Artigos Científicos

Envolvimento de pais em creche: possibilidades e dificuldades de parceria

Eliana Bhering; Tatiane Bombardelli De Nez

8 de junho de 2015

Psic.: Teor. e Pesq. v.18 n.1 Brasília jan./abr. 2002

 

Envolvimento de pais em creche: possibilidades e dificuldades de parceria1

 

Eliana Bhering2; Tatiane Bombardelli De Nez

Universidade do Vale do Itajaí

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O envolvimento de pais com a educação das crianças, hoje no Brasil, é muito pouco investigado, seja na educação infantil ou nos outros níveis de educação. No entanto a literatura estrangeira nos aponta vários caminhos dependendo do foco da pesquisa. Neste estudo, a literatura usada foi a tipologia de Epstein (in Brandt, 1989), as esferas sobrepostas (Epstein, 1987), ambas baseadas na teoria ecológica de Bronfenbrenner (1979, 1996), e o modelo das pirâmides invertidas de Hornby (1990). O objetivo deste estudo consistiu em identificar os aspectos da relação entre a creche e os pais no que se refere à comunicação, expectativas e dificuldades de relacionamento, contribuições e as estratégias utilizadas para o envolvimento dentro da perspectiva dos pais, professoras e atendentes. Este estudo usa dados qualitativos coletados em entrevistas (questionário semi-estruturado) com 33 pais de crianças de 0 a 6 anos, 7 professores e 8 atendentes de uma creche de iniciativa voluntária. Os resultados, depois de análise feita através de categorias, mostram que a comunicação existente impossibilita a proximidade e trocas de informações. A atitude da creche para os pais é calcada numa postura de oferecimento da assistência à criança e a atitude dos pais na receptividade limitada calcada numa postura de favorecimento por estes serviços. O desconhecimento sobre as possibilidades de envolvimento exclui os pais, e delega à creche o poder de decisão sem a participação ativa da família.

Palavras-chave: creche; envolvimento de pais; comunicação; parceria; assistencialismo.


ABSTRACT

Parental involvement in Brazilian early childhood centers and schools have been overlooked in both psychology and education literature. However, internationally, the topic has been greatly investigated and the literature has helped schools and researchers to develop projects both to help parental involvement practices as well as research. This study and instruments were mainly based on the overlapping spheres (Epstein, 1987) and Hornby's (1990) pyramids model, and Epstein's typology respectively. Epstein's work has been based on Bronfenbrenner's ecological theory. The objective of the study was to identify meaningful aspects of the relationship between the childcare center and parents (difficulties and expectations); communication; and parent involvement strategies within the parents and classroom staff perspective. The study uses qualitative data from interviews with 33 parents, 7 teachers and 8 childcare workers in a voluntary childcare centre. Results, after data categorization, indicated that the existing communication strategies between childcare centre and parents prevent them from exchanging information and have close relationship. Teachers and childcare workers' attitude to parents tended to be distant and oriented to child care only; parents' attitude to childcare centre tended to be passive to what may be offered to both the child and family. Lack of knowledge about parent involvement and partnership possibilities from both parties was also found.

Key words: childcare centre; parent involvement; communication; partnership; care.


 

Alguns estudos dentro da área da Psicologia do Desenvolvimento nos indicam que os primeiros anos de vida são aqueles em que o indivíduo aprende todas as habilidades básicas que determinarão as aprendizagens específicas ao longo de sua vida (Sylva & Lunt, 1982). Pensando nisso, as instituições que lidam com a infância estão ampliando seus serviços para além do suprimento das necessidades básicas da criança, rumo a uma função educacional e pedagógica, e não só assistencialista. Este olhar sobre o desenvolvimento integral infantil leva em conta os diversos contextos onde a criança se insere. Baseado na perspectiva ecológica de desenvolvimento de Bronfenbrenner (1996) sobre os diferentes contextos que o indivíduo freqüenta, Epstein (1987) aponta que a família é um dos contextos mais importantes do mundo ecológico da criança, pois é através dela que a criança é apresentada ao mundo ao seu redor. Sendo a creche um dos contextos onde um número bastante expressivo de crianças pequenas no Brasil passa grande parte do seu tempo, a qualidade de seus serviços e o atendimento às comunidades carentes são, cada vez mais, tópico para discussão.

A importância do envolvimento de pais nesta fase é então auto-explicativa: família e escola/creche, juntas, podem promover situações complementares e significativas de aprendizagem e convivência que realmente vão de encontro às necessidades e demandas das crianças e de ambas instituições. Apesar de haver diferenças distintas entre as obrigações da família e da escola, há também responsabilidades e objetivos comuns entre elas (Epstein, 1987; Haddad, 1987). Criar condições, ambientes e atividades favoráveis para o desenvolvimento da criança é um dos objetivos (e desejos) comuns de ambas as instituições. A família e a escola dividem e partilham suas responsabilidades no que diz respeito à educação e a socialização das crianças (Epstein, 1987). Desta forma, o envolvimento de pais na escola/creche é, atualmente, considerado um componente importante e necessário para o sucesso das crianças. Becker (conforme citado por Cavalcante, 1998) afirma que pais que estão envolvidos na escolaridade dos filhos desenvolvem uma atitude mais positiva com relação à escola e com relação a si mesmos, tornando-se mais ativos na sua comunidade e melhorando seu relacionamento com os filhos. A noção de parceria entre pais e creche constitui o cerne de qualquer programa de participação dos pais na vida diária da instituição e tem sido identificada por muitos autores (Bronfenbrenner, 1979; Davies, 1989; Epstein, 1989, citado em Marques, 1993; Seeley, 1985;) como um componente essencial da reforma educativa, visando a melhoria da qualidade da escola e a igualdade de oportunidades para todos, incluindo os mais desfavorecidos. A iniciativa, porém, parece ser delegada à instituição, oportunizando o surgimento de laços de amizade, confiança, troca, ajuda e segurança até a cisão do envolvimento com os pais (Marques, 1993). Muitas vezes, a iniciativa para o envolvimento dos pais com a creche é desenvolvida sem levar em consideração que ambos podem traçar metas semelhantes e que o que uma parte faz pode compensar o que a outra não consegue fazer.

