Andrea Rapoport2, Cesar A. Piccinini
8 de junho de 2015
Concepções de Educadoras Sobre a Adaptação de Bebês à Creche1
Andrea Rapoport2 e Cesar A. Piccinini
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO - Embora haja consenso entre os pesquisadores sobre a complexidade do período de adaptação à creche, existem ainda inconsistências sobre o momento mais adequado para se colocar o bebê na creche, quanto ao conceito de adaptação e como avaliar este período. Este estudo examinou como educadoras de creches públicas e particulares caracterizavam a adaptação dos bebês de 4-5 meses e 8-9 meses. Quarenta e uma educadoras responderam a um questionário aberto que examinava como era feito o processo de adaptação, sua duração, os casos de bebês que apresentavam retrocesso após estarem adaptados e os fatores que interferiam na adaptação. Análise de conteúdo revelou algumas diferenças entre as concepções de adaptação dos bebês das duas faixas etárias. Segundo as educadoras a adaptação dos bebês de 8-9 meses requer maior preparação e cuidado, sendo em alguns aspectos uma etapa mais crítica do que a do outro grupo. Houve também diferenças entre os indicadores mencionados para as duas faixas etárias.
Palavras-chave: creche; adaptação; bebês.
Teacher's Conceptions About Infants Adjustment to Daycare Center
ABSTRACT - Although there is consensus among researchers about the complexity of the period of adaptation to daycare center, inconsistencies still exist about the most adequate moment for the child's entry into daycare center, about the concept of adaptation and how to assess this period. This study examined the way teachers in public and private daycare center characterized the adaptation of babies 4-5 months of age and babies 8-9 months of age. Fourty-one teachers answered a questionnaire which examined the way the adaptation process was carried out, its duration, cases where babies retroceded after being adapted and the factors which interfered in the adaptation. Content analysis revealed some differences between the conceptions of adaptation in each age group. Teachers believe that the adaptation of babies of 8-9 months requires greater preparation and care, being considered, in some cases, a more critical process than the adaptation of the other age group. There were also differences among the mentioned indicators between the two age groups.
Key words: daycare center; adjustment; infants.
A entrada de bebês na creche, especialmente durante o primeiro ano de vida, é um momento crítico para o bebê, sua família e os profissionais da creche que irão trabalhar com eles, implicando num complexo processo de adaptação. Muitas pesquisas têm examinado as conseqüências para a criança de seu ingresso na creche, mas um número reduzido têm investigado o processo de adaptação envolvendo crianças com menos de dois anos (Fein, 1995; Fein, Gariboldi & Boni, 1993; Zajdeman & Minnes, 1991). O trabalho com crianças pequenas requer cuidados especiais e o planejamento do atendimento é diferente do realizado com as crianças maiores (Rossetti-Ferreira, Amorim & Vitoria, 1994). Sendo assim, estudos nesta área são fundamentais, principalmente dentro do novo contexto social em que as mulheres precisam retornar ao trabalho poucos meses após o nascimento do filho.
Embora muitos autores reconheçam a importância dos primeiros dias na creche e a necessidade de se organizarem atividades especiais neste período inicial, não existe um consenso quanto à definição do termo "adaptação" nem quanto à caracterização do "período de adaptação". A delimitação de período de adaptação também varia entre os autores. Para alguns teria início nos contatos iniciais dos pais com a creche (Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993); para outros, envolveria desde o momento de ingresso da criança até o final do primeiro mês (Bloom-Feshbach, Bloom-Feshbach & Gaughram, 1980), ou ainda, entre três e seis meses após o ingresso (Fein, 1995; Fein e cols., 1993; Rodriguez, 1981). A avaliação da adaptação muitas vezes segue os critérios da própria educadora (Castoldi, 1997; Klein, 1991), outras vezes envolve o preenchimento de protocolos de adaptação que avaliam alguns comportamentos da criança (Davies & Brember, 1991; Pianta & Ball, 1993; Varin, Crugnola, Molina & Ripamenti, 1996).
As crianças manifestam diferentes reações durante o período da adaptação e estas muitas vezes são utilizadas para classificá-las como bem ou mal adaptadas. Por exemplo, o choro é comum entre crianças durante este período, tanto na chegada quando a criança é deixada na creche pelos pais, como na saída, quando os pais retornam para buscá-la (Rodriguez, 1981). Mas o choro não é a única reação de perturbação possível por parte da criança. Existem várias outras manifestações como, por exemplo, gritos, mau humor, bater, deitar no chão (Balaban, 1988a), passividade, apatia, resistência à alimentação ou ao sono e até mesmo a ocorrência de doenças (Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993).
Varin e cols. (1996) desenvolveram uma escala de 37 itens, preenchidos pela educadora, para avaliar algumas dimensões de bem-estar e de mal-adaptação de crianças de 6 a 36 meses à creche. Para os autores o principal indicador de mal-adaptação envolveria pobreza na brincadeira e na comunicação com adultos e pares, com baixa expressão de sentimentos positivos e pequeno interesse nas atividades da creche. Além deste, os autores destacaram o sofrimento na separação do objeto de apego, também relacionado a uma necessidade geral de estabilidade e baixa tolerância a mudanças; reações agressivas com pares e educadoras, com atividade motora e brinquedo simbólico envolvendo conteúdo destrutivo e baixo grau de auto-controle; dificuldade geral durante a reunião com os pais, com comportamento evitativo e resistente; baixa tolerância à frustração e ao estresse e dificuldade em ser confortado; elevada ansiedade de separação, expressa pelos comportamentos de agarrar-se aos pais durante a separação matinal, chorar e protestar; e recusa ao grupo da creche, associado à hostilidade com as rotinas da creche, brincando somente com seus próprios brinquedos em padrões estereotipados.
