Artigos Científicos

Por uma pedagogia do compromisso

Robert-Vicent Joule; Angela Maria de Oliveira Almeida

9 de abril de 2015

Psic.: Teor. e Pesq. v.22 n.1 Brasília jan./abr. 2006

 

Por uma pedagogia do compromisso

 

Robert-Vicent JouleI, 1; Angela Maria de Oliveira AlmeidaII

IUniversité de Provence 
IIUniversidade de Brasília

 


RESUMO

Uma das questões centrais no campo da educação é: como fazer com que alunos ou filhos se comportem como seus professores ou pais desejam? É objetivo deste artigo responder a esta questão, propondo uma abordagem educativa que se apóia na psicologia do compromisso. O interesse desta abordagem, chamada pedagogia do compromisso, é duplo: (1) ela aumenta as chances de se obter sem impor e, sobretudo, (2) ela favorece a interiorização de valores educativos, familiares e de cidadania. Esta pedagogia tem, além disso, o mérito de estar em consonância com a psicologia social experimental. Algumas técnicas que permitem aumentar a probabilidade de ver alguém fazer livremente o que se espera dele são evocadas: a técnica do "dar-o-primeiro-passo" (dar-o-primeiro-passo com demanda explicita; dar-o-primeiro-passo com etiquetagem), a técnica do "tocar" e a técnica do "você é livre para...". O artigo termina com quatro princípios de ação suscetíveis de otimizar as práticas educativas: o princípio da liberdade, o princípio do primado da ação, o princípio da naturalização e o princípio da desnaturalização.

Palavras-chave: compromisso; pedagogia; práticas educativas.


ABSTRACT

One of the main questions in the field of education is: how to get students or children to behave the way their parents or teachers wish. The aim of the present article is to try to answer this question, proposing an educative approach based on the psychology of commitment. The interests of this approach, called Pedagogy of Commitment are: (1) it increases the chances of obtaining without imposing, and, specially, (2) it favors the internalization of educative, family and citizenship values. Besides that, this pedagogy has the merit of being in line with the experimental social psychology. Some techniques which allow to raise the probability of seeing someone freely do what is expected from them are evoked: the "foot-in-the-door technique" (foot-in-the-door with explicit demand; foot-in-the-door with label); the technique of "touch" and the technique of "you are free to…". The article ends with four principles of action, susceptible to optimize the educative practices: the principle of freedom, the principle of primacy of action, the principle of naturalization and the principle of denaturalization.

Key words: commitment; pedagogy; educative practices.


 

Práticas educativas pressupõem sempre a ação de uma geração mais velha sobre uma geração mais nova, visando ensinar valores, normas, desenvolver comportamentos adequados, impor limites, enfim, levar as pessoas a se integrarem de forma adequada ao seu meio social e cultural. Isto é tão evidente que uma das questões centrais no campo da educação é e continuará sendo: como fazer filhos ou alunos se comportarem como seus pais ou professores julgam correto?

Constata-se, na França, no Brasil, bem como em muitos outros países, que pais e professores ainda se apóiam em promessas de recompensa e/ou ameaças de punições para estimular seus filhos ou alunos a se comportarem da forma como eles gostariam em casa (por exemplo: não brincar com fogo; lavar as mãos antes de sentar-se à mesa; fazer os deveres antes de assistir televisão; arrumar seu quarto...) ou na escola (por exemplo: prestar atenção na aula; aprender a matéria ensinada; fazer os deveres de casa; estudar para as provas...). É bem verdade que pais e professores apóiam-se também nas virtudes de uma boa argumentação. Ninguém pode negar que convém dar aos filhos ou aos alunos boas razões para se dedicarem aos seus estudos. Mesmo que cada um suponha um "método" próprio – punições, recompensas e argumentações – eles representam, incontestavelmente, para pais e professores, instrumentos importantes sobre os quais eles se apóiam para produzir em seus filhos ou alunos a motivação para os estudos.

Sabemos, no entanto, que esses instrumentos têm seus limites, sobretudo se considerarmos as importantes transformações pelas quais a sociedade tem passado. Biasoli-Alves (1997) e Biasoli-Alves, Caldana e Silva (1997) têm evidenciado o quanto as práticas educativas dos adultos têm sido objeto de dúvidas e incertezas, em função das mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, tais como: 1) a valorização da família nuclear; 2) o incremento dos meios de comunicação de massa, particularmente o aparecimento da televisão; 3) o aumento da escolarização na população, sobretudo entre as mulheres; 4) as mudanças nos papéis femininos decorrentes das transformações nas relações de gênero; 5) o impacto dos conhecimentos produzidos pela psicologia sobre as práticas educativas parentais e pedagógicas. Grosso modo, estas alterações atuaram sobre as práticas educativas, favorecendo a passagem de um modelo autoritário e assimétrico para um modelo mais democrático e centrado na criança.

Nesta direção, são bastante ilustrativos os resultados encontrados em uma pesquisa sobre "práticas educativas", desenvolvida durante a realização do Projeto Bem-Me-Quer (Almeida, 1999), destinado ao atendimento de crianças e adolescentes que se desenvolviam em um contexto de violência familiar e estrutural no Distrito Federal/Brasil. Nesta pesquisa, Almeida, Ribeiro e Campos (1999) buscaram conhecer as representações sociais das práticas educativas de mães ou responsáveis de crianças e adolescentes desfavorecidos, com idades variando entre 6 e 15 anos, todos vivendo em situação de risco psicossocial.

