Artigos Científicos

A depressão na adolescência

Kátia Cristine Cavalcante Monteiro; Ana Maria Vieira Lage

18 de janeiro de 2010

Psicol. estud. vol.12 no.2 Maringá May/Aug. 2007 

A depressão na adolescência

 

The depression in adolescence

 

La depresión en la adolescencia

 

Kátia Cristine Cavalcante MonteiroI; Ana Maria Vieira LageII

IMestre em psicologia. Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (UFC)
IIDoutora em Psicologia Clínica. Médica Psiquiatra. Professora Titular do Departamento de Psicologia da UFC

Endereço para correspondência


RESUMO

O presente trabalho relata o fenômeno da depressão na adolescência resgatando uma visão de psicopatologia que discute a teoria psicanalítica e a psiquiatria biológica. Nesta faz-se uso do termo depressão e da promessa de cura através dos ajustes dos déficits neuro-hormonais que as medicações se propõem a compensar. A psicanálise promove uma diferenciação entre os termos depressão e melancolia, e correlaciona o conceito de depressão com os lutos pela perda da estrutura infantil. Finalmente, consideram-se quatro aspectos na caracterização do conceito de depressão na adolescência: (1) nem toda manifestação de tristeza ou alteração no comportamento é uma manifestação patológica; (2) é constitutiva do psiquismo e da estruturação do sujeito; (3) funciona como uma defesa do psiquismo, visando proteger o humano; e (4) deve ser concebida como um luto, no sentido psicanalítico do termo que, após um lapso de tempo, necessita ser superado e a libido reinvestida em outros objetos.

Palavras-chave: depressão, adolescência, psicopatologia.


ABSTRACT

This work analyzes depression in adolescence from a perspective of psychopathology which discusses psychoanalysis theory and biological psychiatry. Within this context, it is used the term of depression and the promise of cure through the adjustment of neuro-hormonal deficits which are expected to be offset by medications. Psychoanalysis fosters a differentiation between the terms depression and melancholia and correlates the depression concept with the the mourning due to the children's structure loss.Finally, four aspects are considered in characterizing the depression concept during the adolescence: (1) not all sadness manifestations or behavior changes are pathological; (2) it is part of psychism and individual structure; (3) it functions as a defense of psychism so as to protect the human being (4) it should be conceived as a mourning in the psychoanalyst meaning of the term which, after a certain time period, needs to be surpassed and libido embedded in other objects..

Key words: Depression, adolescence, psychopathology.


RESUMEN

El presente trabajo relata el fenómeno de la depresión en la adolescencia, rescatando una visión psicopatológica que discute la teoría psicoanalítica y la psiquiatría biológica. En ésta se hace uso del término depresión y de la promesa de cura a través de los ajustes de los déficit neurohormonales que las medicinas se proponen compensar. El psicoanálisis promueve una diferenciación entre los términos depresión y melancolía, y correlaciona el concepto de depresión con los lutos por la pérdida de la estructura infantil. Por fin, se consideran cuatro aspectos en la caracterización del concepto de depresión en la adolescencia: (1) ni toda manifestación de tristeza o alteración del comportamiento es una manifestación patológica; (2) ella es constitutiva del psiquismo y de la estructuración del sujeto; (3) funciona como defensa del psiquismo, visando proteger el humano; y (4) debe ser concebida como un luto – en el sentido psicoanalítico del término – que, tras un período de tiempo, necesita ser superado, con la libido teniendo que ser reinvertida en otros objetos.

Palabras-clave: depresión, adolescencia, psicopatología.


 

A DEPRESSÃO NA ADOLESCÊNCIA

A depressão pode ser considerada um dos transtornos principais da nossa época, até 1960, quando a sua ocorrência na infância e na adolescência começou a ser pesquisada, os transtornos de humor eram compreendidos como uma condição rara nesta faixa etária. Embora se encontrem relatos de sintomas depressivos em crianças e jovens, mesmo antes da década citada - realizados por Abraham, Bowlby, Klein e Freud (Winnicott, 1983) -, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA somente admitiu a existência da depressão em crianças e adolescentes a partir de 1975.

De acordo com Viscardi, Hor e Dajas (1994), a depressão afeta uma em cada cinco pessoas em algum momento de suas vidas; a estimativa de prevalência nos adolescentes americanos é de 2.6% em homens e de 10.2% em mulheres. No Brasil, as pesquisas que investigam a ocorrência da depressão em crianças e adolescentes são poucas e, mesmo com dados limitados e diferentes metodologias aplicadas, indicam uma porcentagem significativa de transtornos afetivos na fase da adolescência, sendo possível observar ainda dados compatíveis com a literatura internacional (Bejarano & cols., 1999; Baptista, Baptista & Dias, 2001).