Tizard e Hughes (1984) concluíram que as interações das crianças em casa com os pais são consistentemente mais ricas e desafiadoras para elas do que com as professoras na pré-escola/creche. Contudo, eles não parecem concluir que as crianças estarão mais bem cuidadas em casa com seus pais do que na educação infantil, pois estas são duas situações distintas (mesmo que ainda complementares) com valores distintos (e necessários).Também não se trata dizer que as crianças aprendem mais em casa do que nas creches, porque não podemos garantir que todos os pais (brasileiros) têm a possibilidade de orientar as interações com os filhos de maneira desafiadora e desejável como indicado pela pesquisa de Tizard e Hughes. Um programa que abrange todas as áreas do desenvolvimento infantil dá a oportunidade à criança de se expressar e experimentar situações desafiadoras e propícias ao desenvolvimento integral delas (Hohmann & Weikart, 1995). Portanto, diante dos resultados de importantes pesquisas e novas abordagens de encarar a infância, a resposta para tal procedimento só levará a uma rua de mão única: o envolvimento de pais. "O envolvimento de pais com a escola passou a ser considerado nos últimos anos como uma preocupação necessária e legítima e não mais como uma "opção extra" que as escolas poderiam ou não ter (Bastiani, 1993, conforme citado por Bhering & Siraj-Blatchford, 1999). Diante disso, os pais poderão ter a chance de tomar o seu devido lugar no processo educacional (formal) de seus filhos desde os seus primeiros dias na creche. Epstein (1987) e Mortimore, Sammons, Stoll, e Ecob (1988) incluem os pais como um dos elementos-chave para uma educação de qualidade, juntamente com outras variáveis organizacionais tais como o ensino, o currículo e as instalações. A relação família/escola passa a ser compreendida como um universo a ser explorado e aplicado de acordo com as necessidades específicas de cada instituição e grupos de pais.

No diagrama elaborado por Epstein (conforme citado por Bhering & Siraj-Blatchford, 1999, p.194), a relação escola-família é retratada por duas "esferas sobrepostas" onde ambas atuam em favor da criança, criando um modelo dinâmico de relacionamento entre pais e professores, que tanto pode se dar num processo contínuo, quanto com o surgimento de novas necessidades e, portanto, novas maneiras de participação e envolvimento. Qualquer mudança drástica ou um abandono das práticas e do contato entre a escola e a família significará uma quebra no sistema das esferas sobrepostas. O sistema das esferas sobrepostas ajuda-nos a compreender não só as possibilidades de envolvimento, como também instiga a utilização de maneiras e momentos variados para traçar planos e ações que envolvem os pais.

Estudos sobre envolvimento de pais foram realizados com o objetivo de pontuar as mais diversas maneiras que creches e escolas desenvolvem práticas para incluir os pais na suas agendas. Jowett e Baginsky (1988), Jowett, Baginsky e MacNeil (1991), Cyster, Clift e Battle (1979), Wolfendale (1983), Epstein (1986), Smith (1980) apontaram as muitas maneiras que os pais podem se envolver com a educação de seus filhos, desde ajudas práticas até o envolvimento em atividades curriculares (ensino e aprendizagem) feitas na escola, em casa ou ainda em outros ambientes que complementam a formação da criança. Estudos brasileiros na área (Ferraz, 1986; Falcão, 1989; Pinto, 1985; Smolka, 1989; Zanella & cols, 1997) enfatizam que os pais brasileiros também gostariam de saber mais sobre a rotina nas creches/escolas que seus filhos freqüentam e de receber ajuda da escola para compreenderem melhor sobre o desenvolvimento infantil não só a nível acadêmico, mas também a nível social (e da educação informal).

Estes estudos ressaltam também o movimento das camadas populares pela luta pelo direito à escolaridade - de ter um número suficiente de escolas e creches para atender seus filhos e maior acesso e melhoria da qualidade do ensino público (Carvalho, 1989; Vianna, 1993). Haddad (1987) discorre sobre a relação entre a creche e a família dentro da mesma perspectiva. A luta dos pais geralmente passa por níveis estruturais representados por Associações de Pais e Professores, Colegiados e Conselho da escola com o objetivo de garantir aos seus filhos o mínimo necessário para a continuidade de escolarização, e não tanto com o processo educativo em si como Epstein e outros sugerem. Zanella e cols (1997) defendem que "a participação dos pais significa visualizar a escola como um espaço democrático em que as pessoas possam exercer sua cidadania" (p.145). Apesar da participação dos pais nestes movimentos incluir um número grande de adeptos, ela reduz o seu número de pais que realmente se envolvem com as questões da creche/escola. Desta forma, é de direito dos pais ter a possibilidade de se envolverem também com o processo ensino-aprendizagem, além de terem o direito de voto e a um espaço para expressarem suas opiniões, demandas. Existem outras maneiras e níveis eficazes de envolver os pais com a instituição.

A tipologia desenvolvida por Epstein (citado em Brandt, 1989) inclui seis tipos de envolvimento de pais. Epstein e Dauber (1991) salientam, no entanto, que "os cinco tipos não são puros, mas envolvem aspectos comuns a todos os tipos e que a maioria das maneiras até então encontradas se encaixa em um dos cinco tipos" (p.291, quando as autoras fizeram esta afirmação, Epstein ainda não tinha incluído o sexto tipo na tipologia). Epstein e Dauber (1991) ressaltam que esta tipologia é muito útil para todos os profissionais ligados a educação a qualquer nível de ensino e acrescentam que "aquelas escolas (creches) que incluem os cinco tipos de envolvimento ajudam os pais a criarem um ambiente mais propício e convidativo à aprendizagem e para a prática de estudo; a compreenderem melhor as mensagens vindas da escola (creche); a se tornarem parceiros da escola de uma maneira mais produtiva; de compartilharem as responsabilidades com a escola (creche)criando oportunidades em casa que auxiliem a aprendizagem escolar com atividades relacionadas com o currículo que não sejam somente as tarefas de casa, levando em consideração as opiniões dos pais em processos de decisões que afetam o bom funcionamento da escola e as crianças" (p.291-292).