Tomou-se, neste estudo, a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1961) como referencial teórico de base, a qual concebe as representações sociais como formas de conhecimento cotidiano, ou conhecimento do "senso-comum", caracterizado pelas seguintes propriedades: 1) socialmente elaborado e partilhado; 2) tem uma orientação prática de organização, de domínio do meio (material, social, ideal) e de orientação das condutas e da comunicação; 3) participa do estabelecimento de uma visão de realidade comum a um dado conjunto social (grupo, classe, etc) ou cultural (Jodelet, 1991).

Considerou-se, nesta pesquisa, que acessar as representações sociais dos adultos acerca das práticas educativas permitiria, em certa medida, uma aproximação das práticas educativas que elas estariam orientando e justificando. Os autores realizaram entrevistas com 204 adultos (mães ou responsáveis), as quais se estruturaram em torno dos seguintes eixos "educação dos filhos hoje", "motivos de preocupação com a educação dos filhos", "como proceder quando um filho faz alguma coisa errada". As respostas coletadas foram agrupadas em um único texto e analisadas com auxílio do software Alceste (análise estatística sobre dados textuais, informando a estrutura do discurso produzido pelo conjunto dos sujeitos).

Os resultados encontrados mostraram que as concepções dos pais acerca das práticas educativas se organizavam em torno de dois grandes eixos temáticos. O eixo "Como educar meus filhos?", que congregou a maior parte do discurso dos pais (70%) e referia-se exatamente às dificuldades encontradas pelos pais para a educação dos filhos. Um Sentimento de Impotência é vivenciado pelos pais diante da tarefa de educar seus filhos, os quais encontram-se à mercê de inúmeras influências externas à família, tais como as amizades, a sociedade e a televisão. As amizades levam os filhos a se contraporem aos pais, questionando seus valores e atitudes. Além disso, seriam os amigos os responsáveis pelo fato dos filhos passarem mais tempo na rua do que em casa, estudando. A sociedade, segundo os pais, contribuiria por sua vez, para a rebeldia dos filhos, na medida em que difunde uma maior liberalidade na educação, retirando grande parte da autoridade dos pais na educação de seus filhos. A televisão tem um papel importante nesta liberalização, pois é através dela que se divulgam os direitos da criança e os valores que tornam os filhos mais independentes e rebeldes. Foi salientada a ausência do pai, a qual justificaria a incapacidade das mães em colocar limites nos filhos e, por conseqüência, a dificuldade de educá-los. A ausência paterna agrava-se com as dificuldades econômicas da família, deixando as mães sem ter como pagar por serviços que poderiam ajudá-la na tarefa de educar seus filhos, como por exemplo, uma boa escola.

Diante da impotência ressentida pelas mães, observa-se a tendência a diferenciarem, basicamente, três possibilidades de educação dos filhos. De um lado, situam-se os pais que foram denominados "tradicionais", que consideram que os filhos "de hoje" têm liberdade excessiva e, com isso, não ouvem os pais, não os obedecem e não os respeitam. Os pais que se inserem nesta categoria tendem a evocar a educação de "antigamente" e consideram que hoje está difícil educar, pois não sabem o que fazer. Há também os pais "modernos", que consideram que quando eram crianças e jovens viviam em um cativeiro e que, no momento atual, os filhos possuem mais direitos, mais liberdade e por isso os pais devem adotar uma nova postura, baseada no diálogo, na confiança, estabelecendo entre pais e filhos uma relação de respeito. Compete à família favorecer o desenvolvimento escolar, social e moral dos filhos sendo, portanto, a principal responsável por possíveis problemas que os filhos venham a apresentar. Finalmente, foi identificado um terceiro grupo de pais denominados "ambivalentes", os quais oscilam entre uma educação rígida e uma educação mais liberal. Consideram que é importante dar carinho e amor aos filhos, conversar com eles, pois bater não adianta. Porém, quando os filhos não se comportam como os pais mandam é preciso corrigir, mesmo que para isso seja preciso usar castigos físicos, pois "é de cedo que se desentorta o pepino".

escola surgiu no discurso dos pais como solução para a situação de impotência em que se encontram. Diante da falta do pai, das dificuldades econômicas, da violência urbana, do desemprego, do envolvimento com a criminalidade (roubos, furtos, uso e tráficos de drogas, prostituição), a educação escolar surge como um meio de se evitar que os filhos ingressem na criminalidade.

Se as sanções ou as recompensas supõem um aumento na probabilidade de ver filhos ou alunos se comportarem de acordo com as expectativas dos adultos, elas têm um inconveniente maior: aqueles que a ela se submetem ou dela se beneficiam podem "esconder" o que são de fato, para explicar seus comportamentos. Eles dispõem de uma razão imediata para se comportarem de acordo com o desejo dos adultos: evitar uma punição ou obter uma recompensa. Não nos surpreende que, nestas condições, não consigamos atingir a "motivação intrínseca". Inúmeras pesquisas mostram que, de fato, estudantes remunerados para fazer um determinado trabalho são menos inclinados a continuar este trabalho quando concluem seu contrato, do que estudantes que fizeram o mesmo trabalho sem serem remunerados (Deci & Ryan, 1985). Um número ainda maior de pesquisas mostra que estudantes fortemente recompensados para fazer uma tarefa acham esta mesma tarefa menos interessante que os estudantes que a realizaram sem serem recompensados ou sendo menos recompensados (cf., notadamente, os trabalhos de Festinger, de 1957, realizados no campo da dissonância cognitiva).