As estatísticas da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2003) resultam em dados alarmantes que estimam para as próximas duas décadas um aumento tão vertiginoso para o número de novos deprimidos que em 2020 a depressão representará a segunda afecção que mais perpassará os anos de vida útil da população mundial, podendo mesmo até ultrapassar o número de afetados por doenças cardiovasculares. Atualmente, é relacionada como a quarta causa mundial de deficiência e o segundo lugar na faixa etária compreendida entre 15 a 44 anos, podendo se tornar um problema crônico ou recorrente que impossibilite ao sujeito cuidar de si mesmo e de suas atividades diárias.

As condições clínicas necessárias para o diagnóstico da depressão são definidas através da presença de determinados sintomas que se manifestam numa certa intensidade, freqüência e duração. Os manuais psiquiátricos os descrevem com detalhes e classificam de Transtornos do Humor (APA, 1995) ou Transtornos Afetivos (OMS, 1993) o que se costuma chamar de depressão.

Neste artigo serão abordadas duas concepções sobre a depressão: a primeira abordagem é a da psiquiatria biológica, que faz uso somente do termo depressão e reforça a descrição dos transtornos mentais, a enumeração de sintomas manifestos segundo os moldes padronizados dos manuais de psiquiatria, respaldando a idéia de que a depressão seria de natureza biológica; o segundo referencial teórico é o da psicanálise, em que a atenção dos sintomas manifestos da depressão é deslocada para os conflitos psíquicos que os determinam, abrindo espaço para a intervenção psicanalítica (Peres, 2003).

A tese da reativação do conflito edípico como fonte de conflitos psicológicos na adolescência, reforça a idéia de que tais manifestações de crise são superáveis e necessárias ao desenvolvimento psicológico. Porém, nem sempre o confronto e a elaboração da depressão enquanto luto são possíveis, levando o adolescente a bloquear a superação desta fase, configurando, nestes casos, uma manifestação patológica mais caracterizada como melancolia.

Pode-se pensar então, de acordo com Costa Pereira (2002), que o uso de modelos classificatórios, como o DSM-IV e o CID-10, apontam uma diferenciação importante acerca da noção de sintoma na psiquiatria biológica e na psicanálise, visto que nesta o sintoma é portador de uma significação, enquanto que naquela os sintomas são a própria doença.

 

O DISCURSO DA PSIQUIATRIA

A idéia de que a depressão poderia ocorrer com mais freqüência do que se esperava na população jovem e que se tratava de um transtorno psiquiátrico relevante ocorreu em 1971, na cidade de Estocolmo, no quarto congresso da União Européia de Psiquiatras Infantis. A aceitação do referido quadro clínico neste grupo etário gerou o desenvolvimento de escalas de avaliação de depressão e o estabelecimento de critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 1995). As mudanças que ocorreram no pensamento clínico propiciaram progressivamente o desenvolvimento de três concepções: (1) a síndrome depressiva similar à dos adultos não existiria; (2) a síndrome depressiva existe na criança, porém sua apresentação sintomatológica preserva características predominantes de cada fase do desenvolvimento, que são específicas e que não são encontradas nos adultos; (3) a síndrome depressiva existe na criança e surge acompanhada por outros sintomas ou síndromes, como hiperatividade, enurese, encoprese, déficit de aprendizagem e transtorno de conduta (Versiani, Reis & Figueira, 2000).

O manual utilizado pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2003) observa comportamentos atípicos nos episódios depressivos da adolescência, incluindo nestes episódios a categoria transtorno depressivo de conduta, caracterizado, principalmente, pelos sintomas seguintes: sofrimento psíquico excessivo, ausência de interesse e prazer nas atividades de rotina, auto-recriminação e falta de esperança. No que tange à caracterização dos sintomas depressivos na adolescência, Bahls (2002) estabelece relação entre os sintomas do episódio depressivo maior do DSM-IV e os sintomas de depressão em adolescentes.

O episódio depressivo maior, critérios para adultos, é relacionado como um transtorno, uma doença, composta por no mínimo cinco dos critérios diagnósticos arrolados: (1) humor deprimido; (2) interesse ou prazer diminuídos; (3) perda ou ganho significativo de peso, ou diminuição ou aumento de apetite; (4) insônia ou hipersonia; (5) agitação ou retardo psico-motor; (6) fadiga; (7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva; (8) capacidade diminuída de concentração; (9) ideação, tentativa ou plano suicida. Sendo o humor deprimido presença obrigatória entre eles. Os sintomas devem se apresentar por períodos não inferiores a duas semanas, podem ser recorrentes e independentes da idade, além disso, causam prejuízo importante no comportamento social (APA, 1995).