Ainda de acordo com Epstein (citado em Brandt, 1989), os cinco (e mais recentemente ela acrescenta o sexto tipo também) tipos de envolvimento de pais com a escola/creche geralmente ocorrem em lugares diferentes, precisam de materiais diferentes e conduzem a resultados também diferentes e distintos. Alguns autores acrescentam que os tipos de envolvimento podem estar relacionados com a etapa do processo do desenvolvimento de práticas relacionadas ao envolvimento de pais. Long (1992) apresenta três estágios do processo de envolvimento de pais: a) um envolvimento periférico (por exemplo, ajudar a escola a levantar fundos para suas necessidades extras); b) um período de colaboração (por exemplo, pais ajudando em casa com as tarefas) e o mais avançado de todos, c) a parceria quando a comunidade passa a significar uma fonte de recursos para a escola (creche) e vice-versa.

Já o modelo de Hornby (1990) apresentado em forma de duas pirâmides que se juntam pelas suas bases, explica o envolvimento de pais dentro da perspectiva dos pais e professores (ou educadores). "O modelo consiste de duas pirâmides, uma representando a hierarquia das necessidades dos pais, a outra, a hierarquia de suas habilidades e possíveis contribuições. Ambas as pirâmides demonstram visualmente os diferentes níveis das necessidades e habilidades dos pais. O modelo mostra que enquanto todos os pais têm algumas necessidades e habilidades que podem ser utilizadas, outros podem se envolver em atividades que demandam mais tempo e mais expertise da parte dos profissionais; um número menor deles tem uma necessidade intensa de orientação, ou, por um outro lado, a capacidade de contribuir extensamente e em muitas coisas diferentes" (p. 248).

A plasticidade deste modelo possibilita que ele seja constantemente revisto e renovado para atender as necessidades de todos envolvidos no processo. O reconhecimento de que nem todos os pais querem ou podem contribuir com a escola/creche ou com o processo educativo da mesma forma ou que nem todos precisam de orientação é uma das características do modelo de Hornby. Para isso ser reconhecido pela instituição é preciso que a comunicação flua constantemente oportunizando as trocas de informação em prol de uma parceria. Criar parcerias, segundo Pugach e Johnson (citado em Gettinger & Guetschow, 1998), significa unir indivíduos que estão interessados em trabalhar juntos para atingir objetivos comuns. Além disso, uma parceria bem sucedida é, por natureza, colaborativa, pois é baseada no que é justo para ambas as partes e no respeito mútuo entre os indivíduos. Flexibilidade e diversidade são características importantes do envolvimento de pais que pretende atingir o máximo de pais possível (e em diferentes aspectos da escola/creche).

Na perspectiva de Spodek e Saracho (1998), as mudanças nos níveis e tipos de envolvimento parental se devem à flexibilidade. O contato pessoal, a interação, a troca e o compartilhamento de informações, o apoio emocional, social e pessoal, a coordenação, a assistência, a educação e treinamento compõem os principais objetivos quando pensamos em planejamento de atividades para os pais. O estudo de Bhering e Siraj-Blatchford (1999) também revela palavras-chaves para o envolvimento entre pais e escola: comunicação, envolvimento e ajuda. A partir disso, Bhering e Siraj-Blatchford criaram um sistema de transportes, onde ilustraram metaforicamente através de ilhas e navios, a dinâmica de trocas e negociações entre pais e escola. A comunicação dentro deste sistema é visto como um "instrumento" que viabiliza a relação escola-família, agindo como um facilitador e promotor desta relação.

 

 

Gettinger e Guestschow (1998), em sua pesquisa sobre a percepção dos pais e professores sobre seus respectivos papéis, sugerem que a eficácia das atividades de envolvimento de pais, e as oportunidades em se tratando de envolvimento de pais em pré-escolas, ensino fundamental e médio, encontraram (através de análise fatorial) dois grupos de tipos de envolvimento de pais: envolvimento indireto e envolvimento direto. O fator "envolvimento direto" apresenta atividades tais como os pais ajudando seus filhos em tarefas escolares, comunicações diretas com os professores, e participando de eventos na escola. O fator "envolvimento indireto" inclui atividades que envolvem os pais como a escola em geral.

Ao investigar a posição dos pais em outros contextos foi concluído que a maioria dos pais ajuda (e quer ajudar) os filhos, direta e indiretamente, e quando não fazem isto se deve a situações de extrema carência ou algum desequilíbrio sério (físico, mental ou social). Os resultados também apontam que todos os pais querem ver seus filhos bem sucedidos academicamente; não querem que eles abandonem a escolaridade antes do tempo previsto e vêem a escola como uma única oportunidade de ascensão social e um futuro melhor (Zanella & cols, 1997). Epstein e Dauber (1991) concluíram que quando os professores incluem os pais na sua rotina de trabalho (informando-os sobre todos os aspectos da vida escolar), os mesmos sentem-se mais confiantes em ajudar e orientar seus filhos em casa, aumentando a interação entre pais e filhos. Isto melhora o relacionamento com os professores (e atendentes) e as crianças demonstram uma melhora no comportamento e rendimento escolar. Outros estudos também mostram que o envolvimento de pais influencia a auto-imagem da criança, o senso de otimismo e a orientação produtiva para as relações sociais (Swick, citado em em Spodek & Saracho, 1998) e ganhos na linguagem, habilidades motoras, conceitos e solução de problemas (Spodek & Saracho, 1998). Bastiani (1993) acrescenta que, por estas razões, tem-se que apoiar essa relação (pais-criança-creche) e, sobretudo, admitir que ela é imprescindível.

Deste modo, o trabalho de envolvimento de pais nas creches brasileiras é de extrema importância e urgência (Bhering & Siraj-Blatchford, 1999; Haddad, 1987). A situação de carência das nossas creches é agravada pela distância mantida com os pais. A maneira tradicional (reuniões, bilhetes, recados, circulares) parece ser insuficiente para manter um contato freqüente com os pais. Sob o ponto de vista e interesses da criança, compartilhar as responsabilidades (Epstein, 1987) pelo bem estar, saúde e desenvolvimento/crescimento das crianças significa criar oportunidades, para todos envolvidos, de uma compreensão maior sobre os procedimentos adequados para promover o desenvolvimento saudável das crianças. Rossetti-Ferreira (1994) ao falarem sobre o período de transição entre o lar e a creche, defendem que as reações da criança pequena a indivíduos e situações novas são muito influenciadas pela relação que a mãe, pai e outros familiares estabelecem com a novidade, ressaltando assim a importância deste relacionamento. Neta mesma linha, Formosinho (1996) diz que ambas as partes influenciam o curso da vida das crianças, razão pela qual a relação entre a creche e os pais deve ser vista e compreendida como complementares, e não como forças distintas e separadas. Segundo Ormezzano (1993), mais autenticidade e menos formalismo são aspectos que podem auxiliar num relacionamento recíproco e compromissado entre pais e creche.