A argumentação, por sua vez, apresenta a vantagem de fornecer aos filhos ou aos alunos excelentes razões para levá-los a fazerem o que deles se espera. Mas, contrariamente ao uso da autoridade, que pune ou recompensa os comportamentos desejados, a argumentação por si mesma não favorece necessariamente a obtenção dos comportamentos esperados. Pode-se estar perfeitamente convencido dos perigos do tabaco e até mesmo da necessidade de parar de fumar e continuar fumando; de forma semelhante, um aluno pode estar perfeitamente convencido da necessidade de resolver, durante o final de semana, os exercícios de matemática passados pelo professor na última aula e, no entanto, passar seu tempo fazendo outras coisas. É incontável o número de pesquisas que mostram a defasagem que pode existir entre nossas boas intenções e nossos comportamentos efetivos e, de forma mais geral, entre atitudes e comportamentos (cf., notadamente, Channouf, Py & Somat, 1996; Wicker, 1969).

Psicologia do compromisso e submissão livremente consentida

Felizmente, punições, recompensas e argumentações não são os únicos meios suscetíveis de favorecer a motivação das pessoas. Existem outros, cuja eficácia foi cientificamente demonstrada. Estes meios repousam sobre a psicologia do comprometimento (Joule, 2001; Kiesler, 1971).

Os trabalhos sobre a psicologia do comprometimento podem ser agrupados em um grande paradigma de base: o paradigma da submissão livremente consentida (Joule & Beauvois, 1998). As pesquisas realizadas no âmbito deste paradigma mostram que se pode influenciar alguém – numa ou outra direção – em suas convicções, escolhas e comportamentos, sem recorrer à argumentação e, menos ainda, às técnicas de recompensa ou punição.

Este paradigma da submissão livremente consentida (Joule, 1999) pode ser definido, no plano prático, como o estudo dos procedimentos de influência, permitindo levar alguém a fazer livremente o que se deseja que ele faça. No plano teórico, ele pode ser definido como o estudo dos efeitos cognitivos e comportamentais engendrados pelos atos livremente assumidos. Este paradigma toma emprestado seu quadro teórico da Teoria do Engajamento (Joule, 2001; Kiesler, 1971). Nela, não são nossas idéias, nossas convicções ou nossas crenças que nos comprometem ou nos engajam, mas nossos atos enquanto tais. O processo de comprometimento deve, portanto, ser apreendido como um processo pós-comportamental e não como um processo pré-comportamental.

Devemos a Kiesler e Sakamura (1966, p. 349) a primeira definição de comprometimento: "comprometimento é o laço que une o indivíduo a seus atos comportamentais". Mas, esta definição não é inteiramente satisfatória, porque ela negligencia o contexto no qual os atos são realizados. Ora, é o contexto que, em função de suas características objetivas, compromete ou não o indivíduo com seus atos e que, por conseqüência, favorece ou, ao contrário, impede o estabelecimento de uma ligação entre o indivíduo e seus atos. As pesquisas, de fato, mostraram que jogando com vários fatores contextuais podemos produzir o comprometimento. A título de exemplo, um ato realizado no contexto de liberdade compromete mais que um ato realizado em um contexto impositivo; um ato realizado em um contexto que exclui todo tipo de recompensa compromete mais que um ato realizado em um contexto de recompensa; um ato realizado em um contexto de ameaça compromete menos que um ato realizado em um contexto que elimine qualquer tipo de ameaça; um ato realizado publicamente compromete mais que um ato cujo anonimato é garantido; um ato oneroso (em tempo, em energia, em dinheiro) compromete mais que um ato que não o é, etc.

Os efeitos do comprometimento foram estudados sobre o plano cognitivo e sobre o plano comportamental. Estes efeitos são tão mais fortes quanto maior for o comprometimento. Eles podem ser assim resumidos:

– no plano cognitivo: quando se trata de um ato não problemático (quer dizer, um ato coerente com nossas atitudes), espera-se uma consolidação das atitudes, uma maior resistência às agressões ideológicas, até mesmo uma exacerbação da atitude inicial; quando se trata de um ato problemático (isto é, de um ato que, ao contrário, é inconsistente com nossas atitudes) ocorre um ajustamento da atitude a este ato (Beauvois & Joule, 1996). 
– no plano comportamental: quer se trate de atos não problemáticos, quer se trate de atos problemáticos, espera-se uma estabilização do comportamento e a realização de novos comportamentos na mesma direção (Joule & Beauvois, 1998, 2002).

