Artigos Científicos

Prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas e associação com a insatisfação corporal em adolescentes

Gaia Salvador Claumann, André de Araújo Pinto, Diego Augusto Santos Silva, Andreia Pelegrini

19 de abril de 2022

Prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas e associação com a insatisfação corporal em adolescentes

Prevalence of suicidal thoughts and behaviors and its association with body dissatisfaction in adolescents

Gaia Salvador Claumann, André de Araújo Pinto, Diego Augusto Santos Silva, Andreia Pelegrini

RESUMO

Objetivo

Estimar a prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas e a associação com a insatisfação corporal em adolescentes.

Métodos

Participaram 1.090 adolescentes (501 do sexo masculino e 589 do sexo feminino), com média de 16,2 (1,1) anos de idade, estudantes do ensino médio em São José-SC. Por meio de questionário autoadministrado, os adolescentes responderam a questões sociodemográficas (sexo, idade) e sobre maturação sexual, insatisfação corporal (escala de silhuetas) e pensamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamento e tentativa de suicídio), e tiveram as medidas de peso corporal e altura aferidas para cálculo do índice de massa corporal (IMC = peso corporal dividido pela altura ao quadrado). Empregou-se a regressão logística binária para análise dos dados.

Resultados

O sexo feminino apresentou maiores prevalências de pensamento, planejamento e tentativa de suicídio comparado ao masculino. Os adolescentes insatisfeitos pelo excesso de peso e pela magreza apresentaram maior chance de terem pensado e planejado suicídio. Não foram encontradas associações entre tentativa de suicídio e insatisfação corporal.

Conclusões

O sexo feminino apresentou maiores prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas do que o masculino. Independentemente do sexo, idade, IMC e maturação sexual, os adolescentes insatisfeitos com o corpo (pelo excesso de peso e pela magreza) estiveram mais suscetíveis à ideação suicida e ao planejamento de suicídio, comparados aos satisfeitos. Por serem adolescentes em idade escolar, a escola pode ser um agente de discussão sobre a temática, auxiliando na prevenção da insatisfação corporal e desfechos suicidas. Outros profissionais envolvidos com essa população e os familiares precisam estar atentos a essas questões.

Palavras-chave
Suicídio; saúde do adolescente; imagem corporal

ABSTRACT

Objective

To estimate the prevalence of suicidal thoughts and behaviors and its association with body image dissatisfaction in adolescents.

Methods

Participants were 1,090 adolescents (501 male and 589 female), with mean age of 16.2 (1.1) years, who were high school students in Sao Jose-SC. In a self-administered questionnaire, adolescents answered sociodemographic questions (sex, age), sexual maturation, body dissatisfaction (figure rating scale), suicidal thoughts and behaviors (ideation, planning and attempts), and had body weight and height measured to calculate the body mass index (BMI = body weight divided by squared height). Binary logistic regression was used to data analysis.

Results

Greater prevalence of ideation, planning and suicidal attempts was found among female than male. Adolescents who were dissatisfied by thinness and by overweight were more likely to ideation and planning suicide. No associations between suicidal attempts and body image dissatisfaction were found.

Conclusions

Females had higher prevalence of ideation, planning and attempt than males. Regardless of sex, age, BMI and sexual maturation, the adolescents who were dissatisfied with their body (both by thinness and by overweight) were more likely to ideation and planning the suicide, compared to those who were satisfied. Giving that these adolescents are in school age, the school can be an agent of discussion on the subject, assisting to prevent body dissatisfaction and suicidal outcomes. Other professionals who work with adolescents and relatives need to pay attention to these issues.

Keywords
Suicide; adolescent health; body image

INTRODUÇÃO

Mundialmente, estima-se que a cada ano mais de 800.000 pessoas morrem por suicídio – uma pessoa a cada 40 segundos1. No ano de 2012, o suicídio foi a 15a principal causa de morte no mundo, contribuindo para 1,4% de todos os óbitos ocorridos1. Os dados sobre suicídio são ainda mais alarmantes quando se considera a população jovem. Entre indivíduos com idades de 15 a 29 anos, em 2012, o suicídio contribuiu para 8,5% do total de óbitos, tornando-se a segunda principal causa de morte nessa população, mundialmente1. Em alguns países, porém, o suicídio foi a principal causa de morte, no mesmo período, entre indivíduos dessa faixa etária, contribuindo, por exemplo, para 17,6% e 16,6% do total de óbitos, em países de alta renda e de baixa/média renda, respectivamente, do Sudeste da Ásia1.