Davies e cols (1993) apontam que as crianças cujos pais são presentes na sua vida escolar e mantêm contatos com a escola alcançam melhores resultados que outras aptidões em meio familiar idêntico, mas sem envolvimento parental: "e, também evidente que as crianças de famílias de baixos rendimentos são as que mais poderão se beneficiar com o envolvimento de pais. É igualmente claro que os pais destas crianças podem se envolvidas e podem ajudar seus filhos" (p. 38). A condição sócio-econômica da criança não é o fator determinante do sucesso do envolvimento mais forte, mas, por um outro lado, a compreensão mútua sobre a possibilidade, isto é, dentro da escola e da escola para os pais, pode determinar o sucesso do envolvimento de pais.

A literatura internacional aponta resultados positivos quanto ao envolvimento de pais em instituições educacionais que atendem a classe mais baixa da população (Epstein & Dauber, 1991). Iniciativas brasileiras de envolver comunidades carentes em projetos para a melhoria de vida dos nossos jovens também mostram que o nível social e econômico não é a única influência que determina o fracasso escolar, social e econômico (Freire & cols, 1988). O envolvimento de pais pode auxiliar na luta para vencer o fracasso escolar e comportamentos desviantes, uma vez que o mesmo já é considerado como um dos fatores mais importantes do processo escolar, educativo e social (Rutter & cols, 1979).

No entanto, não se pode negar que a condição sócio-econômica influencia os valores dos pais e por sua vez, as aspirações educacionais dos filhos (Lareau, 1989). Ele também influenciará no programa de envolvimento de pais, na sua complexidade e atividades. Por isso, o conhecimento sobre as tipologias e modelos de envolvimento de pais pode ampliar as aspirações da família, creches, e escolas tornando possível uma parceria adequada. É importante que mais pesquisas sobre o interesse, demanda e desejo dos pais e das creches sejam feitas para o avanço de práticas e medidas sociais pertinentes às instituições educativas no nosso país. O envolvimento de pais pretende ser acessível, utilizando aspectos positivos da instituição educacional e de uma população que também possui qualidades e possibilidades de ação frente à responsabilidade de criar seus filhos para serem bem sucedidos na vida.

 

Método

A amostra

Foram entrevistados trinta e três pais de crianças de 0 a 6 anos, sete professoras e oito atendentes de uma creche de iniciativa voluntária de Itajaí, Santa Catarina. Determinamos que incluiríamos somente pais/responsáveis que vão a creche buscar seus filhos. Trinta mães, dois pais e uma tia aceitaram ser entrevistados. Todos demonstraram interesse em dar sua opinião a respeito do tema proposto.

A escolaridade destes pais variou entre analfabeto e segundo grau incompleto; com renda familiar inferior a um salário mínimo até acima de 5 salários; 17 disseram morar juntos com seus parceiros, 8 eram casados, 5 separados e 3 solteiros. A maioria dos pais trabalhava no próprio bairro onde residiam, de 6 a 8 horas por dia.

A escolaridade das 8 professoras e 7 atendentes variava de fundamental incompleto à superior em formação, com renda familiar entre dois e quatro salários mínimos. Duas deste grupo de adultos indicaram que sua renda familiar ultrapassava 4 salários mínimos

A Entrevista

O questionário usado para as entrevistas com os pais consistia em cinco partes: 1) perfil familiar; 2) primeiro contato com a creche; 3) relação pais e creche; 4) relação pais e criança e 5) relação pais e professoras/atendentes. O questionário usado para as entrevistas com as professoras e atendentes consistiu de quatro partes: 1) perfil familiar; 2) relação pais e professoras/atendentes; 3) relação professoras/atendentes e crianças e 4) relação pais e filhos na visão de professoras e atendentes. As entrevistas tinham como objetivos identificar: as opiniões dos pais, professoras e atendentes sobre as relações estabelecidas entre eles; as expectativas, necessidades e dificuldades quanto ao envolvimento de pais; e qual era o nível de envolvimento, comunicação e parceria que eles pensavam/acreditavam existir entre pais e creche.

Este questionário foi desenvolvido a partir de instrumentos utilizados em pesquisas sobre envolvimento de pais (Bhering, 2000; Bhering & Siraj-Blatchford, 1999; Bhering & Garcia, 2001; Epstein & Salinas, 1993). Como nos outros estudos, foram considerados aspectos relativos à realidade investigada e do contexto brasileiro e, portanto adaptações foram feitas para a realidade em questão. Tanto o questionário dos pais, como das professoras e atendentes compõem-se de perguntas abertas. Apesar de ter em mãos o roteiro do questionário, foi adotada uma postura bastante flexível na condução da entrevista. A análise de dados foi feita através de uma categorização dos dados conforme a literatura (Burgess, 1984; Miles & Hubermann, 1984). Inicialmente agrupamos as respostas dadas a mesma pergunta evoluindo para a análise de grupos de respostas que se assemelhassem, criando assim as categorias (iniciativa, comunicação e atitude; responsabilidade, comprometimento e troca).

 

Resultados e Discussão

Na perspectiva de pais, professoras e atendentes, as opiniões sobre as exigências, expectativas e responsabilidades de cada um parecem distanciar-se, não caracterizando uma tendência para o envolvimento ativo e parceria. Desatenção e despreparo (tanto da creche quanto dos pais) e falhas na comunicação dificultam a partilha de informações, principalmente sobre a criança. Não há divisão de responsabilidades e a relação entre creche e família oscila entre uma conduta defensiva dos pais e ofensiva da creche. No entanto, as opiniões se complementam quando o assunto abordado é o bem estar da criança. Todos demonstraram uma preocupação com o futuro delas, apesar de demonstrarem maior apego por questões particulares (pais: afazeres domésticos e professoras e atendentes: suprimento das necessidades básicas).