 

Racionalização e Interiorização

Entre as inúmeras pesquisas ilustrando o processo de racionalização, aquela de Aronson e Carlsmith (1963) aporta elementos importantes a serem considerados pelos adultos que exercem suas práticas educativas sobre as gerações mais novas. Nesta pesquisa, crianças de uma escola maternal são, inicialmente, convidadas a classificar, por ordem de preferência, vários jogos. Uma vez efetuada esta classificação, um adulto coloca todos os jogos sobre o chão e, antes de se retirar, proíbe as crianças de brincarem com um destes jogos. O jogo proibido não foi escolhido aleatoriamente: trata-se de um dos jogos preferidos das crianças. Nesta pesquisa, as proibições variaram entre uma fraca ameaça ("Se você brincar com este brinquedo eu ficarei chateado") até uma ameaça muito mais grave ("Se você brincar com ele eu ficarei muito bravo, vou levar todos os brinquedos comigo e não voltarei nunca mais"). Na ausência do adulto, as crianças, que brincavam na sala de espelho, foram observadas. Quando de sua volta, o adulto deixa as crianças brincarem com todos os jogos, sem nenhum proibição. Depois, ele pede para elas fazerem uma nova classificação. É desnecessário dizer que as crianças não se mostram mais obedientes com a ameaça forte que com a ameaça fraca.

Nesta pesquisa, como naquelas que a seguiram, a manipulação experimental da ameaça não afeta a taxa de submissão: sejam elas fraca ou fortemente ameaçadas, as crianças respeitam na mesma proporção (90%) o pedido do adulto de não brincarem com um dos jogos. Mas, se a manipulação experimental da ameaça não afeta a submissão, ela afeta, em revanche, a racionalização do comportamento de submissão: entre as crianças fracamente ameaçadas, oito das 22 classificaram menos o jogo proibido quando da segunda classificação. Já entre as crianças fortemente ameaçadas não houve nenhuma diminuição na -classificação do jogo proibido. Em outros termos, apenas a ameaça fraca conduziu a um desinteresse pelo jogo proibido. Duas conclusões se impõem:

  1. Em um contexto escolar, uma forte ameaça não é mais eficaz que uma fraca ameaça quando se quer obter um determinado comportamento.
  2. Pode-se reduzir a atração de um objeto atraente através de uma curta privação, desde que esta privação tenha sido obtida em um contexto de fraca ameaça.

Mas, tem mais! As pesquisas que se seguiram a esta (cf., notadamente, Freedman, 1965) mostraram que o brinquedo proibido tendia a ser abandonado, pelas crianças fracamente ameaçadas, vários dias mais tarde, quando ele não era mais objeto de qualquer outra proibição. O comportamento das crianças foi interpretado nestas pesquisas como um indicador de que as crianças fracamente ameaçadas, contrariamente às outras, tinham interiorizado o desejo do adulto.

Mas, em matéria de interiorização dos desejos dos adultos, a pesquisa de Lepper (1973) vai ainda mais longe. Imagina-se que as crianças saibam que não é certo enganar as pessoas e que os adultos responsáveis pela sua educação não desejam que enganem ninguém. Lepper observa, em uma situação análoga àquela que acabamos de descrever, que as crianças que foram objeto de uma fraca ameaça para se conformar às exigências de um adulto (aqui também deixar de brincar com um jogo que ela gostava muito) enganaram menos que as outras quando de um teste realizado, várias semanas mais tarde! Tudo se passa como se as crianças fracamente ameaçadas, resistindo à tentação de se divertirem com o brinquedo proibido, tivessem aprendido a resistir a tentações posteriores, particularmente, àquela de enganar.

Conclui-se, por conseqüência, que se tem mais chance de conseguir que as crianças se conformem àquilo que se espera dela, recorrendo-se a uma fraca ameaça, mesmo quando não lhes pedimos mais nada.

Os efeitos experimentais observados nos trabalhos de Freedman (1966) e de Lepper (1973) foram teorizados no quadro da Teoria da Dissonância Cognitiva de Festinger (1957), teoria que Kiesler (1971) considerou como uma teoria local da Teoria do Engajamento (sobre esta questão cf, notadamente, Joule & Beauvois, 1998). A Teoria da Dissonância Cognitiva é, para Kiesler, a teoria adequada dos efeitos cognitivos e comportamentais dos atos inconsistentes com as atitudes.

As estratégias acima descritas repousam sobre a obtenção de um comportamento de privação. Existem outras que, mesmo obedecendo à mesma lógica, não se assentam sobre a obtenção de um comportamento de privação. Ao invés de proibir a alguém de fazer o que ele deseja (por exemplo, assistir TV), tenta-se obter um ato que ele não teria feito por ele mesmo (por exemplo, arrumar seu quarto). Novamente, para não correr o risco de perder toda sua eficácia, trata-se de obter sem impor.

Obter sem impor

Técnicas que permitem obter sem impor não faltam. Levantamos uma dezena delas (Joule & Beauvois, 2002). Entretanto, algumas parecem mais adaptadas que outras, quando se trata de abordar as práticas educativas. Selecionamos três dentre elas: 1) dar-o-primeiro-passo; 2) tocar; 3) você é livre para.

A técnica do dar-o-primeiro-passo

Devemos esta técnica a dois pesquisadores americanos (Freedman & Fraser, 1966). Seu princípio é bastante simples: obter um pouco antes de pedir muito. Em uma de suas pesquisas estes autores pediram às donas de casa que respondessem, por telefone, algumas questões sobre seus hábitos de consumo. Tratava-se, exatamente, de dar-o-primeiro-passo, obtendo-se um primeiro ato pouco oneroso (ato preparatório) antes de solicitar um segundo ato bem mais difícil de se obter (comportamento esperado). Alguns dias mais tarde, foi solicitado às donas de casa que recebessem em suas casas, durante duas horas, uma equipe de cinco ou seis homens que estavam realizando uma pesquisa sobre o consumo das donas de casa e que lhes dessem a liberdade de abrir suas gavetas e armários.