No que concerne aos critérios para adolescentes, Bahls (2002) descreve os seguintes: (1) irritabilidade e instabilidade; (2) humor deprimido; (3) perda de energia; (4) desmotivação e desinteresse; (5) retardo psicomotor; (6) sentimentos de desesperança e/ou culpa; (7) alterações do sono; (8) isolamento; (9) dificuldade de concentração; (10) prejuízo no desempenho escolar; (11) baixa auto-estima; (12) ideação e comportamento suicida; (13) problemas graves do comportamento. Os sintomas depressivos podem se apresentar através de um quadro polimórfico, acompanhados também de distúrbios psicossomáticos; com alterações do sono, tais como, insônia, sonolência e pesadelos; choro fácil e imotivado; atitudes de isolamento e agressividade. Vale ressaltar que a depressão maior só pode ser considerada em seus aspectos clínicos, como ocorrendo na adolescência caso apresente-se de forma duradoura e freqüente, afetando as mais variadas funções e causando danos psicossociais significativos.

Desta forma, Observa-se que, os manuais sugerem uma classificação e uma semiologia dos Transtornos do Humor ou Afetivos similares para o adolescente e o adulto, acrescentando a predominância de determinados critérios em função da faixa etária. Os transtornos são diagnosticados através da presença de sintomas, cuja distinção entre a classificação de uma depressão maior ou uma reação de adaptação depressiva costuma ser realizada através do preenchimento ou não dos critérios diagnósticos arrolados. No DSM-IV (APA, 1995) existem 29 subdivisões para os transtornos do humor. As outras classificações restringem-se à mera observação do comportamento e dos fenômenos sem remeter-se a nenhuma etiologia. No CID-10 (OMS, 1993) existem 36 subdivisões e a referência à manifestação do humor depressivo não está restrita somente aos transtornos de humor, mas em outros transtornos psiquiátricos, como, por exemplo: os fóbico-ansiosos, ansiedade generalizada, obssessivo-compulsivo e os transtornos depressivos de conduta

A classificação, no entanto, limita-se apenas, à descrição dos fenômenos sem nenhuma implicação etiológica e sem comprometer-se com nenhum pressuposto teórico (Rodrigues, 2000), ou seja, uma abordagem puramente descritiva e seus limites devem ser evidenciados: em primeiro lugar, descarta as informações subjetivas e impossíveis de comprovação direta, promovendo, somente, a realidade imediatamente presente e objetiva; e, em segundo, a atividade diagnóstica se encerra na classificação (Sauri, 2001). A classificação psiquiátrica, assim, conserva sua importância, porém, não prescinde de uma compreensão do fenômeno depressivo em relação às situações vividas.

Winnicott (1983) enfatiza que a contribuição mais importante de Freud à psiquiatria e, consequentemente, para a compreensão da doença mental, foi a superação de antigos conceitos acerca da classificação, em detrimento dos três seguintes principais aspectos: o primeiro foi o comportamento, ou melhor, a relação que o sujeito empreende com a realidade; o segundo foi a formação de sintomas, apreendida como sendo um modo de comunicação, incluindo nesta o conceito de inconsciente; e, o terceiro, refere-se à etiologia, que preza a escuta da história do paciente e a importância do material emergente no curso da psicoterapia.

No que se relaciona à questão depressão, é importante localizar que o termo é originalmente introduzido pela psiquiatria, onde o mesmo, tal como é conceituado na atualidade veio a se desenvolver. A influência da biologia como a ciência guia da psiquiatria é base para a disseminação da idéia de que a depressão no homem pode ser originada, tratada e, finalmente, curada biologicamente. Todavia, o termo depressão nem sempre esteve associado de forma tão contundente às ciências naturais como na atualidade. Historicamente, isto é conseqüência de um percurso que levou a disciplina de psicopatologia a restringir o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos em torno de uma linguagem comum - a da classificação psiquiátrica - com vistas a alcançar um estatuto de cientificidade, conferindo ênfase ao crescimento da psiquiatria biológica via utilização de medicamentos (Beauchesne, 1989; Rodrigues, 2000).