A interação entre pais e filhos em casa parece ser limitada tanto no tempo em que passam juntos como na qualidade das interações. A creche, segundo as professoras e atendentes, parece contribuir pouco na promoção de atividades que possam ser desenvolvidas em casa e que favoreçam e estimulem a relação entre pais e crianças. Dar continuidade ao que a creche proporciona é uma das possibilidades de envolvimento de pais conforme o tipo 4 da tipologia de Epstein. Foi muito enfatizado nas entrevistas com as professoras e atendentes que a responsabilidade desta continuidade seria dos pais. É também claramente sugerido que os pais já poderiam saber como fazer e só não o fazem por falta de interesse em assumir esta responsabilidade. Nenhuma entrevistada, do grupo da creche, mencionou as dificuldades que os pais podem ter principalmente para assumir esta responsabilidade. Ao contrário do que é relatado aqui, a literatura indica (Epstein, 1987; Laureau, 1989) que é responsabilidade da instituição informar aos pais e indicar as maneiras de como poderiam ajudar a criança no seu desenvolvimento e crescimento complementando assim o trabalho feito na creche. No entanto, dentro da perspectiva da creche, ações desta natureza são quase inexistentes, pois dificuldades (sem citação de quais) as impedem de desenvolver um trabalho assim.

O desconhecimento sobre as diversas formas de envolvimento dos pais com a creche pode gerar uma desvalorização das capacidades e potencialidades dos pais (vide modelo de Hornby). A creche, por não saber como lidar e aproveitar o que a comunidade pode oferecer, vê os pais como impossibilitados de contribuir mais com o trabalho com as crianças dentro da creche. Desta forma, os pais são vistos como desmotivados e evasivos por não se envolverem com questões relacionadas à estimulação, aprendizagem e cuidados básicos da criança.

Pelo perfil dos pais desta amostra, pode-se compreender (mas não justificar) a limitada interação entre pais e filhos no contexto familiar. Isto está refletido na sua auto-imposta incapacidade expressa pelos pais, delegando à creche toda a responsabilidade para com a criança, acreditando que a mesma fará pelo seu filho aquilo que julgam não saber fazer. As expectativas depositadas na creche se resumem no encaminhamento de seus filhos para um futuro melhor e diferente do que eles tiveram para sua própria vida. Os pais demonstram uma grande preocupação com a violência atual, mas não sabem como agir para evitar que sua família se envolva com os riscos a que estão expostos. Apesar de terem a consciência do não saber, se intimidam em perguntar ou buscar ajuda. Parecem optar, ou melhor, parece só restar a opção de cuidar daquilo que julgam ser capazes: cuidar da casa, dos filhos e de si na perspectiva mais assistencialista do que educativa (e estimuladora).

Diante disto, os pais se colocam numa postura passiva de favorecimento e gratidão diante dos serviços oferecidos pela creche. As expressões usadas pelos pais ao descreverem a qualidade destes serviços são como sendo o "suficiente, o ideal e o possível", isentando-se de qualquer questionamento sobre as atividades e atitudes adotadas em relação a sua criança. 70% dos pais demonstraram estar satisfeitos com o que a creche oferece e faz pelo seu filho, não tendo nada a reclamar nem a sugerir como possíveis melhorias. Percebe-se no discurso dos pais, uma certa relutância: por um lado, pode se tornar muito ameaçador emitir suas reais opiniões a respeito da creche, professores e o tratamento recebido por eles; por outro lado, percebe-se uma falta de conhecimento sobre a creche que não os permitem formar opiniões sobre a mesma (em termos pedagógicos, de planejamento, funcionamento, socialização – projeto político pedagógico). Esta postura de favorecimento permite que a creche faça escolhas e tome decisões sem a participação dos pais.

Percebe-se ainda que a abertura que a creche proporciona a eles está diretamente relacionada com a necessidade da existência deste tipo de infra-estrutura no bairro, pois soluciona grande parte dos seus problemas com os filhos. Parece que isto fala mais alto do que qualquer outra preocupação dentro da perspectiva educativa. A grande maioria dos pais vê a creche como sendo uma alternativa assistencialista e como a solução. A creche por sua vez, continua vendo a família que atende como sendo aquela que precisa de alternativas para sua sobrevivência. Fazendo uma analogia com a prática assistencialista: a creche, por ser uma iniciativa voluntária, "doa" um serviço (aos pais) cuidando e guardando as crianças. Desta forma, a família continua na posição de 'necessitado' que recebe (numa postura passiva) e precisa (incondicionalmente) deste donativo (os serviços oferecidos pela creche) sem questionar (ou avaliar) se o que está sendo oferecido responde as suas expectativas, as de seus filhos (desenvolvimento integral) de modo a perceber o que e como ele se desenvolve e suas necessidades.

Os pais (90%) se posicionam de forma não-participativa perante o sucesso dos filhos em termos de aprendizagem, dando à creche o mérito exclusivo pelo que as crianças aprendem. A percepção dos pais quanto à impotência de poderem contribuir para o desenvolvimento de seu filho é alimentada pela sua auto-imposta incapacidade de ensinar e aprender. Isto dificulta a divisão e partilha de responsabilidades entre creche e família (Epstein, 1987) percebida nas diferentes expectativas, responsabilidades e exigências almejadas por ambas as instituições.

 

 

As falhas na comunicação também contribuem para o distanciamento entre os dois. Segundo Bhering e Siraj-Blatchford (1999), a comunicação é a base de tudo que pode ser criado e desenvolvido entre os pais e a escola (creche). A comunicação é vista como um instrumento para a relação, sendo vista pelos pais como sendo obrigação e iniciativa da creche em promovê-la.

Para os pais a creche continua sendo um lugar seguro e de suprimento das necessidades básicas, havendo pouco interesse e envolvimento da parte dos pais em saber o que a creche oferece à criança em termos pedagógicos e sociais, e oportunidades em geral. A relação entre creche e família baseia-se na necessidade dos serviços oferecidos pela instituição. Com isso, a comunicação restringe-se às informações iniciais (estado de saúde da criança, carteira de vacinação, remédios – dados solicitados no dia da matrícula). Como na pesquisa de Bhering e Siraj-Blatchford (1999), os pais mantêm conversas informais com todos os integrantes da equipe da creche, porém limita-se aos aspectos práticos do dia-a-dia da criança. A justificativa, tanto dos pais quanto da creche, para explicar este contato superficial repousa na falta de tempo disponível de ambos para troca de informações sobre a criança em horários de chegada e saída dos pais da creche. Apesar de muitos pais participarem das reuniões de turma, este momento não é visto e nem considerado instigante ou sequer como um momento de troca e partilha de informações. Eles restringem-se a comunicados parciais e tradicionais a respeito da criança, sendo na maioria das vezes questões relacionadas ao comportamento insucesso e desobediência da criança. Três professoras e atendente relataram conversar com os pais sobre o sucesso de seus filhos (elogiando-os) no desempenho das atividades ou pelo seu bom comportamento. Entretanto, os dados revelam que parece não haver contato próximo entre eles para dividir experiências positivas, prazerosas e de aproximação.

