Ana Claudia Bortolozzi Maia; et al
11 de agosto de 2015
Opinião de professores sobre a sexualidade e a educação sexual de alunos com deficiência intelectual
Ana Claudia Bortolozzi MAIA 1 , Verônica Lima dos REIS-YAMAUTI1 , Rafaela de Almeida SCHIAVO 2 , Vera Lúcia Messias Fialho CAPELLINI 3 , Tânia Gracy Martins do VALLE 1
1Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências, Departamento de Psicologia. Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, 17033-360, Bauru, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: A.C.B. MAIA. E-mail: <aclaudia@fc.unesp.br>
2Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Botucatu, SP, Brasil
3Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências, Departamento de Educação. Bauru, SP, Brasil
Este estudo descritivo investigou, por meio de um questionário para análise quanti-qualitativa, a opinião de 451 professores sobre a sexualidade e a educação sexual de alunos com deficiência intelectual. A maioria (94,2%) percebe a sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual, identificando o desejo de namorar (38,3%), a ocorrência de perguntas (35,8%), de jogos sexuais e masturbação (19,6%) e comportamentos inadequados (6,3%); diante disso, têm sentimentos positivos (37,5%) e negativos (53,8%). Embora acreditem que podem contribuir para a educação sexual de seus alunos (87,8%), os participantes consideram necessário um preparo pessoal e profissional (39,9%), bem como o apoio da escola e da família (24,4%). Assim, conclui-se ser preciso investir na formação continuada em educação sexual para os professores que atuam nas escolas inclusivas.
Palavras-Chave: Deficiência intelectual; Educação à distância; Formação de professores; Sexualidade
A escola, seja no contexto brasileiro ou mundial, necessita passar por transformações, sobretudo quando, de um lado, tem como meta universalizar a educação para todos e, de outro, precisa lidar com a precariedade na formação inicial dos licenciados. Um modo de contribuir com isso é a formação continuada de professores, capacitando-os para o enfrentamento da complexidade do processo educativo.
Se, por um lado, como afirma Saviani (2006), no século XXI não se confirmou a aspiração republicana de educação como um direito humano inalienável, por outro, observou-se nas últimas décadas a ampliação de matrículas de alunos antes excluídos do ensino regular. Dentre esses, muitos são pessoas com deficiência intelectual. Esse processo tem sido nomeado de Educação Inclusiva - paradigma educacional baseado nos direitos humanos, que combina igualdade e diferença como valores indissociáveis, e avança em relação à equiparação de opor-tunidades (Johnson & Nord, 2010/2011; Schreur & Engel-Yeger, 2010).
Essa premissa enfatiza a importância de cursos de formação e estudos que validem metodologias e recursos didáticos. A investigação de concepções, atitudes e práticas torna-se relevante, pois é compromisso de uma escola inclusiva promover mudanças em relação às atitudes discriminatórias (Capellini, 2009).
A relação entre a educação inclusiva e a sexualidade tem sido foco de estudos na área da Educação e da Psicologia. É um tema atual, que não pode ser esquecido quando se fala em sociedade inclusiva (Casarella, 2010;Heighway & Webster, 2008; Maia, 2010; Walker-Hirsch, 2007). Pessoas com deficiência, assim como qualquer outra, têm a sexualidade como um aspecto inerente, e essa questão não pode ser negligenciada (Couwenhoven, 2007;Kaufman, Silverberg, & Odette, 2003; Maia, 2006; Schwier & Hingsburger, 2007).
Apesar disso, ainda há crenças errôneas sobre a sexualidade de pessoas com deficiência inte-lectual, principalmente relacionadas a uma ideia de assexualidade ou hiperssexualidade (Anderson, 2000; Giami, 2004;Heighway & Webster, 2008; Kaufman et al., 2003). Para Maia e Ribeiro (2010), os mitos sobre sexualidade e deficiência refletem uma negação da sexualidade dessas pessoas, e muitas das dificuldades de profissionais, familiares e comunidade a esse respeito decorrem de concepções preconceituosas e desinformações.
