura complexa encontra-se escondida uma das formas simples que a criança deve localizar. O escore corresponde ao somatório dos elementos identificados corretamente. Nessa investigação foi considerado o tempo de realização da prova, concedendo-se o tempo máximo de 3 minutos para a resolução de cada item. À semelhança do EFT, uma pontuação mais elevada no CEFT é sinónimo de maior independência de campo.

Para a avaliação do funcionamento atencional foram utilizados o Subteste de Dígitos da WISC-R (Wechsler, 1974/1998), o Subteste de Código da WISC-R e o Teste de Atenção e Rastreio Visual (VSAT) (Trenerry, Crosson, DeBoe & Leber, 1990). O Subteste de Dígitos da WISC-R abrange duas partes: Dígitos de ordem direta e Dígitos de ordem inversa. Na primeira parte, Dígitos em ordem direta, o sujeito tem que repetir, respeitando a ordem de citação do experimentador, uma série de números progressivamente mais longa. O rendimento nessa tarefa indica, além da capacidade de armazenamento a curto prazo, um índice de resistência à distração. No segundo subteste, Dígitos de ordem inversa, pede-se ao sujeito que repita séries de números, mas na ordem inversa de apresentação. Assim, se obtém um índice da capacidade de rastreio mental e do espaço atencional do sujeito. Segundo vários autores, esse subteste é considerado uma medida da memória de trabalho verbal (Saito, 2001; Zelazo & cols., 2003), associado aos processos atencionais e funções executivas (Gathercole & Pickering, 2000; Hale, Hoeppner & Fiorello, 2002; Hutton & Towse, 2001), envolvendo também a transformação da informação, manipulação verbal e imaginação viso-espacial (Zhu & Weiss, 2005).

O Subteste de Código da WISC-R consta de quatro filas de 25 quadrículas. Na parte superior de cada quadrícula, encontra-se um número distribuído aleatoriamente, de um a nove. A tarefa do sujeito consiste em copiar, o mais rapidamente possível, o símbolo correspondente a cada número. Essa tarefa tem um limite de tempo de 2 minutos, sendo a pontuação final dada pelo número de símbolos associados corretamente. Esse subteste é adequado à exploração da "atenção complexa", uma vez que requer que o sujeito dirija, mude e mantenha a atenção (Lezak, 1995).

Por fim, o VSAT baseia-se na identificação, por parte do sujeito, de todas as letras ou símbolos iguais ao modelo apresentado e que se encontram intercaladas e distribuídas aleatoriamente. Para a identificação, o sujeito tem que destacar esses símbolos ou letras, assinalando-os com um traço. Essa prova compõe-se de quatro ensaios, sendo o primeiro e o segundo de treino. A tarefa tem um tempo limite de 60 segundos por cada ensaio e permite calcular uma pontuação direta baseada no número de acertos. Trata-se de um teste de procura visual, dirigido fundamentalmente a explorar o componente de vigilância ou atenção sustentada (Trenerry & cols., 1990).

Finalmente, este estudo controlou a variável inteligência, assumindo-a como covariável nas análises estatísticas. Assim, para avaliar a inteligência (fator g) dos adolescentes, foi utilizada a Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5). Essa bateria avalia as capacidades de raciocínio, em termos indutivos e dedutivos (Almeida, 1992). A bateria é constituída por cinco provas. Contudo, este estudo recorreu apenas à prova de raciocínio abstrato, formada por 25 itens em formato de analogias (A:B - C:D) contendo figuras geométricas (similar aos testes de fator g). A pontuação na prova é dada através do somatório dos acertos, tendo o aluno à sua disposição cinco alternativas de resposta por item e usufruindo de 5 minutos para a realização da prova.