A partir da literatura, verificam-se inconsistências nos estudos sobre adaptação de bebês e crianças pequenas à creche, principalmente em relação ao conceito de adaptação e como esta vem sendo avaliada. Neste sentido, o presente estudo teve por objetivo investigar como as educadoras das creches caracterizam a adaptação dos bebês que elas atendem. Examinou-se, em particular, diferenças nos indicadores que elas utilizam para caracterizar a adaptação fácil ou difícil, em função da idade em que o bebê ingressou na creche (4-5 meses e 8-9 meses). Procurou-se entender ainda como era feito o processo de adaptação nas creches em que as educadoras trabalhavam, a duração do processo de adaptação, os casos em que bebês estiveram bem adaptados mas posteriormente regrediram e quais os fatores que interferem na adaptação. A expectativa inicial era de que a percepção das educadoras sobre a adaptação de bebês de 4-5 meses e de 8-9 meses seria diferenciada. Esperava-se ainda que as educadoras utilizariam diferentes indicadores para caracterizar a adaptação dos bebês das duas faixas etárias estudadas, devido ao desenvolvimento cognitivo, emocional e motor específico de cada grupo de bebês.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 41 educadoras que atendiam bebês em creches de Porto Alegre. A grande maioria era de creches particulares (62%) e as demais públicas (38%). Destas educadoras, 21 atendiam bebês de 4-5 meses e 20 atendiam bebês de 8-9 meses. A idade das participantes variou entre 20 e 61 anos (M = 35,29; DP= 9,71). A maioria tinha primeiro (44%) ou segundo grau (41%), sendo que algumas tinham 3º grau (15%). O tempo de experiência profissional variou de menos de um ano até 20 anos (M = 6,60; DP = 6,26).
Procedimento e instrumento
A partir da concordância da direção das creches, todas as educadoras envolvidas com o atendimento de bebês com 4-5 meses (grupo dos bebês menores) e 8-9 meses (grupo dos bebês maiores) foram convidadas a participar do estudo. As educadoras foram solicitadas a responder individualmente ao Questionário Sobre Adaptação do Bebê à Creche. Este instrumento foi desenvolvido com o objetivo de investigar como as educadoras de creches caracterizam a adaptação fácil ou difícil dos bebês que elas atendem. O instrumento possui duas partes: a primeira refere-se à adaptação de bebês de 4-5 meses (respondida pelas educadoras que atendiam a esta faixa etária) e, a segunda, de bebês de 8-9 meses (respondida pelas educadoras que atendiam a esta faixa etária). Uma série de questões abertas investigou a experiência da educadora com bebês que tiveram uma adaptação fácil ou difícil, além de indicadores para se dizer que um bebê está bem adaptado. Investigaram-se também diversos aspectos da adaptação do bebê como, por exemplo, o modo de promover o processo de adaptação, quanto tempo demora para o bebê estar bem adaptado e a ocorrência de retrocessos no processo de adaptação.
Resultados e Discussão
A análise de conteúdo (Bardin, 1977) foi utilizada para examinar as respostas das educadoras ao Questionário Sobre Adaptação do Bebê à Creche. Procedeu-se a uma análise através dos seguintes passos: 1) leitura das respostas; 2) identificação de temas; 3) demarcação de unidades de sentido a partir dos conteúdos; e 4) geração de categorias. Inicialmente, foram examinadas as respostas frente a um tema, a fim de se gerar uma estrutura de categorias que foi, então, utilizada na análise de todas as respostas àquele tema. Nesta fase inicial, as respostas foram reunidas por agrupamentos temáticos, excluindo-se as redundâncias, obtendo-se, assim, um sistema de categorias para cada tema analisado. Foi codificada a ocorrência das categorias por questionário, independente do número de vezes que o sujeito a mencionou.
As respostas das educadoras foram examinadas em relação aos seguintes temas: 1) O processo de adaptação dos bebês nas creches segundo as educadoras; 2) Tempo que demora para o bebê estar bem adaptado à creche, retrocessos e fatores que interferem na adaptação; e 3) Indicadores de adaptação à creche. Em cada um destes tópicos examinaram-se as diferenças na freqüência com que os temas apareceram em cada faixa etária.
O processo de adaptação dos bebês nas creches segundo as educadoras
Nesta parte examina-se como é organizada a adaptação de um bebê que entra na creche. Para fins de análise foi considerada a seguinte questão: Como é feito o processo de adaptação do bebê que entra na creche aos 4-5 meses? A questão foi repetida para a faixa de 8-9 meses. A Tabela 1 apresenta as principais categorias temáticas geradas a partir da análise de conteúdo: Não tem processo de adaptação; Horário reduzido nos primeiros dias; Critérios para organizar o tempo na creche; Presença de um familiar; Preparação da adaptação; Atitudes da educadora; e Atividades específicas durante o processo de adaptação. O índice de fidedignidade entre dois codificadores que classificaram 30% das respostas das educadoras nestas categorias foi obtido através do Kappa (K = 0.91).