Assim como os demais, pessoas com deficiências são expostas às mesmas condições sociais, valores, padrões de estética, de relacionamentos e de sexualidade, ou seja, são seres que vivem relações de afeto, desejo sexual e almejam vínculos amorosos e sexuais. Além disso, são também vulneráveis, necessitando receber esclarecimentos sobre sexualidade, a partir de uma educação sexual que contribua para a formação de atitudes de prevenção em saúde sexual e reprodutiva (Maia, 2011).
Muitos comportamentos sexuais considerados pelos professores como inadequados nos alunos com deficiência intelectual, não são comportamentos decorrentes da deficiência, mas da falta de educação sobre sexualidade, o que contribui para atitudes exibicionistas e públicas (Casarella, 2010; Couwenhoven, 2007; Glat & Freitas, 2007; Kaufman et al., 2003; Schwier & Hingsburger, 2007).
Albuquerque e Almeida (2010) discutem que é comum o professor enfrentar dificuldades em sala de aula com a sexualidade dos alunos, em razão da falta de conhecimento ou de crenças inadequadas. Tais questões influenciam a prática docente, ocasionando dificuldades no diálogo sobre sexualidade com os alunos. As autoras argumentam que esse profissional se beneficiaria de cursos de formação na área.
Nesse sentido, as pessoas com deficiência devem receber educação sexual do mesmo modo que as outras pessoas, ou seja, almejando os mesmos objetivos de esclarecer e prevenir, cabendo ao educador essa importante função (Maia, 2010; 2012; Walker-Hirsch, 2007; Wilson & Burns, 2011). Autores como Couwenhoven (2007),Heighway e Webster (2008) apresentam conteúdos e procedimentos didáticos importantes que podem nortear programas de educação sexual para crianças e jovens com deficiência intelectual.
Melo (2007) descreve que as 21 professoras de seu estudo privilegiaram a conversa como modo de intervenção na educação sexual dos alunos com deficiência intelectual. Segundo o autor, o diálogo que as professoras se esforçaram para realizar foi importante diante das manifestações sexuais de seus alunos com deficiência; entretanto, muitas vezes esse diálogo se apresentou como repressor, negativo, informal, baseado no senso comum e, ainda, com o propósito de limitar a expressão da sexualidade.
Várias pesquisas apontam que os professores têm dificuldades e falta de formação nessa área (Casarella, 2010;Heighway & Webster, 2008; Maia, 2006; 2011; Maia & Aranha, 2005; Walker-Hirsch, 2007). Melo e Bergo (2003) investigaram os relatos de 15 professores, que lecionavam tanto em classes especiais quanto regulares, sobre sua atuação em educação sexual. Os entrevistados mostraram-se confusos e perplexos diante das manifestações sexuais dos alunos com deficiência. Assumiram serem evasivos e omissos quando se trata de dialogarem com os alunos sobre o tema e não terem recursos pedagógicos em educação sexual para essa população. Os autores alertaram para a necessidade de formação profissional nessa área.
Maia e Aranha (2005) estudaram 40 professores de cinco instituições educacionais de uma cidade do interior paulista, os quais relataram sobre as manifestações sexuais de seus alunos com deficiência. Entre os entrevistados, havia os que não percebiam a ocorrência de manifestações sexuais e os que notavam comentários e comportamentos sexuais. Segundo as autoras, as manifestações sexuais dos alunos, relatadas pelos professores, foram consistentes com o esperado para a faixa etária, sem evidência de padrões atípicos. De outro lado, nos poucos casos em que foram relatadas manifestações inadequadas, elas foram provocadas por determinantes ambientais, e não por características inerentes à deficiência.
O estudo de Albuquerque e Almeida (2010) descreve um programa de intervenção em sexualidade para 21 professores de jovens com deficiência intelectual. Os professores mostraram ganhos pela atuação mais preparada na sala de aula, evidenciando a importância da intervenção. Todavia, ainda eram inseguros e temerosos diante do tema sexualidade, enfrentando resistências da escola ou da família dos alunos.
Tendo em vista a relevância da educação sexual, também para alunos com deficiência intelectual, este estudo teve por objetivo investigar a opinião de professores que participaram de um curso de formação continuada em práticas inclusivas que, dentre outros temas, abordou as questões de sexualidade e educação sexual de alunos com deficiência intelectual. Mais especificamente, esta pesquisa buscou investigar se e como esses professores percebem a sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual e o que pensam sobre uma possível educação sexual para eles na escola.