O contato distante entre pais e creche provoca nos pais um certo retraimento, pois poucos se expõem falando sobre seus filhos ou sua vida particular. Este retraimento faz com que eles não a informem, de maneira aberta, sobre o estado real da criança (principalmente no que toca a saúde e situação social). Isto é percebido pela creche através de uma conduta defensiva perante qualquer contato mais formal que a creche venha a estabelecer ou propiciar. A creche, ao perceber esta atitude, que ela interpreta como de omissão dos pais, os exclui, agindo por eles em relação à criança, ao invés de, juntos (creche e família), buscarem possíveis soluções para os problemas.

A falta de confiança mútua entre creche e família dificulta a aproximação de ambos e a criança direta e indiretamente recebe influências desta situação. Bailey, Whalley e cols. (1997) descrevem que pais (adultos responsáveis) confiantes ajudam as crianças a se sentirem mais confiantes em si construindo auto-estima mais positiva. Os pais, devido às situações de extrema carência a que estão expostos, se sentem mais úteis e capazes dentro de suas possibilidades de ação para lidar com seus filhos quando a creche lhe dá oportunidades concretas de participação dentro daquilo que eles podem oferecer (vide modelo Hornby). As creches, hoje em dia, têm um papel fundamental de informação e até mesmo de instrumentalização destes pais. No entanto, a realização deste papel depende de uma série de variáveis que tendem a transformar a relação creche e família num modelo dinâmico de envolvimento. A informação sobre como aproveitar situações que enfatizam a relação entre pais e filhos é essencial para o envolvimento de pais bem sucedido.

A percepção da creche sobre sua relação com os pais é de confronto. Afirmam que muitos pais abusam da abertura propiciada pela creche, não cumprindo as regras e normas estabelecidas pela mesma, comprometendo assim, uma atuação que fomenta o envolvimento de pais, como por exemplo, os atrasos dos pais na hora de entrada e saída da criança, omissão de informações sobre as mesmas, e disputa pela sua atenção. No entanto, a creche não consegue reconhecer sua postura ofensiva aos pais, a qual causa efeitos como os citados acima. A atitude da creche de oferecimento dos serviços à criança coloca os pais numa posição de espera (inércia), impossibilitando a promoção de oportunidades e atitudes positivas dos pais para com seus filhos e a creche. A falta de confiança nos pais (no que podem dar ou poderiam dar se fossem orientados) automaticamente excluiu a possibilidade dos pais serem incluídos na vida diária da instituição.

A criança parece ser o único elo de ligação entre creche e família. É através da criança que os pais ficam sabendo o que acontece na creche; e que as professoras conhecem o que acontece dentro de casa das crianças. Isto possibilidade a formação de opiniões em cima de informações superficiais. Pais e creche só mantém uma relação mais aberta e um contato mais direto quando algo acontece com a criança. Diante disto, o envolvimento de pais permanece vazio e sem motivação para discutir questões relacionadas à criança. Por isso, proporcionar oportunidades para pais como estes desta amostra podem significar o início de um processo de inclusão social, uma vez que, é através destas situações que estas famílias aprendem posturas de reivindicação, compreendem melhor a sua tarefa enquanto pais e aprendem sobre o desenvolvimento infantil. O acesso a informações a respeito das facilidades e serviços encontradas no seu bairro (enquanto pais e cidadãos), retomam a possibilidade de treinamento profissional e educacional contribuindo para o desenvolvimento de iniciativas que os ajudarão durante sua vida (Bhering, Oudenhoven & Wazir, 2000).

Apesar da crescente preocupação dos pais em relação ao que acontece na creche, e da creche em relação à vida diária dos pais, esta preocupação ainda não chega a despertar o interesse e iniciativa dos mesmos de maneira a efetivar um envolvimento duradouro. Quando algo é despertado durante o processo, muitos pais demonstram não ter idéia do que gostariam de saber e/ou fazer (o mesmo acontece com professoras e atendentes).

Apesar da literatura enfatizar que a iniciativa deve partir da instituição para o envolvimento de pais (Bastiani, 1993) principalmente em se tratando de educação de crianças entre 0 a 10 anos, verifica-se que nas creches e escolas brasileiras isto não ocorre com freqüência (Bhering & Garcia, 2001; Bhering & Siraj-Blatchford, 1999). Apesar do contato superficial e restrito entre pais e creche, percebe-se que as opiniões dos pais centram-se em três categorias: iniciativa, comunicação e atitude, as quais sustentariam a dinâmica de envolvimento. Uma iniciativa bem sucedida criará uma dinâmica circular entre creche e família, que emitirá determinadas respostas (atitudes) conforme o nível de comunicação (restrita, moderada ou aberta) estabelecida. Qualquer ruptura nas linhas de comunicação afetará a resposta às iniciativas advindas tanto da creche quanto dos pais.

Este estudo mostra que a forma como as informações a respeito da criança chegam até os pais e professores, influencia diretamente na resposta (atitude) de ambos. A posição de professores e atendentes em relação ao envolvimento entre pais e creche traz a responsabilidade, o comprometimento e a troca como atitudes necessárias para um envolvimento efetivo e duradouro.