Assim, na vertente biologicista, a depressão é definida como uma doença, cuja etiologia está associada principalmente a fatores hereditários e, conseqüentemente, seu tratamento mais indicado estaria ligado à terapia farmacológica. Nesse sentido, Bogochvol (2001), numa perspectiva crítica afirma que, as ciências humanas nada teriam a contribuir para a compreensão da depressão, pois, com freqüência difunde-se a idéia de que o sintoma psíquico pode ser pautado unicamente na dimensão biológica, não havendo assim, nenhum outro motivo para se pensar numa dimensão propriamente psicopatológica ou mesmo numa autonomia do psiquismo.

A ascensão crescente, da temática da depressão no contexto da psiquiatria biológica é notória, sendo consideráveis os investimentos financeiros aplicados nas pesquisas com psicofármacos e posterior divulgação das descobertas como receitas bastante eficientes.

O marketing na ocasião do lançamento de drogas como o Prozac, que não tardou em ser chamado de "pílula da felicidade", não se limitava aos efeitos antidepressivos da droga, mas anunciava a chegada de uma nova era: a era da "psicofarmacologia cosmética", tal como se refere o psiquiatra norte-americano Kramer (1994, p.15), na qual bastaria uma pílula para modificar a personalidade (Rodrigues, 2000, p.155).

Seguindo a linha de raciocínio que apregoa a fantástica revolução das medicações antidepressivas na vida humana, observa-se que a psicofarmacologia e as neurociências estão se transformando em produtos da mídia. Propagandas constantemente informam sobre a descoberta de medicamentos que podem curar os mais variados matizes do sofrimento psíquico. Tais informações são multiplicadas e passam a compor o sistema de crenças das pessoas, assimiladas como informações cientificamente comprovadas, sem uso de uma reflexão crítica mais aprofundada, tratadas com veneração e, ao mesmo tempo, com banalidade. Na opinião de Nogueira Filho (2001) o mais criticável, é, exatamente, a associação entre a respeitabilidade científica destas disciplinas mediante o senso comum e um certo pragmatismo econômico, visto que o recomendável atualmente é que os tratamentos sejam rápidos, baratos e simples, justificando assim a utilização de drogas antidepressivas em qualquer circunstância, incluindo o luto comum.

 

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE

A adolescência, geralmente, é considerada um momento de profundas transformações, desde a relação do jovem com seu corpo até seu reconhecimento como membro de um corpo social. A psicanálise, assim, aborda o sujeito adolescente considerando também seus processos de luto, que se articulam entre si promovendo no jovem, a dolorosa tarefa de desligar-se dos pais, de posicionar-se na partilha dos sexos e, conseqüentemente, de realizar suas escolhas (Alberti, 2004; Freud, 1917/1980; Rassial, 1997).

Com o advento da puberdade ocorrem as transformações necessárias para que a vida sexual infantil vá ao encontro de sua forma final. Contudo, a sexualidade para a psicanálise não guarda relação direta somente com os aspectos concernentes aos caracteres sexuais secundários, mas com uma noção de sexualidade que, independente de servir ou não às finalidades de reprodução, desempenha papel importante em toda a amplitude da vida mental, incluindo seus aspectos psíquicos e éticos. As constatações clínicas de manifestações sexuais infantis, a partir da adolescência, colocam em evidência o corpo erógeno, o corpo investido sexualmente (Freud, 1905/1972).

A estranheza que a puberdade lhe evidencia, coloca o jovem diante de um contexto ainda não compreendido totalmente, mas que, com certeza, lhe imputa a perda da condição infantil e a perda da encantadora fantasia da onipotência parental. Todavia, mesmo com todo o impacto dessa perda, vale ressaltar que, desde os meses iniciais de vida a criança já vai vivenciando a ausência da mãe, percebendo que esta não é onipresente. Tais ausências podem ser vividas como pequenas mortes, inaugurando uma das representações mais fortes do desenvolvimento humano "que é a morte como ausência, perda, separação, e a conseqüente vivência de aniquilação e desamparo" (Kovács, 1992, p. 3). Conseqüentemente, um luto importante se faz neste momento: o luto pelos pais da infância.

A separação da autoridade dos pais se organiza enquanto uma perda, pois antes aos pais da infância era atribuída uma posição idealizada, que o adolescente, ao longo de sua jornada, necessita abrir mão. Paradoxalmente, é esta percepção vacilante dos referênciais identificatórios que permite ao adolescente criar uma direção para si mesmo e investir em suas próprias escolhas.

Ao mesmo tempo em que estas fantasias claramente incestuosas são superadas e repudiadas, completa-se uma das mais significativas e, também, uma das mais dolorosas realizações psíquicas do período puberal: o desligamento progressivo dos pais, um processo que, sozinho, torna possível a oposição, tão importante para o progresso da civilização, entre a nova geração e a velha (Freud, 1905/1972, p. 234).