MÉTODO
Este é um estudo descritivo-analítico, do tipo exploratório (Spata, 2005), realizado após aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Processo n° 192/46/01/10). Os participantes foram informados sobre o uso das respostas para fins de pesquisa e autorizaram sua participação voluntária por meio da assinatura do Termo de Consentimento Informado.
Participantes
O curso de aperfeiçoamento desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação (MEC) visando à formação de professores, denominado "Práticas em educação especial e inclusiva, na área de deficiência mental". Há que se destacar que o curso, em sua terceira versão em 2010, estava cadastrado no MEC sob a nomenclatura "deficiência mental", em lugar da atual, "deficiência intelectual". O curso foi realizado em 2010, com carga horária de 180 horas, na modalidade Educação a Distância (EAD). Foram mil professores cadastrados no curso, distribuídos em 50 turmas, sendo que 845 aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Informado. Todavia, em razão do número de professores cursistas, optou-se por trabalhar com 29 turmas completas, totalizando 518 professores, dos quais foram excluídos 67 por não trabalhar com alunos com deficiência inte-lectual ou por trabalhar com bebês, resultando a população de 451 participantes, nomeados em sequência numérica, de P1 a P451 (sendo P = Professor, seguido do número ordinal).
Assim, os participantes foram 451 professores cursistas, oriundos de diferentes estados brasileiros, sendo a maioria mulheres (96,1%), com idade média de 38,11 anos, distribuídas entre: 30 e 39 anos (45,6%); 40 e 49 anos (31,5%), 20 e 29 anos (13,3%), 50 e 59 anos (8,2%) e 60 anos ou mais (1,4%). Todos trabalhavam com alunos com deficiência intelectual em diferentes níveis do ensino (Educação Infantil e Ensino Fundamental e Médio), atendendo em Sala Comum/Regular, Sala de Recursos/Serviço de Apoio Pedagógico Especializado (SAPE) e/ou Escola de Educação Especial.
Neste estudo, o interesse foi investigar o relato dos professores cursistas do curso "Práticas em educação especial e inclusiva, na área de deficiência mental" sobre a relação sexualidade e deficiência intelectual, mais especificamente suas percepções e sentimentos em relação ao alunado com deficiência intelectual de modo geral, sem eleger alunos específicos de sua prática profissional. Os professores cursistas serão doravante denominados de "professores" e/ou "participantes".
Instrumentos
Para a coleta de dados utilizou-se um questionário com várias questões abertas. As seguintes perguntas foram analisadas neste estudo:
1) Você percebe a sexualidade dos(as) seus(as) alunos(as) com deficiência intelectual? Como?
2) Como você se sente diante das manifestações sexuais dos(as) seus(as) alunos(as) com deficiência intelectual? Que facilidades ou dificuldades você sente?
3) Você poderia contribuir na educação sexual dos seus(as) alunos(as) com deficiência intelectual? Como? O que precisaria para orientá-los(as) nessa área?
Procedimentos
A coleta de dados foi realizada no portfólio do ambiente TelEduc. Ao longo do curso os professores realizaram semanalmente atividades como narrativas, questionários, fóruns, chats e relatórios sobre o tema trabalhado. No caso do tema sexualidade, o questionário foi enviado individualmente, antes do módulo em que se discutiu a sexualidade da pessoa com deficiência; depois de respondido, foi postado na plataforma para acesso das pesqui-sadoras.
Fez-se análise de dados quanti-qualitativa, denominada método misto sequencial (Creswell, 2007; Lankshear & Knobel, 2008). A análise quan-titativa referiu-se à estatística descritiva, a partir de categorias elaboradas pela análise qualitativa de conteúdo. Esta consistiu na transcrição de todas as respostas para planilhas de análise e elaboração de categorias mutuamente exclusivas, tal como propõe Bardin (1979). Como se tratava de respostas abertas, todos os relatos foram agrupados em temas comuns (análise qualitativa) para posterior contabilização em frequência.