 

 

O comprometimento por um "fazer juntos" (creche e família) para a criação das atividades para as crianças e para o envolvimento de pais parece ficar além das possibilidades e disponibilidades de ambas as instituições. A creche não indica estar familiarizada com as maneiras de como esta aproximação poderia ser efetivada para uma parceria duradoura e produtiva. A relação se dá de forma unilateral: os pais suspeitam algo a respeito da creche, mas não se dirigem à instituição para esclarecimentos ou suas dúvidas e idéias, adotando uma postura de como estivessem recebendo um "favor" da creche. O mesmo acontece com a creche, que suspeita de certos comportamentos e reações dos pais, mas não se coloca na posição de alguém que poderia tomar a iniciativa de aproximação e esclarecimento para resolução de problemas, preferindo (mesmo que inconsciente) manter uma postura ativa de oferecimento, se colocando como se estivesse prestando um "favor" a comunidade. A receptividade limitada da creche para um atendimento individualizado à criança (expectativas dos pais) é fruto desta dinâmica.

Segundo a creche, os pais têm medo de se comprometerem com a instituição, por isso preferem delegar a ela a responsabilidade dos cuidados e educação da criança. Desta forma, o envolvimento dos pais com a instituição só acontece quando são solicitados ou de acordo com as necessidades da criança. A creche, por sua vez, assume esta responsabilidade de forma enfática, excluindo os pais das decisões e comunicando-os sobre o que acontece com a criança somente quando é estritamente necessário, ou quando a creche, não consegue, sozinha, resolver problemas relacionados à criança (geralmente problemas de saúde e comportamento).

Um dos problemas enfrentados por 27% das professoras e atendentes, repousa na insegurança dos pais diante do período de adaptação da criança à creche. Daí a importância do apoio emocional, social e pessoal (Spodek & Saracho, 1998) oferecido pela instituição ao pensar em planejamento de atividades para os pais.

A literatura nos indica (Bastiani, 1993) que a base do envolvimento de pais é o compromisso de toda a instituição e da equipe que trabalha direta e indiretamente com a criança em trabalhar na mesma direção: a iniciativa tem o seu ponto de partida comum e cada turma de crianças, com suas necessidades específicas, definiria as peculiaridades do envolvimento de pais, para atender a diversidade encontrada em cada turma. Não se procura aqui, deixar o grupo de professores completamente sem direção, mas, viabilizar canais de comunicação entre toda a equipe da instituição para que todos compartilhem suas experiências tanto positivas como problemáticas. Esta estratégia, além de valorizar o trabalho da professora, estimula o interesse pelo envolvimento de pais e reforça uma atitude a favor da parceria.

Com a partir da partilha de experiências, a creche pode tomar distância de sua postura ativa-ofensiva de oferecimento e tentar analisar e compreender em que contexto estes pais vivem. No caso dos pais desta amostra, o contexto é muito problemático, a maioria dos pais vive em condições não favoráveis (de moradia, alimentação, higiene e informação – escolaridade) dependendo totalmente de outros para sua sobrevivência e seus dependentes. Desta forma, espera-se que instituições que trabalhem com a infância, comecem a desenvolver práticas de envolvimento de pais que informem, apóiem e recebam colaboração da comunidade em geral.

Segundo a creche, os pais se posicionam de diferentes formas de acordo com suas experiências diárias e dependendo do que acontece com a criança, mostrando-se ora compreensíveis, ora inseguros, ora distantes, dependendo da situação. Estas manifestações exigem uma certa flexibilidade e plasticidade ao pensar o envolvimento (Hornby, 1990). Na maioria das vezes, os pais são surpreendidos com reclamações a respeito da criança e cobranças sobre aspectos que dizem respeito ao seu papel de pai. Bailey e cols. (1997) advertem que quando trabalhamos a auto-estima dos pais através de atitudes que os encorajam a interagir com seus filhos de maneira positiva e mais freqüentemente, os pais se tornam mais respeitosos e compreensivos com a criança e conseqüentemente a criança se sente mais apoiada, mais confiante em si e nos outros, e desenvolvendo atitudes positivas para o contato social em vários contextos.

A atitude desta creche, revelada pelos professores e atendentes, parece intimidar os pais abordados para discutir sobre a criança, colocando-os numa posição de ameaça, gerando uma reação de defesa dos pais. Esta ameaça parece estar relacionada com inúmeras situações: medo de perder a vaga na creche, medo e receio de possíveis ações advindas da creche (denúncias, cobranças) etc. As omissões, principalmente no que toca a saúde da criança parecem ser usadas pelos pais como forma de defesa a possíveis atitudes da creche que eles entendem como uma forma de prejudica-los. Isso não significa dizer que todos os pais têm algo a esconder, omitem informações importantes, agem defensivamente e que carregam problemas graves na família.

De um modo geral, percebe-se que os pais têm interesse na educação dos filhos, mas precisam ser orientados. O fato de sentirem que precisam ser orientados os fazem sentir-se intimidados ou tímidos para tomar a iniciativa inicial, não querendo revelar suas fraquezas e necessidades para aqueles que não conhecem ou julgam não confiáveis. Pesquisas indicam que a falta de informação para os pais sobre a instituição em geral, os leva a sentir cépticos, desconfiados e distantes, gerando julgamentos superficiais de ambas as partes ou até mesmo falsos.

Em suma, as creches brasileiras, principalmente as de iniciativa voluntária, de uma certa forma precisam continuar servindo a comunidade tanto na perspectiva assistencialista quanto na educativa. O assistencialismo se auto-justifica, pois não há maneiras de pensar em educação infantil sem considerar os aspectos básicos do bem-estar da criança de 0 a 6 anos. Desta forma, as creches, sejam elas de qualquer natureza, devem planejar parcerias para garantir também o atendimento básico de crianças provenientes de famílias de baixa renda (e muitas delas são crianças em situação de risco e vulnerabilidade) e que precisam de auxílio para desempenhar o papel de pais no mais amplo sentido. O assistencialismo não necessariamente inclui o fazer pelos pais, mas promove a instrumentalização destes pais com estratégias de enfrentamento para diversas situações de dificuldade.

 

Conclusão

A comunicação entre creche e família, assim como revelada na análise dos dados, parece comprometer uma possível parceria entre eles. Fica claro que a creche não é informada sobre comportamentos e situações vividas pela criança em seu contexto e vice-versa. Desta forma, a relação entre creche e família é entrelaçada por posturas e atitudes que podem trazer prejuízos tanto para a criança com para o funcionamento da creche. Percebe-se que a atitude dos pais em omitir informações sobre a criança não se reduz, apenas, numa simples defesa dos pais ao que a creche poderá pensar deles, mas como a creche parece não saber lidar com estas situações encara a atitude dos pais como defensiva e/ou omissa, tomando decisões, excluindo e não informando aos pais sobre o que acontece na creche em todos os sentidos (administrativo, pedagógico, social, relacionamentos, desenvolvimento infantil).