Em relação ao grupo de crianças, foi utilizada a prova de Matrizes Coloridas Progressivas de Raven (Coloured Progressive Matrices – CPM; Raven, 1947), referenciada como uma das melhores medidas psicológicas do fator g(Sweetland & Keyser, 1991) e estando validada para a população portuguesa (Simões, 1995). A prova é constituída por 36 itens organizados em três séries (A, Ab, B) de dificuldade cognitiva crescente, estando os 12 itens em cada uma das séries também organizados hierarquicamente por índice de dificuldade. A prova foi administrada de forma individual, sem limite de tempo. A pontuação corresponde ao total de exercícios corretamente respondidos.

Procedimento

A aplicação dos instrumentos foi precedida de um pedido de autorização aos órgãos diretivos e à associação de pais da escola. Uma vez obtido o seu consentimento, o segundo passo constou de um pedido formal às famílias dos alunos. Para tal, enviamos uma carta redigida pela diretora pedagógica, assegurando garantias suficientes de profissionalismo e rigor na investigação, uma carta onde se explicava a natureza e interesse do estudo, e um caderno de registro para preenchimento, por ambos os progenitores, de dados de identificação, nível de estudos e situação profissional, entre outros.

A aplicação das provas ocorreu em espaço escolar num horário acordado com a escola, assegurando o normal funcionamento das actividades escolares. A avaliação foi feita por um único avaliador, numa sessão única, com uma duração aproximada de 3 horas (incluindo alguns tempos de intervalo). A sessão iniciava-se com a explicação minuciosa a cada criança ou adolescente dos pormenores da avaliação.

Análise de dados

A amostra foi distribuída em três subgrupos de alunos: dependentes de campo (DC), intermédio e independentes de campo (IC), segundo a sua posição relativa em cada faixa etária (8, 9, 13 e 14 anos), de tal forma que os 33,3% das pontuações superiores no CEFT (maior número de respostas corretas) e no EFT (menor tempo de realização) foram consideradas como IC, os 33,3% das pontuações inferiores como DC, e os 33,3% restantes, como grupo intermédio. De frisar que essa distribuição dos alunos pelos três subgrupos de estilo cognitivo foi feita dentro de cada idade (Tabela 1).

 

 

Foram também realizadas uma série de análises prévias com o objetivo de estudar a relação de algumas variáveis pessoais dos alunos (género, estatuto sócio-económico e inteligência) com a DIC e de indagar a necessidade do seu controle nas análises estatísticas posteriores em virtude do seu possível efeito no estilo cognitivo. Somente a variável inteligência apresentou uma associação estatisticamente significativa com os resultados na DIC, seja no teste de Matrizes Progressivas de Raven [F(2,97)=5,604; p<0,01], seja na Prova de Raciocínio Abstrato [F(2,92)=16,552; p<0,001], passando a ser considerada como covariável no desenrolar deste estudo. Uma vez que não se verificaram diferenças na DIC segundo o gênero [crianças (χ 2=1,036; gl=2; p=0,596); adolescentes (χ2=3,24; gl=2; p=0,148)], as habilitações académicas [crianças (χ2=5,393; gl=2; p=0,067); adolescentes (χ2=1,964; gl=2; p=0,375)] e o tipo de profissão da família [crianças (χ2=1,301; gl=2; p=0,522); adolescentes (χ2=0,74; gl=2; p=0,964)], essas variáveis não foram consideradas nas análises posteriores.

As análises dos resultados foram realizadas por meio do Programa SPSS (Versão 16.5 para Windows). Na comparação dos desempenhos dos três grupos de alunos em função do seu estilo cognitivo recorreu-se à análise de covariância (ANCOVA), controlando-se o score no teste de inteligência.

