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Notícias
Falecimento do Dr. José Ângelo Gaiarsa

Por: Dr. Carlos Briganti

22 de outubro de 2010


Dr. José Ângelo Gaiarsa

Nasceu no dia 19.08.20 e faleceu no dia 16.10.10

 

Dr. José Ângelo Gaiarsa

 

Fui honrado com o convite efetuado pela Presidência da Associação Brasileira de Psicoterapia para escrever algumas palavras sobre o médico psiquiatra e psicoterapeuta Gaiarsa. Tarefa assumida pela amizade e admiração que tenho por Gaiarsa, vivo em suas idéias, propostas, inteligência, compromisso com os pacientes. Inquieto em sua busca infinda pelo conhecimento, criativo, articulado, revolucionário de saberes.

 

Formou-se em Medicina pela USP sempre brilhante aluno. Especializou-se na Psiquiatria e teve contatos com a Sociedade Brasileira de Psicanálise. Eram as instituições que existiam em sua época de recém-formado. Afastou-se da condição de ser sócio de qualquer Sociedade. Entendia que já havia amarras internas suficientes em sua alma. Porque se algemar a um único autor, fosse esse ícone de quem fosse?

 

Libertou-se da questão da linha marcada pelo controle institucional, - Qual é a sua linha?  Sua cultura, argúcia, o sustentava e o posicionava. Surgiu como uma nova possibilidade de compreensão e entendimento das doenças mentais. Gaiarsa trouxe à tona o corpo brasileiro despido de vergonhas e pré-conceitos.

 

Apresentou para o Brasil provinciano o pensamento de Wilhem Reich e de Carl Gustav Jung. E dos estudos desses engendrou uma revolução que se caracterizou pela denúncia da sexualidade miserável que existia em cada indivíduo.  Gaiarsa possibilitou a sexualidade humana ser estudada sob o viés da ciência.

 

O sistema político conservador associado ao religioso o atacou violentamente. Aflorava sua prática clínica, mas das botas do fascismo, da ausência de democracia, dos militares censurando jornais, filmes, peças teatrais, transformou o ar brasileiro em plúmbeo, e Gaiarsa sofreu calúnias inimagináveis. Suportou com retidão de caráter e alegria, respondia com produção científica e trabalho.

 

As fofocas surgidas das bocas contaminadas pela peste emocional dirigiam a ele expressões que informavam a doença do fofoqueiro, um contaminado pela miséria da peste emocional. A fofoca ocupava o lugar da palavra vazia ou psicose.

 

Nunca a fofoca é dirigida contra intelecto ou cultura de uma pessoa, ela sempre foca a questão da sexualidade perversa, e os orifícios anais, uretrais e vaginais tentam classificar o invejado. Gaiarsa foi um dos personagens mais invejados pela reputação adquirida entre inúmeros segmentos da sociedade, clínica, grupos de estudos, livros publicados, entrevistas, programas em televisão, rádio.

 

Gaiarsa, personagem público que jamais se escondeu sob os ternos comportados exigidos, e em roupas confortáveis e boné, sua fala articulada, seu corpo solto, sua disponibilidade em ouvir, sua ausência de críticas ou julgamentos incomodavam os proprietários da verdade.

 

O médico Gaiarsa caminhou em direção a saúde. Seu tema nuclear focado na possibilidade da produção do saudável, porém para isso seria necessário compreender as questões que colaboravam com o adoecer: a família, a sociedade, e a sexualidade como fio que a todos une.

 

Entendia que a família clássica e constituída como tal é a responsável pela produção das neuroses e psicoses. O casamento abriga em sua intimidade a monogamia obrigatória, casamento monogâmico relação sexual obrigatória. Os filhos dessa situação perversa familiar adoecem. O casamento é o local em que convive e fortalece a dupla moral sexual. Ou seja, durante o dia os pais e mães vivem a vida sexual de uma maneira e as noites coexistem nos lares distantes em afeto.

 

Promoveu Gaiarsa uma exposição de suas pesquisas e estudos, publicou na Revista Realidade. A revista foi retirada das bancas a mando do fascismo da época. Deste estudo publica A juventude diante do Sexo, seu primeiro livro. Aí se encontrava o relatório Master Johnson-Hite brasileiro.

 

Gaiarsa resgata o corpo que se encontrava escondido sob a moral sexual revelada em capas de revistas, fuxicos e carnavais. Os nus com um único fim perverso. Gaiarsa traz a leitura do corpo. As práticas clínicas associada aos estudos tornam possível publicar trinta livros, os títulos falam por si: A Família de que Se Fala e a Família de que Se Sofre; A Inconsciência Coletiva; Amores Perfeitos; A Cartilha da Nova Mãe; Couraça Muscular do Caráter...

 

Ensina que sob a forma corporal inscreve-se a neurose. A neurose muscular do caráter. É impossível esconder o peito emplumado de prepotência ou as pernas finas de fragilidades. Essa nova linha de possibilidades atrai estudiosos das diferentes formações, filósofos, pedagogos, psicólogos, médicos, biólogos, sociólogos, engenheiros etc.

 

Os discípulos constituem-se, a instituição formal jamais criada, Gaiarsa conhecia em profundidade os malefícios das famílias humanas. Não desejou sócios instituídos ensinava sob o prazer do conhecer. Arte e ciência se misturavam em direção à cura e saúde. Ensinou a não termos receio de viver. Indicou caminhos do sem medo de viver. Possibilitou que o diafragma estivesse livre. Trouxe a tona da discussão científica a questão da relação sexual. Promoveu o estudo e a divulgação da Função do Orgasmo.

 

As escolas médicas e psicológicas até hoje refutam a idéia de entendimento da função fisiológica, biológica, afetiva e psíquica do nobre orgasmo. Estuda-se a função da bile, saliva, fezes, suor... Jamais a função do prazer ou orgasmo.

 

A vida de Gaiarsa foi dedicada ao trabalho, amor e estudo. Jamais desvinculados entre si. O trabalho, o estudo e o amor não compulsivo.

 

Sou agradecido à sorte por ter conhecido as reflexões de Gaiarsa. Sua liberdade de viver com respeito e ética ao próximo marcaram para sempre todos os que tiveram o privilégio de o contatarem.

 

Divulgação

ABMP-SP

(Associação Brasileira de Medicina Psicossomática-Regional de São Paulo)

 

Autoria: Dr. Carlos Briganti
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