Artigos Científicos

Forma intermediária de síndrome de Foix-Chavany-Marie / síndrome de Worster-Drought associada a movimentos involuntários: aspectos neuropsicológicos e fonoaudiológicos

Marcio Gadelha Vasconcelos; José Antonio Fiorot Jr; Caroline Sarkovas; Aline Pereira Martins Pinto; Orlando G P Barsottini; Alberto Alain Gabbai

4 de junho de 2009

Arq. Neuro-Psiquiatr. v.64 n.2a São Paulo jun. 2006

Forma intermediária de síndrome de Foix-Chavany-Marie / síndrome de Worster-Drought associada a movimentos involuntários: aspectos neuropsicológicos e fonoaudiológicos

 

Intermediary form of Foix-Chavany-Marie / Worster-Drought syndromes associated to involuntary movements: neuropsychological and phonoaudiological features

 

 

Marcio Gadelha VasconcelosI; José Antonio Fiorot JrI; Caroline SarkovasII; Aline Pereira Martins PintoIII; Orlando G P BarsottiniIV; Alberto Alain GabbaiV

Disciplina de Neurologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (UNIFESP / EPM)
IMédico Neurologista
IIFonoaudióloga especialista em voz e mestranda pelo setor de Neurologia Extra-Piramidal
IIINeuropsicóloga do setor de Neurologia do Comportamento
IVNeurologista, Chefe do Ambulatório de Neurologia Geral
VProfessor Titular da Disciplina de Neurologia

 


RESUMO

A síndrome de Foix-Chavany-Marie (SFCM) caracteriza-se por apraxia da fala associada à paralisia bilateral da face, palato mole, língua e musculatura da faringe, mas com preservação das funções reflexas e automáticas. Na síndrome de Worster-Drought (SWD), há predomínio da disartria. Descrevemos o caso de uma jovem de 18 anos, que apresenta os achados clínicos e radiológicos compatíveis com a forma intermediária de SFCM/SWD, acompanhados de movimentos involuntários (coréia e distonia), fato de ocorrência rara na descrição destas síndromes.

Palavras-chave: síndrome de Foix-Chavany-Marie, síndrome de Worster-Drought movimentos involuntários.


ABSTRACT

The Foix-Chavany-Marie syndrome (FCMS) is characterized by apraxia of speech associated to bilateral central facio-linguo-velo-pharyngeal paralysis, with automatic-voluntary dissociation. In Worster-Drought Syndrome (WDS), dysarthria is remarkable. We report an 18-year-old female, with clinical and radiological findings of intermediary form of FCMS/WDS, and showing involuntary movements, an unusual fact.

Key words: Foix-Chavany-Marie syndrome, Worster-Drought syndrome, involuntary movements.


 

A síndrome de Foix-Chavany-Marie (SFCM), também conhecida como síndrome opercular, ou síndrome peri-silviana bilateral congênita foi descrita inicialmente em 1926, sendo definida atualmente através de achados clínicos e de imagem1. Entre os achados clínicos estão a apraxia da fala, paralisia bilateral da face, fraqueza do palato mole, língua, musculatura da faringe e da mastigação, associada à dissociação automático-voluntária2. Já a síndrome de Worster-Drought (SWD), ou paresia suprabulbar congênita, foi descrita posteriormente (1953) como uma síndrome parética que determina disartria devido à disgenesia do trato córtico-nuclear3,4. Os achados são distintos nas duas síndromes. Na SFCM, nota-se atrofia cortical assimétrica, mais intensa à esquerda e predominando na região frontal inferior, notadamente na região opercular, evidenciada mais claramente na ressonância magnética (RM)5. Exames como PET-scan e SPECT confirmam uma diminuição no fluxo sangüíneo e metabolismo do hemisfério cerebral esquerdo, mais proeminente no giro frontal inferior e no córtex pré-motor3. Na SWD, observa-se pela tomografia computadorizada (TC), atrofia do hemisfério cerebral direito, hipodensidade peri-ventricular esquerda e na região temporo-parietal. Através de RM, evidencia-se polimicogiria peri-silviana bilateral, heterotopia de substância cinzenta subependiméria, agenesia parcial do corpo caloso, atrofia cerebral e cerebelar moderadas, com pobre diferenciação entre substancia branca e cinzenta, aumento do sinal na cápsula interna em T2, assimetria cerebelar e tamanho reduzido da ponte3. As duas entidades também são relatadas como um contínuo de uma mesma doença, ressaltando-se a existência de formas ditas intermediárias2,5,6. A associação das síndromes com movimentos anormais é de ocorrência rara, podendo estar associada à distonia, coreoatetose e status epiléptico7,8.

