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A QUESTÃO DA SAÚDE MENTAL INFANTIL

Por: Francisco B. Assumpção Jr.

15 de fevereiro de 2011

A QUESTÃO DA SAÚDE MENTAL INFANTIL

 

 

Apesar de sabermos que existe uma, teórica, política específica, nos âmbitos nacional, estadual e municipal, a qual propõe e organiza todo o atendimento e visa melhorar a Saúde Mental em nosso país, nossa real situação, principalmente no que se refere à infância e adolescência é precária.

      Assim, embora a nível nacional exista toda uma legislação que reza que a “criança tem direito ao melhor tratamento de saúde possível, através de métodos não invasivos visando oferecer assistência integral inclusive serviços médicos, sociais e psicológicos” ou que prevê o não pagamento dos mesmos no sistema público de transporte bem como a adaptação gradual de prédios e estruturas urbanas para diferentes tipos de deficiências. (Lei no. 10.216 de 6/4/2001 e Lei 8.899 de 29/6/1994) “cabendo ao poder público assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho e ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que decorrentes da Constituição e das leis proclamem seu bem estar social e econômico“, a implementação e a aplicação dessas propostas deixam muito a desejar criando-se uma distância marcante entre o país “oficial” e o país “real”.      

      Hoje, considerando-se a questão da Saúde Mental, a maior parte do atendimento proporcionado à criança e ao adolescente (em que pese o fato de terem sido criados, nos últimos 5 anos, mais de 900 CAPS, nem todos destinados à infância, sendo a ela destinadas uma minoria pouco significativa que se aproxima dos 10% ), não é feita por intermédio dos serviços públicos, quer se considere a questão saúde, quer se considere a questão educação especializada, intimamente relacionada ao atendimento infanto-juvenil.

Esses atendimentos são realizados através de instituições beneficentes, que obtém seus recursos através do trabalho com a própria comunidade em detrimento de verbas estatais fixas ou que atendem particularmente e, em conseqüência, se destinam a uma parcela privilegiada da população, uma vez que os seguros privados não cobrem esse atendimento.

      Assim, as organizações não governamentais são as mais importantes constituindo-se, somente entre Apaes e Pestallozzis em aproximadamente 2500 em todo o país num franco descompasso com o atendimento governamental. Outras patologias da infância e da adolescência, como por exemplo, o autismo, também é atendido, primordialmente, através desse tipo de entidade não governamental. Têm-se aí o exemplo das AMAS.

      É importante ressaltar também que nos últimos anos houve diminuição da ênfase no ensino referente à Saúde Mental na infância e na adolescência nas Universidades. Isso se reflete na existência de pouquíssimos programas de residência (ressalte-se o de Porto Alegre e o de Belo Horizonte como os únicos que resistem bravamente a essa extinção organizada pelas próprias instituições de ensino). Tal fato nos leva a uma situação de precariedade na qual observamos menos de 300 psiquiatras com especialização em infância e adolescência, concentrados principalmente nas regiões sul-sudeste do país. Em contrapartida, a literatura norte-americana na qual nos pautamos sempre que desejamos parecer em franco progresso, referia, já em 1999, existirem na pátria-mãe, cerca de 5.000 psiquiatras infantis, com distribuição heterogênea por seu território e, mesmo esse número, era considerado insatisfatório para a constituição de uma política eficaz de Saúde Mental infanto-juvenil. Ora o que teríamos que pensar então sobre nossa realidade?

É verdade que nossa situação, sob o ponto de vista da formação acadêmica de especialistas, é fruto de uma política que não considera a criança nem objeto importante para o atendimento nem para pesquisa uma vez que poucas são as vantagens imediatas auferidas da formação desses profissionais bem como do atendimento a essa população. Estabelece-se assim, dentro de uma concepção capitalista e globalizada, o conceito de que em um mundo pragmático vale quem produz mais, o que tira da criança a possibilidade de um atendimento digno.

      O modelo de reabilitação, indispensável quando se pensa em Psiquiatria da Infância e da Adolescência, é também praticamente inexistente a não ser que consideremos entidades não governamentais. Assim, os serviços de estimulação precoce são, na maioria das vezes, ligados a essas instituições não havendo programas específicos em nível governamental que privilegiem esse aspecto. Que falar então da formação específica de profissionais nessas áreas uma vez que a, dita, reabilitação psico-social se insere, em nosso meio, muito mais no território ideológico que no técnico.

      O processo de readaptação física e social se processa então, em nosso meio, da mesma maneira, no mais das vezes através dessas organizações.

      As classes especiais, em escolas regulares, destinadas a deficientes mentais em grau leve e idades entre sete e 16 anos aproximadamente estão hoje em extinção uma vez que tenta se implantar uma política de inclusão do deficiente nas escolas normais embora essas já sejam deficitárias tanto para pessoas deficientes como também para indivíduos com problemas específicos de aprendizado, de conduta ou de atenção bem como para a própria população em seu todo. Tendem assim ao desaparecimento com o atendimento da população necessitada passando a ser delegado ao Estado de maneira carente e caótica. Dessa forma, embora a legislação preveja a inclusão dessas crianças com dificuldades (o que a nosso ver é, teóricamente, fundamental) a carência de recursos impede que sejam acessados os recursos a que tem direito legal ficando assim, relegadas, a um atendimento, no mais das vezes, precário e ineficiente.

      Podemos então concluir, de maneira simples, embora insatisfatória, que um país cujas entidades governamentais e intelectuais não têm a menor preocupação com as gerações seguintes, tem um futuro, na melhor das hipóteses, digno de preocupação.

Esperamos que essa situação se reverta e que os interesses individuais, ao menos por alguns instantes, cedam lugar aos interesses coletivos, bem expressos pelo cuidado das gerações que nos sucederão.

Para isso, sugerimos ações voltadas à Saúde Mental da Infância e da Adolescência embasadas técnica e não ideológicamente. Essas ações devem ser dirigidas para um atendimento em rede, conforme explicitado pelo Programa de Saúde Mental proposto pela Associação Brasileira de Psiquiatria. Da mesma forma, deve ser privilegiado o investimento na formação e capacitação de profissionais para que estes supram, de maneira adequada, às necessidades do programa proposto.

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