José Alexandre Bastos; Moacir Alves Borges; Regina Albuquerque; Nely Silvia Aragão De Marchi
18 de julho de 2007
Relato de caso
José Alexandre Bastos1, Moacir Alves Borges2, Regina Albuquerque3, Nely Silvia Aragão De Marchi4
RESUMO- Relatamos um caso de síndrome de Aicardi completa em criança do sexo feminino de 2 meses de idade com defeitos lacunares da coróide, espasmos em flexão, agenesia de corpo caloso e alterações eletrencefalográficas do tipo hipsarritmia assimétrica e alterna atendida no Serviço de Neuropediatria e Neurofisiologia clínica do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP .
PALAVRAS-CHAVE: epilepsia, síndrome de Aicardi, EEG, RM.
Aicardi syndrome: case report
ABSTRACT: We report a case of Aicardi syndrome in a female child with 2 month old, ocular abnormalities "chorioretinal lacunae", flexion in spasms, hipsarrhythmic "split brain", callosal agenesis refered to Service of Neuropediatric and Neurophysiology of Base Hospital of São José do Rio Preto, SP, Brazil.
KEY WORDS: epilepsy, Aicardi syndrome, EEG, MRI
Aicardi, Lefebvre e Lerique-Koecklin, em 1965, descreveram oito casos de crianças com síndrome de "espasmos infantis, agenesia de corpo caloso e defeitos lacunares da coróide1,2. Desde então, foram descritos numerosos casos, sendo conhecidos sob a denominação de síndrome de Aicardi (SA). As crises focais, geralmente, precedem os espasmos infantis (EIs) que costumam surgir entre a 1º e 6º semana3.
O eletrencefalograma apresenta padrão hipsarrítmico assimétrico4 e as anormalidades alternando-se, por vezes, entre os hemisférios cerebrais5. Parece não haver relação com a agenesia do corpo caloso, pois as descargas podem ter origem no hemisfério mal-formado, independentemente do seu tamanho6. A ressonância magnética (RM) sugere que o retardo mental, as crises epilépticas e as alterações eletrencefalográficas podem estar mais relacionados às anormalidades de desenvolvimento cortical do que à agenesia de corpo caloso7.
Relatamos caso de SA acompanhado no Hospital de Base de São José do Rio Preto.
CASO
Criança com 2 meses de idade, sexo feminino, branca, segunda filha de pais jovens, não consanguíneos, cuja gestação evoluiu sem intercorrências. Nasceu de parto normal, a termo, choro imediato (Apgar 8 e 9) e peso de 3.200g. Foi avaliada com 1 mês de vida, devido às "crises" que aconteciam desde os 10 dias, do tipo hemiclônicas ora à direita, ora à esquerda, várias vezes ao dia. Com 1 mês e 10 dias, apareceram crises caracterizadas por "espasmos em flexão" em salvas, várias vezes ao dia. Ao exame neurológico: PC 36 cm, ativa, atitude assimétrica, hipotonia axial, movimentação espontânea (normal) nos 4 membros, reflexos profundos presentes e simétricos, reflexos arcaicos presentes e nistágmo horizontal bilateral. O exame oftalmológico mostrou microftalmia à esquerda (Fig 3, 4) e defeitos lacunares da coróide bilateralmente (Fig 2). Os Rx de coluna vertebral e de arcos costais não mostraram alterações. Ressonância Magnética e o EEG serão discutidos em seguida (Fig 1).
DISCUSSÃO
A sintomatologia desta criança iniciou-se com crises epilépticas focais, hemiclônicas, ora de um lado ora de outro. A crise epiléptica mais freqüente nesta síndrome é o espasmo infantil, que, no caso, surgiu precocemente, por volta de um mês e meio. Esta observação coincide com o que é referido por outros autores3-5. Os espasmos ocorrem geralmente em salvas, podendo tanto ser em flexão quanto em extensão. Podem ser persistentemente lateralizados ou alternarem o lado comprometido. As crises de "espasmos" desaparecem em muitos pacientes, mas as crises focais tendem a persistir na infância ou na adolescência. Qualquer que seja o tipo, as crises tornam-se menos frequentes com o passar do tempo5.
Inicialmente, todas as crianças com SA foram descritas como apresentando atraso grave, tanto nas habilidades motoras, como nas cognitivas6. Entretanto, têm sido relatadas formas mais brandas de atraso. Em 1990, Abex et al7 identificaram 11 crianças que puderam caminhar independentemente e apresentaram algum grau de aprendizado da linguagem8. O presente caso necessita acompanhamento para aferição das possíveis seqüelas.
Ao exame neurológico, segundo os relatos iniciais de Aicardi, havia hipotonia e sinais piramidais. A microcefalia é também achado freqüente. Muitas vezes, o RN tem circunferência craniana normal ao nascimento, mas não ocorre o crescimento do crânio subseqüentemente.