Esta decepção com os pais idealizados da infância vem juntar-se aos lutos pelo papel e pela identidade infantis cujo exercício implicam em alguns privilégios para a criança e, certamente, sua perda, num certo temor com relação às responsabilidades do mundo adulto. Ao mesmo tempo, a percepção do adolescente lhe informa sobre a sua crescente semelhança física com os adultos, transformação esta que vai acontecendo a sua revelia, de forma rápida e inevitável, promovendo um outro luto, o luto pelo corpo infantil perdido (Aberastury, 1978; Knobel, 1978).

O corpo, efeito primordial da puberdade, passa a ser um território de interrogações para o jovem. O que se costuma chamar de caracteres sexuais secundários: a mudança de voz, da pilosidade, o crescimento dos seios, dentre outros; são autônomos com relação ao desejo de amadurecer e, por sua pregnância, ali se encontram, questionando o jovem. Se na infância alguma direção em relação ao gozo era sustentada, mesmo que artificialmente, agora a bissexualidade infantil, já não se sustenta. A partir da adolescência se faz praticamente impossível mantê-la sem recorrer a certos mecanismos patológicos (Rassial, 1997).

O adolescente necessita situar-se quanto a sua sexualidade, a ele é solicitado uma representação de si mesmo, uma tomada de posição na partilha dos sexos, e à criança tal solicitação não é feita. Freud (1917/1980) afirma que a puberdade implica no encontro com o sexo, algo imprevisto, que certamente promove angústia, na medida em que põe à prova a relação edípica e os ideais parentais. Múltiplas causalidades se configuram na constituição dos sintomas no sujeito adolescente, o encontro com o sexo seria uma delas, não o encontro que se reduz somente à relação sexual, mas o que confronta o adolescente com uma tomada de posição sexual.

Razão da importância dos pais na adolescência como únicas balizas de que alguma coisa ainda consiste, mesmo se já podemos considerá-la retrógrada, incompreensível, falha, incongruente. Ao poderem sustentar sua posição, os pais permitem ao sujeito adolescente a ancoragem nos difíceis momentos de suas próprias pesquisas, mesmo as sexuais, necessárias para uma verdadeira tomada de posição na partilha dos sexos - qualquer que seja (Alberti, 2004, p. 39).

Freud (1915/1974), no seu texto Luto e melancolia, já associava o estado e o humor depressivos às questões relacionadas à morte, às separações e ao luto, enfim, à perda do objeto. A depressão, segundo Deloya (2002), emerge com essa progressiva consciência de ser separado da mãe, na falácia da fantasia de completude mãe-filho, que permite a saída da criança deste lugar santificado, possibilitando assim, a emergência do sujeito psíquico. No complexo de Édipo o objeto em falta é a própria mãe e é exatamente em torno desta falta que a relação com o mundo se dá,

pois somos todos enquanto seres falantes forjados por uma perda, modelados por uma falta [...] a falta é o elemento central que impulsiona a nossa entrada no universo simbólico (Peres, 2003, p.10-12).

A estruturação do sujeito é norteada em torno desta falta, levando assim, o luto, a ocupar um lugar fundante e, na medida em que o relacionemos com a questão da depressão e da melancolia, observa-se uma tendência depressiva dentro da própria constituição humana. Fédida (2000) enfatiza este aspecto, de não caracterizar a depressão enquanto estrutura psíquica por se tratar de um estado próprio à constituição do aparelho psíquico, possibilitando declarar que tal quadro caracteriza o humano.

Há, portanto depressão na melancolia. Porém, ao passo que a primeira pode ser vista como estado, a segunda pode ser caracterizada –tal como Freud o fez- como neurose nascísica, na qual o conflito intrapsíquico ocorre entre as instâncias do ego e do superego, implicando o sujeito na culpa [...] a depressão seria, um estado durando o tempo necessário para que o vazio inanimado do vivo se constitua como organização narcísica e retorna toda vez que o psiquismo solicita uma restauração de seu narcisismo. Como está constantemente ameaçado, tanto por forças externas como internas, a depressão está invariavelmente presente. O humano, como se sabe, não suporta por muito tempo o contato com a dura realidade e um dos recursos a sua disposição para se proteger desse contato tão frustrante e ameaçador é a depressão (Fédida 2000, p. 75-80).