No Brasil, no período de 2011 a 2016, foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 48.204 casos de tentativas de suicídio, os quais ocorreram predominantemente nas regiões Sudeste e Sul do país. Grande parte dessas tentativas foi realizada por adolescentes com idades de 10 a 19 anos, sendo 24,1% pelo sexo feminino e 17,2% pelo sexo masculino2. Ainda de acordo com registros do Sinan, nos anos de 2011 a 2015 ocorreram 55.649 óbitos por suicídio no Brasil, e o risco aumentou ao longo do período. Essas mortes por suicídio ocorreram com maior frequência nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, respectivamente2.

Diante desse cenário, o suicídio é, notavelmente, um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo e resulta em prejuízos econômicos, sociais e psicológicos para indivíduos, famílias, comunidades e países inteiros1. Isso tem motivado pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento a investigarem os pensamentos e comportamentos suicidas como um dos primeiros prognósticos do suicídio consumado36, de modo a possibilitar o desenvolvimento de estratégias para a prevenção deles, minimizando-se as mortes por essa causa. Os pensamentos e comportamentos suicidas, segundo Franklin et al.7, compreendem a ideação (pensamentos sobre matar a si mesmo), o planejamento (considerar um método específico por meio do qual tem a intenção de se matar) e a tentativa (envolver-se em comportamentos que ocasionam lesões autoprovocadas, nos quais há alguma intenção de morrer em decorrência deles). Porém, assim como a maioria de outros constructos psicológicos, não há conceitos universalmente aceitos das formas específicas de pensamentos e comportamentos suicidas7.

Os pensamentos e comportamentos suicidas são fenômenos complexos e influenciados por inúmeros fatores que interagem entre si, como pessoais, sociais, psicológicos, culturais, biológicos e ambientais1. Assim, nenhum fator isoladamente é suficiente para explicar por que uma pessoa morre por suicídio1. Apesar disso, alguns fatores parecem ser preditores mais fortes dos diferentes desfechos relacionados ao suicídio, conforme apontaram os resultados de uma revisão sistemática com metanálise que incluiu estudos longitudinais publicados ao longo de 50 anos7. Independentemente da faixa etária da população investigada, fatores como tentativas prévias de suicídio, lesões prévias autoprovocadas sem a intenção de se matar, hospitalizações psiquiátricas prévias, ansiedade, depressão e desespero, além de eventos de vida estressantes, tiveram destaque7.

Dessa forma, a adolescência pode ser considerada um evento de vida estressante devido à s inúmeras e intensas mudanças físicas e psicológicas ocorridas nesse período, dentre as quais se destacam as mudanças atreladas à puberdade em diferentes aspectos e no formato do corpo que muitas vezes deixam os jovens desconfortáveis e confusos com sua imagem corporal, tornando-se um desafio para eles8. As dificuldades dos adolescentes em lidar com a imagem corporal estão relacionadas a sintomas de baixa autoestima, ansiedade e depressão911, os quais, por sua vez, podem predispor a inúmeros comportamentos que põem em risco a vida do indivíduo e, especificamente, a pensamentos e comportamentos suicidas1215, o que faz com que a imagem corporal constitua um potencial fator de risco para o suicídio nessa fase da vida.

Nesse sentido, estudos verificaram que diferentes componentes da imagem corporal (por exemplo, afetivo, cognitivo e comportamental) estão relacionados à s lesões não suicidas autoprovocadas por adolescentes e jovens adultos16,17. Assim, seria adequado supor que o componente da insatisfação com a imagem corporal também teria relações com esses e outros comportamentos mais graves. No entanto, pesquisas que investigaram diretamente a relação entre a insatisfação corporal e diferentes desfechos relacionados ao suicídio1820 produziram resultados distintos, que em alguns casos revelaram associações apenas com uma das formas de pensamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamento ou tentativa) e em outros não apontaram associação alguma.

Apesar da falta de consenso nos estudos, o fato de alguns deles demonstrarem que há relação entre insatisfação com a imagem corporal e ideação, planejamento e tentativas suicidas, sugere a necessidade de maior aprofundamento sobre essa questão e atenção dos pesquisadores, profissionais envolvidos com adolescentes e órgãos de saúde pública. Dessa forma, percebe-se a urgência de ampliar o conhecimento sobre esse assunto, buscando compreender, principalmente, a realidade em um contexto nacional para que possam ser elaboradas estratégias adequadas que auxiliem na prevenção dos problemas de imagem corporal e dos pensamentos e comportamentos suicidas. Portanto, o objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas e a associação com a insatisfação com a imagem corporal em adolescentes.