As exigências, expectativas e responsabilidades tanto dos pais em relação à creche e vice-versa se desencontram. Enquanto os pais exigem que a creche aceite sua condição (e a da criança) e atenda, acolha e cuide da sua criança; a creche exige a presença e o comprometimento dos pais para com a creche e à criança, cumprindo as regras, sugestões e dinâmicas estabelecidas pela instituição. Enquanto os pais esperam um atendimento integral e individualizado à sua criança, a professora toma o seu trabalho (às vezes não cobrindo até a suas próprias expectativas) como sendo o possível e adequado naquele momento. Esta postura pode nos levar a concluir que a creche não se abre para um diálogo aberto com os pais, pois se afirma para os pais que eles já fazem o possível e adequado, não se percebe uma disposição para trocas. As diferenças de percepção e postura comprometem o envolvimento entre pais e creche. Apesar de reconhecer que a iniciativa deva partir da instituição, não indica de modo efetivo, maneiras de como os pais podem compartilhar as suas responsabilidades.

 

 

Creche e Família não chegam a criar um modelo dinâmico de relacionamento. Os pais se colocam numa posição passiva de favorecimento e gratidão frente ao que a creche lhes oferece (e à sua criança), se vendo de uma forma não-participativa frente ao que acontece com as crianças na creche. Os pais acreditam que não tem nada a contribuir para com a instituição em relação à criança e acham o serviço oferecido pela creche "necessário e suficiente". O posicionamento da creche em relação aos pais e à criança caracteriza-se por uma postura tradicional e conservadora, de uma educação centrada no adulto, onde o professor é visto como o guia exclusivo do processo educativo (PCN, MEC, 1997). Diante deste modelo, percebe-se que os pais se auto-intimidam diante das ações da creche, permitindo que ela desempenhe a sua função de maneira independente, isentando-se e à creche de qualquer questionamento.

Percebe-se que a comunidade não se encontra suficientemente informada sobre como e o que reivindicar para a educação dos filhos. Não estão também devidamente equipados para lutar por uma educação infantil de qualidade e que faça a diferença social que eles almejam para os filhos. O despreparo e a falta de treinamento da equipe da creche em lidar com situações que exijam a presença dos pais parece dificultar o envolvimento de pais. Os pais, por sua vez, também parecem concordar que estão despreparados quanto a sua participação e contribuição para com a creche, por não saberem se posicionar e responder às demandas da instituição.

Não há qualquer familiaridade com as diversas formas de envolvimento de pais que Epstein (citado em Brandt, 1989), Hornby (1990), Gettinger e Guetschow (1998), e outros descrevem. A forma tradicional (reuniões e eventos) continua sendo a forma mais utilizada nas escolas e creches brasileiras. Diante disto, é preciso refletir sobre a flexibilidade sugerida por Hornby (1990), pois o modelo esclarece e pontua que haverá sempre uma diversidade de necessidades e potenciais dentro de um grupo de pais de uma instituição de Educação infantil. O modelo nos impulsionar a reconhecer que todas as ajudas, habilidades e necessidades apresentadas por creche e família, ambas de modo espontâneo e em intensidades diferentes podem ser integradas na política de envolvimento de pais das instituições. Segundo Hoover-Dempsey e Sandler (citado em Gettinger & Guetschow, 1998), a percepção dos pais tem um efeito muito forte sobre as suas decisões de se envolverem com a instituição, e diferentemente do status da família e das características da criança, a sua percepção pode ser influenciada pela escola ou creche.

Deste modo, o envolvimento de pais em creches passa a ser também, para nós brasileiros, uma medida social, psicológica e educativa que informa, articula e estimula a participação (consciente e proposital) integrada das esferas creche-família. Segundo Bhering, von Oudenhoven e Wazir (2000), o envolvimento de pais e até mesmo da comunidade em geral, junto a uma equipe multidisciplinar é considerado como um componente essencial de uma escola que desempenha seu trabalho com sucesso. Uma instituição de educação bem sucedida põe em mesmo grau de importância o envolvimento de pais, o currículo, os processos de instrução e aquisição de conhecimento, avaliação e aspectos sociais (Epstein, 1987; Mortimore & cols, 1988). Além disso, a comunicação e um relacionamento freqüente entre as pessoas envolvidas também influenciam o sucesso da escola, que está conseqüentemente, refletido no sucesso das crianças que ela atende. Nossas pesquisas aqui no Brasil têm nos apontado que o envolvimento de pais em escolas e creches ainda é básico e inconsistente, mas principalmente, a falta de literatura brasileira na área nos chama a atenção.

Precisamos avançar nas pesquisas sobre este tema tanto do ponto de vista da Educação, como da Psicologia e ainda áreas afins, para que possamos entender como esta relação se processa nas diversas instituições escolares, nos diversos níveis de escolaridade, para que possamos criar e implementar estratégias que venham auxiliar não só o relacionamento entre pais e equipe escolar, mas principalmente sejamos capazes de criar ambientes (dentro dos microssistemas das crianças) que sejam estimuladores, desafiadores para as nossas crianças. Além disso, criar um ambiente que as crianças se sintam bem pessoalmente e bem inseridas na sua realidade escolar, um messosistema que realmente retrate um movimento recíproco entre os microssistemas, conforme aponta Bronfenbrenner (1996).

 

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Endereço para correspondência 
Eliana Bhering 
E-mail: ebhering@ccs.univali.br

Tatiane Bombardelli De Nez 
Rua Uruguai 458, Núcleo de Pesquisa em Psicologia, Bl. 25b, Sl 401, Itajaí  
88.302-202, Santa Catarina 
E-mail: t.denez@zipmail.com.br

 

 

1 Programa Institucional de Bolsas para Iniciação Científica – PIBIC/CNPq 
2 Endereço: Rua Uruguai 458, Núcleo de Pesquisa em Psicologia, Bl. 25b, Sl 401, Itajaí, 88.302-202, Santa Catarina. E-mail: ebhering@ccs.univali.br, E-mail: t.denez@zipmail.com.br


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722002000100008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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