Lesões patognomônicas da SA, os defeitos lacunares da coróide, de tamanhos e localizações variáveis, foram encontradas nesta criança (Fig 2). Estas lesões são descritas como "fendas" no epitélio pigmentar da retina, que assumem coloração branco-amarelada, com bordas nítidas. Ocorrem também alterações pigmentares na retina circundante. Encontrou-se ainda microftalmia (Fig 3 e 4) conforme descrição de Aicardi e Chevrie2.
Podem ser encontradas outras manifestações envolvendo a coluna e os arcos costais: escoliose pode estar presente, com ou sem anomalias identificadas ao Rx, como vértebras em bloco, ou hemi-vértebras.
O diagnóstico é baseado na ocorrência de epilepsia, nos defeitos lacunares da coróide e na agenesia de corpo caloso.
A imagem característica da SA aos exames de neuroimagem de crânio é a agenesia de corpo caloso (Fig 5). No presente caso encontrou-se ainda: ventriculomegalia assimétrica afetando os cornos occipitais, átrios com margens irregulares e um cisto supratentorial de linha média. A ressonância magnética encefálica, possibilita definir a extensão da agenesia do corpo caloso, identificar possíveis anomalias dos giros cerebrais e anormalidades na mielinização (Fig 4 e 5). As Figs 3 e 4 destacam o aspecto da microftalmia.
Têm sido relatadas diversas causas possíveis para a SA. É um transtorno congênito2,9, ocorrendo exclusivamente em meninas, exceto por um relato em um menino, com cariótipo XXY10. Isso sugere tratar-se de uma doença de herança dominante, ligada ao cromossomo X, expressando-se na forma heterozigótica em meninas e letal em meninos. Por ser esporádica, tem sido considerada uma nova mutação no braço curto do cromossoma X11. A prevalência da SA é desconhecida devido à dificuldade no diagnóstico, mesmo por parte de neurologistas e oftalmologistas. O prognóstico dessa doença é reservado, interferindo na qualidade de vida. A resposta ao tratamento com drogas anti-epilépticas é pobre, não obstante as crises diminuírem com o tempo6.
Os autores relatam um caso de síndrome de Aicardi completa com as clássicas anormalidades oculares, espasmos em flexão, agenesia de corpo caloso, microgiria e alterações eletrencefalográficas. Estas são do tipo hipsarritmia assimétrica, com ondas agudas de localização independente entre os hemisférios cerebrais.
Agradecimentos - Alexandre Cury Jr, pela realização das fotos do fundo de olho; Milton Kakudade pela interpretação da Ressonância Magnética.
REFERÊNCIAS
1. Aicardi J, Lefebre J, Lerique-Koechlin. A new syndrome: spasm in flexion, callosal agenesis, occular abnormalities. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1965;19(Suppl):609-610.
2. Aicardi J, Chevrie JJ. Les spasmes infantiles. Arch Fr Pédiatr 1978; 35:1015-1023.
3. Dulac O, Plouin P, Schlumberger E. Infantile spasms. In Wyllie E. The treatment of epilepsy: principles and practice, 2.Ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996:553.
4. Otsuda Y, Oka E, Terasaki T, Ohtahara S. Aicardi syndrome: a longitudinal clinical and electroencephalographic study. Epilepsia 1993;34:627-634.
5. Darwish HZ, Van Oman CB, Haslam RHA, Sarnat HB, Coupland S. The Aicardi syndrome reassessed. Can J Sci 1985;12:2.
6. Smith CD, Ryan SJ, Hoover SL, Baumann RJ. Magnetic resonance imaging of the brain in Aicardi's syndrome: report of 20 patients. J Neuroimaging 1996;6:214-221.
7. Abex, Mitsudome A, Ogata H, Ohfu M, Takakusaki M. A case of Aicardi syndrome with moderate psychomotor retardation. Brain Dev 1990;22:376-380.
8. Yamagata T, Momoi M, Miyamoto S, Kobayashi S, Kampshita S. Multi-institutional survey of the Aicardi syndrome in Japan. Brain 1990;12:760-765.
9. DeJong JGY, Delleman JW, Houben M, et al. Agenesis of the callosum, infantile spasms, ocular anormalies (Aicardi's syndrome): clinical and pathological findings. Neurology 1976;26:1152-1158.
10. Nopkin IJ, Humplrey I, Keith CG, et al. Aicardi syndrome in a male infant. Aust Paediatr. J. 1979;15:278-280.
11. Nielsen KB, Anvret M, Flodmark O, Furuskov P, Bohman-Valis K. Aicardi syndrome: early neuroradiological manifestations and results of DNA studies in one patient. Am Med Gent 1991;38:56-68.
Departamento de Ciências Neurológicas da Faculdade de Medicina Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto SP, Brasil: 1Professor Assistente e Chefe do Serviço de Neurologia Infantil da FAMERP, 2Professor Assistente Mestre da Disciplina de Neurofisiologia Clínica da FAMERP; 3Professora Assistente Mestre da Disciplina de Neurofisiologia Clínica da FAMERP; 4 Professora Assistente do Serviço de Neurologia Infantil da FAMERP.
Dr. José Alexandre Bastos – Avenida Faria Lima 5622- 15090-000 São José do Rio Preto SP - Brasil.
Artigo original:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2001000300029&lng=pt&nrm=iso