Freedman e Fraser (1996) constataram que a chance das donas de casa aceitarem tal pedido era duas vezes maior quando procediam assim, isto é, recorrendo à técnica do dar-o-primeiro-passo (53% contra 22%). Nada diferenciava os sujeitos do grupo controle dos sujeitos do grupo dar-o-primeiro-passo além do fato de terem sido levados a realizar um primeiro comportamento tão banal quanto participar de uma enquête por telefone. Assim, se os sujeitos da condição dar-o-primeiro-passo se mostram mais dispostos a concordar com um pedido mais oneroso, não é porque sua personalidade, suas convicções ou seus valores os levam naturalmente a fazê-lo, mas sim, porque eles foram previamente conduzidos a aceitar uma primeira solicitação menos onerosa.

O dar-o-primeiro-passo com demanda implícita

Na pesquisa que acaba de ser evocada, o comportamento que se espera foi objeto de uma demanda explicita: "Você aceitaria receber nossa equipe de pesquisadores?", o que não é o caso em outras situações, nas quais nos contentamos em criar as condições suscetíveis para incitar as pessoas a fazerem espontaneamente o que desejamos vê-las fazer, sem, contudo, lhes solicitar nada: ajudar uma pessoa idosa a atravessar a rua; carregar a mala de alguém; avisar alguém que acabou de telefonar que ela esqueceu sua carta no telefone público, etc.

A pesquisa de Uranowitz (1975) é bastante ilustrativa do que denominamos dar-o-primeiro-passo com demanda implícita. Ela ocorre no caixa de um supermercado. Um experimentador, colocado no final da fila, solicita a uma pessoa que está na sua frente uma ajuda. Sob o pretexto de ter esquecido a carteira de dinheiro no balcão do açougue do supermercado, ele pede a esta pessoa para tomar conta de suas compras (ato provisório), enquanto ele vai atrás de sua carteira. É claro que todas as pessoas solicitadas aceitam fazer este favor. O experimentador se ausenta alguns instantes e volta com a carteira de dinheiro pretensamente encontrada. Um pouco mais tarde, a pessoa que tinha tomado conta de suas compras chegava ao caixa, pagava sua compras e quando se dirigia para a saída do supermercado cruzava com um segundo experimentador que empurrava um carrinho de compras cheio de mercadorias e que perde um pacote. Uranowitz observa que 80% das pessoas tendo previamente tomado conta das compras do primeiro experimentador alertavam o segundo que ele havia perdido um pacote, enquanto apenas 35% das pessoas do grupo controle o fizeram (no grupo controle os sujeitos não foram solicitados a tomar conta das compras do primeiro experimentador).

Pode-se, portanto, utilizando a técnica do dar-o-primeiro-passo fazer emergir espontaneamente nas pessoas comportamentos pró-sociais. A vantagem de se recorrer a esta técnica, ao invés de se apoiar na autoridade de alguém que pune ou recompensa, ou mesmo na argumentação, é que ela permite obter o comportamento que buscamos (no caso desta pesquisa, levar o sujeito a avisar alguém da perda de um pacote) em condições tais que o sujeito que se comporta desta forma tem apenas a si mesmo para explicar as razões de seus atos: "avisei alguém que tinha perdido uma de suas compras porque gosto de ajudar as pessoas e sou assim por causa da minha personalidade, de meus valores pessoais..."

Outras pesquisas mostram também o interesse de ajudar crianças e mesmo adultos a se apropriarem de traços de personalidade e de valores desejados recorrendo à técnica da etiquetagem.

O dar-o-primeiro-passo com etiquetagem

Uma pesquisa realizada por Joule (2001), no sul da França, desenvolve-se em uma feira de rua. Um primeiro experimentador, fazendo-se passar por um turista, com um mapa da cidade na mão, solicita a alguém que está fazendo compras, para ajudá-lo a encontrar um endereço. Uma vez obtida a informação solicitada, o experimentador passa à segunda etapa da pesquisa, qual seja, ajudar seu interlocutor a estabelecer uma relação entre o que ele acaba de fazer com o que ele é, efetuando uma etiquetagem: "Tive a sorte de encontrar alguém legal como você para me ajudar". Esta forma de proceder corresponde ao que denominamos dar-o-primeiro-passo-com-etiquetagem. Trata-se de um dar-o-primeiro-passo porque a técnica utilizada passa pela obtenção de um ato preparatório (ajudar alguém a se situar no mapa da cidade). Mas, este dar-o-primeiro-passo associado à etiquetagem potencializa seu efeito, porque o experimentador favorece atribuições internas desejáveis, recorrendo às características da própria pessoa, ou seja, uma "pessoa de bem".

Mas retornemos à feira. No meio da confusão, um segundo experimentador coloca nas mãos de certas pessoas que estão fazendo compras uma nota de dinheiro e diz: "Tome, eu acho que você esqueceu seu troco". A probabilidade que um morador de Aix-en-Provence recusasse o dinheiro que não lhe pertencia foi oito vezes maior na condição experimental com etiquetagem (68%) que na condição controle (8%), na qual o segundo experimentador foi o único a intervir; e significativamente mais forte que na condição experimental sem etiquetagem (40%), na qual o primeiro experimentador se contentava em agradecer calorosamente seu interlocutor pela ajuda prestada. Portanto, é relativamente simples otimizar o dar-o-primeiro-passo, recorrendo a uma etiquetagem bem escolhida, isto é, acentuando traços ou valores correspondentes ao comportamento que se busca desenvolver.