Na adolescência, as perdas simbólicas relacionadas à estrutura da infância necessitam ser elaboradas através de vivências que despertam no jovem sentimentos característicos de um processo de luto com manifestações de sintomas depressivos. As constantes flutuações de humor e do estado de ânimo (Aberastury & Knobel, 1981) são apontadas como um recurso defensivo que se estabelece no comportamento do jovem, a fim de aplacar seus conflitos internos e, por conseguinte, auxiliar na elaboração das situações de perda: "um sentimento básico de ansiedade e depressão acompanhará permanentemente como substrato o adolescente" (Knobel, 1981, p.57).

Os trabalhos de luto por fazer, de sua posição infantil, do corpo infantil e das figuras parentais idealizadas confrontam o adolescente, segundo Rassial (1997), com uma possibilidade de pane que confere um estilo ao seu comportamento anormal quer se manifeste através de condutas psicopáticas, na instauração de relações perversas ou, no que interessa ao presente trabalho, através das particularidades do seu estado depressivo. Se por um lado, a adolescência representa a esperança enquanto um devir, por outro, representa também a morte enquanto perda definitiva de uma fantasia infantil idealizada e do ideal parental.

É a partir disto que o trabalho psíquico a ser feito envolve tanto o luto, quanto a melancolia. O luto, compreendido também como depressão, contém além dos seus efeitos mórbidos - os sintomas depressivos -, a condição de elaboração psíquica, implicando numa maturidade no indivíduo e num certo grau de elaboração do self. Na melancolia, dá-se o abandono do anseio de superação e o luto se torna impossível. Portanto, é preciso que o passado seja reconhecido enquanto lembrança, instaurando a memória e protegendo assim a vida psíquica. Os pais não são mais os salvadores do desamparo humano, existe sempre algo que aponta uma falha parental e exige uma elaboração por parte do sujeito. Em tal processo de elaboração surge a depressão, e nessa diferença entre depressão e melancolia, a manifestação depressiva, na ausência de outro recurso, protege da ameaça melancólica (Deloya, 2002; Fédida, 2002).

Obviamente, em certos casos existem riscos do jovem estar caminhando em direção ao caos - deliquência, toxicomania e loucura - mas, muito freqüentemente, aí estão manifestações normais de uma crise útil para um treino de escolhas que o adolescente tem que efetuar. Nas palavras de Rassial (1997):

Há casos nos quais assim indica-se o que pode verdadeiramente virar um comprometimento patológico, mas por outro lado, sobretudo, é preciso aceitar como válidas as questões implícitas ou explícitas às quais o adolescente responde através de sua conduta [...] Tentei mostrar como, por trás de tal ou qual manifestações mórbidas, podia-se reencontrar verdadeiras questões essenciais, mesmo se nós tenhamos escolhido, para tornamo-nos adultos, evitá-las ou minimizá-las (p. 88).

Assim, alguns comportamentos adolescentes, não significam necessariamente o estabelecimento de uma morbidade, como se poderia supor no adulto. Mas assinalam uma exigência psíquica da adolescência de se experimentar de uma maneira diferente no mundo. Essa forma de se experimentar, normalmente, vem acompanhada de transgressões que, do ponto de vista dos pais, sugere que eles têm um adolescente com problemas. Para Rassial (1997) aceitar passar pela adolescência é afirmar sua solidão, "até mesmo reivindicá-la" (p. 93), de certa forma, pensa-se que é preciso essa depressividade (Fédida, 2002), com a sua conseqüente superação, enquanto um dos motores do processo da adolescência, um conflito necessário e fundador.

Quando o jovem manifesta os sintomas da depressão, principalmente no que tange às  manifestações de seus afetos: como a tristeza e a inibição, pode estar necessitando deste afastamento do mundo, a fim de elaborar, as dificuldades em encontrar as referências simbólicas que pavimentem um acesso em que possa criar um caminho para si mesmo e para investir em suas próprias escolhas. "Compreendemos as condutas mais patológicas do adolescente somente na condição de considerá-la como busca de uma nova virtude" (Rassial, 1997, p. 19).

Afinal, o mundo dos adultos revela o quão frágil é a promessa de que a saída da infância é condição de um lugar social reconhecido, na verdade, tal saída o coloca em um tempo de espera onde terá que realizar a reconstrução dos ideais perdidos. Nesta tarefa deverá separar-se dos pais idealizados para incorporá-los simbolicamente e, ao incorporá-los, reconhecê-los ao longo de sua trajetória na vida. Neste momento os adolescentes já não satisfazem às demandas dos pais, questionam as regras da família, da escola e da sociedade, numa manifestação clara de que, nem todas as referências que os pais ofereceram, lhes servirão (Alberti, 2004). Aqui, não existem necessariamente oposições entre pais e filhos, mas visões diversas de mundos, curiosamente complementares: a bagagem que lhes foi passada pelos pais, em vez de constituir um peso, poderá ser um estímulo poderoso para que o adolescente se imponha um sem-número de desafios, abrindo mão de uma segurança estéril - útil somente para a infância -, dos pais como muletas e se aventurando em compor um outro personagem; uma reinvenção.