O objetivo deste estudo é relatar um caso associação de ambas as síndromes.

 

CASO

Moça de 18 anos, sinistra, com história pregressa de hipóxia neonatal e crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas desde o nascimento. Permaneceu por 13 dias na unidade intensiva neonatal, recebendo alta com seqüela motora à direita. Durante a infância, questionou-se discreto atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Ao exame neurológico apresentava hemiparesia direita, movimentos do tipo coreoatetótico no braço direito, postura distônica da mão direita, diparesia facial, articulação imprecisa da fala com hipotonia da língua, movimentação reduzida do palato mole e nistagmo horizontal bilateral. Fez uso de fenobarbital 100 mg/dia até os 05 anos de idade com controle satisfatório das crises. Voltou a apresentar convulsões aos dezoito anos de idade. Desde então, faz uso regular de carbamazepina 1000 mg/dia, mantendo uma crise parcial complexa por mês. O eletrencefalograma (EEG) mostrou desorganização difusa do ritmo cerebral, por vezes com surtos de ondas lentas, ora temporais e independentes, ora generalizadas.

A RM mostrou alterações do desenvolvimento e organização cortical, além de polimicrogirias operculares e importante atrofia cortical perisilviana mais intensa no hemisfério esquerdo (Figs 1 e 2).

 

 

 

 

Na avaliação fonoaudiológica a paciente apresentou hipernasalidade, loudness diminuído, tempo máximo fonatório da vogal /a/ = 10,29 segundos, pitch médio para agudo, coordenação pneumofonoarticulatória, respiração superior, ressonância laringo-faríngea, ataque vocal isocrônio, qualidade vocal rouca-soprosa discreta e alteração da prosódia. Mostrou distorção na produção das consoantes palatais "k"e "g", linguais "l" e "lh" e omissão dos arquifonemas "r" e "n". Em relação à deglutição, apresentou diminuição da força da musculatura perioral para contenção oral, movimento mandibular giratório e lateral reduzido, dificuldade para manter vedamento labial durante mastigação de alimentos sólidos, redução da elevação laríngea, tosse durante deglutição de líquido. Diante esta avaliação clínica a paciente foi diagnosticada como tendo disartria, disfonia discreta e disfagia leve.

Em relação aos testes neuropsicológicos aplicados, a paciente mostrou ter desempenho satisfatório para idade e escolaridade, e os testes que apresentaram piores resultados parecem refletir a disartria própria da doença, e não déficit de memória. (Tabela) No Wechsler memory scale – revised (WMS-R)/ reprodução visual – imediata e tardia, a paciente mostrou ter memória visual imediata compatível com sua idade e escolaridade, tanto na aquisição de novas informações, quanto no processo de reacessamento do material previamente aprendido, como pode ser notado no teste de memória tardia. Os desempenhos nos demais testes - fluência verbal ( FAS Test), fluência categoria animal e Boston naming test ( BNT)/nomeação de Boston, apresentaram-se prejudicados pela disartria. O mesmo pode ser percebido no subteste WMS-R (Memória lógica – imediata e tardia) em que a mesma não tem bom desempenho em função desta limitação, evidenciando que tal teste não possui boa especificidade. No subteste Wechsler adult intelligence scale – revised – (WAIS-R), em que são avaliados memória de trabalho, atenção e manipulação de informações, o desempenho mostrou-se prejudicado, novamente tendo a variável da disartria como limitação, evidenciando baixa especificidade. No teste: trilhas A e B (trail making test - TMT), no qual avalia-se a atenção, flexibilidade mental e capacidade de sequenciação, o baixo desempenho parece estar associado às dificuldades motoras que possui pois, apesar de lentificada, ela não cometeu erros. No teste desenho do relógio (drawings to command – clock), demonstrou ter planejamento adequado, usar estratégias efetivas, e ter boa praxia motora, funções estas ligadas ao lobo frontal. No subteste de aritmética do WAIS-R, mostrou que ainda é capaz de realizar as quatro operações básicas da matemática com facilidade.