RESULTADOS
Os resultados são apresentados em dois eixos, em cada um dos quais serão explicitadas as categorias temáticas, previamente elaboradas a partir das questões, que reúnem as subcategorias e a frequência de respostas dos professores partici-pantes, deste modo: Eixo 1) Sexualidade do aluno com deficiência intelectual, em que se apresentam as categorias "Percepção dos professores sobre a sexualidade de alunos com deficiência intelectual", "Formas de expressão da sexualidade dos alunos com deficiência intelectual percebidas pelos professores" e "Sentimentos dos professores diante dos comportamentos sexuais dos alunos com deficiência intelectual"; e Eixo 2) Educação sexual para alunos com deficiência intelectual, em que se apresentam as categorias "Contribuições dos professores na educação sexual dos alunos com deficiência intelectual" e "Condições dos professores para a realização da educação sexual com seus alunos com deficiência intelectual".
Sexualidade do aluno com deficiência intelectual
Percepções dos professores sobre a sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual
Questionou-se aos participantes se eles percebiam a manifestação da sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual, no contexto da escola. Dos 451 professores, 425 (94,2%) afirmaram perceber; 19 (4,2%) afirmaram não perceber, e 7 (1,6%) não responderam ou emitiram respostas confusas e sem relação com a questão.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a maioria dos participantes percebe que seus alunos são seres sexuados e expressam isso na escola. Entre os professores que percebem, a maioria destacou que os alunos manifestam comportamentos e verbalizações sobre sexualidade (90,5%), porque demonstram o desenvolvimento do corpo (2,5%), porque consideram a sexualidade algo inerente ao ser humano (4,9%) ou, ainda, porque os alunos expressam relações de gênero (2,1%). Exemplos de respostas: "Através de conversas sobre o sexo oposto"(P40), "Quando estão na adolescência o corpo começa a se modificar nos mostrando que cresceu e exige adaptações, mudanças de relações" (P430), "Independente de tratar de uma pessoa com deficiência ou não, a sexualidade é inerente a todos" (P259) "[Ele gosta de] abraçar apertado as mulheres (...) já com os funcionários homens ele nem abraça" (P412).
Formas de expressão da sexualidade dos alunos com deficiência intelectual percebidas pelos professores
Indagados sobre quais as formas de sexualidade que percebiam em seus alunos com deficiência intelectual, 16 participantes responderam que não identificavam esses comportamentos (3,5%), e 36 afirmaram que, embora percebessem a sexualidade, não identificavam quais as formas (7,9%). A maioria dos professores participantes (88,6%) respondeu que identificava vários comportamentos sexuais entre seus alunos com deficiência intelectual, como descrito na Tabela 1.
Tabela 1 Frequência e porcentagem de respostas dos participantes, acerca das formas de expressão da sexualidade dos alunos com deficiência intelectual (N=399)
O que os professores observam de comportamentos sexuais nos alunos com deficiência intelectual? | Frequência absoluta | Porcentagem de resposta |
---|---|---|
Preocupação com a aparência, atitudes que expressam o desejo pelo namoro. | 153 | 38.3 |
Comentários e perguntas relacionados à sexualidade. | 143 | 35.8 |
Exibição dos órgãos sexuais e envolvimento em brincadeiras/jogos sexuais e episódios de masturbação. | 78 | 19.6 |
Comportamentos sexuais inespecíficos, avaliados pelos professores como aflorados, exagerados e inadequados. | 25 | 6.3 |
Pode-se afirmar, conforme o relato dos participantes, que os alunos expressavam a sexualidade em verbalizações cotidianas (conversas e perguntas entre eles e com os professores), ou reproduzindo questões sociais, como a preocupação com a estética e beleza física ou o desejo de namorar.
Em menor proporção, alguns participantes perceberam comportamentos sexuais mais genitalizados, referindo a comportamentos explícitos de toques, exibição de genitália, masturbação individual ou exibicionismo. Os comportamentos sexuais dos alunos foram considerados aflorados, exagerados e inadequados, sem que fossem apontadas situações específicas. Os exemplos de relatos ilustram a subcategoria: "Através da masturbação"(P1), "Às vezes eles se tocam sozinhos ou acariciam os amigos" (P94), "Sempre falam que querem namorar"(P43), "Expressa seus desejos através da fala [dizendo] que vai casar com um homem lindo (P99)", "A sexualidade dela é bem aflorada" (P279).
