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Notícias
Empresas descumprem cota para deficiente

Por: Folha de São Paulo

3 de agosto de 2008

Empresas descumprem cota para deficiente

Comércio paulista inseriu 12.416 pessoas com deficiência no mercado de trabalho de 2001 a abril deste ano, 31% do necessário

Na indústria, 40,5% das vagas obrigatórias foram preenchidas; nos bancos, 53,5%; empresas dizem não encontrar mão-de-obra

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A cada 20 minutos, a rádio interna da rede de supermercados Sonda interrompe sua programação musical para solicitar aos clientes que indiquem pessoas com alguma deficiência para trabalhar na empresa.
O apelo feito ao consumidor, que se repete nas 18 lojas do Sonda, é uma das ações da rede de supermercados para tentar cumprir a lei 8.213, de 1991, que estabelece para as empresas cotas (2% a 5% sobre o total de funcionários) para a contratação de pessoas com deficiência.
A Lei de Cotas, que completou 17 anos em julho, não é cumprida pela maioria das empresas dos setores industrial, bancário e comercial.
O comércio paulista inseriu 12.416 pessoas com deficiência no mercado de trabalho de 2001 a abril deste ano -31% do total de vagas (40.215) que o setor precisa criar para cumprir a lei. Na indústria, foram preenchidas 40,5% das vagas necessárias, e, nos bancos, 53,5%.
Para escapar de multas do Ministério do Trabalho, que variam de R$ 1.254,89 a R$ 125.487,95 pelo não-cumprimento da lei, as empresas firmam TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público do Trabalho nos quais se comprometem a contratar pessoas com deficiência em determinado período, geralmente dois anos.
O argumento das empresas é que não conseguem cumprir as cotas porque não encontram essa mão-de-obra. Mais: dizem que, como as pessoas com deficiência recebem um salário mínimo por mês, ficam sem estímulo para trabalhar, já que perdem o benefício. Segundo o IBGE, o Brasil tem 25 milhões de pessoas com deficiência.
O setor de supermercados começou a se mexer com mais força para o cumprimento da cota no final de 2007, especialmente em São Paulo, quando a SRTE (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo) intensificou a fiscalização no setor.
Entre 2005 e abril deste ano, 43 redes de supermercados foram convocadas na cidade de São Paulo pela superintendência para contratar pessoas com deficiência -26 redes cumpriram as cotas e outras 17 receberam 35 autos de infração.
"Esse setor não demonstra interesse em cumprir a cota de deficientes e não existe a menor justificativa para isso. As redes firmam TACs com o Ministério Público para não serem fiscalizadas. Mas vamos fiscalizar independentemente de TACs", diz Lucíola Rodrigues Jaime, superintendente da SRTE-SP.

Discriminação
Há dois anos, segundo ela, o órgão que comanda tenta fazer um pacto com o setor. "Não vejo boa vontade nas redes. Elas não aceitam contrapartidas, que seriam capacitar as pessoas, criar banco de dados de pessoas com deficiência e fazer campanhas para diminuir a discriminação e o preconceito."
A rede Sonda afirma que contratou neste ano 80 pessoas com deficiência e que outras 30 começam até o dia 11 nas lojas -isso corresponde a cerca de 2% dos funcionários (4.900). Pelo porte da empresa, ela tem de ter 5% dos funcionários com deficiência ou 245 pessoas.
"Mostramos com relatórios que estamos procurando e admitindo pessoas com deficiência. A rede contratou uma psicóloga só para cuidar disso e duas pessoas em cada loja são fluentes em linguagem de sinais", afirma Adelia Amaro, gerente de RH da rede Sonda.
O Grupo Pão de Açúcar, dono das redes de supermercados Extra, Pão de Açúcar e CompreBem, está distante do cumprimento da lei. Com cerca de 65 mil funcionários, o grupo deveria ter em seu quadro 3.250 pessoas com deficiência, mas tem apenas 400.
"Sabemos que estamos distante do cumprimento da cota, pois há dificuldade para achar as pessoas. Mas, independentemente de lei, o grupo tem um trabalho em cima de diversidade", diz Eliana Ponzio, gerente de RH do grupo.
O Carrefour tem 1.230 portadores de deficiência contratados em suas lojas, postos de combustível, farmácias e centros de distribuição. A rede fez acordo com a superintendência de São Paulo para contratar os demais profissionais necessários (970) para cumprir a lei de cotas e desenvolve programas para integrar mais portadores ao mercado de trabalho.
A rede de supermercados Dia%, do grupo Carrefour, afirma que emprega cem pessoas com deficiência nas suas 300 lojas no Estado.
Para Valdirene Silva de Assis, vice-coordenadora nacional de Combate à Discriminação do Ministério Público do Trabalho, as empresas não conseguem cumprir a cota porque são muito exigentes nos quesitos. "Há preferência por pessoas com deficiências leves, e o custo para assegurar condições de acesso para o funcionário especial nem sempre é algo com que o empregador quer arcar."

Ex-office-boy, operador dá as boas-vindas em supermercado

DA REPORTAGEM LOCAL

Há dez meses, Danilo Ferreira da Silva, 22, sai de casa às 13h30 e anda por 40 minutos até a loja do Sonda do shopping Boa Vista, onde trabalha como operador das 15h às 23h. Ele tem perda motora do lado direito do corpo por uma febre alta que teve quando era bebê.
Bem-humorado, ele diz que foi a rede que o achou "e isso foi maravilhoso", pois agora tem registro na carteira de trabalho e plano de saúde. "Como me acharam? Tem uma moça que trabalha no RH da empresa que é parente de uma ex-professora minha de português, que conhece minha tia", conta ele.
Silva faz parte do grupo de 80 pessoas deficientes contratadas recentemente pela rede para cumprimento de lei que obriga as empresas a terem em seu quadro de pessoal pessoas com deficiência -o percentual varia de 2% a 5% sobre o total de funcionários.
O operador de supermercado diz que faz trabalho geral na loja. "Ajudo no caixa, faço conferência de estoque e valorizo o atendimento ao cliente. Falo para os clientes "bom dia", "boa tarde" e "sejam bem-vindos". Só isso já faz o consumidor se sentir bem dentro da loja", diz.
Antes de trabalhar na loja do Sonda, Silva fazia bicos como office-boy. "As empresas ligavam na minha casa e me pediam um serviço. Também cheguei a trabalhar com crianças por dois anos, ajudando com leitura. Agora tenho salário fixo de R$ 610 por mês", diz.
Para o operador de supermercado, o deficiente tem espaço para trabalhar em qualquer empresa. "Eu conquistei o meu espaço." Além de trabalhar, Silva faz curso técnico de administração, de inglês e de informática. (FF)

Fonte: Folha de São Paulo de 03.08.08

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