 

DISCUSSÃO

O uso do diagnóstico positivista contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da tarefa diagnóstica, tanto pelo uso da observação sistemática como pela possibilidade de estabelecer um sistema de categorização baseado nos dados oriundos das evidências empíricas. A noção objetiva herdada da tradicional classificação psiquiátrica impõe que suas categorias operacionais sejam elaboradas de um modo positivo e passível de um controle experimental das hipóteses que são formuladas sobre os transtornos ou desordens mentais (Sauri, 2001).

As categorias diagnósticas, uma vez estabelecidas, possibilitam todo um trabalho de investigação e clínico, que não deve ser simplesmente desqualificado. Contudo, diagnosticar é apenas um dos momentos na compreensão dos fenômenos psicopatológicos; somente a partir de um diagnóstico, se propõe a reconstrução de um processo, que conduz, desde a construção subjetiva até a aparição dos sintomas, partindo de uma compreensão da dinâmica do sujeito e suas possibilidades de integração e re-significação dos sintomas apresentados e não, simplesmente, sua exclusão (Braunstein, 1987).

A crítica de Beauchesne (1989) aponta, principalmente, para os avanços nas pesquisas em biologia e farmacologia que induziram a psicopatologia objetiva e a psiquiatria a utilizarem conhecimentos que não são necessariamente psicológicos, acrescentando que a prática clínica assim está subvertida em nome de outra dimensão que não ela mesma e, nessa perspectiva farmacológica, a psicopatologia e a psiquiatria se afastam do que é psíquico, se afastam do que é inerente à natureza interna do ser humano. Isso significa permitir o desaparecimento da dimensão humana em suas condições psicológicas, históricas e sociais "em uma especialidade que se distingue por pretender ser, literalmente, uma medicina da alma em sofrimento" (Costa Pereira, 2002, p. 40).

Nesse sentido, a teoria freudiana profere uma influência importante sobre o entendimento da classificação psiquiátrica e se apresenta como uma perspectiva que vai além da explicação positivista, pois considera a dimensão biográfica como imprescindível para a atividade diagnóstica. A psicanálise é a teoria que institui a entrevista diagnóstica como um momento de incessante reconstrução de um saber, levando em consideração que, os sintomas psiquiátricos não são estáveis e nem apresentam a continuidade típica das doenças somáticas (Sauri, 2001; Winnicott, 1983). No tocante a este posicionamento considera-se a adolescência um exemplo importante para ilustrar essa propriedade situacional dos fenômenos psíquicos, pois, por ocasião dessa etapa evolutiva, ressurgem algumas dificuldades presentes nos primeiros estágios do desenvolvimento infantil.

Rassial (1999) aponta que o jovem pode apresentar um comportamento inquieto bem característico desta fase, cujos aspectos centrais são descritos como uma conjugação de angústia e depressão. Tal conjugação tem como uma de suas expressões de conduta as mudanças constantes do humor e dos estados de ânimo, e por ser considerada transitória torna impossível se reter a idéia de que estamos diante de uma doença psiquiátrica definitiva: "uma vez que o diagnóstico do paciente não apenas fica cada vez mais claro à medida que a análise prossegue como também se altera" (Winnicott, 1983, p.121).

No âmbito da classificação psiquiátrica, Lemgruber (1995) comenta que o espectro da depressão abrange tanto uma situação normal de tristeza, quanto a depressão neurótica ou a depressão psicótica. Isso depende da condição do sujeito que apresenta o sofrimento, de preencher os critérios diagnósticos para o estabelecimento da nomenclatura adequada, sugerindo assim uma suposta continuidade ou gradação, do transtorno distímico, por exemplo, até o episódio depressivo maior ou quadros psicóticos. Ao citar o amplo espectro da depressão, o autor nos traz à luz, que sentimentos de luto ou tristeza fazem parte de um conjunto de experiências naturais da humanidade e podem ser inclusive considerados como uma resposta aos conflitos do cotidiano ou uma reação universal em face da noção que o homem tem da própria finitude e desamparo; são inerentes à condição humana e, nesse sentido, não seriam passíveis de tratamento e nem de serem categorizados como doença.

