Periódicos ameaçados: uma resposta conjunta dos editores na área
Por: Notícias de C&T - Serviço da SBPC
13 de outubro de 2008
Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 3616 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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13. Periódicos ameaçados: uma resposta conjunta dos editores na área
de História da Ciência, da Tecnologia e da Medicina
A qualidade dos periódicos não pode ser separada de seu conteúdo e
seus processos de seleção. Pesquisa de alto nível pode ser publicada
em qualquer veículo e em qualquer língua
Vivemos numa era de mensuração. À nossa volta, as coisas são
padronizadas, quantificadas, medidas. Pesquisadores dedicados à
ciência e à tecnologia devem considerar este um fenômeno prático,
cultural e intelectual fascinante e de grande importância.
A análise das raízes e do significado da quantificação tem sido uma
preocupação de boa parte dos melhores trabalhos em nosso campo pelo
menos desde o último quarto de século. Como pesquisadores das
disciplinas interconectadas que compõem o campo dos Estudos da
Ciência, compreendemos quão significativos, contingentes e incertos
podem ser os processos de enquadramento da natureza e da sociedade em
graus, classes e números.
Confrontamo-nos agora com uma situação em que nosso próprio trabalho
de pesquisa está sendo submetido a uma contabilidade supostamente
precisa por órgãos arbitrários e não responsáveis (unaccountable).
Alguns dos leitores podem já estar cientes do European Reference Index
for the Humanities (ERIH), uma iniciativa que tem origem na European
Science Foundation. O ERIH é uma tentativa de graduar periódicos na
área das humanidades incluindo a História e Filosofia da Ciência.
A iniciativa propõe uma tabela de periódicos acadêmicos com primeira,
segunda e terceira divisões. De acordo com a European Science
Foundation, ERIH "tem por objetivo inicialmente identificar, e dar
maior visibilidade, às pesquisas européias de alto nível nas
humanidades publicadas em periódicos acadêmicos em potencialmente
todas as línguas européias."
Espera-se "que o ERIH forme a espinha dorsal de um completo sistema
informacional de pesquisa para as humanidades". O que isso significa,
entretanto, é que o ERIH proporcionará às agências de fomento e outros
órgãos na Europa e em outras regiões uma medida supostamente exata da
qualidade da pesquisa. Em resumo, se a pesquisa é publicada num
periódico da primeira divisão, será reconhecida como de mais alto
nível; se aparece nas divisões inferiores, será classificado (e não
financiado) de acordo.
Essa iniciativa é inteiramente defeituosa em concepção e execução.
Considerem-se os aspectos de responsabilidade (accountability) e
transparência. O processo de produção da lista graduada de periódicos
em Estudos da Ciência foi supervisionado por uma comissão de quatro
membros (cujos nomes encontram-se em
http://www.esf.org/research-areas/humanities/research-infrastructures-includ
ing-erih/erih-governance-and-panels/erih-expert-panels.html).
Essa comissão não pode ser considerada representativa. Não foi
selecionada em consulta com qualquer uma das várias organizações
disciplinares que atualmente representam nosso campo tais como a
European Association for the History of Medicine and Health, a Society
for the Social History of Medicine, a Philosophy of Science
Association, a Society for the History of Technology ou a Society for
Social Studies of Science.
Os editores de periódicos só foram tardiamente informados a respeito
do processo e seus critérios relevantes, e solicitados a fornecer
dados sobre suas publicações.
Nenhuma indicação foi dada sobre os meios que levaram à compilação da
lista; nem sobre como ela poderá ser mantida no futuro. O ERIH
baseia-se numa incompreensão fundamental da conduta e da publicação da
pesquisa em nosso campo, e nas humanidades em geral.
A qualidade dos periódicos não pode ser separada de seu conteúdo e
seus processos de seleção. Pesquisa de alto nível pode ser publicada
em qualquer veículo e em qualquer língua.
Trabalhos verdadeiramente pioneiros podem aparecer mais provavelmente
em fontes marginais, dissidentes ou inesperadas, em vez de num
periódico bem estabelecido e tradicional. Nossos periódicos são
diversos, heterogêneos e distintos. Alguns dirigem-se a conjuntos
amplos, gerais e internacionais de leitores, outros são mais
especializados em seus conteúdos e audiência implícita.
O ERIH, por outro lado, confunde internacionalidade com qualidade de
uma forma particularmente prejudicial a periódicos especializados e
publicados em outras línguas que não o inglês.