 

 

DISCUSSÃO

A SFCM é entidade clínica de ocorrência rara, poucas vezes citada na literatura científica brasileira. Alguns autores acreditam que a SFCM, na verdade, não se diferencia de outro quadro, muito mais freqüentemente relatado, a SWD1,2. Esta é o que encontramos clinicamente no caso exposto, apesar dos achados radiológicos compatíveis com a SFCM.

Segundo Maw-Yuan et al.9 e Weller et al.10, ambas as síndromes são caracterizadas por distúrbio da fala e não da linguagem. No entanto, podem ser distinguidas clinicamente, pois na SFCM predomina o déficit de programação motora para fala e dissociação voluntária reflexa, cuja topografia uma lesão cortical bilateral sem comprometimento do córtex motor primário. Já na SWD existe disartria, síndrome parética com lesão cortical ou subcortical envolvendo o trato cortiço-nuclear2.

A apraxia de fala, mais comum na SFCM, é definida como ausência completa de movimentos articulatórios, sons laríngeos surdos e sonoros, emissão em fala sussurrada, ou presença de fala articulada e o sujeito é incapaz de tossir voluntariamente, apesar de fazê-lo automaticamente. A dispraxia é definida como uma desordem na articulação, resultante de falhas na capacidade de programação de comandos sensório-motores responsáveis pelo posicionamento e movimentação dos músculos na produção intencional da fala, ou seja, um distúrbio nos movimentos voluntários, na ausência de fraqueza muscular, paralisia, fadiga ou lentidão. Nela não há alterações ligadas à sucção, mastigação e deglutição11,12.

A disartria, mais comum na SWD, é definida como distúrbio da fala resultante de alterações no controle muscular, ou seja, na execução dos mecanismos de fala devido a problemas que envolvem o sistema nervoso central ou periférico, caracterizada por fraqueza, paralisia e incoordenação motora do aparelho fonador13.

Em relação aos sintomas extrapiramidais apresentados por esta paciente, Puertas et al. relataram apenas um caso de SFCM acompanhada de distonia7. Coréias e distonias secundárias têm sido descritas como resultado de traumatismos cranianos, exposição à monóxido de carbono, hipóxia, acidentes cerebrovasculares, complicações de cirurgia de revascularização miocárdica e uso de fármacos14. A paciente descrita sofreu complicações perinatais e possivelmente foi submetida a hipóxia cerebral o que pode explicar, em parte, a ocorrência de tais movimentos involuntários. Embora os movimentos anormais estejam relacionados a disfunções dos gânglios da base e tálamo, algumas vezes estes movimentos podem ser causados por lesões em outras localizações como na síndrome biopercular apresentada neste caso. Para enfatizar tal fato, utilizando a RM Rondot et al. investigaram a localização anatômica de 40 casos de distonia secundária. Em 21 casos a localização foi o estriado, em 6 casos o globo pálido, em 7 o tálamo e em 6 o mesencéfalo. Todas estas localizações estão relacionadas com os circuitos dos gânglios basais15. Na situação da nossa paciente, é provável que anormalidades no circuito motor, tálamo-cortical - gânglios da base, sejam responsáveis pelo aparecimento dos movimentos anormais. A ocorrência de crises convulsivas de difícil controle deve-se provavelmente às alterações da organização cortical associadas a esta síndrome, conforme mencionado por Lopez et al.8.