Pode-se observar na Tabela 1, que apenas uma educadora mencionou que na sua creche não é realizado um processo de adaptação formal, indicando que, independente da forma como este ocorre, é uma etapa percebida como fundamental no ingresso de bebês na grande maioria das creches investigadas. A partir do relato das educadoras, verifica-se que a maioria das creches tem um horário reduzido nos primeiros dias (68%) e aceita a presença de um familiar (37%). Várias educadoras mencionaram que existem critérios para organizar o tempo do bebê na creche no período de adaptação (34%), que pode ser de acordo com o bebê para algumas creches ou pré-determinado, para outras. Algumas realizam preparação da adaptação dos bebês (20%) através de entrevistas com os pais e organização de turnos e grupos. Foi também mencionada com freqüência a importância da atitude das educadoras no processo de adaptação (34%), com ênfase na manifestação de afeto, atenção individualizada e favorecimento de uma continuidade com o lar. Por fim, algumas educadoras (15%) enfatizaram que havia atividades específicas durante o processo de adaptação, no caso dos bebês de 8-9 meses.
Comparando o processo de adaptação nas duas faixas etárias, o horário reduzido nos primeiros dias foi referido mais freqüentemente pelas educadoras no caso dos bebês de 8-9 meses (75%), do que para os menores (62%). Quanto aos critérios para organizar o tempo na creche, novamente variaram de acordo com a idade do bebê. Quando os bebês são menores parece que é mais fácil prever um tempo para a adaptação (9%), enquanto no grupo dos bebês maiores a avaliação das condições do bebê é mais utilizada (35%).
Considerando que a entrada na creche envolve uma série de mudanças para o bebê e sua família, é desejável que, no período de adaptação, a mãe/pai ou familiar fique junto à criança para auxiliar na exploração deste ambiente estranho e no estabelecimento de novos relacionamentos com as educadoras e outras crianças (Bloom-Feshbach & cols., 1980). A partir dos dados do presente estudo, verifica-se que a presença de um familiar não é um procedimento usual para todas as creches, visto que foi mencionado apenas por 38% das educadoras que trabalham com bebês de 4-5 meses e por 35% daquelas que trabalham com bebês de 8-9 meses. Quando um familiar permanece na creche, ele fica, na maioria das vezes, na própria sala com o bebê (33%, para 4-5 meses e 30%, para 8-9 meses), mas em algumas creches fica na recepção (5% em cada faixa etária). Embora a entrada do familiar junto com o bebê tranqüilize o adulto que provavelmente quer ver como o bebê vai ser tratado e como ele está reagindo ao novo ambiente e permita que o bebê se sinta mais seguro, muitas vezes as educadoras sentem-se vigiadas e receosas das críticas que estes podem fazer ao seu trabalho. Por isto, talvez este procedimento não seja mais freqüente nas creches.
Os dados sobre as atitudes da educadora revelam ainda uma preocupação com a demonstração de afeto durante o período de adaptação dos bebês das duas faixas etárias. Além disso, enfatizaram a importância de favorecer uma continuidade com o lar do bebê, mais freqüentemente no caso dos bebês menores (38%) do que dos maiores (25%). Através desta atitude, a introdução do bebê na nova rotina pode se dar de maneira gradual e a creche não se torna um referente muito diferente daquele conhecido pelo bebê, que é o do seu lar.
Sumarizando, a análise da Tabela 1 revela algumas diferenças entre os dois grupos etários, sugerindo que a adaptação dos bebês maiores envolve um maior planejamento, ao mesmo tempo que segue mais o ritmo do próprio bebê. Por outro lado, parece que no caso dos bebês de 4-5 meses é dispensada maior atenção e cuidados individualizados. Isto deve ocorrer devido ao fato de os bebês menores serem mais dependentes e parecerem mais frágeis aos olhos das educadoras.
Tempo que demora para o bebê estar bem adaptado à creche, retrocessos e fatores que interferem na adaptação
Nesta parte examina-se quanto tempo depois de entrar na creche pode-se dizer que o bebê está bem adaptado, assim como a ocorrência de retrocessos na sua adaptação e os fatores que interferem neste processo. Os três temas são analisados separadamente, apesar de estarem intimamente relacionados.
Inicialmente, examina-se quanto tempo o bebê demora para adaptar-se à creche. Para fins de análise foi considerada a seguinte questão: Quanto tempo depois de entrar na creche pode-se dizer que o bebê de 4-5 meses está bem adaptado? A questão foi repetida para a faixa dos 8-9 meses. Devido à clareza e objetividade das respostas, nesta subcategoria temática não foi realizado o teste de fidedignidade entre codificadores. ATabela 2 apresenta a porcentagem e freqüência de respostas, por faixa etária, sobre o tempo que os bebês demoram para se adaptar à creche.
Como pode ser visto na Tabela 2, considerando-se a amostra total, 54% das educadoras afirmou que não existe um tempo definido para a adaptação à creche, mas que este depende de cada bebê. Esta perspectiva de que não existe um tempo definido foi inclusive mais salientada pelas educadoras em relação aos bebês mais velhos (60%) do que em relação aos mais novos (48%). Chama a atenção que 14% das educadoras salientaram que bebês na faixa de 4-5 meses demorariam mais de dois meses na sua adaptação, tendência esta que não foi enfatizada para os mais velhos.