Em uma outra pesquisa (Beauvois, 2001) mostra que utilizando a mesma técnica se pode tornar as crianças mais corajosas. Esta pesquisa é ainda mais interessante já que concerne a socialização de crianças. Ela mostra como alunos de aproximadamente 10 anos podem adquirir valores que devem satisfazer seus comportamentos. Alunos da 5ª série do ensino fundamental foram, na primeira fase da pesquisa, convidados a tomar uma sopa pouco apetitosa. Eles podiam, obviamente, recusar, mas considerando a instituição escolar em que estavam, poucos recusaram. Após terem aceitado o convite, algumas crianças foram objeto de uma etiquetagem pelo pesquisador: "Estou vendo que você é uma criança corajosa". Uma semana mais tarde, o pesquisador retornou, com o pretexto de estar precisando de voluntários para testar novas agulhas que se pressupõe doer menos, mas que era preciso, por precaução, testá-las, antes de usá-las para vacinar as crianças. Aos voluntários, o pesquisador mostrou a foto de quatro agulhas mais ou menos grossas e os deixou escolher uma delas. As crianças que foram objeto da etiquetagem, quando da primeira fase da pesquisa, apresentaram-se em maior número como voluntárias do que as outras; elas foram, igualmente, em número maior a escolher as agulhas mais grossas!

A etiquetagem aqui utilizada, que atribui um traço de personalidade socialmente desejado (a coragem), mostra-se, portanto, particularmente eficaz, já que ela conduz uma criança a se mostrar corajosa ao ponto de aceitar sofrer, vários dias depois, para que outras crianças sofram menos. Os resultados obtidos aqui completam, portanto, aqueles que foram obtidos nas pesquisas nas quais as crianças são confrontadas a um jogo proibido. Eles mostram, mais uma vez, como as crianças acabam fazendo por elas mesmas aquilo que os adultos querem que elas façam e, desta forma, a internalizar as exigências sociais definidas no âmbito de uma sociedade cidadã.

Nas duas pesquisas utilizando a técnica do dar-o-primeiro-passo que acabam de ser apresentadas é o ato preparatório (ajudar alguém a encontrar um endereço; aceitar tomar uma sopa pouco apetitosa) que, de alguma forma, fornece o pretexto para a etiquetagem ("Tive a sorte de encontrar alguém legal como você para me ajudar"; "Estou vendo que você é uma criança corajosa"). Mas, a etiquetagem conserva uma boa parte de sua eficácia, mesmo quando a utilizamos na ausência de um ato preparatório.

Miller, Brickman e Bolen (1975) conseguiram, de fato, fazer com que alunos de 8 a 11 anos não mais jogassem papel de bala no chão, recorrendo a uma simples etiquetagem ao final de uma aula sobre ordem e limpeza. Duas formas de proceder foram testadas. Em um caso, o adulto lembrava, ao término de uma aula, que era preciso, evidentemente, ser limpo e ordeiro e, esforçava-se para persuadir as crianças para se adequarem a esta exigência (condição de persuasão). Em uma outra, ele se contentava com uma etiquetagem do tipo: "Eu os conheço bem, eu sei que vocês são crianças limpas e ordeiras". Um pouco mais tarde, as crianças tinham a oportunidade de comer balas. Contando o número de papéis de bala deixados no chão, os pesquisadores puderam verificar que a técnica de etiquetagem era, como eles tinham estimado, mais eficaz que a persuasão.

Em um outro estudo, Miller e cols. (1975) mostraram que em matéria de rendimento escolar (matemática) a etiquetagem também era uma estratégia mais eficaz que a persuasão. As etiquetagens utilizadas foram, desta vez, do tipo: "Capazes como vocês são..." e "Motivados como vocês estão...".

A técnica do tocar

As pesquisas sobre o tocar não são recentes. Os pesquisadores se interessam seriamente pelos efeitos do tocar desde meados dos anos 1970. Em uma das pesquisas de Kleinke (1973), as pessoas que entravam em uma cabina telefônica tinham a agradável surpresa de encontrar algumas moedas. Evidentemente, como qualquer um o faria, elas utilizavam as moedas para telefonar ou as colocavam no bolso quando iam embora. Um pouco mais adiante, um desconhecido as interceptavam: "Você não encontrou algumas moedas na cabine telefônica?" O desconhecido era, certamente, o experimentador. Uma vez sobre duas, o experimentador não se satisfazia com esta solicitação meramente verbal. Ele tocava, além disso, o braço do seu interlocutor durante um ou dois segundos. Este contacto físico permitiu aumentar significativamente a taxa de restituição das moedas esquecidas (93% contra 63% na ausência de tal contacto). A eficácia da técnica do tocar foi demonstrada em situações muito diferentes e usando comportamentos muito variados. A Universidade de Miami mantém um instituto de pesquisa destinado exclusivamente ao desenvolvimento de pesquisas que utilizam esta técnica.