MÉTODOS

População e amostra

Este estudo epidemiológico, transversal, de base escolar, está vinculado ao macroprojeto “Guia Brasileiro de Avaliação da Aptidão Física Relacionada à Saúde e Hábitos de Vida – Etapa I”, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da instituição de origem (Protocolo n° 746.536/2014).

A população desta pesquisa era formada por 5.182 escolares de 14 a 19 anos de idade, estudantes do ensino médio de escolas públicas estaduais da cidade de São José-SC, distribuídos em 11 escolas elegíveis e 170 turmas do ensino médio. O processo amostral foi determinado em dois estágios: 1) estratificado por escolas públicas estaduais de ensino médio (n = 11); 2) conglomerado de turmas, considerando turno de estudo e série de ensino (n = 170 turmas). No estágio dois, foram convidados a participar do estudo todos os estudantes do ensino médio que estavam presentes em sala de aula nos dias das coletas de dados. A amostra probabilística foi formada por 1.132 estudantes. Detalhes sobre as estimativas para cálculo do tamanho de amostra e todo o processo de amostragem (critérios de inclusão, exclusão, elegibilidade) podem ser consultados na literatura21.

Procedimentos e variáveis do estudo

As coletas de dados foram realizadas após a autorização da Secretaria de Estado da Educação, em dias e horários combinados com os diretores e professores das escolas que aceitaram participar da pesquisa. Os estudantes das turmas sorteadas foram informados sobre os objetivos e a importância da pesquisa e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para ser assinado por um responsável, autorizando-os a fazer parte dela. Após o recolhimento do TCLE, os estudantes responderam a um questionário autoaplicável e assinaram ao Termo de Assentimento.

Os pensamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamento e tentativa de suicídio) constituíram a variável dependente do presente estudo, os quais foram coletados por meio de questões extraídas do questionário Youth Risk Behavior Survey (YRBS), traduzido e validado para a população brasileira, apresentando valores do Índice de Concordância Kappa satisfatórios (entre 76,8% e 86,0%)22. Os adolescentes foram instruídos a considerarem os últimos 12 meses para responder à s seguintes questões: 1) “Você em algum momento pensou seriamente em cometer suicídio (se matar)?” (Ideação suicida); 2) “Você já planejou como cometer um suicídio?” (Planejamento suicida); e 3) “Quantas vezes você efetivamente tentou suicídio?” (Tentativa de suicídio). As questões 1 e 2 tinham como opções de resposta “sim” e “não”. A questão 3 apresentava cinco opções de resposta (nenhuma vez, uma vez, duas ou três vezes, quatro ou cinco vezes e seis vezes ou mais). Para o presente estudo, nessa última questão, a resposta “nenhuma vez” foi considerada como “não” tentou suicídio e todas as demais foram consideradas “sim”, tentou suicídio.

A variável independente foi a insatisfação com a imagem corporal, avaliada por meio de uma escala de nove silhuetas para cada sexo23 com validade para amostras brasileiras24. Os adolescentes indicaram o número da silhueta (de 1 a 9, sendo a silhueta de número 1 a de menores dimensões e a de número 9 a de maiores dimensões corporais) que melhor representava sua forma física “atual” e posteriormente aquela que gostariam de se parecer, a “ideal”. Para determinar a insatisfação ou a satisfação com a imagem corporal, a silhueta “ideal” foi subtraída da “atual”, sendo classificados como satisfeitos aqueles em que o resultado da subtração foi igual a “zero”, insatisfeitos pela magreza quando o resultado foi “menor do que zero” e insatisfeitos pelo excesso de peso quando o resultado foi “maior do que zero”.

Além disso, no presente estudo, as variáveis sexo (feminino e masculino), idade em anos completos (14, 15, 16, 17, 18 e 19), índice de massa corporal (IMC) e maturação sexual foram utilizadas para ajustar as análises de associação entre pensamentos e comportamentos suicidas e insatisfação com a imagem corporal.

Para o cálculo do IMC, as medidas de peso corporal e altura foram aferidas. O peso corporal foi aferido por meio de balança digital da marca G Tech Pro® (Pacific Palisades, USA), com capacidade de até 150 kg e resolução de 100g. A altura foi aferida por meio de estadiômetro da marca Sanny® (São Paulo, Brasil), com resolução de 0,1 cm. Para a realização de ambas as medidas, foram seguidos os procedimentos da International Standards For Anthropometry Assessment (ISAK)25.