Estes dados estão de acordo com a literatura revisada, indicando que a adaptação é um processo complexo e gradual, e que cada bebê precisa de tempos diferentes para adaptar-se (Balaban, 1988a). Fein e cols. (1993) e Rodriguez (1981) verificaram que alguns sinais de angústia tendiam a diminuir ao longo dos primeiros cinco dias de freqüência à creche. Estas mudanças seriam devidas à crescente familiaridade com as outras crianças do grupo (Fein, 1995) e ao aumento de familiaridade com os adultos e com as rotinas e o ambiente (Howes, 1990). Entretanto, segundo Fein e cols. (1993) a adaptação seria ainda marginal mesmo após 3 meses, mas substancial após 6 meses. Os achados de Fein e colaboradores não são apoiados pelos dados coletados no presente estudo, considerando que o período de mais de dois meses para adaptação só foi referido por 14% das educadoras que trabalham com bebês menores. Esta inconsistência com a literatura pode ser devida aos diferentes indicadores do que seja adaptação, utilizados por Fein e colaboradores e aqueles utilizados pelas educadoras que participaram do presente estudo.
É possível que as educadoras, na expectativa de verem os bebês rapidamente adaptados, utilizem indicadores superficiais de modo que a partir de alguns poucos comportamentos favoráveis do bebê em relação ao novo ambiente já o consideram adaptado. É nesta perspectiva que, talvez, deva-se entender alguns dados coletados no presente estudo para ambas as faixas etárias como, por exemplo, os que mostram que 20% das educadoras mencionou o período de um mês para o bebê se adaptar à creche e outras 15%, apenas 15 dias. De qualquer modo, sobressai da Tabela 2 a idéia de que o tempo de adaptação depende de cada caso, pelo menos para a maioria das educadoras.
Considerando que a adaptação não é um processo linear, examina-se a seguir a situação de bebês que, depois de se mostrarem bem adaptados, voltaram a apresentar dificuldades de adaptação. Para fins de análise foi considerada a seguinte questão: Você já teve alguma situação de bebês que depois de se apresentarem bem adaptados, voltaram a apresentar dificuldades de adaptação? A que você atribuiria isso? A questão foi repetida para as educadoras da faixa dos 4-5 meses e dos 8-9 meses. A Tabela 3 apresenta as principais categorias temáticas que apareceram a partir da análise de conteúdo realizada a respeito dos fatores aos quais foram atribuídos os retrocessos: Devido ao afastamento da creche; Devido a fatores familiares; e Devido ao próprio bebê. O índice de fidedignidade entre codificadores medido pelo Kappa foi de 0.92.
Como pode-se observar na Tabela 3, a maioria das educadoras (57%) já teve casos de bebês que, depois de se apresentarem bem adaptados, voltaram a apresentar dificuldades de adaptação. O índice foi um pouco maior para a faixa de 4-5 meses (60%) e menor para a faixa de 8-9 meses (53%). Este fenômeno tem sido apontado na literatura mostrando que a criança pode ficar muito bem na creche até que um dia começa a apresentar sinais de regressão (Balaban, 1988a; Brazelton, 1994).
Na verdade, as faltas freqüentes e, por vezes, até as irregularidades nos horários de entrada e saída interferem na adaptação, favorecendo que o processo se estenda por mais tempo ou que até mesmo regrida (Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993). Para Balaban (1988a), o período após as férias e as segundas-feiras após o fim de semana com os pais são momentos que podem estar associados a retrocessos. Isto é corroborado pelos dados do presente estudo onde 30% das educadoras atribuíram os retrocessos ao afastamento da creche. Isto apareceu um pouco mais acentuado para a faixa dos 4-5 meses (35%) do que para a faixa dos 8-9 meses (24%).
Outro fator que influencia as reações da criança durante o período de adaptação é a forma como a família, principalmente a mãe, vê a entrada do filho na creche (Rossetti-Ferreira & Amorim, 1996). É comum os pais se sentirem inseguros e desconfiados, principalmente quando se trata do primeiro filho, que ainda é bebê (Brazelton, 1994). No presente estudo, as educadoras também associaram os retrocessos a fatores familiares (16%) e isto apareceu de modo mais expressivo para a faixa de 8-9 meses (24%) e menos para os menores (10%). As educadoras mencionaram ainda que os retrocessos eram por vezes devidos ao próprio bebê (22%). Isto foi mais freqüente no caso de educadoras de bebês menores (25%) do que para os maiores (18%).
Afora estes fatores, nenhum outro fator mencionado pelas educadoras chamou atenção. Importante notar que as educadoras não mencionaram, por exemplo, a qualidade do atendimento (Howes, 1990) ou o comportamento da própria educadora (Fein & cols., 1993; Fein, 1995) como fatores associados aos retrocessos na adaptação. É razoável supor que a baixa qualidade da creche pode resultar em aumento da ansiedade dos pais e, neste sentido, quanto maior a satisfação da mãe com o cuidado dispensado, menor a sua apreensão em colocar a criança na creche (Mann & Thornburg, 1987; Zigler & Ennis, 1989; citados por Zajdeman & Minnes, 1991). Para Fein (1993) pode acontecer das educadoras darem uma atenção especial nos primeiros dias, mas depois que a criança fica bem mudam a sua forma de agir, podendo resultar em retrocessos na adaptação.
Além disso, as educadoras também não mencionaram que determinadas fases do desenvolvimento poderiam levar a retrocessos na adaptação. Conforme Rodriguez (1981), crianças bem adaptadas, que já estavam na creche há muitos meses, freqüentemente voltavam a protestar na hora da separação, choravam e ficavam grudadas às suas mães como fizeram logo que entraram na creche na fase de reação frente a estranhos (6-12 meses) e na fase de reaproximação de Mahler (16-22 meses).