Acreditamos estar relatando um caso ímpar não só por se tratar de uma paciente com quadro intermediário SFCM / SWD, mas principalmente por sua associação com movimentos coréicos e distonia. Faz-se necessário maior investigação etiológica dos casos de coréia e/ou distonia, associados à disartria ou à apraxia bucofacial, que podem corresponder à SFCM / SWD não diagnosticados. A avaliação fonoaudiológica e neuropsicológica são importantes para diferenciação, uma vez que se distingue com melhor precisão quais distúrbios da cognição e da fala estariam envolvidos, notadamente este último.

 

REFERÊNCIAS

1. Clark M, Carr L, Reilly S, Neville B. Worster-Drought syndrome, a mild tetraplegic perisylvian cerebral palsy: review of 47 cases. Brain 2000; 1232:2160-2170.    

2. Queirós F, Duarte G, Correia C, Sérgio J, Vila Nova C, Lucena R, et al. Síndrome de Worster-Drought: relato de caso e distinção em relação à síndrome de Foix-Chavany-Marie. Arq Neuropsiquiatria 2004;62:906-910.  

3. Worster-Drought C. Suprabulbal paresis: congenital suprabulbar paresis and its differential diagnosis, with special reference to acquired suprabulbal paresis. Dev Med Child Neurol 1974;16:1-33.   

4. Jansen A, Andermann E. Genetics of the polymicrogyria syndromes. J Med Genet 2005;42:369-378.  

5. Kuzniecky R, Andermann F, Guerrini R. Congenital bilateral perisylvian syndrome: study of 31 patients. Lancet 1993; 341:608-612.

6. Christen HJ, Hanefeld F, Kruse E, Imhauser S, Ernst JP, Finkenstaedt M. Foix-Chavany-Marie (anterior operculum) syndrome in childhood: a reapprasail of Worster-Drought syndrome. Dev Med Child Neurolol 2000; 42:22-132.  

7. Puertas I, Garcia-Soldevilla MA, Jimenez-Jimenez FJ, Cabrera-Valdivia F, Jabbour T, Garcia-Albea E. Bilateral hand dystonia secondary to a bilateral opercular syndrome or Foix-Chavany-Marie syndrome. Rev Neurol 2002;35:430-433.    

8. Lopez-Pison J, Bajo-Delgado AF, Lalaguna-Mallada P, Calvo-Romero MR, Cabrerizo de Diago R, Pena-Segura JL. Bilateral anterior opercular syndrome as a manifestation of a non-convulsive epileptic state. Rev Neurol. 2004;38:934-937.   

9. Maw-Yuan A, On-Kee L, Yen-Lin W. Foix-Chavany-Marie syndrome. Chin Med J 2001;64:540-544.   

10. Weller M. Anterior opercular cortex lesions cause dissociated lower cranial nerve palsies and anarthria but no aphasia: Foix-Chavany-Marie syndrome and autonomic voluntary dissociation revisited. J Neurol 1993;240:199-208.    

11. Duffy JR. Motor sppech disorders substrates, differential diagnosis, and management. St. Louis: Mosby, 1995; 24: 112-134.  

12. Aronson AE. Clusters of deviant speech dimensions in dysarthrias. J.Speech Hear Res 1969;262-296.      

13. Murdoch BE. Desenvolvimento da fala e distúrbios da linguagem:uma abordagem neuroanatômica e neurofisiológica. Rio de Janeiro, Revinter 1997:31;20-95.    

14. Jankovic JJ, Tolosa E. Parckinsons disease and movement disorders, 4ª Ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2002:228-233, 331-357.     

15. Rondot P, Bathien N, Tempier P, et al. The topography of lesions of secondary dystonia. Bull Academie Nationale Medecine 2001;185:1103-1117.

 

Dr. Márcio Gadelha Vasconcelos - Rua Agostinho Rodrigues Filho 57 / 123 – 04026-040 São Paulo SP- Brasil. E-mail: mgadvas@yahoo.com.br


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2006000200029&lng=pt&nrm=iso

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