A maturação sexual foi obtida por meio de autorrelato. Os adolescentes indicaram o estágio de desenvolvimento de pelos pubianos que melhor correspondia ao seu corpo a partir de figuras adaptadas das fotografias de Tanner (1962)26. Os cinco estágios apresentados foram classificados em pré-púberes (estágio 1), púberes (estágios 2, 3 e 4) e pós-púberes (estágio 5). Os participantes responderam a essa questão individualmente, somente após explicação do pesquisador responsável sobre o instrumento.

Análise estatística

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva (média, desvio-padrão e distribuição de frequências) e inferencial. A associação entre cada uma das formas de pensamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamento e tentativas de suicídio) e a insatisfação com a imagem corporal foi testada por meio da regressão logística binária, conduzindo-se análises brutas e ajustadas (por sexo, idade, IMC e maturação sexual), estimando-se a odds ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Todas as análises foram realizadas no software IBM SPSS Statistics 20, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dos 1.132 participantes do macroprojeto, 42 foram excluídos das análises do presente estudo por não terem respondido à s questões referentes à ideação suicida. Dessa forma, foram analisados dados de 1.090 adolescentes (54,0% do sexo feminino e 46,0% do sexo masculino). As características dos participantes em relação à s variáveis investigadas, na amostra total e de acordo com o sexo, são apresentadas na Tabela 1.

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Tabela 1
Características dos participantes em relação às variáveis investigadas, na amostra total e de acordo com o sexo – São José, SC, Brasil, 2014

Na Figura 1, são apresentadas as prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas na amostra total e de acordo com o sexo. O sexo feminino apresentou maiores prevalências de ideação (16,0%; IC 95% = 13,9-17,8), planejamento (12,1%; IC 95% = 10,2-13,8) e tentativa suicida (6,8%; IC 95% = 6,5-7,0) quando comparado ao sexo masculino (11,6%; IC 95% = 9,7-13,2; 9,0%; IC 95% = 8,8-9,2; 4,2%; IC 95% = 3,9-4,4, respectivamente).

 
Figura 1
Prevalências de ideação, planejamento e tentativa de suicídio na amostra total e de acordo com o sexo – São José, SC, Brasil.

As análises de associação entre os pensamentos e comportamentos suicidas e a insatisfação com a imagem corporal são apresentadas na Tabela 2. Nas análises brutas, foi observada associação apenas entre ideação suicida e insatisfação pelo excesso de peso. Após o ajuste, verificou-se que os adolescentes insatisfeitos pelo excesso de peso (OR = 2,37; IC 95% = 1,24-4,51) e pela magreza (OR = 2,81; IC 95% = 1,15-5,20) tiveram mais chances de apresentar ideação suicida quando comparados aos satisfeitos com a imagem corporal. De forma semelhante, os insatisfeitos pelo excesso de peso (OR = 2,46; IC 95% = 1,21-5,00) e pela magreza (OR = 2,48; IC 95% = 1,25-4,93) apresentaram mais chances de planejar o suicídio comparados aos satisfeitos.

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Tabela 2
Análise de associação entre planejamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamento e tentativa) e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes de São José, SC, 2014

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou a prevalência de pensamentos e comportamentos suicidas em adolescentes de uma cidade do sul do Brasil e auxilia a preencher essa lacuna de informação da literatura nacional. Os resultados apontaram que o sexo feminino apresentou maiores prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas (ideação, planejamentos e tentativas) comparado ao sexo masculino. Os adolescentes insatisfeitos (pelo excesso de peso e pela magreza) estiveram mais suscetíveis à ideação e ao planejamento do suicídio em relação aos satisfeitos com a imagem corporal.

Pensamentos e comportamentos suicidas têm sido mais prevalentes em adolescentes do sexo feminino de diversos países5,2729 e do Brasil4,3032. A predisposição do sexo feminino à ideação, planejamento e tentativa de suicídio pode ser reflexo de conflitos internos que incluem depressão, ansiedade e autocobrança mais sensíveis a elas, além de que o sexo feminino tende a se sentir mais pressionado e estressado diante das situações conflituosas da vida em relação ao sexo masculino5. Ademais, o sexo masculino, comparado ao feminino, sofre menos por fatores como conflitos domésticos, dificuldades econômicas e escolares, que tendem a contribuir significativamente para os pensamentos e comportamentos suicidas3. No entanto, dados nacionais2 e internacionais1 demonstram que, em todas as faixas etárias, o maior número de óbitos por suicídio ocorre entre o sexo masculino.