Sentimentos dos professores diante dos comportamentos sexuais dos alunos com deficiência intelectual
Trinta e nove participantes (8,7%) não responderam sobre seus sentimentos, ou emitiram respostas confusas. Já os demais (91,3%) relataram diversos sentimentos diante do comportamento sexual dos alunos, conforme descrito na Tabela 2.
Tabela 2 Frequência e porcentagem de respostas dos participantes acerca dos sentimentos diante da sexualidade dos alunos com deficiência intelectual (N=412)
O que os professores observam de comportamentos sexuais nos alunos com deficiência intelectual? | Frequência absoluta | Porcentagem de resposta |
---|---|---|
Sentimentos positivos que podem gerar atitudes favoráveis | ||
Preparados, tranquilos | 159 | 38.6 |
Dispostos a orientar | 10 | 2.4 |
Sentimentos negativos, em razão de dificuldades pessoais | ||
Espanto, constrangimento, preocupação, insegurança | 94 | 22.8 |
Dificuldades devido ao modo como foi educado nesse assunto | 36 | 8.7 |
Sentimentos negativos, em razão de dificuldades profissionais | ||
Medo de orientar inadequadamente os alunos | 59 | 14.3 |
Medo da reação dos familiares | 54 | 13.2 |
Os sentimentos positivos foram agrupados (41,0%) e expressaram uma concepção favorável em relação à sexualidade dos alunos com deficiência intelectual, uma vez que os participantes demonstraram compreensão de que deveriam agir com naturalidade, aproveitando a situação para dialogar e orientar. Outras respostas (59,0%) foram agrupadas a partir dos sentimentos negativos que expressaram as dificuldades pessoais e profis-sionais, as quais podem gerar atitudes desfavoráveis em relação à sexualidade dos alunos com deficiência intelectual. Alguns exemplos de relatos representam essas categorias (sentimentos positivos e negativos): "Procuro agir da forma mais natural" (P47), "Não tenho medo, nem dificuldade, falo o necessário como uma matéria normal que eu tenho que abordar" (P149), "Levei um choque, pois [o aluno] só tinha 3 anos"(P159), "Sinto dificuldade devido a minha formação familiar, sem conversas sobre o assunto" (P9), "Minha principal preocupação é se vão assimilar corretamente, e se não estarei despertando neles um interesse inapropriado" (P72), "Tenho medo da família não compreender o real sentido do trabalho e enxergar de uma maneira distorcida" (P26), "Nós professores... não estamos totalmente preparados para resolver todas as situações" (P276).
Educação sexual para alunos com deficiência intelectual
Contribuição dos professores para a educação sexual dos alunos com deficiência intelectual
Os participantes foram questionados sobre uma possível educação sexual aos alunos com deficiência intelectual. A maioria acreditava poder contribuir para a educação sexual de seus alunos ou já fazia isso (87,8%), como pode ser observado no relato da participante P279: "Eu posso contribuir para orientar os meus alunos com relação à sexualidade através de conversas informais, fazendo uma abordagem das suas curiosidades com naturalidade". Outros 16 professores (3,6%) também acreditavam que poderiam contribuir, mas de modo condicional, dependendo das situações, como no relato da participante P465: "Primeiro preciso avaliar como as famílias encaram tal assunto na prática, para que então eu possa lançar mão de metodologias construtivas para o trabalho com orientação sexual".
Vinte e oito participantes (6,2%) não responderam a essa questão. Outros (2,4%) assumiram que não podiam orientar seus alunos, seja porque não acreditavam ser esse o papel do professor, seja porque consideravam seus alunos imaturos para receber esclarecimentos sobre sexualidade. Exemplos: "Acho que esse assunto tem que ser tratado com os pais" (P6); "Eu acho eles muito pequenos" (P470).
Condições dos professores para a realização da educação sexual dos alunos com deficiência intelectual
Os participantes também foram indagados sobre o que consideravam necessário para assumir a educação sexual de seus alunos com deficiência intelectual. Sessenta e cinco (14,4%) não responderam a esta questão ou voltaram a afirmar que não saberiam como fazê-lo, e os demais (85,6%) apontaram condições agrupadas em subcategorias descritas na Tabela 3.