Um relatório recente da British Academy conclui, numa formulação
cuidadosamente moderada, que "o European Reference Index for the
Humanities tal como atualmente concebido não representa uma forma
confiável de acordo com a qual se possa construir um esquema de
mensuração para publicações arbitradas" (Peer Review: the Challenges
for the Humanities and Social Sciences, setembro 2007:
http://www.britac.ac.uk/reports/peer-review).
Iniciativas como o ERIH podem tornar-se profecias auto-realizáveis. Se
forem adotadas como base para as decisões de agências de financiamento
e outras, então muitos pesquisadores em nosso campo concluirão ter
pouca escolha a limitar suas publicações a periódicos da primeira
divisão.
Existirão menos periódicos, com muito menor diversidade, empobrecendo
assim nossa disciplina. Junto com muitos outros em nosso campo, este
periódico conclui que não desejamos participar dessa iniciativa
perigosa e mal concebida. O presente editorial conjunto está sendo
publicado em periódicos nas áreas de História da Ciência e dos Estudos
da Ciência como expressão de nossa discordância coletiva, e de nossa
recusa em deixar nosso campo ser administrado e avaliado dessa forma.
Solicitamos aos compiladores do ERIH que removam nossos periódicos de
suas listas.
1. Hanne Andersen (Centaurus)
2. Roger Ariew & Moti Feingold (Perspectives on Science)
3. K. Bag (Indian Journal of History of Science)
4. June Barrow-Green & Benno van Dalen (Historia mathematica)
5. Keith Benson (History and Philosophy of the Life Sciences)
6. Marco Beretta (Nuncius)
7. Michel Blay (Revue d'Histoire des Sciences)
8. Cornelius Borck (Berichte zur Wissenschaftsgeschichte)
9. Geof Bowker and Susan Leigh Star (Science, Technology and Human Values)
10. Massimo Bucciantini & Michele Camerota (Galilaeana: Journal of
Galilean Studies)
11. Jed Buchwald and Jeremy Gray (Archive for History of Exacft Sciences)
12. Vincenzo Cappelletti & Guido Cimino (Physis)
13. Roger Cline (International Journal for the History of Engineering
& Technology)
14. Stephen Clucas & Stephen Gaukroger (Intellectual History Review)
15. Hal Cook & Anne Hardy (Medical History)
16. Leo Corry, Alexandre Métraux & Jürgen Renn (Science in Context)
17. D.Diecks & J.Uffink (Studies in History and Philosophy of Modern
Physics)
18. Brian Dolan & Bill Luckin (Social History of Medicine)
19. Hilmar Duerbeck & Wayne Orchiston (Journal of Astronomical History
& Heritage)
20. Moritz Epple, Mikael Hård, Hans-Jörg Rheinberger & Volker Roelcke
(NTM: Zeitschrift für Geschichte der Wissenschaften, Technik und
Medizin)
21. Steven French (Metascience)
22. Willem Hackmann (Bulletin of the Scientific Instrument Society)
23. Bosse Holmqvist (Lychnos)
24. Paul Farber (Journal of the History of Biology)
25. Mary Fissell & Randall Packard (Bulletin of the History of Medicine)
26. Robert Fox (Notes & Records of the Royal Society)
27. Jim Good (History of the Human Sciences)
28. Michael Hoskin (Journal for the History of Astronomy)
29. Ian Inkster (History of Technology)
30. Marina Frasca Spada (Studies in History and Philosophy of Science)
31. Nick Jardine (Studies in History and Philosophy of Biological and
Biomedical Sciences)
32. Trevor Levere (Annals of Science)
33. Bernard Lightman (Isis)
34. Christoph Lüthy (Early Science and Medicine)
35. Michael Lynch (Social Studies of Science)
36. Stephen McCluskey & Clive Ruggles (Archaeostronomy: the Journal of
Astronomy in Culture)
37. Peter Morris (Ambix)
38. E. Charles Nelson (Archives of Natural History)
39. Ian Nicholson (Journal of the History of the Behavioural Sciences)
40. Iwan Rhys Morus (History of Science)
41. John Rigden & Roger H Stuewer (Physics in Perspective)
42. Simon Schaffer (British Journal for the History of Science)
43. Paul Unschuld (Sudhoffs Archiv)
44. Peter Weingart (Minerva)
45. Stefan Zamecki (Kwartalnik Historii Nauki i Techniki)