A seguir são examinados os fatores que interferem na adaptação à creche. Apesar de não terem sido explicitamente questionados, foram eles mencionados por um número expressivo de educadoras 61% (25) em várias questões, como uma forma de complementar e qualificar suas respostas. Embora alguns deles sejam semelhantes aos atribuídos aos retrocessos na adaptação, são analisados separadamente pois eles podem influenciar a adaptação desde o início e não apenas os eventuais retrocessos. A Tabela 4 apresenta os principais fatores gerados a partir das respostas das educadoras e que foram classificados em três grandes categorias:Fatores do bebê; Fatores familiares; e Fatores da creche. O índice de fidedignidade entre dois codificadores que classificaram 30% das respostas foi obtido através do Kappa (K = 0.91).
Como pode ser visto na Tabela 4, para o total das educadoras que mencionaram fatores que influenciam na adaptação, os que mais interferem na adaptação são os fatores do bebê (ex. experiência de convívio social, idade, temperamento, estar sendo amamentado) mencionado por 60% das educadoras; os fatores familiares (ex. ansiedade e tranquilidade dos pais, problemas no funcionamento familiar) mencionado por 40% das educadoras e fatores da creche (ex. planejamento da adaptação e características da educadora) mencionados por 32% das educadoras. Interessante notar que, em relação aos fatores do bebê, o sexo do bebê não foi referido como um dos fatores que afeta a adaptação. Este dado pode refletir contradições que também aparecem em outros estudos. Por exemplo, várias pesquisas têm indicado que meninos, em geral, tendem a demorar mais para se adaptar à escola do que meninas da mesma idade (Davies & Brember, 1991). Porém, no estudo de Zajdeman e Minnes (1991), os resultados não indicaram idade, nem gênero, nem a interação de gênero com idade como preditores significativos da adaptação da criança aos cuidados alternativos.
Examinando cada um destes fatores, os fatores familiares foram mencionados como afetando mais aos bebês de 4-5 meses (57%), em comparação com os bebês de 8-9 meses (18%). Este dado pode estar relacionado à maior desorganização emocional e dependência do bebê pequeno, que também solicita mais a disponibilidade dos pais. Já os bebês de 8-9 meses parecem ser mais afetados por fatores do próprio bebê (73%), especialmente a experiência de convívio social (45%), idade (27%) e ficar muito tempo com a mãe (27%). Por outro lado, as educadoras mencionaram o fato de o bebê ainda ser amamentado como afetando mais aos bebês de 4-5 meses (29%), provavelmente porque muitos bebês deste grupo estão acostumados a mamar antes de dormir, de modo que terão dificuldade de dormir na creche, sem falar que muitos bebês quando entram na creche precisam se adaptar a uma alimentação diferente do leite materno.
Por fim, as educadoras mencionaram algumas vezes os fatores da creche como interferindo na adaptação. Quando mencionados eles foram associados mais à faixa dos 8-9 meses (45%) do que à faixa dos 4-5 meses (14%). É interessante notar que as características da educadora e o planejamento da adaptação foram pouco mencionados como associados à adaptação dos bebês, especialmente dos menores. Na verdade, o comportamento do cuidador é um dos aspectos da qualidade do atendimento mais relevante para compreender a adaptação da criança à creche. A qualidade dos cuidados pode depender em parte da habilidade dos profissionais de serem responsivos, levando em conta padrões individuais de cada criança (Fein, 1995).
Indicadores de adaptação de bebês à creche
Nesta parte examinam-se os indicadores de adaptação mencionados pelas educadoras. Para fins de análise foram consideradas as seguintes questões: Quais os critérios para se dizer que um bebê de 4-5 meses está bem adaptado? Eu gostaria que você me desse um exemplo de um bebê que entrou na creche com 4-5 meses e teve dificuldade para se adaptar. Descreva o que aconteceu e por que foi considerado um caso de adaptação difícil, e; Eu gostaria que você me desse um exemplo de um bebê que entrou na creche com 4-5 meses e teve facilidade para se adaptar. Descreva o que aconteceu e por que foi considerado um caso de adaptação fácil. As questões foram repetidas para a faixa dos 8-9 meses.
A Tabela 5 apresenta os principais indicadores mencionados pelas educadoras que apareceram na análise de conteúdo e foram classificados em 8 grandes categorias: Reações na chegada, Ficar na creche; Funcionamento fisiológico do bebê; Interação com a educadora; Interação com o ambiente; Interação com outros bebês; Manifestações afetivas gerais; e Reações na saída. O índice de fidedignidade entre dois codificadores que classificaram 30% das respostas foi obtido através do Kappa (K = 0.93).
Como pode ser visto na Tabela 5, independente da faixa etária os indicadores de adaptação mais mencionados foram: Interação com a educadora (73%); Interação com o ambiente (73%); e Manifestações afetivas gerais(73%). Estes fatores são semelhantes àqueles destacados por Varin e cols. (1996) como sendo dos mais importantes na avaliação da má adaptação de crianças na creche.
Outros fatores também mencionados com freqüência foram o Funcionamento fisiológico do bebê (68%); Reações na chegada (41%); Ficar na creche (20%); Interação com outros bebês (22%); e Reações na saída (5%). Com exceção do primeiro fator, todos estes fatores foram também mencionados por Varin e cols., como fatores importantes para se avaliar a má adaptação.