 

Resultados

Nas tabelas 23 e 4 estão indicadas as médias e desvios-padrão dos resultados nas tarefas de atenção tomando os alunos classificados segundo o estilo cognitivo. Na Tabela 2, verifica-se uma diminuição nas médias quando se passa dos Dígitos de ordem direta (capacidade de armazenamento) para os Dígitos de ordem inversa (memória de trabalho verbal), assim como um aumento esperado nas médias quando se passa do grupo de crianças para o grupo de adolescentes. Mediante as análises de covariância, não se verificou uma diferença estatisticamente significativa entre os três grupos de estilos cognitivos no Subteste de Dígitos em ordem direta, seja nos alunos de 8-9 anos [F(1,97)=0,012; p=0,915], seja nos alunos de 13-14 anos [F(1,94)=0,654; p=0,421]. Do mesmo modo, não se verifica uma diferença estatisticamente significativa tomando os alunos repartidos pelos três estilos cognitivos no Subteste de Dígitos na ordem inversa. Essa situação ocorre junto dos alunos mais novos [F(2,97)=1,473; p=0,234] e junto dos adolescentes [F(2,94)=1,704; p=0,188], ainda que a oscilação na pontuação entre os dois estilos extremos na DIC se situe em apenas 0,6 pontos nas crianças e atinja já 1,5 pontos nos adolescentes. Não introduzindo a covariável inteligência na análise de variância, os resultados na prova de Dígitos em ordem inversa apresentam-se estatisticamente diferenciados [F(2,94)=3,05; p=0,052], a favor dos adolescentes IC.

 

 

 

 

 

 

No Subteste de Código (capacidade para dirigir, mudar e manter a atenção), os resultados parecem sugerir uma diferença de desempenho dos alunos dependentes de campo face aos outros dois grupos de alunos, seja nas crianças, seja nos adolescentes (Tabela 3). A diferença nas médias, para os dois grupos etários, é desfavorável aos alunos dependentes de campo. No entanto, procedendo à análise de covariância dos resultados dos três grupos na DIC em função dos dois escalões etários, verifica-se que essas diferenças constatadas nas médias não se apresentam estatisticamente significativas, quer junto dos alunos mais novos [F(2,97)=2,810; p=0,065], quer junto dos adolescentes [F(2,94)=0,765; p=0,468]. No entanto, essa situação se altera quando a análise não considera o efeito da inteligência (covariável), tanto em crianças [F(2,97)=3,261; p<0,05] quanto em adolescentes [F(2,94)=4,705; p<0,05].

Finalmente, os resultados dos alunos no VSAT (atenção sustentada), mostrados na Tabela 4, sugerem uma melhoria progressiva na passagem dos alunos DC para os alunos IC, sendo essa diferença favorável aos alunos IC. Pela análise de covariância realizada, observa-se uma diferença estatisticamente significativa nos resultados junto do grupo das crianças, a favor dos alunos IC [F(2,97)=3,948; p<0,05]. No grupo de adolescentes, as diferenças nas médias não atingiram significado estatístico, muito embora se tenham aproximado desse nível crítico [F(2,94)=2,910; p=0,06]. Quanto ao grupo de alunos mais novos, as comparações post-hoc apontam para uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de alunos mais contrastados em termos de estilo cognitivo (diferença de média de 9,2 pontos; p<0,05), a favor dos alunos IC.

 

Discussão

O objetivo principal deste estudo foi analisar em que medida as crianças e os adolescentes dependentes e independentes de campo apresentam desempenhos diferenciados em tarefas que implicam diferentes processos atencionais. Os resultados obtidos sugerem a existência de diferenças atencionais em crianças e adolescentes em função do seu estilo cognitivo. Essas diferenças são especialmente evidentes no grupo de crianças, nas tarefas envolvendo atenção sustentada ou capacidade para manter a atenção nos estímulos relevantes. Nesse sentido, e segundo Huteau (1987), a forma como a informação ou os estímulos são apresentados aos sujeitos condiciona seu desempenho de acordo com o seu estilo cognitivo.

No sentido de outros dados disponíveis da investigação nessa área, as crianças dependentes de campo apresentaram um pior desempenho no teste de procura visual, dirigido fundamentalmente a avaliar o componente de vigilância ou atenção sustentada (VSAT). Esses resultados vão de encontro aos estudos que apontam uma associação estatisticamente significativa entre a DIC e a capacidade para manter a atenção sobre elementos ou partes da informação, ou a capacidade para se atender às pistas relevantes numa dada informação em presença de pistas distratoras (Avolio & cols., 1981; Burton & cols., 1995; Guisande & cols., 2007).