Tabela 3 Frequência e porcentagem de respostas dos participantes sobre as condições necessárias para a realização da educação sexual para alunos com deficiência intelectual (N=386)
O que os professores observam de comportamentos sexuais nos alunos com deficiência intelectual? | Frequência absoluta | Porcentagem de resposta |
---|---|---|
Investimento pessoal e profissional (formação) | 180 | 46.6 |
Contar com o apoio da escola e das famílias | 110 | 28.5 |
Planejar e organizar um projeto sistematizado de educação sexual | 96 | 24.9 |
Para 46,6% dos participantes seria preciso um investimento pessoal e profissional, de modo que o professor pudesse rever a própria educação pessoal ou aprender formalmente, como no exemplo: "Posso contribuir deixando de lado pensamentos equivocados a respeito do deficiente mental e sua sexualidade" (P326), "Se tivéssemos cursos sobre o tema" (P437).
'Outros participantes (28,5%) afirmaram ser importante o apoio da escola e da família, considerando a necessidade dos alunos e o envolvimento da escola em convidar profissionais especializados para discutir o tema, além da permissão da família para trabalhar com o assunto. Exemplos de relatos: "Palestras com especialistas, conversas com pais e responsáveis ajuda a trabalhar este tema tão importante para eles" (P395),"Primeiro tem que chamar os pais e informar e orientá-los também" (P143). Ainda outros participantes (24,9%) acreditavam na necessidade de um projeto com planejamento e organização, como relatado pela professora P145: "Me sentiria melhor se na minha escola tivesse um projeto específico sobre esse assunto".
Esses relatos vão ao encontro das dificuldades pessoais e profissionais apontadas anteriormente, pois indicam que, apesar de mostrarem intenção em colaborar com a educação dos alunos, sustentam que o fariam se tivessem formação pessoal e profissional, bem como anuência da família e da escola.
DISCUSSÃO
Os participantes em geral percebiam a sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual no contexto escolar, tanto por comportamentos e/ou verbalizações, quanto pelo desenvolvimento do corpo, característica da puberdade. Conforme os relatos, a expressão da sexualidade dos alunos com deficiência intelectual - como exibicionismos, comentários sobre sexualidade, interesse em namoro, etc. -, não é algo que os difere dos demais alunos. Glat e Freitas (2007) também relataram que os comportamentos sexuais dos alu-nos com ou sem deficiência não diferiam do mesmo modo que Maia e Aranha (2005) observaram no relato dos professores participantes da pesquisa que desenvolveram.
No caso dos comportamentos identificados, há relatos sobre atitudes dos alunos que se referem ao desejo de namorar e manter vínculos afetivos, além da preocupação com a aparência. Nesse sentido, Maia (2011) e Werebe (1984) discutem que as pessoas com deficiência são igualmente expostas aos modelos sociais, e também apresentam a necessidade de corresponder a padrões de conjugalidade ou estética.
Além disso, os jogos e brincadeiras sexuais entre os alunos com deficiência intelectual também foram identificados pelos participantes deste estudo e, considerando serem comportamentos exibicionistas e infantilizados, supõe-se que isso contribua para a crença de que a sexualidade das pessoas com deficiência intelectual seja exacerbada. Outros estudos relatam ser comum o julgamento de uma sexualidade atípica nas pessoas com deficiência intelectual, por parte de professores (Giami, 2004). Maia e Ribeiro (2010) concluem que essa crença equivocada reproduz uma concepção preconceituosa sobre a relação entre sexualidade e deficiência. Autores como Kaufman et al. (2003) e Schwier e Hingsburger (2007) têm enfatizado que muitos comportamentos considerados inadequados em jovens com deficiência intelectual refletem a falta de educação sexual dessas pessoas.
Foi comum o relato de sentimentos negativos e ambíguos dos participantes diante da percepção da sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual. Embora alguns se sentissem preparados e acreditassem na necessidade de diálogo com os alunos, muitos relataram dificuldade diante daquela sexualidade, sentindo-se espantados e constrangidos, como descrito por Albuquerque e Almeida (2010) e por Melo e Bergo (2003) em seus estudos com professores.