Considerando os indicadores de adaptação à creche em cada faixa etária, a análise dos dados revelou diferenças em relação às categorias citadas. Na faixa etária de 4-5 meses, as categorias mais citadas foram:Manifestações afetivas gerais (81%); Funcionamento fisiológico do bebê (71%); Interação com a educadora(67%); e Interação com o ambiente (62%). Para a faixa etária de 8-9 meses, as categorias mais citadas foram:Interação com o ambiente (85%), Interação com a educadora (80%); Funcionamento fisiológico do bebê (65%); e Manifestações afetivas gerais (65%). Nas duas faixas etárias as categorias mais citadas foram as mesmas, só alterou-se a ordem de importância de cada uma. As categorias Reações na chegada; e Reações na saídaaparecem com porcentagens semelhantes nas duas faixas etárias, não revelando diferença entre as idades.
Vários autores têm estudado as reações de bebês ao separarem-se da mãe, enfatizando que reações, no reencontro com a mãe, podem explicar de forma mais clara como o bebê sentiu-se diante deste evento (Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978). Porém, parece que para as educadoras as reações do bebê na saída da creche, ou seja, no reencontro com a mãe, não se constituem em indicadores importantes de adaptação dos bebês que elas atendem. Isto pode ser devido ao despreparo teórico das educadoras frente à teorização sobre o desenvolvimento emocional do bebê, ou ao fato de serem comportamentos que, segundo a percepção delas, não interferem no seu trabalho visto que o bebê está indo embora com a mãe.
Com o objetivo de examinar a resposta de crianças à separação nos três primeiros meses na creche, Bloom-Feschbach e cols. (1980) investigaram comportamentos diretamente relacionados com a separação (ex: choro, protesto verbal, ficar grudado nos pais/atendente) e comportamentos indiretos, como relacionamento afetivo da criança com a educadora (ex: buscar atenção, contato, solicitar ajuda para algo). Os autores constataram que as expressões de sofrimento na separação podiam perdurar durante quatro semanas e ainda estar associadas com uma adaptação positiva. O protesto direto seria uma reação natural e esperada à separação, fazendo parte de uma adaptação saudável à creche. Os padrões de comportamento apático, retraído e distante estiveram associados a uma adaptação problemática.
Com o objetivo de examinar a eventual diferença no número de indicadores de adaptação à creche mencionados pelas educadoras para cada faixa etária, foi utilizada análise de variância. Os resultados não mostraram diferença significativa no número médio de indicadores mencionados pelas educadoras nas duas faixas etárias estudadas (4-5 meses, M = 3,52 e DP = 1,08; 8-9 meses, M = 4,0 e DP = 1,48). Ocorreu apenas uma diferença marginal, mostrando que quanto mais velho o bebê, maior foi o número de indicadores utilizados pelas educadoras. Isto deve estar relacionado a características de desenvolvimento dos próprios bebês que, com a idade, adquirem novas competências, tornando a caracterização do seu processo de adaptação mais complexa. Além disso, com o aumento da idade o próprio contexto da creche passa a exigir cada vez mais do bebê.
Karraker, Lake e Parry (1994) verificaram que a reatividade dos bebês a eventos estressantes aumentou com a idade, assim como o uso de uma variedade maior de recursos para enfrentar o estresse, refletindo mudanças na maturidade cognitiva e motora e aumento na organização comportamental. Por outro lado, respostas corporais diminuíram com a idade do bebê. Lewis, Koroshegui, Douglas e Kampe (1997) também confirmaram a associação entre as respostas emocionais a um evento e mudanças no desenvolvimento cognitivo do bebê em função de sua idade.
Devido ao fato de os bebês de 8-9 meses estarem enfrentando a fase de medo de estranhos (Bowlby, 1973/1993; Karraker & Lake, 1991; Rodriguez, 1981) era esperado que reagissem de forma mais intensa ao ambiente e às pessoas na creche, demonstrando estranhamento e medo. Conforme Bowlby (1973/1993), em alguns bebês de sete meses e em quase todos de nove meses, a visão de um estranho provoca uma resposta de medo. Nesta mesma época, o bebê passa também a temer objetos e situações estranhas. Estas reações são vistas como uma resposta adaptativa fundamental. A expectativa inicial era de que as educadoras tenderiam a retratar este fenômeno descrevendo a reação afetiva dos bebês mais velhos na creche como mais intensa do que dos mais novos. Contudo, os dados do presente estudo não apoiam esta expectativa, haja visto que a categoria manifestações afetivas gerais teve uma incidência de respostas inferior para os maiores (65%) em comparação aos bebês menores (81%). Isto pode ser porque a principal forma de comunicação dos bebês menores é o próprio corpo e o choro, enquanto os bebês maiores, devido ao seu desenvolvimento cognitivo, motor e emocional, têm outros recursos para se expressar.
Em um estudo realizado pela autora (Averbuch, 1999) acompanhando a adaptação de três bebês de 4-5 meses e três de 7-8 meses durante as 10 primeiras semanas na creche, chamou a atenção a freqüência de adoecimento e conseqüente afastamento da creche entre os bebês de 4-5 meses, o que não ocorreu com os bebês de 7-8 meses. Além disso, observaram-se diferenças nas reações na chegada à creche entre os grupos estudados, indicando que os bebês de 4-5 meses não manifestaram protesto no momento da chegada. Em contrapartida, dois bebês de 7-8 meses demonstraram, desde o primeiro dia, intenso sofrimento, decorrente da separação e da adaptação à creche. O choro deles era muito intenso desde o momento da chegada, prolongando-se após a partida materna. É possível que a idade destes bebês, durante a qual é comum uma forte reação frente a estranhos, tenha contribuído para as dificuldades de adaptação.