Na área médica, centenas de investigações atestam o interesse de se tocar aqueles e aquelas que se deseja alterar o comportamento. Assim, os pensionistas tocados alimentam-se melhor que os que não o são, os doentes que são tocados respeitam melhor as prescrições médicas que os outros. Ainda, pessoas hospitalizadas denotam menos estresse antes de uma intervenção cirúrgica se elas forem tocadas antes por uma enfermeira. Inicialmente evidenciado nos Estados Unidos, marcado por uma cultura do "non-contact", o fenômeno do tocar conserva toda sua eficácia na França, ainda que não seja, entre os países latinos, o país onde as pessoas mais se tocam.

Guéguen (2002a), um pesquisador francês, constatou, por exemplo, que a chance de se obter de uma pessoa uma moeda tocando-lhe o antebraço, ao mesmo tempo em que lhe é feito o pedido, é duas vezes maior. Em uma outra pesquisa, Guéguen (2002b) pôde observar que o mesmo contacto físico permitia a um professor praticamente triplicar a probabilidade de seus alunos irem voluntariamente ao quadro-negro para corrigir um exercício. Esta última pesquisa se inscreve na tradição das investigações americanas que mostram que um professor pode melhorar o desempenho escolar de seus alunos tocando o seu braço (Steward & Lupfer, 1987).

A técnica "vocês são livres..."

Os pesquisadores que trabalham sobre o processo de racionalização sabem o interesse que há em obter sem impor. Lembremo-nos das pesquisas realizadas na situação do "brinquedo proibido": quando a proibição é fraca, as crianças racionalizam o seu comportamento de submissão, desinteressando-se pelo brinquedo proibido; contudo, quando a proibição é forte elas não o fazem.

Sabe-se, desde os trabalhos de Guéguen e Pascual (Guéguen & Pascual, 2000; Guéguen, Pascual & Dagot, 2004), que se referindo explicitamente ao sentimento de liberdade, pode-se levar as pessoas a fazerem o que elas não fariam por elas mesmas. Graças à técnica "vocês são livres..." estes pesquisadores conseguiram, por exemplo, multiplicar por quase cinco a possibilidade de receberem dinheiro de um desconhecido (47% contra 10% na condição controle). A técnica é, no entanto, muito simples. Após ter formulado o pedido, utiliza-se uma fórmula como: "Mas, você é livre para aceitar ou recusar...". É precisamente este fórmula que Guéguen e Pascual utilizaram ao final de uma solicitação banal: "Desculpa-me, será que você poderia me arrumar um dinheiro para eu pegar o ônibus?" Essas pessoas se mostraram mais generosas, dando dinheiro aproximadamente no valor de uma passagem de ônibus, duas vezes mais do que aquelas pessoas que foram solicitadas sem que fosse utilizada a técnica do "mas vocês são livres...".

Outras pesquisas, realizadas pelos mesmos pesquisadores (Guéguen, Le Gouvello, Pascual, Morineau & Jacob, 2000), mostraram que, apoiando-se sobre esta técnica, pode-se aumentar a probabilidade dos internautas visitarem um site web. Nada de complicado. É suficiente substituir o "clique aqui" por "você é livre para clicar aqui".

Por uma pedagogia do compromisso: alguns princípios de ação

Tomados como um todo, os trabalhos sobre o compromisso e sobre as técnicas de submissão livremente consentida conduzem a certos princípios de ação que, se bem utilizados, podem permitir otimizar nossas práticas educativas.

O princípio de liberdade

Este princípio consiste, sempre que possível, de outorgar aos alunos o poder de decisão livre e responsável: "Vocês decidem... vocês são livres para fazer como lhes parecer melhor...". O recurso a este princípio apresenta duas vantagens. Ele favorece a racionalização do comportamento esperado e, transversalmente, a apropriação e a internalização de valores requeridos pelo nosso funcionamento social. Mas, contrariamente do que se pode pensar, ele não reduz as possibilidades de vermos os alunos fazerem o que esperamos que façam. Pode-se mesmo aumentar sensivelmente esta possibilidade (cf. a técnica "vocês são livres..."). Este primeiro princípio deve nos levar a instaurar espaços de liberdade, sempre que for compatível com os imperativos e os limites das instituições escolares (trabalhos facultativos, escolhas do livro a resumir, escolhas das modalidades de trabalho, etc.). Temos tudo a ganhar e nada a perder.

O princípio do primado da ação

Este princípio consiste, acima de tudo, a obter atos. Mas, atenção! De acordo com o princípio precedente, estes atos devem ser obtidos em um contexto de liberdade. Também, vale lembrar, o melhor seria começar por atos pouco dispendiosos. O essencial é que os alunos estabeleçam uma relação entre o que eles são e o que eles conseguiram fazer, ou se preferirmos, que eles possam se reconhecer no que fizeram. Inúmeras pesquisas mostram que tais atos podem desencadear outros (cf. técnica dar-o-primeiro-passo). É por esta razão que os qualificamos "de atos preparatórios". Recentemente, no âmbito de um programa europeu de pesquisas, visando promover a eco-cidadania (Joule & Bernard, 2005), alunos de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental foram levados, a partir de um pedido do(a) professor(a), a colocarem "livremente" um adesivo na porta da geladeira de suas casas, no qual era feita uma chamada sobre um melhor controle da energia, bem como a fazerem "livremente" um registro de observação sobre os hábitos familiares que poderiam ser alterados sem que causassem qualquer constrangimento para os membros de sua família (atos preparatórios), como por exemplo, desligar a televisão antes de deitar2. Posteriormente, eles foram convidados a se comprometerem por escrito a realizar um determinado comportamento eco-cidadão (comportamento esperado). Por exemplo, tomar uma ducha ao invés de um banho de banheira, compromisso firmado por quase 100% dos alunos.