De modo expressivo, os participantes re-conheceram a necessidade da educação sexual para seus alunos com deficiência intelectual, como defendem Couwenhoven (2007), Glat e Freitas (2007), Heighway e Webster (2008) e Maia (2012). No entanto, ainda se mostravam receosos para avaliar as situações em que isso poderia ou não acontecer. Pode-se dizer que, embora reconhecessem a questão como pertinente, apresentavam dificuldades em assumir a educação sexual dos alunos com deficiência intelectual, fosse por despreparo pessoal ou acadêmico ou, ainda, por receio da reação dos familiares dos alunos, como também observaram Albuquerque e Almeida (2010).
Foi expressiva a admissão dos participantes de que poderiam ajudar e/ou assumir a educação sexual dos alunos com deficiência intelectual, evidenciando o reconhecimento da dimensão da sexualidade das pessoas com deficiência (Anderson, 2000; Casarella, 2010). Pode-se inferir que os professores participantes mostraram-se favoráveis à educação inclusiva e à educação sexual porque participavam de um curso de formação em práticas inclusivas cujo programa anunciava um módulo de discussão sobre sexualidade e deficiências. Outras pesquisas, com professores que não participaram de cursos de formação nessa área ou em outras, podem ampliar a discussão.
Entre os participantes favoráveis à educação sexual, alguns ressaltaram a falta de formação acadêmica e continuada na área, tal como apontado por professores investigados em outros estudos (Albuquerque & Almeida, 2010; Maia & Aranha, 2005; Melo & Bergo, 2003). Apontaram também as dificuldades sociais e pessoais para o desenvolvimento desse trabalho, além da necessidade de receber apoio das famílias e da escola, tornando a educação sexual um projeto planejado.
A educação sexual deve ser realizada em diferentes instituições sociais, especialmente contando com a colaboração da família (Reis & Maia, 2012), sendo importante que a escola assuma essa responsabilidade também para seus alunos com deficiência (Maia, 2006; 2012; Walker-Hirsch, 2007; Wilson & Burns, 2011).
Os dados reforçam o argumento de que é necessária a formação continuada para professores que atuam com o alunado com deficiência, especialmente na escola comum (Capellini, 2009), respeitando os princípios de uma escola inclusiva (Schreur & Engel-Yeger, 2010). E essa formação deve incluir a temática da sexualidade como tema pedagógico.
Conclui-se que os participantes percebem seus alunos com deficiência intelectual como pessoas sexuadas, que expressam curiosidades e comportamentos sexuais no contexto escolar. Os resultados também apontam que os professores reconhecem a necessidade de oferecer educação sexual para esses alunos, embora muitos não se sintam preparados, pois carecem de formação.
Considera-se que os professores participantes deste estudo reconhecem a dimensão da sexualidade de seus alunos com deficiência intelectual, bem como a necessidade de oferecer educação sexual para eles. No entanto, têm receio e dificuldades em assumir essa tarefa, seja por questões pessoais, seja por falta de apoio da família ou da escola, seja sobretudo pela falta de formação acadêmica nessa área.
Propostas de cursos de formação continuada, que incluam o esclarecimento sobre educação sexual e sexualidade para pessoas com deficiência intelectual, tornam-se um meio importante para suprir essa lacuna na formação de professores que atuam em escolas inclusivas.