Considerando que cada contexto tem suas particularidades, demandas e valores, os indicadores de adaptação não podem ser extrapolados para qualquer cultura. Por exemplo, no estudo de Klein e Ballantine (1988), as crianças cujas características individuais não mostravam uma boa adequação aos padrões culturais, eram percebidas como pobremente adaptadas. Neste sentido, a estrutura de indicadores de adaptação do bebê à creche reflete as expectativas da cultura em que as educadoras da amostra trabalham.
Considerações Finais
Os resultados do presente estudo confirmaram a expectativa inicial de que as educadoras caracterizariam de forma diferenciada a adaptação de bebês de 4-5 meses e 8-9 meses. As evidências revelaram que a adaptação é um processo complexo e gradual no qual cada criança precisa de um período de tempo diferente para adaptar-se. Deste modo, a adaptação de um bebê não é igual à de outro, sendo necessário muitas vezes adequar-se os procedimentos de adaptação às particularidades de cada caso. As reações da criança durante a adaptação à creche podem variar muito e dependem de diversos fatores, de forma que a compreensão da adaptação da criança requer uma análise completa de todos os fatores envolvidos.
Este estudo examinou, em particular, três temas relacionados à adaptação de bebês à creche. Em relação ao processo de adaptação nas creches, de uma forma geral, o horário reduzido nos primeiros dias tem sido muito utilizado. Isto se faz necessário para fazer uma transição gradual dos cuidados maternos para os cuidados dispensados pela(s) educadora(s) num ambiente desconhecido que é o da creche. Além disso, auxilia na elaboração da separação mãe-bebê procurando atenuar este processo para a díade. Lamentavelmente, nem todas as creches parecem utilizar o horário reduzido, como procedimento padrão, para facilitar a adaptação dos bebês.
Chamou a atenção, ainda, a maior preocupação das educadoras com os critérios para organizar o tempo na creche e preparar a adaptação dos bebês de 8-9 meses, sugerindo que a adaptação destes bebês exije maior atenção e, talvez, porque esta seja uma etapa crítica do desenvolvimento. Por outro lado, parece que para os bebês menores é mais importante a forma como a educadora lida com eles, favorecendo uma continuidade com o lar. É provável que a fragilidade e extrema dependência dos bebês de 4-5 meses tendam a despertar estes cuidados nas educadoras. Um outro fator investigado foi o tempo que os bebês demoram para se adaptar. Como era de se esperar, para a maioria das educadoras o tempo depende de cada criança, principalmente no caso dos bebês de 8-9 meses, os que, provavelmente, têm uma adaptação mais difícil. Entretanto, chama a atenção que o período de mais de 2 meses foi mencionado apenas para os bebês de 4-5 meses.
No que se refere aos fatores atribuídos pelas educadoras em relação aos retrocessos na adaptação, a maioria delas já havia experienciado casos de retrocessos. Segundo Rodriguez (1981), retrocessos na adaptação são comuns principalmente em duas fases do desenvolvimento, entre 6-12 meses e entre 16-22 meses, coincidindo com duas etapas críticas do desenvolvimento. A primeira refere-se à da ansiedade de separação (Bowlby, 1973/1993), quando a criança adquire capacidade cognitiva de manter a mãe na memória e passa a temer pessoas e situações estranhas, bem como a própria separação da mãe. A segunda refere-se à crise da reaproximação descrita por Mahler (1982). Conforme Mahler, neste momento a criança já caminha e procura afastar-se da mãe, o que de um lado lhe dá prazer, mas de outro acarreta ansiedade de separação, fazendo-a retornar à mãe. Este período de crescente consciência da separação é acompanhado, muitas vezes, de um comportamento da criança de perseguição da sua mãe.
No presente estudo a incidência de relatos de retrocesso foi bastante alta, apresentando índices semelhantes tanto para os bebes de 4-5 meses como para os de 8-9 meses. Dentre os fatores atribuídos pelas educadoras para explicar estes retrocessos chama a atenção que o afastamento da creche foi mais enfatizado para os bebês de 4-5 meses, enquanto que os fatores familiares, mais aos bebês de 8-9 meses. Ambos grupos de fatores têm sido citados na literatura como influenciando a adaptação dos bebês à creche (Balaban, 1988b; Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993).
No que se refere aos fatores que interferem na adaptação, aqueles associados ao bebê foram os mais mencionados pelas educadoras especialmente no caso dos bebês de 8-9 meses e, em menor proporção, no caso dos bebês de 4-5 meses. Nesta categoria foi mencionada em particular a experiência de convívio social do bebê, sua idade, temperamento e saúde, ter ficado muito tempo com a mãe ou ser ainda amamentado. Alguns destes fatores têm sido mais mencionados na literatura como podendo interferir na adaptação como, por exemplo, os sentimentos maternos (Rossetti-Ferreira & Amorim, 1996), a idade da criança (Zajdeman & Minnes, 1991) e o temperamento da criança (Klein, 1991).
Além dos fatores associados ao próprio bebê, os fatores familiares foram também muito mencionados pelas educadoras, principalmente para os bebês de 4-5 meses. A forma como a família, principalmente a mãe, vê a entrada do filho na creche influencia as reações da criança durante o período de adaptação (Balaban, 1988b; Rossetti-Ferreira & Amorim, 1996). As mães podem experienciar sentimentos ambivalentes, conscientes ou inconscientes, sobre deixar suas crianças aos cuidados de outras pessoas (McMahon, 1994). Além disso, Castoldi (1997) encontrou que crianças com boa adaptação vinham de famílias nucleares, mantinham vínculo de proximidade com a família de origem e seus pais traziam expectativas positivas em relação a elas na escola. Nos casos de adaptação difícil, várias crianças eram de famílias uniparentais, com ausência paterna, recebiam pouco apoio de suas mães e as mães não tinham apoio da família de origem.