Apesar de terem sido verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os sexos nas prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas, destaca-se que, ao considerar a amostra como um todo, 16,0% dos adolescentes investigados apresentaram ideação suicida nos últimos 12 meses, 12,1% planejaram como realizar o suicídio e 6,8% efetivamente tentaram matar a si mesmos. Todos esses adolescentes merecem maior atenção e devem ser alvos de estratégias de prevenção ao suicídio, principalmente aqueles que já tentaram matar a si mesmos, pois tentativas prévias constituem o principal fator de risco para o óbito por suicídio1,7. Ainda, as tentativas de suicídio podem resultar em prejuízos sociais e econômicos para as comunidades devido ao uso dos serviços de saúde para tratar as lesões do indivíduo, bem como, em alguns casos, as incapacidades de longo prazo devidas a elas, além do impacto psicológico e social causado não somente no indivíduo, mas também nas pessoas próximas a ele1, o que demonstra a necessidade de acompanhamento e suporte aos adolescentes que apresentam pensamentos e comportamentos suicidas.

Quanto às associações entre pensamentos e comportamentos suicidas e insatisfação com a imagem corporal encontradas neste estudo, verificou-se que os adolescentes insatisfeitos (tanto pelo excesso de peso quanto pela magreza) tiveram maiores chances de ideação e planejamento de suicídio. A literatura não tem apresentado consenso sobre as relações entre imagem corporal e pensamentos e comportamentos suicidas. Em pesquisas realizadas com a população adolescente, Crow et al.19 verificaram, em adolescentes dos Estados Unidos, que os que estavam insatisfeitos tinham maior chance de ideação e tentativa de suicídio; du Roscoät et al.20, ao investigarem apenas a tentativa de suicídio, encontraram maior chance do desfecho em adolescentes franceses do sexo feminino e masculino que se sentiam muito magros, um pouco acima do peso e muito acima do peso, e também nos adolescentes do sexo masculino que se sentiam apenas um pouco magros. Por sua vez, no estudo de Brausch e Gutierrez18, conduzido nos Estados Unidos, foi observado que a imagem corporal não teve efeito direto nos pensamentos e comportamentos suicidas.

As divergências nos resultados do presente estudo bem como nos dos demais citados podem ter ocorrido devido à s diferentes medidas de avaliação da insatisfação com a imagem corporal utilizadas, bem como das características das amostras investigadas e dos locais de realização das pesquisas. Apesar disso, conforme a literatura aponta que os fatores de risco podem contribuir diretamente para os pensamentos e comportamentos suicidas, mas também indiretamente ao influenciar a suscetibilidade individual aos transtornos mentais1, acredita-se que a insatisfação com a imagem corporal possa ter um efeito direto na ideação, planejamento e tentativa de suicídio mas principalmente indireto, por predispor os indivíduos a diversos transtornos mentais33. No entanto, o delineamento transversal do presente estudo impossibilita inferir a direção das relações entre pensamentos e comportamentos suicidas e insatisfação com a imagem corporal.

De modo geral, entende-se que os resultados deste estudo precisam ser interpretados considerando-se inúmeros fatores que podem afetar as prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas em pesquisas de autorrelato, entre eles a extensão em que os indivíduos desejam revelar essas informações1. O mesmo apontamento vale para as informações sobre a imagem corporal.

Como orientações, sugere-se que a escola, sendo um local de constante debate sobre a saúde, pode promover discussões sobre o tema durante as aulas, utilizando uma abordagem multidisciplinar e levando em consideração os motivos que levam os adolescentes ao envolvimento em pensamentos e comportamentos suicidas. Ademais, por ser um espaço que lida cotidianamente com a população adolescente, a escola, pode ser uma grande aliada no desenvolvimento de programas de prevenção e tratamento, tanto da insatisfação com a imagem corporal quanto dos pensamentos e comportamentos suicidas.

CONCLUSÕES

O sexo feminino apresentou maiores prevalências de pensamentos e comportamentos suicidas comparado ao sexo masculino. Independentemente do sexo, idade, IMC e maturação sexual, os adolescentes insatisfeitos com a imagem corporal (pelo excesso de peso e pela magreza) estiveram mais suscetíveis à ideação e ao planejamento do suicídio comparados aos adolescentes satisfeitos.

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