O princípio da naturalização

Este princípio consiste em ajudar o aluno a estabelecer uma relação entre o que ele é (sua personalidade, seus gostos, suas aptidões) e o que ele fez, quando o que ele fez corresponde as nossas expectativas, a fim de favorecer a "naturalização" do traço socialmente desejável. Se o aluno se "comportou bem" em tal ou tal circunstância; se, por exemplo, ele conseguiu resolver um exercício difícil de matemática, utilizar-se-á frases tais como: "isto não me surpreende, você é um bom aluno", "vejo que tem jeito para a matemática". Enfim, frases que possam favorecer o estabelecimento, pelo o aluno, de uma relação entre o que ele é e o que ele faz, no caso, seu desempenho escolar (cf. técnica do dar-o-primeiro-passo com etiquetagem). Mas, é preciso estar atento para não naturalizar comportamentos que não correspondem às nossas expectativas, com frases que ainda se ouve muito, tais como "você é burro" ou ainda "você é um zero à esquerda" cujos efeitos sabemos serem psicologicamente devastadores e a Sociologia já nos mostrou o lugar que lhes é reservado na reprodução social3.

O princípio de desnaturalização

De forma inversa ao precedente, este princípio consiste em fazer – sejam os professores, sejam os pais – com que o aluno ou o filho não estabeleça uma relação entre o que ele é e o que ele fez, quando o que ele fez não corresponde às nossas expectativas. Trata-se, desta vez, de proceder a uma "desnaturalização" do traço socialmente indesejável.

Quando o seu comportamento escolar deixa a desejar, por exemplo, quando sua prova de matemática é medíocre, antes mesmo que o aluno diga "Errei tudo porque não tenho cabeça para matemática", diríamos, idealmente: "Ouça, a nota 2,5 significa que a tua prova não é boa, 2,5 não significa que você não é bom em matemática. Pessoalmente, estou mesmo convencido do contrário...". Recorrer ao princípio de desnaturalização permite, por conseguinte, que o aluno não considere que faz parte da sua "natureza" fracassar em tal ou tal matéria. Às vezes, é suficiente pouca coisa para dar a um aluno em dificuldade o gosto pelo trabalho escolar.

A esse respeito, as pesquisas sobre o "compromisso" convidam-nos a ir mais adiante, obtendo um clima de confiança e levando o aluno a se comprometer imediatamente e, evidentemente, livremente (cf. o princípio de liberdade), a fazer uma coisa precisa (cf. o princípio do primado da ação), por exemplo: rever, naquela noite mesma, a tabuada de multiplicação, em casa. "Hugo, gostaria que dissesse o que pretende fazer para se sair bem na prova, da próxima vez...". Esta forma de se estabelecer uma relação de troca tem por vantagem responsabilizar o aluno, deixando-o definir por ele mesmo os termos de um contrato de trabalho. Se ele não conseguir propor nada, poderemos sempre lhe sugerir alguma coisa. "Será que você estaria de acordo, desta noite, em casa... Evidentemente, é você quem deve decidir".

 

Conclusão

Trata-se aqui dos principais princípios sobre os quais se apóia a pedagogia do compromisso (Joule, 2005). Esta pedagogia nada mais é do que uma pedagogia da ação e da responsabilização. Uma pedagogia da ação, porque tudo é feito para colocar os alunos em movimento, para torná-los "atores" e não somente "ativos"; para conduzi-los a tomarem decisões e mesmo compromissos no sentido exato do termo. Uma pedagogia da responsabilização, na medida em que estas decisões e estes compromissos são obtidos em condições tais que os alunos necessariamente se reconheçam e se identifiquem com elas – eles são levados a explicar o que fizeram a partir do que eles são – e, passam a se perceberem e a se conceberem como alunos responsáveis.

Estes princípios têm o mérito de serem sustentados pelos conhecimentos acumulados no bojo da psicologia social experimental. No plano prático, permitiram-nos reduzir o absentismo escolar; aumentar a probabilidade que alunos do 3º ano do ensino médio fizessem os procedimentos necessários à continuidade de sua carreira escolar ou profissional; promover a eco-cidadania em escolas primárias; aumentar a probabilidade que os estudantes fizessem trabalhos facultativos; duplicar a probabilidade que alunos em dificuldade encontrassem um emprego na conclusão de seus estudos (para uma síntese cf. Joule & Beauvois, 1998).

 

Referências

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1 Endereço: Laboratoire de Psychologie Sociale, Université de Provence, 29 Avenue R. Schuman, Aix-en-Provence Cédex 1, France 13621. E-mailjoule-rv@up.univ-aix.fr 
2 "Será que vocês estariam de acordo? Evidentemente cada um é livre para aceitar ou recusar…"; "Quem quer colocar um adesivo na geladeira de sua casa?" ou "Quem quer fazer uma observação em sua casas?" 
3 Diante de aptidões idênticas, tem-se mais chance de ser tratado como um idiota ou incapaz na escola ou na família, aquele que é originário de um meio desfavorecido. Sabemos que estas etiquetagens são, a cada dia, menos freqüentes nas escolas, mas o que acontece ainda na família?


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722006000100005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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