Destaca-se ainda das análises, os fatores associados à própria creche mencionados como afetando a adaptação particularmente dos bebês de 8-9 meses, talvez porque, como assinalado pelas educadoras, os bebês maiores exijam maior preparação e planejamento e os menores uma atenção mais maternal. A qualidade do atendimento da própria creche tem sido um dos fatores também mais enfatizados na literatura como muito importante na adaptação dos bebês (Howes, 1990).
A partir das respostas das educadoras foi possível elaborar uma estrutura de categorias sobre os indicadores de adaptação mais enfatizados pelas próprias educadoras. Esta estrutura envolve diversos dos fatores sugeridos por Varin e cols. (1996) na sua escala de avaliação sobre bem estar e máadaptação. A vantagem da estrutura proposta neste trabalho é que ela deriva da experiência relatada pelas próprias educadoras, além de acrescentar também alguns fatores á proposta de Varin como, por exemplo, o funcionamento fisiológico do bebê. Em contrapartida, o fator dificuldade geral durante a reunião com os pais, com comportamento evitativo e resistente, sugerido por Varin e colaboradores, e de grande relevância para compreender como a separação foi sentida pelo bebê, foi muito pouco mencionado pelas educadoras do presente estudo. Baixa tolerância à frustração e ao estresse referida por estes autores não foram mencionados neste estudo.
Dentre estes indicadores de adaptação mencionados pelas educadoras destacam-se, de uma forma geral, a interação do bebê com ela e com o ambiente, as suas manifestações afetivas gerais e o funcionamento fisiológico do bebê. É importante notar que houve diferenças entre os indicadores mencionados para as duas faixas etárias. A interação com a educadora, com o ambiente e com outros bebês foram mais citados para a faixa de 8-9 meses Já as manifestações afetivas gerais foram mais mencionadas para os bebês de 4-5 meses. Isto deve estar relacionado ao fato de que os bebês maiores apresentam um maior desenvolvimento cognitivo, emocional e têm mais capacidade de estabelecer trocas interativas, enquanto os menores utilizam mais as manifestações afetivas como forma de se expressar.
Embora no presente estudo as diferenças encontradas nos relatos das educadoras sobre as duas faixas etárias sejam pequenas, isto provavelmente ocorreu porque as idades investigadas foram bastante próximas, e ambas envolviam dois momentos do primeiro ano de vida do bebê. Na verdade, o primeiro ano de vida tem sido considerado mais crítico quanto à adaptação à creche do que outras idades como, por exemplo, 12 e 17 meses ou depois dos 24 meses (Varin & cols., 1996). Um estudo realizado por Fein e cols. (1993) também revelou diferenças significativas em aspectos da adaptação de bebês (4-11 meses) e crianças pequenas (12-19 meses). Portanto, a investigação compreensiva da adaptação da criança à creche requer que a idade da criança seja sempre considerada (Zajdeman & Minnes, 1991). Acredita-se que quanto maior a diferença de idade, mais se evidenciarão eventuais diferenças na adaptação à creche.
Os dados deste estudo revelaram ainda que a adaptação de bebês de 8-9 meses parece ser um processo mais crítico e delicado do que para os bebês de 4-5 meses, demandando maior cuidado e preparação da adaptação. Isto pode ser observado nas respostas das educadoras sobre o horário reduzido nos primeiros dias, os critérios para organizar o tempo na creche e preparar a adaptação, inclusive através de atividades específicas durante o processo de adaptação.
Além disso, o tempo que o bebê demora para se adaptar parece ser menos previsível para os bebês de 8-9 meses, talvez devido ao papel desempenhado pelas diferenças individuais mais marcantes neste grupo de bebês maiores. Os fatores associados ao bebê e os fatores relacionados à creche também parecem afetar mais a adaptação dos maiores, refletindo também a influência das características do próprio bebê, assim como sua maior sensibilidade ao planejamento da adaptação e às características da educadora.
O presente estudo propõe uma estrutura de categorias sobre indicadores de adaptação à creche que poderá ser utilizada em futuras investigações envolvendo critérios de adaptação de bebês à creche. Os resultados mostram que alguns indicadores foram muito mais utilizados que outros, o que merece ser levado em consideração especialmente por terem sido mencionados pelas próprias educadoras e não derivados da literatura. Chamou a atenção o fato de que alguns indicadores estiveram particularmente associados a uma ou outra faixa etária, o que indica que seu uso precisa ser contextualizado. Na verdade, a avaliação da adaptação deve considerar várias categorias de indicadores e não se restringir a um dado em particular. Os resultados descritos apontam para a complexidade da adaptação à creche e dos eventuais retrocessos neste processo, tão comuns entre os bebês e crianças pequenas, segundo os relatos das educadoras. Com base nos resultados obtidos no presente estudo, surgiram diversas questões a serem provavelmente respondidas em futuras investigações.
Referências
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1 Este artigo é baseado em parte da dissertação de mestrado de Andrea Rapoport Averbuch, bolsista CAPES, realizada sob a supervisão de Cesar A. Piccinini, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da UFRGS, Porto Alegre - RS.
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