Em segundo lugar, as crianças e adolescentes DC parecem aproveitar menos a sua capacidade atencional. Se forem observados seus desempenhos no Subteste de Dígitos na modalidade de evocação na ordem direta, a sua capacidade de retenção não é distinta da apresentada pelos seus colegas IC. No entanto, o seu menor desempenho nos Dígitos na modalidade de evocação na ordem inversa, sugere uma fraca utilização das estratégias de controle e de distribuição do espaço atencional. Já que para realizar uma busca na memória o sujeito tem que reorganizar a informação para libertar espaço de registro, esse processo parece estar menos eficiente nos dependentes de campo, dada a sua menor capacidade de reestruturação. Esses dados são corroborados por outros estudos com crianças, adolescentes e adultos (Baillargeon & cols., 1998; Cochran & Davis, 1987; Guisande & cols., 2007; Johnstone & Al-Naeme, 1991; Miyake & cols., 2001; Niaz, 1989; Páramo & cols., 1999; Saud, Rodríguez & Niaz, 1993; Tinajero & cols., 1998).

Numa lógica de aprofundar a compreensão das diferenças verificadas no espaço atencional, alguns autores avançam com leituras mais cognitivas tomando as funções ou processos mentais inerentes. Para Pascual-Leone (1997), a diferença encontrada parece não depender das diferenças da capacidade mental atencional, mas sim do recurso a esquemas executivos mais ou menos eficientes para mobilizar a dita capacidade. Por outro lado, com base no modelo da memória de trabalho (Baddeley & Hitch, 1974), a variação individual na DIC poderá ser consequência das diferenças de eficiência no funcionamento do sistema de controle atencional em face da capacidade limitada do executivo central (uma das quatro estruturas que constitui o modelo da memória de trabalho). Assim, a utilização mais ou menos eficiente do executivo central poderá estar associada às várias subfunções realizadas na codificação, seguimento e supervisão da informação (Miyake & cols., 2001; Niaz, 1989). O estilo cognitivo parece interferir nos desempenhos dos sujeitos, apresentando os DC mais dificuldades de uso de estratégias adequadas na resolução de tarefas quando as mesmas tarefas requerem maior complexidade de reestruturação da informação.

Em resumo, estes resultados podem assumir importantes implicações, tanto para a compreensão da natureza do estilo cognitivo, como para o planeamento do apoio educativo aos alunos ao longo da sua escolaridade. Se os alunos dependentes de campo experimentam dificuldades quando têm que extrair informação relevante e esta mesma informação não se encontra devidamente destacada, quando se requer centrar e manter a atenção numa tarefa complexa ou sustentada, ou quando enfrentam estímulos relevantes e irrelevantes de forma simultânea, logicamente esses alunos apresentam um pior rendimento nas tarefas escolares em que esses processos cognitivos são requisitos essenciais.

Nesse sentido, sugerimos duas possíveis direções para a investigação com o objetivo de potenciar o rendimento escolar dos alunos DC. Por um lado, importa saber como aumentar o seu ajustamento cognitivo e ultrapassar as suas dificuldades na aprendizagem por meio da aquisição, o mais precoce possível, de estratégias de processamento cognitivo não disponíveis no seu repertório habitual. Da mesma forma, importa investigar em que medida pode o professor tomar em consideração o estilo cognitivo dos seus alunos na planificação do seu ensino e na organização das atividades de aprendizagem em sala de aula. Face às preferências cognitivas dominantes nesses alunos, importa saber como os materiais didáticos, as formas de avaliação e os métodos de ensino usados pelo professor poderão melhor apoiar a sua aprendizagem e o seu sucesso escolar.

 

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1 Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia, Universidad de Santiago de Compostela, Campus Sur. 15782. Santiago de Compostela, Espanha. E-mail: mariaadelina.guisande@usc.es.


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722009000400011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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