O adolescente necessita elaborar lutos concernentes às perdas da infância; tanto o afeto depressivo pode ser experimentado nesta elaboração, como outras formas de manifestações comportamentais, que nem sempre guardam uma relação tão óbvia com os sentimentos de infelicidade, mas que apontam para mudanças no comportamento (retardo psicomotor, sono alterado, perda de energia, desmotivação, déficit no desempenho escolar, etc.) e de humor (irritabilidade, instabilidade, sentimentos de desesperança, baixa auto-estima, idéias suicidas etc.). É claro que nesse processo espera-se que tais manifestações sejam superadas, embora as perdas relacionadas à adolescência não estejam ligadas a um trauma real ou que possam ser conscientemente relacionados, mas à elaboração de um luto articulado principalmente "à identificação e à transferência do investimento libidinal para outros objetos" (Rosa, 2002, p. 227); tais perdas apontam para um espaço na constituição do eu, presentificando o luto na estruturação do sujeito.

 

CONCLUSÃO

Neste artigo, procurou-se compreender o fenômeno da depressão no contexto da adolescência, resgatando uma visão de psicopatologia que destaca tanto a perspectiva da psiquiatria biológica, quanto a perspectiva da psicopatologia psicanalítica. Esta última, não encerra sua investigação sobre o sofrimento psíquico na identificação de uma categoria nosológica, mas busca desvelar o desenvolvimento dos processos que levaram a tal identificação.

A literatura pertinente (Peres, 2003) definiu duas perspectivas predominantes para se versar sobre o tema da depressão: a teoria psicanalítica, onde se faz uso tanto do termo melancolia como do termo depressão; e a perspectiva da psiquiatria biológica que faz uso somente do termo depressão. A psicanálise, a partir do seu referencial, promove uma diferenciação entre os termos depressão e melancolia: para o primeiro termo indicam-se quadros clínicos bem definidos de neurose ou sintomas que se apresentem em manifestações episódicas também relacionadas aos quadros evolutivos do desenvolvimento humano, tal como ocorre na adolescência. Já para a melancolia reservam-se as formas mais severas de assimbolia, inibição motora e afetiva, em que podem ocorrer a alternância de episódios maníacos e de paralisia, ou seja, uma alteração psíquica importante relacionada a uma estrutura de personalidade, a neurose narcísica, cujas manifestações psicopatológicas se devem à elaboração anormal dos lutos pela perda da estrutura infantil.

Muito se discorreu acerca da elaboração do luto pelas perdas dos pais idealizados da infância, do corpo infantil e da identidade infantil, por exemplo. A ênfase nesses aspectos, porém, deu-se em função da necessidade de dimensionar o conceito de depressão neste estudo. Contudo, vale ressaltar que a dimensão da alegria, da construção e da criatividade também compõem o rol de experiências subjetivas da adolescência.

A depressão, portanto, corresponde ao conceito de luto e, neste sentido, a elaboração dos lutos concernentes às perdas da estrutura infantil é exigida, acrescentando aos sentimentos vivenciados pelos adolescentes uma expressão de tristeza que não deve ser necessariamente considerada uma experiência negativa, mas uma elaboração necessária e positiva. Porém, nem sempre o confronto e a elaboração do luto são possíveis, e define-se como melancolia, o luto impossível de ser superado. A partir disto, consideram-se quatro aspectos fundamentais na caracterização do conceito de depressão na adolescência: (1) é um estado presente em qualquer estrutura, nem toda manifestação de tristeza ou alteração no comportamento é uma manifestação patológica; (2) é constitutiva do psiquismo e da estruturação do sujeito; (3) funciona como uma defesa do psiquismo, visando proteger o humano; e (4) deve ser concebida como um luto, no sentido psicanalítico do termo, que após certo lapso de tempo, necessita ser superado e a libido reinvestida em outros objetos.

Em síntese, a depressão ou depressões, como uma resposta aos desafios da adolescência, pode ocorrer em função de mecanismos múltiplos, tanto como um luto necessário e que deve ser superado, como uma perda irreparável que recai sobre o próprio ego, o ego melancólico. Toda perda, todavia, sugere uma elaboração, esta, que se opera durante a adolescência, requer tempo para que possa ser elaborada, pois, segundo Rassial (1997) o trabalho de triplo luto da adolescência, impõe ao jovem realizar uma série de operações fundadoras que, após o Édipo, implicam num encontro com os verdadeiros limites de uma onipotência infantil supostamente preservada durante a fase de latência. Somente assim, a constituição do psiquismo prossegue, caracterizando a depressão ou luto como uma reestruturação defensiva do aparelho psíquico.

 

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Endereço para correspondência:
Kátia Cristine Cavalcante Monteiro
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Artigo original:

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