REFERÊNCIAS
Albuquerque, P P., & Almeida,M. A. (2010). Sexualidade e deficiência intelectual: um curso de capacitação de professores. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 91(228): 408-423. [ Links ]
Anderson, O H. (2000). Doing what comes naturally? Dispelling myths and fallacies about sexuality and people with developmental disabilities. Illinois: High Tide Press. [ Links ]
Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. [ Links ]
Capellini, V L M. F. . (2009) . O direito de aprender de todos e de cada um. In: M. S. S. Moraes & E. A. Maranhe (Orgs.). Introdução conceitual para educação na diversidade e cidadania (pp.65-100). São Paulo: Unesp. [ Links ]
Casarella, J. (2010). Mejor hablar de ciertas cosas. In: J. Tallis. Sexualidad y Discapacidad (pp. 17-39). Buenos Aires: Miño y Dávila. [ Links ]
Couwenhoven, T. (2007). Teaching children with Down Syndrome about their bodies, boundaries and sexuality: A guide for parents and professionals. Bethesda: Woodbine House. [ Links ]
Creswell, J W. (2007). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Giami, A. (2004). O anjo e a fera: sexualidade, deficiência mental, instituição. São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Glat, R., & Freitas,R. C (2007). Sexualidade e deficiência mental: pesquisando, refletindo e debatendo sobre o tema (Coleção Questões Atuais em Educação Especial, Vol. 2). Rio de Janeiro: Sette Letras. [ Links ]
Heighway, S M., & Webster, S. K. (2008). S.T.A.R.S.: A social skills training guide for teaching assertiveness, relationship skills and sexual awareness. Texas: Future Horizons. [ Links ]
Johnson, D R., & Nord, D (2010/2011). Students with disabilities in Higher Education: Participating in America's future. IMPACT, 23(3): 2-3. [ Links ]
Kaufman, M., Silverberg, C., & Odette,F (2003). The ultimate guide to sex and disability: For all of us who live with disabilities, chronic pain e illness (2nd ed.). California: Cleis Press. [ Links ]
Lankshear, C., & Knobel, M. (2008). Pesquisa pedagógica: do projeto à implementação. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Maia, A C B. (2006). Sexualidade e deficiências. São Paulo: Unesp. [ Links ]
Maia, A C B. . (2010) . Sexualidade e deficiência intelectual: questões teóricas e práticas. In: V. L. M. F. Capellini (Org.). Práticas pedagógicas inclusivas: da criatividade à valorização das diferenças (pp. 11-38). Brasília: MEC. [ Links ]
Maia, A C B. (2011). Inclusão e sexualidade na voz de pessoas com deficiência física. Curitiba: Juruá. [ Links ]
Maia, A C B. (2012). A educação sexual de pessoas com deficiência intelectual. ELO: Revista do Centro de Formação Francisco de Holanda, 19(1): 103-108. [ Links ]
Maia, A C B., & Aranha,M. S. F. (2005). Relatos de professores sobre manifestações sexuais de alunos com deficiência no contexto escolar. Interação, 9(1): 103-116. [ Links ]
Maia, A C B., & Ribeiro, P. R. M. (2010). Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, 16(2): 169-176. [ Links ]
Melo, M R. (2007). A sexualidade de estudantes defi-cientes mentais: experiências de professoras do ensino fundamental em Sergipe. Linhas, 7(1): 1-15. [ Links ]
Melo, M R., & Bergo, M. S. A. A. (2003). Atuação do professor diante de manifestações da sexualidade nos alunos portadores de deficiência mental. Revista Brasileira de Educação Especial, 9(2): 227-236. [ Links ]
Reis, V L., & Maia, A. C. B. (2012). Educação sexual na escola com a participação da família e o uso de novas tecnologias da educação: um levantamento bibliográ-fico. Revista Cadernos de Educação da Faculdade de Educação da UFPEL, 41: 188-207. [ Links ]
Saviani, D. (2006). Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino (6ª ed.). Campinas: Autores Associados. [ Links ]
Schreur, G E N., & Engel-Yeger, B. (2010). Inclusion of children with disabilities: Teachers' attitudes and requirements for environmental accommodations. International Journal of Special Education, 25(2): 89-99. [ Links ]
Schwier, K M., & Hingsburger,D. (2007). Sexuality: Your sons and daughters with intellectual disabilities (3rd ed.). Baltimore, MD: Paul H Brookes Publishing. [ Links ]
Spata, A. (2005). Métodos de pesquisa: ciência do comportamento e diversidade humana. Rio de Janeiro: LTC. [ Links ]
Walker-Hirsch, L. (2007). Sexuality education and intellectual disability across the lifespana developmental, social and education perspective. In: L. Walker-Hirsch. The facts of life... and more-sexuality and intimacy for people with intellectual disabilities (pp.3-28). London: Paul H Brookes Publishing. [ Links ]
Werebe, M J G. . (1984) . Corpo e sexo: imagem corporal e identidade sexual. In: M. I. D'Avila Neto. A negação da deficiência: a instituição da diversidade (pp. 43-55). Rio de Janeiro: Achiamé. [ Links ]
Wilson, R J., & Burns, M. (2011). Intellectual disability and problems in sexual behavior: Assessment, treatment and promotion of healthy sexuality. Massachusetts: Neari Press. [ Links ]
Artigo original: